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Document 62010CJ0262

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 6 de setembro de 2012.
Döhler Neuenkirchen GmbH contra Hauptzollamt Oldenburg.
Pedido de decisão prejudicial apresentada por Bundesfinanzhof.
Código Aduaneiro Comunitário — Regulamento (CEE) n.° 2913/92 — Artigo 204.°, n.° 1, alínea a) — Regime de aperfeiçoamento ativo — Sistema suspensivo — Constituição de uma dívida aduaneira — Incumprimento da obrigação de apresentação da relação de apuramento no prazo estabelecido.
Processo C-262/10.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:559

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

6 de setembro de 2012 ( *1 )

«Código Aduaneiro Comunitário — Regulamento (CEE) n.o 2913/92 — Artigo 204.o, n.o 1, alínea a) — Regime de aperfeiçoamento ativo — Sistema suspensivo — Constituição de uma dívida aduaneira — Incumprimento da obrigação de apresentação da relação de apuramento no prazo estabelecido»

No processo C-262/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 30 de março de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 27 de maio de 2010, no processo

Döhler Neuenkirchen GmbH

contra

Hauptzollamt Oldenburg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, J. Malenovský, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis (relator) e D. Šváby, juízes,

advogado-geral: N. Jääskinen,

secretário: B. Fülöp, administrador e, seguidamente, A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de abril de 2011,

visto o despacho de reabertura da fase oral do processo de 25 de outubro de 2011 e após a audiência de 1 de dezembro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Döhler Neuenkirchen GmbH, por H. Bleier, Rechtsanwalt,

em representação do Hauptzollamt Oldenburg, por A. Gessler, Oberregierungsrätin,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e V. Štencel, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Bouyon e B.-R. Killmann, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 8 de março de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 648/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005 (JO L 117, p. 13, a seguir «código aduaneiro»).

2

Esse pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a Döhler Neuenkirchen GmbH (a seguir «Döhler») ao Hauptzollamt Oldenburg (a seguir «Hauptzollamt»), relativamente a uma dívida aduaneira na importação, reclamada à Döhler, devido ao facto de uma relação de apuramento relativo a mercadorias sujeitas ao regime de aperfeiçoamento ativo sob a forma de sistema suspensivo ter sido apresentada na estância de controlo aduaneiro fora do prazo estabelecido para esse efeito.

O quadro jurídico

O código aduaneiro

3

O regime de aperfeiçoamento ativo sob a forma de sistema suspensivo é definido no artigo 114.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro. Esse regime permite a utilização no território aduaneiro da União Europeia, em uma ou mais operações de aperfeiçoamento, das mercadorias não comunitárias destinadas à reexportação do referido território, sob a forma de produtos compensadores, sem que tais mercadorias sejam sujeitas a direitos de importação nem a medidas de política comercial. Em conformidade com o disposto no n.o 2, alíneas c) e d), do referido artigo, os produtos compensadores são todos os produtos resultantes de operações de aperfeiçoamento, nomeadamente, da transformação de mercadorias.

4

O artigo 89.o, n.o 1, do código aduaneiro tem a seguinte redação:

«Um regime económico suspensivo será apurado quando às mercadorias a ele sujeitas ou, eventualmente, aos produtos compensadores ou transformados obtidos sob esse regime for atribuído um novo destino aduaneiro autorizado.»

5

O artigo 118.o, n.os 1 e 2, do código aduaneiro prevê:

«1.   As autoridades aduaneiras fixarão o prazo em que os produtos compensadores deverão ser exportados ou reexportados ou receber outro destino aduaneiro. […]

2.   Os prazos contam-se a partir da data em que as mercadorias não comunitárias são sujeitas ao regime de aperfeiçoamento ativo. As autoridades aduaneiras podem prorrogá-los a pedido, devidamente justificado, do titular da autorização.

Para efeitos de simplificação, pode ser decidido que os prazos que se iniciem no decurso do mês civil ou de um trimestre terminem no último dia, conforme o caso, de um mês civil ou de um trimestre posterior.»

6

O título VII do código aduaneiro, intitulado «Dívida aduaneira», contém, no seu capítulo 2, as disposições relativas à constituição da dívida aduaneira. Este capítulo contém, nomeadamente, os artigos 201.° a 205.°, que preveem os factos geradores que conduzem à constituição de uma dívida aduaneira na importação.

7

O artigo 204.o, n.os 1 e 2, do código aduaneiro dispõe:

«1.   É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)

O incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da sua permanência em depósito temporário ou da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida

ou

[…]

em casos distintos dos [relativos à subtração à fiscalização aduaneira de uma mercadoria sujeita a direitos de importação], salvo se se provar que o incumprimento ou a não observância não tiver reais consequências para o funcionamento correto do depósito temporário ou do regime aduaneiro em questão.

2.   A dívida aduaneira considera-se constituída […] no momento em que cessa o cumprimento da obrigação cujo incumprimento dá origem à dívida aduaneira, […]»

O regulamento de aplicação

8

Em 2 de julho de 1993, a Comissão Europeia adotou o Regulamento (CEE) n.o 2454/93, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.o 2913/92 (JO L 253, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 214/2007 da Comissão, de 28 de fevereiro de 2007 (JO L 62, p. 6, a seguir «regulamento de aplicação»).

9

O artigo 496.o, alínea m), do regulamento de aplicação define o «prazo de apuramento» como «o prazo durante o qual as mercadorias ou produtos devem receber um novo destino aduaneiro admitido».

10

O artigo 521.o desse mesmo regulamento de aplicação dispõe:

«1.   O mais tardar a contar da data do termo do prazo de apuramento, independentemente do recurso ou não à globalização em conformidade com o n.o 2, segundo parágrafo, do artigo 118.o [do código aduaneiro]:

no caso do aperfeiçoamento ativo (sistema suspensivo) […], a relação de apuramento é apresentada à estância de controlo no prazo de 30 dias,

[…]

Quando circunstâncias especiais o justificarem, as autoridades aduaneiras podem prorrogar esse prazo mesmo após o seu termo.

2.   A relação ou o pedido devem conter as indicações seguintes, salvo se a estância de controlo determinar de outro modo:

a)

As referências da autorização;

[…]

e)

A referência às declarações a coberto das quais as mercadorias de importação foram sujeitas ao regime;

f)

A espécie e a quantidade de produtos compensadores ou transformados ou de mercadorias no seu estado inalterado e o destino aduaneiro que lhes foi atribuído, com referência às declarações correspondentes, a outros documentos aduaneiros ou a quaisquer outros documentos relativos ao apuramento e aos prazos de apuramento;

[…]

i)

O montante dos direitos de importação a pagar, reembolsar ou a dispensar do pagamento e, se for caso disso, o montante dos juros compensatórios a pagar. Quando esse montante se referir à aplicação do artigo 546.o, será mencionado à parte;

[…]

3.   A estância de controlo pode proceder à elaboração da relação de apuramento.»

11

O artigo 546.o, primeiro e segundo parágrafos, do regulamento de aplicação prevê:

«[A decisão das autoridades aduaneiras de autorizar o recurso ao regime] estabelece se os produtos compensadores ou as mercadorias no seu estado inalterado podem ser introduzidos em livre prática sem declaração aduaneira, sem prejuízo do cumprimento das medidas de proibição ou de restrição. Nesse caso, considera-se que esses produtos ou mercadorias foram introduzidos em livre prática, se não tiverem recebido um destino aduaneiro na data do termo do prazo de apuramento.

Para efeitos do n.o 1, primeiro parágrafo, do artigo 218.o do [código aduaneiro], considera-se que a declaração de introdução em livre prática foi apresentada [e] aceite e a autorização de saída concedida no momento da apresentação da relação de apuramento.»

12

O artigo 859.o do regulamento de aplicação, que figura na sua parte IV, consagrada à dívida aduaneira, e mais precisamente no título II dessa parte, intitulado «Constituição da dívida», estabelece:

«Consideram-se, nomeadamente, sem reais consequências sobre o funcionamento correto do depósito temporário ou do regime aduaneiro considerado na aceção do n.o 1 do artigo 204.o do código aduaneiro, os seguintes incumprimentos ou não observâncias, desde que:

não constituam uma tentativa de subtração da mercadoria à fiscalização aduaneira,

não impliquem negligência manifesta por parte do interessado,

sejam cumpridas a posteriori todas as formalidades necessárias à regularização da situação da mercadoria:

[…]

9)

No âmbito dos regimes de aperfeiçoamento ativo e de transformação sob controlo aduaneiro, a ultrapassagem do prazo autorizado para a apresentação da relação de apuramento, desde que esse prazo pudesse ter sido prorrogado, se o pedido tivesse sido feito atempadamente;

[…]»

13

Nos termos do artigo 860.o do regulamento de aplicação, «[a]s autoridades aduaneiras consideram uma dívida aduaneira como constituída nos termos do n.o 1 do artigo 204.o do código [aduaneiro], salvo se a pessoa suscetível de ser o devedor provar que se encontram preenchidas as condições do artigo 859.o».

O litígio no processo principal e a questão prejudicial

14

No decurso do primeiro trimestre de 2006, a Döhler importou concentrados de sumos de fruta, que transformou, no quadro do regime de aperfeiçoamento ativo sob a forma de sistema suspensivo, nos termos permitidos pela autorização que lhe tinha sido concedida para esse efeito. Em conformidade com essa autorização, o prazo de apuramento deste regime terminava no quarto trimestre civil a seguir à sujeição das mercadorias não comunitárias ao referido regime, ou seja, em 31 de março de 2007. Resulta igualmente dos elementos dos autos que a referida autorização permitia que a Döhler introduzisse em livre prática, sem declaração aduaneira, mercadorias em estado inalterado ou produtos compensadores.

15

A relação de apuramento deveria ter sido apresentada nos 30 dias seguintes ao apuramento do regime aduaneiro, ou seja, no processo principal, o mais tardar, em 30 de abril de 2007, mas a Döhler não o fez e ignorou a interpelação do Hauptzollamt que reclamava a apresentação dessa relação até 20 de junho de 2007.

16

Na falta da referida relação de apuramento, o Hauptzollamt procedeu, em 4 de julho de 2007, à liquidação dos direitos de importação sobre o conjunto das mercadorias importadas para as quais o prazo de apuramento tinha terminado em 31 de março de 2007, até à concorrência do valor total destas mercadorias, ou seja, um montante de 1403188,49 euros.

17

Em 10 de julho de 2007, a Döhler apresentou finalmente a relação de apuramento relativa às mercadorias em causa no processo principal, deixando transparecer um montante de direitos de importação devidos, de 217338,39 euros, correspondente a uma quantidade de mercadorias de importação não exportadas nos prazos estabelecidos, ou seja, antes de 31 de março de 2007, inferior à considerada pelo Hauptzollamt.

18

A Döhler contestou a diferença entre o montante dos direitos de importação liquidados pelo Hauptzollamt e o resultante da sua relação de apuramento e, na sequência do indeferimento da sua reclamação, interpôs recurso para o Finanzgericht Hamburg (tribunal competente em matéria fiscal de Hamburgo), para obter o abatimento dos direitos de que entendia não ser devedora.

19

O Finanzgericht Hamburg negou provimento ao recurso interposto, considerando que, não tendo observado o prazo fixado para a apresentação da relação de apuramento, a Döhler não tinha cumprido as suas obrigações, o que conduziu à constituição de uma dívida aduaneira, em conformidade com o disposto no artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro. Esse órgão jurisdicional julgou igualmente que a apresentação tardia da relação de apuramento não podia ser considerada como um incumprimento sem reais consequências para o funcionamento correto do regime aduaneiro em causa, na aceção do artigo 204.o, n.o 1, in fine, do código aduaneiro, conforme executado pelo artigo 859.o, ponto 9, do regulamento de aplicação.

20

A este propósito, o referido órgão jurisdicional considerou, por um lado, que o prazo de apresentação da relação de apuramento não poderia ter sido prorrogado mesmo que o pedido tivesse sido apresentado atempadamente, pois não se verificaram circunstâncias especiais que pudessem justificar essa prorrogação, e, por outro, que era imputável à Döhler negligência grosseira, porquanto, sendo uma operadora económica experiente na aplicação do regime de aperfeiçoamento ativo, sabia da obrigação de apresentar as relações de apuramento em datas determinadas, tendo, além disso, sido alertada para este requisito pelo Hauptzollamt.

21

Contestando a negação de provimento ao seu recurso pelo Finanzgericht Hamburg, a Döhler interpôs então recurso de «Revision» para o Bundesfinanzhof (tribunal federal competente em matéria fiscal), alegando que o apuramento do regime aduaneiro tinha ocorrido em 31 de março de 2007 e que qualquer incumprimento de um dever após essa data, tal como a apresentação fora de prazo da relação de apuramento, já não podia influir no regime aduaneiro nem, a fortiori, conduzir à constituição de uma dívida aduaneira.

22

O órgão jurisdicional de reenvio, após ter examinado a interpretação do código aduaneiro preconizada pela Döhler, interroga-se sobre a constituição de uma dívida aduaneira em circunstâncias como as do caso em apreço. Além disso, realça o risco da dupla constituição de uma dívida aduaneira relativamente à parte das mercadorias não reexportadas, uma primeira vez, no termo do prazo de apuramento e, uma segunda vez, no termo do prazo para a apresentação da relação de apuramento.

23

Foi nestas circunstâncias que o Bundesfinanzhof, entendendo que a solução do litígio que lhe cumpre conhecer requer a interpretação do código aduaneiro, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do [código aduaneiro] deve ser interpretado no sentido de que também se aplica ao não cumprimento de obrigações que só se constituem após o apuramento do regime aduaneiro concedido ao interessado, de forma que – no caso de produtos importados ao abrigo do regime do aperfeiçoamento ativo em sistema suspensivo e parcialmente reexportados dentro do prazo – o não cumprimento da obrigação de apresentar a relação de apuramento à estância de controlo no prazo de 30 dias após o apuramento do processo conduz à constituição de uma dívida aduaneira relativamente à totalidade dos produtos importados que deviam ter sido objeto da relação de apuramento, desde que se não verifiquem os requisitos previstos no artigo 859.o, [ponto 9], do [regulamento de aplicação]?»

A tramitação processual no Tribunal de Justiça

A reabertura da fase oral do processo

24

Por decisão de 1 de março de 2011, o Tribunal de Justiça atribuiu o presente processo à Sétima Secção e convocou as partes para uma audiência que se realizou em 13 de abril de 2011. Decidiu, além disso, que a causa seria julgada sem apresentação de conclusões.

25

Em aplicação do disposto no artigo 44.o, n.o 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a Sétima Secção decidiu, em 22 de setembro de 2011, remeter o processo ao Tribunal, para efeitos da sua reatribuição a uma formação de julgamento mais importante. Seguidamente, o Tribunal de Justiça decidiu reatribuir o processo à Terceira Secção e julgar a causa após serem ouvidas as conclusões do advogado-geral.

26

Por despacho de 25 de outubro de 2011, em conformidade com o disposto no artigo 61.o do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça ordenou a reabertura da fase oral do processo e a convocação das partes para uma nova audiência, que fixou em 1 de dezembro de 2011.

27

O advogado-geral apresentou as suas conclusões na audiência de 8 de março de 2012, na sequência da qual foi encerrada a fase oral do processo.

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo na sequência das conclusões

28

Por carta de 9 de março de 2012, a Döhler pediu que lhe fosse concedido o direito de poder reagir por escrito às conclusões do advogado-geral, ou que fosse reaberta a fase oral do processo. Em apoio do seu pedido, a Döhler indica o seu desacordo com a posição adotada pelo advogado-geral e sustenta que as conclusões foram apresentadas fora da fase oral do processo, a qual foi encerrada em 1 de dezembro de 2011.

29

Antes de mais, há que referir que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o seu Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado-geral (despacho de 4 de fevereiro de 2000, Emesa Sugar, C-17/98, Colet., p. I-665, n.o 2).

30

No que respeita à reabertura da fase oral do processo, há que recordar que o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente ou por proposta do advogado-geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o disposto no artigo 61.o do seu Regulamento de Processo, se considerar que está insuficientemente esclarecido ou que a causa deve ser decidida com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v. acórdão de 3 de março de 2009, Comissão/Áustria, C-205/06, Colet., p. I-1301, n.o 13).

31

No presente caso, considerando-se o Tribunal de Justiça suficientemente esclarecido para se pronunciar e a causa não necessitando de ser decidida com base em argumentos que não tivessem sido debatidos entre as partes, não há que acolher o pedido de reabertura da fase oral do processo.

32

No que respeita ao argumento da Döhler segundo o qual as conclusões foram apresentadas fora da fase oral do processo, deve recordar-se que o artigo 59.o do Regulamento de Processo prevê, por um lado, que o advogado-geral apresente as suas conclusões orais fundamentadas, antes do encerramento da fase oral do processo, e, por outro, que o presidente do Tribunal de Justiça declare encerrada a referida fase do processo, após o advogado-geral ter apresentado as suas conclusões. No caso em apreço, está apurado que a fase oral do processo não foi encerrada antes de o advogado-geral ter apresentado as suas conclusões na audiência de 8 de março de 2012. Há, pois, que concluir que as modalidades de apresentação das conclusões no presente processo não conheceram nenhuma violação das regras aplicáveis no Tribunal de Justiça.

33

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado-geral, considera que há que indeferir os pedidos da recorrente no processo principal, com vista a ser autorizada a apresentar observações escritas suplementares ou tendentes à reabertura da fase oral do processo.

Quanto à questão prejudicial

34

Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que a violação da obrigação de apresentar a relação de apuramento na estância de controlo, nos 30 dias a partir do termo do prazo de apuramento, prevista no artigo 521.o, n.o 1, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do regulamento de aplicação, implica a constituição de uma dívida aduaneira no que respeita ao conjunto das mercadorias de importação a apurar, incluindo as reexportadas para fora do território da União Europeia, na medida em que se considere que as condições estabelecidas no artigo 859.o, ponto 9, do regulamento de aplicação não estão preenchidas.

35

Em conformidade com o disposto no artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro, é facto constitutivo de uma dívida aduaneira na importação o incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida, salvo quando seja demonstrado que esse incumprimento não teve reais consequências para o funcionamento correto desse regime. Cabe realçar, como fez o advogado-geral no n.o 49 das suas conclusões, que qualquer caso não abrangido por essa exceção cai no âmbito de aplicação do artigo 204.o do código aduaneiro.

36

A Döhler sustenta que, no processo principal, o regime de aperfeiçoamento ativo foi apurado, em conformidade com o disposto no artigo 89.o, n.o 1, do código aduaneiro, através da reexportação das mercadorias nas formas e nos prazos estabelecidos e que o benefício desse regime não pode, pois, ser retirado retroativamente pela constituição de uma dívida aduaneira devido ao facto de a relação de apuramento não ter sido apresentada no prazo estabelecido. Assim, segundo a Döhler, a violação da obrigação de apresentar a relação de apuramento prevista no artigo 521.o, n.o 1, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do regulamento de aplicação não pode conduzir à constituição de uma dívida aduaneira, na medida em que essa obrigação surge após o apuramento do regime aduaneiro em causa.

37

Esta posição não pode ser acolhida.

38

Com efeito, nenhuma disposição do código aduaneiro e do seu regulamento de aplicação, nas suas versões aplicáveis à época dos factos, permite estabelecer que, no que respeita ao efeito de um incumprimento na constituição de uma dívida aduaneira, em aplicação do artigo 204.o do código aduaneiro, haja que distinguir entre uma obrigação que se efetive antes ou depois do apuramento do regime aduaneiro em causa ou ainda entre uma obrigação dita «principal» e outra dita «secundária».

39

Por outro lado, o artigo 204.o do código aduaneiro estabelece, no seu n.o 1, que é facto constitutivo de dívida aduaneira «o incumprimento de uma das obrigações que […] derivam […] da utilização do regime aduaneiro», visando, assim, todas as obrigações decorrentes do regime aduaneiro em causa. Além disso, há que salientar que o ponto 9 do artigo 859.o do regulamento de aplicação prevê expressamente que a ultrapassagem do prazo autorizado para a apresentação da relação de apuramento não figura entre os incumprimentos que conduzem à constituição de uma dívida aduaneira desde que determinadas condições, que constam desse artigo, sejam preenchidas.

40

Há que recordar que o regime de aperfeiçoamento ativo sob a forma de sistema suspensivo constitui uma medida excecional destinada a facilitar o desenrolar de determinadas atividades económicas. Esse regime implica a presença, no território aduaneiro da União, de mercadorias não comunitárias que podem ser integradas, sem serem desalfandegadas, no circuito económico dos Estados-Membros (v. acórdão de 15 de julho de 2010, DSV Road, C-234/09, Colet., p. I-7333, n.o 31).

41

Uma vez que esse regime comporta riscos evidentes para a aplicação correta da regulamentação aduaneira da União e para a cobrança dos direitos a ela relativos, os seus beneficiários estão obrigados ao estrito respeito das obrigações que dele decorrem. Da mesma maneira, há que proceder a uma interpretação restritiva das consequências relativas aos seus beneficiários, em caso de não observância das suas obrigações (v. acórdão de 14 de janeiro de 2010, Terex Equipment e o., C-430/08 e C-431/08, Colet., p. I-321, n.o 42).

42

Assim, como realça o advogado-geral no n.o 50 das suas conclusões, é através do apuramento do regime de aperfeiçoamento ativo, com base na relação a ele atinente, que se demonstra o destino definitivo das mercadorias importadas, por derrogação do regime geral. A relação constitui, portanto, um documento fulcral no quadro do funcionamento do regime de aperfeiçoamento ativo sob a forma de sistema suspensivo, como demonstram também as menções detalhadas que nela devem figurar de acordo com o artigo 521.o, n.o 2, do regulamento de aplicação, e a obrigação de apresentar essa relação nos 30 dias seguintes ao termo do prazo de apuramento, prevista no artigo 521.o, n.o 1, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do regulamento de aplicação, reveste uma importância especial para a fiscalização aduaneira no quadro desse regime aduaneiro.

43

Por conseguinte, a constituição de uma dívida aduaneira não reveste, em circunstâncias como as do processo principal, o caráter de sanção, mas deve ser entendida como a consequência do não preenchimento das condições requeridas para efeitos da obtenção do benefício resultante da aplicação do regime de aperfeiçoamento ativo sob a forma de sistema suspensivo. Com efeito, esse regime implica a concessão de um benefício condicional que não pode ser concedido se as condições a ele atinentes não forem respeitadas, o que torna inaplicável a suspensão e justifica, por conseguinte, a imposição de direitos aduaneiros.

44

Acresce que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 859.o do regulamento de aplicação instaura validamente um regime que regula de modo exaustivo os incumprimentos, na aceção do artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro, que «não tiveram reais consequências para o funcionamento correto do depósito temporário ou do regime aduaneiro em questão» (acórdão de 11 de novembro de 1999, Söhl & Söhlke, C-48/98, Colet., p. I-7877, n.o 43). Ora, no caso do processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio formulou a sua questão prejudicial, baseando-se na hipótese de as condições estabelecidas no referido artigo 859.o não estarem preenchidas.

45

Consequentemente, há que concluir que a violação de uma obrigação, ligada ao benefício do regime de aperfeiçoamento ativo sob a forma de sistema suspensivo, que deve ser cumprida após o apuramento do referido regime aduaneiro, no presente caso, a obrigação de apresentar a relação de apuramento dentro do prazo de 30 dias estabelecido no artigo 521.o, n.o 1, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do regulamento de aplicação, é facto constitutivo de uma dívida aduaneira relativamente a todas as mercadorias a apurar, em aplicação do artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro, na medida em que as condições estabelecidas no artigo 859.o, ponto 9, do regulamento de aplicação não estejam preenchidas.

46

No que diz respeito ao risco, evocado pelo órgão jurisdicional de reenvio e pela Döhler, da constituição de uma dupla dívida aduaneira relativamente às mercadorias não reexportadas no litígio na causa principal, deve recordar-se que a União Aduaneira se opõe à dupla tributação de uma mesma mercadoria (acórdão de 20 de setembro de 1988, Kiwall, 252/87, Colet., p. 4753, n.o 11).

47

Cabe, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio certificar-se de que as autoridades aduaneiras não procedem à constituição de uma segunda dívida aduaneira no tocante a mercadorias relativamente às quais uma dívida aduaneira já foi constituída com base num facto gerador anterior.

48

Tendo em conta o que precede, há que responder à questão submetida que o artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que a violação da obrigação de apresentar a relação de apuramento à estância de controlo, dentro dos 30 dias a partir do termo do prazo de apuramento, prevista no artigo 521.o, n.o 1, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do regulamento de aplicação, implica a constituição de uma dívida aduaneira no que respeita ao conjunto das mercadorias de importação a apurar, incluindo as reexportadas para fora do território da União Europeia, na medida em que se considere que as condições estabelecidas no artigo 859.o, ponto 9, do regulamento de aplicação não estão preenchidas.

Quanto às despesas

49

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 648/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005, deve ser interpretado no sentido de que a violação da obrigação de apresentar a relação de apuramento à estância de controlo, dentro dos 30 dias a partir do termo do prazo de apuramento, prevista no artigo 521.o, n.o 1, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.o 2913/92, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 214/2007 da Comissão, de 28 de fevereiro de 2007, implica a constituição de uma dívida aduaneira no que respeita ao conjunto das mercadorias de importação a apurar, incluindo as reexportadas para fora do território da União Europeia, na medida em que se considere que as condições estabelecidas no artigo 859.o, ponto 9, do referido Regulamento n.o 2454/93 não estão preenchidas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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