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Document 62010CC0589

Conclusões do advogado-geral Cruz Villalón apresentadas em 24 de Maio de 2012.
Janina Wencel contra Zakład Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku.
Pedido de decisão prejudicial: Sąd Apelacyjny - Sąd Pracy i Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku - Polónia.
Artigo 45.º TFUE - Regulamento (CEE) n.º 1408/71 - Artigo 10.º - Prestações de velhice - Residência habitual em dois Estados-Membros diferentes - Benefício de uma pensão de sobrevivência num desses Estados e de uma pensão de reforma no outro - Supressão de uma dessas prestações - Recuperação das prestações pretensamente indevidas.
Processo C-589/10.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:304

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 24 de maio de 2012 ( 1 )

Processo C-589/10

Janina Wencel

contra

Zakład Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku

[pedido de decisão prejudicial apresentado Sąd Apelacyjny — Sąd Pracy i Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku (Polónia)]

«Segurança social — Artigo 7.o e Anexo III do Regulamento n.o 1408/71 — Pensão de reforma concedida na Polónia antes da adesão — Aplicação do direito da União — Aplicação de uma Convenção de segurança social assinada antes da data de aplicação do Regulamento n.o 1408/71 — Pessoa que dispõe de dois lugares de residência habitual em dois Estados-Membros e a quem foi reconhecida uma pensão de reforma num deles e uma pensão de viuvez no outro — Extinção de uma das pensões e ordem de devolução de rendimentos indevidos — Possibilidade de dupla residência para efeitos do Regulamento n.o 1408/71»

I — Introdução

1.

Neste caso, o tribunal de reenvio formula três questões, no quadro de um processo em que é discutida a legalidade de uma decisão de 2009, pela qual as autoridades polacas retiraram a Janina Wencel uma pensão de reforma que lhe tinha sido reconhecida em 1990, pedindo-lhe o reembolso das prestações pagas nos últimos três anos. Atendendo a diversas circunstâncias, e em aplicação de uma convenção internacional celebrada em 1975 entre a Polónia e a República Federal da Alemanha, foi considerado que a segurança social alemã era a única competente relativamente a esta pensão.

2.

O Sąd Apelacyjny questiona-nos quanto à legalidade desta decisão administrativa (e à da própria legislação polaca na qual a mesma se baseou), à luz do direito da União, em particular, do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 ( 2 ), cuja aplicabilidade ao litígio no processo principal é questionável.

3.

O presente processo permitirá ao Tribunal de Justiça acrescentar alguns esclarecimentos importantes à sua jurisprudência em matéria de segurança social, bem como à relativa à decisão dos problemas jurídicos que decorrem, frequentemente, da adesão de novos Estados-Membros à União Europeia e da aplicação de disposições de direito transitório relativamente aos mesmos.

II — Quadro jurídico

A — Regulamento n.o 1408/71

4.

De acordo com o artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 1408/71, para efeitos de aplicação do referido regulamento, o termo «residência» significa «residência habitual».

5.

Embora, nos termos do artigo 6.o, este Regulamento n.o 1408/71, como regra geral, substitua as convenções internacionais de segurança social, o artigo 7.o excetua desta regra determinados casos, declarando que continuam a ser aplicáveis, entre outras normas, «[d]eterminadas disposições de convenções em matéria de segurança social celebradas pelos Estados-Membros antes da data de aplicação do presente regulamento, desde que sejam mais favoráveis para os beneficiários ou resultem de circunstâncias históricas específicas e tenham efeitos limitados no tempo e se estiverem enumeradas no anexo III» [artigo 7.o, n.o 2, alínea c)].

6.

Na parte A, n.o 19, alínea a), do anexo III do referido Regulamento n.o 1408/71, é feita referência à «Convenção de 9 de outubro de 1975 sobre disposições em matéria de velhice e de acidentes de trabalho, nas condições e no âmbito definidos pelos n.os 2 a 4 do artigo 27.o da Convenção de 8 de dezembro de 1990 relativa à Segurança Social» ( 3 ).

7.

O artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 dispõe que «[s]alvo disposição contrária do presente regulamento, as prestações pecuniárias de invalidez, velhice ou sobrevivência, as rendas por acidente de trabalho ou doença profissional e os subsídios por morte adquiridos ao abrigo da legislação de um ou de mais Estados-Membros não podem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou confisco, pelo facto de o beneficiário residir no território de um Estado-Membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora. [...].»

B — Regulamentação polaca

8.

Na Polónia, as pensões de reforma e outras da segurança social são reguladas pela Ustawa z dnia 17.12.1998 r. o emeryturach i rentach z Funduszu Ubezpieczeń Społecznych (Lei de 17 de dezembro de 1998, sobre as pensões dos Fundos da Segurança Social) ( 4 ).

9.

O artigo 114.o, n.o 1, desta Lei das pensões, dispõe que o direito a prestações ou o seu montante, a pedido do interessado ou oficiosamente, estão sujeitos a revisão se, após a decisão final sobre as prestações, forem apresentadas novas provas ou, mesmo antes da adoção da decisão, se verificarem circunstâncias que afetem o direito às prestações ou ao seu montante.

10.

De acordo com o artigo 138.o, n.os 1 e 2, da Lei das pensões, quem tiver recebido prestações indevidamente é obrigado a reembolsá-las. Consideram-se prestações recebidas indevidamente as pagas apesar de existirem circunstâncias que tenham como resultado que o direito à prestação se extinga ou seja total ou parcialmente suspenso ou que o pagamento da prestação se suprima total ou parcialmente, desde que o beneficiário tenha sido informado da inexistência do direito a receber as prestações.

C — Convenção de 9 de outubro de 1975

11.

No caso dos autos, também é relevante o artigo 4.o, n.o 1, da Convenção germano-polaca de 9 de outubro de 1975, já referida, em que é disposto o seguinte: «As pensões do seguro de pensões são concedidas pelo organismo de segurança social do Estado em que resida o beneficiário, conforme as disposições vigentes para o referido organismo». O artigo 4.o, n.o 3, prevê: «As pensões [...] só serão concedidas enquanto o interessado residir no território do Estado cujo organismo de segurança social calculou a pensão. [...]»

III — Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12.

O litígio no processo principal tem por objeto os direitos a uma pensão de reforma de Janina Wencel, de nacionalidade polaca e nascida em 1930, que, desde 1975, tem estado, simultaneamente, inscrita nos registos de população como residente na Alemanha e na Polónia. É importante começar por descrever esta última circunstância, relativa à residência da interessada.

13.

Por um lado, J. Wencel estava inscrita como residente na Polónia, país no qual, entre 1 de abril de 1984 e 31 de outubro de 1990, esteve a trabalhar para a sua nora como cuidadora dos seus próprios netos. Em consequência desta atividade profissional na Polónia, por decisão de 24 de outubro de 1990, o Zakład Ubezpieczeń Społecznych polaco (a seguir «ZUS») concedeu a J. Wencel, a partir de 1 de julho de 1990, o direito à pensão de reforma aqui em litígio, a título dos períodos de seguro cobertos na Polónia.

14.

Por outro lado, em 1975, J. Wencel tinha requerido uma autorização de residência às autoridades alemãs, e consta no processo que esteve inscrita no registo de população da cidade de Frankfurt am Main, de 1975 a 2010. O marido de J. Wencel tinha-se mudado para essa mesma cidade alemã em 1975, onde desempenhava uma atividade profissional por conta de outrem, e aí residiu até ao seu falecimento em 2008. Em 1984, as autoridades alemãs concederam-lhe uma pensão por invalidez. Desde 1 de agosto de 2008, J. Wencel recebe uma pensão de viuvez da instituição de segurança social alemã. No pedido correspondente a esta pensão tinha indicado um endereço na cidade de Frankfurt.

15.

Atualmente, segundo declararam os intervenientes, J. Wencel reside na Polónia.

16.

No ano de 2009, o ZUS teve conhecimento de que J. Wencel também estava inscrita no registo de população na Alemanha, e exigiu-lhe que apresentasse uma declaração sobre a sua residência efetiva. Por documento de 24 de novembro de 2009, J. Wencel indicou que, desde 25 de agosto de 1975, tinha a sua residência habitual na Alemanha, mas que passava todas as férias, festas e feriados na Polónia.

17.

Face a esta declaração, o ZUS adotou duas decisões. Com a primeira, de 26 de novembro de 2009, anulou a sua decisão de 24 de outubro de 1990, na qual reconhecia a J. Wencel a referida pensão de reforma, e suspendeu o pagamento da referida pensão a partir de 1 de dezembro de 2009. Esta decisão foi fundamentada em que, no entender do ZUS, a interessada tinha, desde 1975, o seu centro de vida e a sua residência habitual na Alemanha, embora no seu pedido de pensão de 1990 tivesse indicado uma direção na Polónia. Por esta razão, o ZUS afirmou que a instituição de pensões polaca nunca tinha sido a instituição competente para decidir do pedido de pensão de J. Wencel, mas que, de acordo com o disposto no artigo 4.o da Convenção de 9 de outubro de 1975, a competência para decidir sobre o mesmo cabia à instituição de segurança social alemã. Em conclusão, o ZUS considerou que a recorrente não tinha direito a uma pensão de reforma do sistema polaco de segurança social.

18.

A segunda decisão do ZUS, de 23 de dezembro de 2009, consequência da anterior, reclamou a J. Wencel o reembolso das pensões de reforma indevidamente recebidas durante os últimos três anos, ou seja, durante o período compreendido entre 1 de dezembro de 2006 e 30 de novembro de 2009, acrescidas dos juros correspondentes.

19.

J. Wencel recorreu das duas decisões para o Sąd Okręgowy — Sąd Pracy i Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku (Tribunal Regional — Tribunal de Trabalho e da Segurança Social de Białystok), tendo acusado, por isso, o ZUS do incumprimento das disposições do Direito da União sobre a liberdade de circulação e de residência e de interpretação errada das disposições sobre coordenação dos sistemas de segurança social. Indicava que, desde 1975, tinha residido tanto na Polónia como na Alemanha, e que agora não podia ser privada do direito a uma pensão de reforma por este motivo. Por decisão de 15 de setembro de 2010, foi negado provimento a ambos os recursos. O Sąd Okręgowy entendeu que a recorrente tinha como residência habitual quer a Polónia quer a Alemanha, mas que, de facto, tinha passado a maior parte do seu tempo na Alemanha, pelo que o centro dos seus interesses de vida devia ser situado no referido país.

20.

J. Wencel recorreu desta decisão de primeira instância para o Sąd Apelacyjny — Sąd Pracy i Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku (Tribunal de recurso — Tribunal de Trabalho e Segurança Social de Białystok). Entendendo que existem dúvidas de interpretação das disposições do direito da União que considera aplicáveis no caso dos autos, o Tribunal de recurso suspendeu a instância e submeteu as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 10.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade [...], tendo em conta o princípio da liberdade de circulação e de residência no território dos Estados-Membros da União Europeia consagrado pelos artigos 21.° e 20.°, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ser interpretado no sentido de que as prestações pecuniárias de velhice adquiridas ao abrigo da legislação de um Estado-Membro não poderão ser objeto de redução, modificação, suspensão, supressão ou confisco pelo facto de o beneficiário ter residido simultaneamente no território de dois Estados-Membros (tinha duas residências habituais equivalentes), sendo um deles um Estado diferente daquele em cujo território a instituição devedora da pensão de reforma tem a sua sede?

2)

Devem os artigos 21.° e 20.°, n.o 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e o artigo 10.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação da disposição nacional prevista no artigo 114.o, n.o 1, da Ustawa z dnia 17.12.1998 r. o emeryturach i rentach z Funduszu Ubezpieczeń Społecznych (Lei de 17 de dezembro de 1998, sobre as pensões dos Fundos da Segurança Social) (Dz. U. de 2009, n.o 153, posição 1227 alterada), conjugado com o artigo 4.o da Convenção de 9 de outubro de 1975 sobre prestações de velhice e acidente laboral celebrada entre a República Federal da Alemanha e a República Popular da Polónia (Dz. U. de 1976, n.o 16, posição 101 alterada), de forma a que o organismo de previdência polaco conheça novamente do mesmo processo e prive do direito a uma pensão de reforma uma pessoa que, durante muitos anos, teve simultaneamente dois lugares de residência habitual (dois centros de vida) em dois Estados que atualmente pertencem à União Europeia e que, até 2009, não apresentou um pedido de transferência do seu lugar de residência para um desses Estados nem apresentou a respetiva declaração?

Em caso de resposta negativa:

3)

Devem os artigos 20.°, n.o 2, e 21.° TFUE e o artigo 10.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação da disposição nacional prevista no artigo 138.o, n.os 1 e 2, da Ustawa z dnia 17.12.1998 r. o emeryturach i rentach z Funduszu Ubezpieczeń Społecznych (Dz. U. de 2009, n.o 153, posição 1227), de forma a que o organismo de previdência polaco possa exigir o reembolso das pensões de reforma correspondentes aos últimos três anos a uma pessoa que, de 1975 a 2009, teve simultaneamente dois lugares de residência habitual (dois centros de vida) em dois Estados que atualmente pertencem à União Europeia, no caso de essa pessoa, durante a apreciação do pedido de concessão da pensão e após tê-la recebido, não ter sido informada pelo organismo de previdência polaco de que também devia comunicar que tinha dois lugares de residência habitual em dois Estados e de que, consequentemente, devia apresentar um pedido no qual tinha de escolher o organismo de previdência de um desses Estados como entidade competente para a decisão dos seus pedidos relacionados com as pensões de reforma ou emitir uma declaração nesse sentido?»

IV — Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

21.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de dezembro de 2010.

22.

Apresentaram observações escritas o ZUS, os Governos polaco e alemão e a Comissão.

23.

Compareceram na audiência, que se realizou em 1 de março de 2012, para alegações, os representantes do ZUS, da República da Polónia, da República Federal da Alemanha e da Comissão.

V — Análise

24.

No presente caso, o tribunal de reenvio formulou três questões que, em síntese, colocam o problema de saber se uma pessoa que residiu simultaneamente em dois Estados desde 1975, e à qual, em 1990, foi reconhecida uma pensão de reforma num deles, pode basear-se no direito da União para discutir a legalidade de uma decisão através da qual, 19 anos mais tarde, foi privada da referida pensão e lhe é reclamado o reembolso dos montantes recebidos nos últimos três anos.

25.

Tal como se apresentam formuladas, as três questões parecem partir de uma série de premissas cuja exatidão, nalguns casos, será necessário discutir, dando lugar a uma reformulação do teor das mesmas e ao aditamento de algumas considerações complementares que, embora não sejam expressamente pedidas no despacho de reenvio, no meu entender, contribuirão para dar uma resposta o mais útil e completa possível com vista à decisão da causa principal.

A — Primeira questão prejudicial

1. Quanto à possibilidade de ter dupla residência para efeitos de segurança social

26.

A primeira questão toma, desde logo, como ponto de partida a existência de uma situação factual de dupla residência simultânea de J. Wencel, na Polónia e na Alemanha, circunstância à qual o tribunal de reenvio parece querer atribuir certa relevância jurídica. Em especial, é perguntado se, a um beneficiário de uma pensão de reforma que tiver tido essa dupla residência em dois Estados-Membros, «sendo um deles um Estado diferente daquele em cujo território a instituição devedora da pensão de reforma tem a sua sede», pode ser aplicada a proteção conferida pelo artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, conjugado com os artigos 21.° e 20.°, n.o 2, TFUE.

27.

Para começar, considero, no entanto, necessário precisar que a declaração de dupla residência, em dois Estados-Membros diferentes, para efeitos de segurança social, não parece possível tendo em consideração a sistemática do Regulamento n.o 1408/71 e também não é exigível à luz do Tratado.

28.

Grande parte das regras de coordenação dos regimes de segurança social constantes do referido Regulamento n.o 1408/71 utilizam a residência do interessado como «elemento de conexão» para decidir a legislação aplicável ou a instituição competente. Assim, por exemplo, a residência determina a legislação aplicável em matéria de segurança social, no caso da pessoa que exerce uma atividade no território de vários Estados-Membros [artigos 14.°, n.o 2, alínea b) e 14.° A, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71] ou nos casos em que «a legislação de um Estado-Membro deixa ser aplicável, sem que lhe seja aplicável a legislação de um outro Estado-Membro» [artigo 13.o, n.o 2, alínea f)]. De igual modo, o critério da residência permite definir a instituição competente para, por exemplo, pagar as prestações especiais de caráter não contributivo (artigo 10.o A, n.o 1).

29.

O reconhecimento de efeitos jurídicos a uma situação de dupla residência tornaria inaplicáveis estas e muitas outras disposições do Regulamento n.o 1408/71 e violaria o princípio da unicidade da legislação aplicável, que é, juntamente com o da igualdade e o da conservação dos direitos adquiridos e em curso de aquisição, um dos princípios fundamentais pelos quais se rege esta regulamentação da União ( 5 ).

30.

De acordo com jurisprudência constante deste Tribunal de Justiça, as disposições do título II do Regulamento n.o 1408/71 constituem um sistema completo e uniforme de normas de conflitos de leis, cujo objetivo é sujeitar os trabalhadores que se desloquem no interior da União ao regime de segurança social de um único Estado-Membro, por forma a evitar cumulações de leis nacionais aplicáveis e as dificuldades que daí poderiam resultar ( 6 ). Ora bem, a determinação de um único lugar de residência para efeitos de segurança social permite, entre outras coisas, evitar uma cumulação de prestações proibida pelo Regulamento n.o 1408/71 (artigo 12.o).

31.

Uma situação como a de J. Wencel, em que a pessoa tem vários centros de interesses de vida de importância equivalente em mais de um Estado-Membro, não é de todo excecional. Consciente desta circunstância, o legislador da União enumerou os elementos que devem ser tidos em conta para determinar a residência de uma pessoa, precisando que, mesmo se depois da avaliação global dos referidos elementos subsistirem divergências entre as instituições envolvidas, será tida em consideração a vontade da pessoa ( 7 ). Em consequência, seja por seleção ou seja, na sua falta, por escolha, a determinação de uma única residência para efeitos de segurança social é inevitável.

32.

Além disso, entendo que uma disposição que, para efeitos de segurança social, obrigue a designar um único lugar de residência e que impossibilite qualquer atribuição de efeitos jurídicos a uma dupla residência de facto, não é contrária, por si só e por esse simples facto, aos artigos 20.° e 21.° TFUE, invocados pelo tribunal de reenvio. Como a seguir se verá, no caso em litígio, a retirada da pensão polaca não devia impedir que J. Wencel se dirigisse às autoridades alemãs para obter a prestação correspondente. Portanto, a obrigação de indicar um único Estado de residência não gera, em princípio, uma desvantagem para a interessada, que, além disso, podia requerer, na Alemanha, a totalização dos períodos de contribuição na Polónia.

33.

Em conclusão, entendo que haveria, sem mais, que responder a esta primeira questão prejudicial no sentido de que o Regulamento n.o 1408/71 se opõe à possibilidade de declarar uma dupla residência para efeitos de Segurança Social, e que isso não viola os artigos 20.°, n.o 2, e 21.° TFUE.

2. Quanto à aplicabilidade, neste caso, do direito da União, e em particular do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71

34.

Ora bem, para facultar ao tribunal de reenvio uma resposta o mais útil possível para a decisão da causa principal, a conclusão anterior deve ser completada precisando que o artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, que aquele invoca na sua questão, não é aplicável na situação aqui em apreço. Isto porque, como a seguir se verá, o direito da União quase não tem relevância no presente caso, que é regulado essencialmente por uma Convenção internacional (a); e, além disso, as circunstâncias do caso dos autos não podem incluir-se no pressuposto de facto previsto no referido artigo 10.o (b).

a) Aplicabilidade da Convenção germano-polaca de 1975

35.

Evidentemente, em 1990, data em que o ZUS reconheceu a J. Wencel uma pensão de reforma, o direito da União e, em particular, o Regulamento n.o 1408/71, não era aplicável na Polónia. Mas estava em vigor, pelo contrário, a Convenção germano-polaca de 9 de outubro de 1975, que regulava as disposições em matéria de velhice e de acidentes de trabalho.

36.

Esta Convenção de 1975 tinha a natureza de um acordo de pensões dos apelidados «de integração», que foi criado com a finalidade de resolver os problemas em matéria de segurança social que tinham surgido entre a República Federal da Alemanha e a Polónia em consequência das modificações territoriais e dos movimentos de população decorrentes da Primeira e Segunda Guerras Mundiais ( 8 ). De acordo com o artigo 4.o da referida convenção, a competência para a concessão de pensões cabia ao «organismo da segurança social do Estado em que resida o beneficiário, conforme as disposições vigentes para o referido organismo», perdendo-se o direito à referida pensão se o interessado deixasse de residir no território do Estado cujo organismo de segurança social calculou a pensão.

37.

Tal como afirmou o Governo alemão, uma convenção baseada no princípio da exportação de pensões e na proteção dos direitos adquiridos no Estado de origem não era exequível no contexto político da época (1975), como também não o era um fenómeno de migração profissional normal. Nesse particular contexto, em síntese, cada Estado signatário assumiu o pagamento das pensões dos residentes no seu próprio território, comprometendo-se, no entanto, a ter em conta, para o cálculo da pensão, os períodos contributivos no outro Estado ( 9 ).

38.

No momento da apresentação do pedido de pensão de reforma por J. Wencel, o caso surgia como puramente interno: em conformidade com a legislação polaca, o ZUS concedeu e, posteriormente, pagou uma pensão a uma pessoa que tinha trabalhado e contribuído para a segurança social na Polónia e que em momento algum informou ter residência noutro lugar para além da Polónia. Mas, pode supor-se que se, em 1990, as autoridades polacas tivessem constatado que a residência de J. Wencel, determinada segundo os critérios estabelecidos pela sua legislação interna, era na Alemanha e não na Polónia, lhe teriam recusado a referida pensão, dado que, de acordo com a Convenção germano-polaca de 1975, a sua eventual concessão era da competência das instituições de segurança social alemãs: a instituição devedora da pensão deveria ter sido a alemã, e o seu cálculo deveria ter sido feito em conformidade com a legislação alemã então vigente, embora tendo em conta os períodos contributivos na Polónia.

39.

É, portanto, plenamente legítimo considerar que, se em 1990 J. Wencel tinha a sua residência na Alemanha, poderia ter pedido às autoridades alemãs a sua pensão de reforma, em cujo cálculo teriam sido tomados em conta os anos em que contribuiu na Polónia ( 10 ). Em contrapartida, a Convenção de 1975 não podia fundamentar o pedido dirigido às autoridades polacas.

40.

Este foi o critério que, aparentemente, orientou as decisões controvertidas no processo principal, que decidiram a retirada da pensão de J. Wencel e lhe ordenaram o reembolso dos montantes correspondentes aos últimos três anos. Tais decisões regem-se também por esta Convenção de 1975, apesar de terem sido adotadas depois da adesão da Polónia à União Europeia.

41.

Isso porque, embora o Regulamento n.o 1408/71 já fosse aplicável na Polónia desde a sua adesão à União em 2004, substituindo as convenções de segurança social entre Estados-Membros (artigo 6.o do regulamento), o seu artigo 7.o prevê algumas exceções a esta regra, uma das quais é aplicável a este caso.

42.

Assim, de acordo com o artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71, sem prejuízo do disposto no artigo 6.o, em geral, continuam a ser aplicáveis «[d]eterminadas disposições de convenções em matéria de segurança social celebradas pelos Estados-Membros antes da data de aplicação do presente regulamento, desde que sejam mais favoráveis para os beneficiários ou resultem de circunstâncias históricas específicas e tenham efeitos limitados no tempo e se estiverem enumeradas no anexo III».

43.

Portanto, esta alínea c) prevê a aplicação excecional das disposições de convenções em matéria de segurança social enumeradas no anexo III do regulamento, nos casos em que sejam mais favoráveis para o interessado ou, em qualquer caso, quando resultem de circunstâncias históricas específicas e tenham efeitos limitados no tempo.

44.

Na minha opinião, na medida em que a Convenção germano-polaca de 1975 aparece expressamente referida, com caráter geral, na parte A, n.o 19, alínea a), do referido anexo III ( 11 ), que a sua aprovação resultou das circunstâncias históricas específicas expostas anteriormente e que, por força do disposto na Convenção de 1990, já referida, os seus efeitos são limitados no tempo, a sua aplicação, com prioridade sobre o Regulamento n.o 1408/71, à pensão de reforma em apreço deve ser considerada incondicionada, sem necessidade de examinar se a disposição que se pretende aplicar é ou não mais favorável para o beneficiário do que a que decorre do direito da União.

45.

Certamente, a jurisprudência não se opõe, em princípio, a uma aplicação simultânea deste tipo de convenções e da regulamentação comunitária, na medida em que esta for possível. Assim, o acórdão Torrekens ( 12 ) precisou que o chamado Regulamento n.o 3 (que precedeu o Regulamento n.o 1408/71) continuava a ser aplicável «desde que estas convenções não obstem à sua aplicação» (n.o 21).

46.

Por outro lado, no acórdão TNT Express Nederland BV ( 13 ), relativamente ao artigo 71.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 ( 14 ), foi afirmado que uma disposição da União que dá prioridade à aplicação de uma convenção «não pode ter um alcance que esteja em conflito com os princípios basilares da legislação de que faz parte», nem «levar a resultados menos favoráveis para o bom funcionamento do mercado interno do que os alcançados pelas disposições do referido regulamento» (n.o 51).

47.

Esta mesma ideia se retira igualmente da jurisprudência segundo a qual, apesar do alcance imperativo da regra geral da substituição das convenções de segurança social pelo Regulamento n.o 1408/71 e da natureza estritamente excecional das derrogações contempladas no seu artigo 7.o e, em particular, no seu anexo III, as liberdades previstas no Tratado «opõem[-se] à perda de benefícios da segurança social que decorreria, para os trabalhadores interessados, da inaplicabilidade, na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.o 1408/71, das convenções em vigor entre dois ou mais Estados-Membros» ( 15 ).

48.

No entanto, entendo que, no presente processo, as liberdades de circulação ficam, em qualquer caso, preservadas. Ao declarar, em 2009, que a instituição devedora da pensão pertence a outro Estado-Membro, o ZUS não está a causar a J. Wencel uma «perda» de benefícios sociais ou de direitos adquiridos, pela simples razão de que o direito a uma pensão polaca nunca existiu. Também não a colocou, em princípio, numa situação menos favorável que pudesse ter posto entraves à sua circulação no interior da União, pois a retirada da pensão polaca não privava a interessada do seu direito a requerê-la na Alemanha.

49.

Em consequência, o exame, em 2009, da legalidade da decisão de 1990, estava subordinado à Convenção de 1975. O direito da União não tem, pois, relevância quando se trata de determinar se a decisão de 1990 do ZUS de conceder uma pensão polaca foi ou não válida e, por conseguinte, se era ou não legítimo anulá-la em 2009. Só se se demonstrasse que, em 1990, J. Wencel tinha a sua residência habitual, para efeitos de Segurança Social, na Polónia é que poderia ser posta em causa a validade da decisão do ZUS, mas tudo isso ao abrigo da Convenção de 1975 e das regras sobre determinação da residência constantes desta e da própria legislação polaca.

b) A situação de facto aqui apresentada não está prevista no artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71

50.

Por outro lado, tal como adiantei, a situação de facto aqui apresentada não está prevista no artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, aplicável a circunstâncias claramente diferentes das que deram origem ao litígio no processo principal.

51.

De acordo com o seu teor literal, o artigo 10.o confere proteção face a qualquer prejuízo que, relativamente às pensões, possa decorrer do facto de «o beneficiário residir no território de um Estado-Membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora». No entanto, de acordo com o que foi exposto anteriormente, essa separação entre a sede da instituição devedora e a residência do interessado não podia ocorrer no caso de J. Wencel. Na Convenção de 1975, essa residência determinava o Estado que tomaria a cargo a pensão; em consequência, ou J. Wencel residia na Alemanha, caso em que a instituição devedora era a alemã, ou residia na Polónia, sendo, então, a pensão da competência das autoridades polacas. Além disso, na medida em que, como se viu, uma situação de «dupla residência» não tem acolhimento no contexto do Regulamento n.o 1408/71 ( 16 ), a situação em litígio não poderia, de modo algum, enquadrar-se na previsão do artigo 10.o

52.

Em conclusão, estamos perante situações de facto diferentes e, por isso, neste caso, não pode ser invocada a proteção que o artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 poderia oferecer.

53.

Para além de tudo o que foi exposto, e com a finalidade de dar ao Sąd Apelacyjny uma resposta útil, cabe acrescentar que o artigo 10.o, em contrapartida, poderia ser pertinente na nova situação em que, aparentemente, se encontra J. Wencel desde que, depois do falecimento do seu marido, voltou a residir de forma estável na Polónia.

54.

Certamente, esta eventual mudança de residência (cuja realidade, em todo o caso, cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar) não alteraria a legalidade da decisão de 1990 do ZUS que, de qualquer modo, como já foi indicado, deverá ser examinada à luz da Convenção de 1975. A este respeito, deve recordar-se que, de acordo com o artigo 94.o do Regulamento n.o 1408/71, o referido regulamento não confere qualquer direito em relação a um período anterior à data da sua aplicação no território do Estado-Membro em causa. Esta disposição é coerente com o princípio da segurança jurídica, que, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, se opõe a que um regulamento seja aplicado retroativamente, independentemente dos efeitos favoráveis ou desfavoráveis eventualmente resultantes para o interessado de tal aplicação ( 17 ). Em consequência, mesmo que tivesse ocorrido uma transferência de residência para a Polónia em 2009, a instituição devedora da pensão de J. Wencel continuaria a ser, de acordo com a Convenção de 1975, a Segurança Social alemã. Essa circunstância não permite alterar a legalidade de uma decisão adotada e um direito constituído sob a vigência exclusiva da referida Convenção.

55.

No entanto, também é um princípio geralmente reconhecido que a lei nova, embora valha apenas para o futuro, deverá ser aplicada também, salvo derrogação, aos efeitos futuros das situações nascidas na vigência da lei antiga ( 18 ). Por isso, cabe afirmar que o direito da União poderia gerar, de facto, certos efeitos relacionados com o recebimento material dessa pensão alemã na atualidade.

56.

Como já foi indicado, o artigo 4.o, n.o 3, da Convenção de 1975 dispõe que as pensões «só serão concedidas enquanto o interessado residir no território do Estado cujo organismo de segurança social calculou a pensão». No entanto, depois da sua integração na União, os Estados-Membros devem garantir que a aplicação desta disposição é efetuada respeitando o direito da União. Em consequência, pode afirmar-se que, caso a interessada se tivesse mudado para a Polónia em data posterior à integração do referido Estado na União, esse direito a pensão seria «exportado» de acordo com o Regulamento n.o 1408/71. Segundo a Convenção, aplicável no momento em que nasceu o direito, a instituição devedora da pensão continuaria a ser a alemã, mas J. Wencel poderia requerer a sua pensão de reforma na Polónia e, eventualmente, requerer também a «exportação» da sua pensão de viuvez alemã.

57.

Mais ainda, esse regresso à Polónia não poderia afetar negativamente a interessada. Esta situação é que, de facto, já entra plenamente no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1408/71 e, em particular, do seu artigo 10.o, pois J. Wencel residiria no território de um Estado-Membro (a Polónia) que não é aquele em que se encontra a instituição devedora (a Alemanha). De acordo com o referido artigo, tal situação não poderia produzir qualquer redução, modificação, supressão ou suspensão das prestações. Evidentemente, o efeito desta disposição está limitado às pensões vencidas desde o momento do regresso de J. Wencel à Polónia, mas não a decisões que afetem pensões vencidas num momento anterior. Se for esse o caso, portanto, será importante saber em que momento ocorreu esse regresso, para efeitos de determinar a legalidade da decisão de 2009 do ZUS, pela qual foi ordenada à interessada a devolução das prestações correspondentes aos três anos anteriores.

3. Conclusão quanto à primeira questão prejudicial

58.

Em conclusão, a resposta à primeira questão prejudicial exige que, em primeiro lugar e com caráter prévio, seja precisado que a declaração de dupla residência para efeitos de Segurança Social não tem acolhimento no quadro do Regulamento n.o 1408/71 e que a exclusão de tal possibilidade não viola os artigos 20.°, n.o 2, e 21.° TFUE. Em segundo lugar, deverá ser precisado que o direito da União (em particular, o Regulamento n.o 1408/71) não é relevante para avaliar a legalidade de uma decisão de concessão de uma pensão polaca em 1990 e que, de acordo com o artigo 7.o, n.o 2, alínea c) do Regulamento n.o 1408/71, o direito a pensão de um nacional polaco, que tenha trabalhado e pago as contribuições para a segurança social na Polónia mas que tenha transferido a sua residência para a Alemanha antes de 1990, continua a ser regulado pela Convenção germano-polaca de 9 de outubro de 1975 sobre disposições em matéria de velhice e de acidentes de trabalho. Além disso, a referida situação não tem acolhimento no artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71.

59.

Mas, se o titular da pensão tivesse voltado a instalar-se na Polónia depois da adesão do referido Estado à União Europeia, tal regresso não poderia ter como efeito, nos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, qualquer redução, modificação suspensão, supressão ou confisco do referido direito a pensão.

B — Segunda e terceira questões prejudiciais

60.

Com as suas segunda e terceira questões prejudiciais, que convém tratar conjuntamente, o tribunal polaco pergunta ao Tribunal de Justiça se os artigos 21.° e 20.°, n.o 2, TFUE e o artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 se opõem a decisões como as adotadas pelo ZUS em 2009, pelas quais se retira o direito a uma pensão de reforma e se pede o reembolso dos montantes correspondentes aos últimos três anos a uma pessoa que «teve simultaneamente dois lugares de residência habitual (dois centros de vida) em dois Estados que atualmente pertencem à União Europeia» e que, «até 2009, não apresentou um pedido de transferência do seu lugar de residência para um desses Estados nem apresentou a respetiva declaração», tendo em conta que, durante a apreciação do pedido de concessão da pensão e após tê-la recebido, essa pessoa não foi «informada pelo organismo de previdência polaco de que também devia comunicar que tinha dois lugares de residência habitual em dois Estados e de que, consequentemente, devia apresentar um pedido no qual tinha de escolher o organismo de previdência de um desses Estados como entidade competente para a decisão dos seus pedidos relacionados com as pensões de reforma ou emitir uma declaração nesse sentido».

61.

Tal como a primeira, estas duas questões partem do eventual reconhecimento de efeitos jurídicos a uma situação de facto de dupla residência em dois Estados-Membros. Excluída a referida premissa da dupla residência, estas duas últimas questões, tal como estão formuladas, também não teriam pertinência.

62.

Mas, uma vez mais para efeitos de dar uma resposta útil ao tribunal de reenvio, entendo que é necessário fazer um esclarecimento em relação à referência que este faz à atuação do ZUS e da própria interessada no processo de pedido, concessão e recebimento da pensão.

63.

De acordo com o que é afirmado no despacho de reenvio da questão prejudicial, J. Wencel teria omitido qualquer declaração relativa à mudança do seu lugar de residência e, por seu lado, o ZUS não a teria informado da necessidade de apresentar tal declaração. Tal como o Sąd Apelacyjny parece sugerir, estas circunstâncias poderiam, eventualmente, ser relevantes para analisar a legalidade das decisões de 2009 do ZUS, à luz do direito da União ( 19 ).

64.

Isso porque, sem prejuízo do que foi exposto anteriormente em relação à aplicabilidade, neste caso, da Convenção de 1975, o Regulamento n.o 1408/71 deveria ser aplicado como parâmetro de legalidade da decisão de 2009 do ZUS, na medida em que afete os seus aspetos formais ou processuais.

65.

Assim, o artigo 84.o-A do regulamento, relativo às relações entre as instituições e as pessoas abrangidas pelo mesmo, é relevante para avaliar se, ao adotar a sua decisão de 2009, o ZUS respeitou as normas de atuação que a referida disposição, plenamente vigente à data de referência, lhe impunha nas suas relações com J. Wencel.

66.

Na medida em que o referido artigo 84.o-A regula aspetos puramente formais das relações entre a segurança social de um Estado-Membro e as pessoas abrangidas pelo regulamento, e não afeta o fundo da decisão de 2009, nada há que objetar relativamente à sua aplicabilidade no presente caso ( 20 ). Em especial, não pode ser objetado que o Regulamento n.o 1408/71 não tem por finalidade regular o procedimento de devolução de prestações indevidamente recebidas. Com efeito, a regulação concreta do referido procedimento compete a cada um dos Estados-Membros, mas essa regulação deverá, em qualquer caso, respeitar o direito da União.

67.

Em resumo, o n.o 1 do artigo 84.o-A impõe, às instituições e às pessoas abrangidas pelo presente regulamento, uma obrigação de informação e de cooperação recíprocas, que se concretiza, para as primeiras, na obrigação de «comunica[r] aos interessados qualquer informação necessária para o exercício dos direitos que lhes são conferidos pelo presente regulamento» e, para as segundas, na obrigação de «informa[r] o mais rapidamente possível as instituições do Estado competente e do Estado de residência sobre qualquer mudança da sua situação pessoal ou familiar que afete o seu direito às prestações ao abrigo do presente regulamento».

68.

Competirá ao juiz nacional determinar se o ZUS e J. Wencel cumpriram estas obrigações de cooperação, de informação e de boa administração, e em que medida um eventual incumprimento das mesmas poderia dar lugar à anulação da decisão de 2009.

69.

No que respeita à atuação de J. Wencel, por conseguinte, há que ter em conta que, de acordo com o n.o 2 deste mesmo artigo, o incumprimento da obrigação de informação às respetivas instituições nacionais pode ser objeto de medidas, de acordo com o direito nacional. Mas, a disposição precisa que tais medidas devem ser «proporcionadas», pelo que o juiz nacional deverá avaliar se a retirada da pensão e a exigência de devolução de montantes indevidamente recebidos constitui uma medida «proporcionada» face a um eventual incumprimento, por parte de J. Wencel, do dever de informação.

70.

Em conclusão, há que responder à segunda e terceira questões que qualquer decisão das autoridades de Segurança social polacas posterior à data de adesão da Polónia à União Europeia deverá respeitar as obrigações formais constantes do artigo 84.o-A do Regulamento n.o 1408/71, mesmo nos casos em que se trate de decisões relativas a direitos de pensão que não sejam regulados pelo direito da União. Caberá ao tribunal nacional competente determinar se, no presente caso, ocorreu um incumprimento das referidas obrigações e, se for esse o caso, que consequências podem, legítima e proporcionalmente, decorrer do mesmo.

VI — Conclusão

71.

Em consequência, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Sąd Apelacyjny — Sąd Pracy i Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku (Polónia), do seguinte modo:

«1)

A declaração de dupla residência para efeitos de Segurança Social não tem acolhimento no quadro do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade. A exclusão de tal possibilidade não viola os artigos 20.°, n.o 2, e 21.° TFUE.

O direito da União (em particular, o Regulamento n.o 1408/71) não é relevante para avaliar a legalidade de uma decisão de concessão de uma pensão polaca em 1990. De acordo com o artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71, o direito a pensão de um nacional polaco que tivesse trabalhado e pago as contribuições para a segurança social na Polónia mas que tivesse transferido a sua residência para a Alemanha antes de 1990, continua a ser regulado pela Convenção germano-polaca de 9 de outubro de 1975 sobre disposições em matéria de velhice e de acidentes de trabalho.

Além disso, a referida situação não tem acolhimento no artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71. Mas, se o titular da pensão tiver voltado a instalar-se na Polónia depois da adesão do referido Estado à União Europeia, tal regresso não poderá ter como efeito, nos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou confisco do referido direito a pensão.

2)

Qualquer decisão das autoridades de Segurança social polacas posterior à data de adesão da Polónia à União Europeia deverá respeitar as obrigações formais constantes do artigo 84.o-A do Regulamento n.o 1408/71, mesmo nos casos em que se trate de decisões relativas a direitos de pensão que não sejam regulados pelo direito da União. Caberá ao tribunal nacional competente determinar se, no presente caso, ocorreu um incumprimento das referidas obrigações e, se for esse o caso, que consequências podem, legítima e proporcionalmente, decorrer do mesmo.»


( 1 )   Língua original: espanhol.

( 2 )   Regulamento do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98, a seguir «Regulamento n.o 1408/71»).

( 3 )   Dz. U. de 1976, n.o 16, posição 101 (a seguir «Convenção de 1975»).

( 4 )   Versão consolidada: Dz. U. de 2009, n.o 153, posição 1227 (a seguir «Lei sobre as pensões»).

( 5 )   O novo Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 166, p. 1) assenta nos mesmos princípios.

( 6 )   V., em especial, acórdão de 10 de julho de 1986, Luitjen (60/85, Colet., p. 2365).

( 7 )   Artigo 11.o do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 284, p. 1).

( 8 )   No mesmo contexto, e de acordo com o mesmo princípio de «integração», tinha sido aprovada na Alemanha a Fremdrentengesetz (Lei de 28 de setembro de 1958 relativa às pensões concedidas em função de períodos contributivos cumpridos no estrangeiro). A este respeito, v. acórdão de 18 de dezembro de 2007, Habelt e o. (C-396/05, C-419/05 e C-450/05, Colet., p. I-11895, n.os 101 a 104).

( 9 )   Em 1990, uma vez que esse contexto mudou, os dois Estados celebraram uma nova convenção que, no entanto, não é aplicável a este caso, dado que, de acordo com o artigo 27.o, n.o 2, desta nova Convenção de Segurança Social de 8 de dezembro de 1990, a Convenção de 1975 continuaria a ser aplicável às pessoas que tivessem mudado de residência antes de 1990.

( 10 )   Note-se, no entanto, que, de acordo com os dados fornecidos na audiência, é provável que, em tal caso, J. Wencel só tivesse tido direito a uma pensão de reforma cinco anos mais tarde, pois a legislação alemã sobre pensões, que deveria ter sido aplicada ao caso sem prejuízo da totalização de períodos de contribuição, estabelecia uma idade de acesso à pensão cinco anos superior à polaca (65 anos em vez de 60).

( 11 )   Deve ser tido em conta que o n.o 19 do anexo III faz referência à Convenção de 1975 na sua globalidade, ao contrário de outros números, em que são mencionadas unicamente determinadas disposições concretas de outras convenções.

( 12 )   Acórdão de 7 de maio de 1969 (28/68, Recueil, p. 125, Colet., 1969-1970, p. 43).

( 13 )   Acórdão de 4 de maio de 2010 (C-533/08, Colet., p. I-4107).

( 14 )   Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 12, p. 1).

( 15 )   Acórdão Habelt e o., já referido, n.os 118 e 119. V., também, acórdãos de 7 de fevereiro de 1991, Rönfeldt (C-227/89, Colet., p. I-323); e de 5 de fevereiro de 2002, Kaske (C-277/99, Colet., p. I-1261). Contudo, a jurisprudência precisa que este princípio não pode ser aplicado aos trabalhadores que não exerceram o seu direito à livre circulação antes da entrada em vigor do regulamento [acórdão de 9 de novembro de 1995, Thévenon (C-475/93, Colet., p. I-3813)].

( 16 )   Muito provavelmente, a Convenção de 1975, aplicável ao presente caso, corresponde, neste preciso ponto, à mesma lógica que o Regulamento n.o 1408/71. Mesmo com risco de me introduzir num terreno que está fora da competência do Tribunal de Justiça, creio poder afirmar com certa segurança, face à descrição da Convenção que os intervenientes fizeram, que essa situação legal de dupla residência seria, se possível, mais difícil no contexto e nas circunstâncias que deram origem à Convenção do que no contexto da regulamentação da União, na medida em que, nesse contexto legal, a residência é, aparentemente, o único critério ou elemento de conexão pertinente.

( 17 )   Acórdão de 18 de abril de 2002, Duchon (C-290/00, Colet., p. I-3567, n.o 21 e jurisprudência aí referida).

( 18 )   Acórdão Duchon, já referido, n.o 21 e jurisprudência aí referida.

( 19 )   Na audiência, também foi feita alusão às consequências que uma decisão recente do Tribunal Constitucional polaco, proferida em 28 de fevereiro de 2012 (processo K 5/11), poderia ter sobre a legalidade desta decisão de 2009 do ZUS, na medida em que esta foi adotada com base no artigo 114.o, n.o 1, da Lei sobre as pensões polaca. A referida decisão judicial declarou inconstitucional outra disposição dessa lei, ou seja, o n.o 1-a do referido artigo 114.o, de acordo com o qual a revisão é procedente se se verificar que as provas apresentadas não constituíam base suficiente para o estabelecimento do direito em causa ou do montante das prestações. Embora a decisão judicial não exclua taxativamente que esta declaração de inconstitucionalidade do n.o 1-a possa ter alguma repercussão sobre o n.o 1 (e refere-se, em particular, ao estreito vínculo existente entre ambos), esta é uma questão que, em qualquer caso, excede a competência deste Tribunal de Justiça.

( 20 )   Também nada impede que o Tribunal de Justiça se pronuncie a esse respeito, uma vez que, segundo abundante jurisprudência, este pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência nas suas questões prejudiciais. V., por todos, acórdão de 8 de dezembro de 2011, Bilbao Vizcaya Argentaria SA (C-157/10, Colet., p. I-13023, n.o 19).

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