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Document 62010CC0495

Conclusões do advogado-geral Mengozzi apresentadas em 27 de Outubro de 2011.
Centre hospitalier universitaire de Besançon contra Thomas Dutrueux e Caisse primaire d'assurance maladie du Jura.
Pedido de decisão prejudicial: Conseil d'État - França.
Directiva 85/374/CEE - Responsabilidade decorrente de produtos defeituosos - Âmbito de aplicação - Regime nacional que prevê, a cargo dos estabelecimentos públicos de saúde, a obrigação de reparar os danos sofridos por um paciente devido ao mau funcionamento de um aparelho ou de um produto utilizado no âmbito dos tratamentos dispensados, mesmo que não exista culpa imputável aos referidos estabelecimentos.
Processo C-495/10.

Colectânea de Jurisprudência 2011 -00000

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:706

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 27 de Outubro de 2011 (1)

Processo C‑495/10

Centre hospitalier universitaire de Besançon

contra

Thomas Dutrueux,

contra

Caisse primaire d’assurance maladie du Jura

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (França)]

«Harmonização das legislações – Responsabilidade dos estabelecimentos públicos de saúde relativamente aos seus pacientes decorrente dos produtos defeituosos – Limitação da responsabilidade do prestador de serviços»





1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 3.° e 13.° da Directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (JO L 210, p. 29; EE 13 F19 p. 8).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio em matéria de responsabilidade do Centre Hospitalier Universitaire de Besançon (a seguir «CHU de Besançon») pelos danos causados a um paciente, consecutivos à utilização de um colchão térmico defeituoso.

I –    Quadro jurídico

A –    Directiva 85/374

3.        O primeiro, quarto, décimo terceiro e décimo oitavo considerandos da Directiva 85/374 enunciam:

«(1)      Considerando que é necessária uma aproximação das legislações em matéria de responsabilidade do produtor pelos danos causados pela qualidade defeituosa dos seus produtos, por sua disparidade ser susceptível de falsear a concorrência, de prejudicar a livre circulação das mercadorias no mercado comum e de originar diferenças relativamente ao grau de protecção do consumidor contra os danos causados à sua saúde e aos seus bens por um produto defeituoso;

[...]

(4)      Considerando que a protecção do consumidor exige que todos os participantes no processo de produção sejam responsabilizados se o produto acabado, a parte componente ou a matéria‑prima por eles fornecidos apresentarem qualquer defeito; que, pelo mesmo motivo, deve ser responsabilizado o importador de produtos na Comunidade, bem como qualquer pessoa que se apresente como produtor, mediante a aposição do seu nome, marca ou qualquer outro sinal distintivo, ou qualquer pessoa que forneça um produto cujo produtor não possa ser identificado;

[...]

(13)      Considerando que, consoante os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, o lesado pode ter direito a uma indemnização a título da responsabilidade extracontratual diferente da prevista na presente directiva; que essas disposições não devem ser prejudicadas pela presente directiva, desde que tenham igualmente por objectivo uma protecção eficaz dos consumidores; que, se já estiver assegurada num Estado‑Membro uma protecção eficaz dos consumidores no sector dos produtos farmacêuticos por um regime especial de responsabilidade, se deve manter a possibilidade de propor acções com base nesse regime;

[...]

(18)      Considerando que a harmonização resultante da presente directiva não pode, na fase actual, ser total, mas que abre caminho para uma maior harmonização; [...]»

4.        A Directiva 85/374 prevê, no seu artigo 1.°, que «[o] produtor é responsável pelo dano causado por um defeito do seu produto».

5.        O artigo 3.° da referida directiva tem a seguinte redacção:

«1.      O termo ‘produtor’ designa o fabricante de um produto acabado, o produtor de uma matéria‑prima ou o fabricante de uma parte componente, e qualquer pessoa que se apresente como produtor pela aposição sobre o produto do seu nome, marca ou qualquer outro sinal distintivo.

2.      Sem prejuízo da responsabilidade do produtor, qualquer pessoa que importe um produto na Comunidade tendo em vista uma venda, locação, locação financeira ou qualquer outra forma de distribuição no âmbito da sua actividade comercial, será considerada como produtor do mesmo, na acepção da presente directiva, e responsável nos mesmos termos que o produtor.

3.      Quando não puder ser identificado o produtor do produto, cada fornecedor será considerado como produtor, salvo se indicar ao lesado, num prazo razoável, a identidade do produtor ou daquele que lhe forneceu o produto. O mesmo se aplica no caso de um produto importado, se este produto não indicar o nome do importador referido no n.° 2, mesmo se for indicado o nome do produtor.»

6.       Nos termos do artigo 13.° da Directiva 85/374:

«A presente directiva não prejudica os direitos que o lesado pode invocar nos termos do direito da responsabilidade contratual ou extracontratual ou nos termos de um regime especial de responsabilidade que exista no momento da notificação da presente directiva.»

B –    Legislação nacional

7.        Os artigos 1386‑1 a 1386‑18 do Código Civil francês transpõem para o direito interno as disposições da Directiva 85/374.

8.        O Conseil d’État (França) explica que a responsabilidade dos estabelecimentos públicos de saúde relativamente aos seus pacientes é, por sua vez, objecto de um regime especial de responsabilidade governado designadamente por princípios formulados pela jurisprudência administrativa.

9.        No leque destes últimos figura um princípio, formulado pelo Conseil d’État numa decisão de 9 de Julho de 2003 (2), segundo o qual um estabelecimento público hospitalar deve reparar, mesmo que não tenha agido com culpa, o prejuízo sofrido por um paciente devido à falha de um aparelho ou de um produto utilizado no âmbito dos tratamentos dispensados.

II – Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10.      Um paciente, então com 13 anos de idade, foi vítima de queimaduras no decurso de uma intervenção cirúrgica praticada, em 3 de Outubro de 2000, no CHU de Besançon. Estas queimaduras foram causadas por um colchão térmico em que foi deitado e cujo sistema de regulação de temperatura estava defeituoso.

11.      Por decisão de 27 de Março de 2007, o tribunal administratif de Besançon condenou o CHU de Besançon a ressarcir o dano assim provocado. Tendo sido negado provimento ao recurso interposto desta decisão pela cour administrative d’appel de Nancy, através de um acórdão de 26 de Fevereiro de 2009, o CHU de Besançon interpôs recurso de cassação dessa decisão para o Conseil d’État.

12.      Em apoio do seu recurso de cassação, o CHU de Besançon sustenta que a decisão da referida cour administrative d’appel viola a Directiva 85/374. Com efeito, esta directiva impede a responsabilização do serviço público hospitalar, ainda que não tenha agido com culpa, por meras consequências danosas devidas a falhas dos produtos e aparelhos de saúde utilizados. Só o produtor do colchão deve ser considerado responsável, uma vez que se encontra devidamente identificado.

13.      Em 9 de Julho de 2003, o Conseil d’État enunciou o princípio segundo o qual um estabelecimento público hospitalar deve reparar o prejuízo sofrido por um paciente devido à falha de um aparelho ou de um produto utilizado no âmbito dos tratamentos, mesmo que não tenha agido com culpa. Este regime especial de responsabilidade decorre das relações específicas que se estabelecem entre o serviço público hospitalar e as pessoas que toma a seu cargo. Para o Conseil d’État, pode ser sustentado, designadamente, que este regime de responsabilidade assenta num fundamento específico, distinto do regime instituído pela Directiva 85/374. Consequentemente, podia continuar a aplicar‑se o regime de responsabilidade dos estabelecimentos públicos de saúde, em conformidade com o disposto no artigo 13.° da referida directiva.

14.      A admitir‑se que assim não seja, o referido órgão jurisdicional entende que a resolução do litígio no processo principal está assim dependente da questão de saber se o regime de responsabilidade definido pela Directiva 85/374 diz respeito aos danos que um utilizador do produto defeituoso possa causar um terceiro, no âmbito de uma prestação de serviços em benefício deste último.

15.      Nestas condições, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1)         «Atento o disposto no seu artigo 13.°, a Directiva 85/374/CEE, de 25 de Julho de 1985, permite a aplicação de um regime de responsabilidade baseado na situação particular dos pacientes dos estabelecimentos públicos de saúde, na medida em que lhes reconhece designadamente o direito de obter destes estabelecimentos, mesmo que não tenham [agido com culpa], a reparação dos danos causados pela falha dos produtos e aparelhos que utilizam, sem prejuízo da possibilidade de o estabelecimento intentar uma acção fundada em direito de regresso contra o produtor?

2)         A Directiva [85/374] limita a possibilidade de os Estados‑Membros definirem a responsabilidade das pessoas que utilizam aparelhos ou produtos defeituosos no âmbito de uma prestação de serviços e que, ao fazê‑lo, causam danos ao beneficiário da prestação?»

III – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

16.      O presente pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Conseil d’État por decisão de 4 de Outubro de 2010, deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de Outubro de 2010.

17.      O CHU de Besançon, os Governos francês, alemão e grego, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça.

18.      Estas partes interessadas, excepto o Governo alemão, foram ouvidas na audiência realizada em 20 de Setembro de 2011.

IV – Apreciação jurídica

19.      Como as partes presentes na audiência reconheceram com razão, o Tribunal de Justiça deveria resolver primeiro a segunda questão prejudicial, uma vez que com esta se pretende saber se um regime de responsabilidade como o que está em causa no processo principal está ou não abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva 85/374. A resposta negativa a esta questão deixaria sem objecto a análise da primeira questão prejudicial, que se refere ao artigo 13.° da Directiva 85/374, e bastava para esclarecer o órgão jurisdicional de reenvio com vista a resolver o litígio no processo principal.

A –    Quanto à segunda questão prejudicial

20.      A segunda questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio tem por objecto a delimitação do âmbito de aplicação da Directiva 85/374. Em especial, o Tribunal de Justiça deve determinar se a referida directiva limita a possibilidade de aplicar um regime nacional de responsabilidade dos hospitais públicos que utilizam aparelhos ou produtos defeituosos no âmbito de uma prestação de serviços.

21.      Em termos mais gerais, a questão que se coloca é a da aplicação da Directiva 85/374 ao regime de responsabilidade de um prestador de serviços, por danos causados por um produto defeituoso utilizado no âmbito das suas prestações. A aplicação da referida directiva à situação do referido prestador de serviços, impedindo a aplicação de um regime nacional de responsabilidade, pode admitir‑se em duas hipóteses.

22.      Na primeira hipótese, a Directiva 85/374 aplicava‑se ao regime de responsabilidade do prestador de serviços, porque este último seria equiparado ao «fornecedor» de um produto defeituoso, na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374. Esta disposição prevê que, «[q]uando não puder ser identificado o produtor do produto, cada fornecedor será considerado como produtor, salvo se indicar ao lesado, num prazo razoável, a identidade do produtor ou daquele que lhe forneceu o produto». O legislador não definiu este conceito de «fornecedor», que pode, por conseguinte, incluir o prestador de serviços. Em conformidade com o artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374, o prestador seria, então, considerado «produtor» do produto defeituoso utilizado no âmbito da prestação de serviços, salvo se indicasse ao lesado, num prazo razoável, a identidade do «produtor» ou do seu próprio «fornecedor».

23.      Na segunda hipótese, a Directiva 85/374 seria aplicável ao regime de responsabilidade do prestador de serviços por o excluir de uma lista exaustiva de responsáveis decorrente dos produtos defeituosos, na qual expressamente incluía unicamente o «produtor» e o «fornecedor». Ao contrário da primeira hipótese, o prestador de serviços não seria considerado «produtor» de um produto defeituoso se não pudesse ser equiparado ao «fornecedor» do referido produto. Não seria, portanto, susceptível de se responsabilizar por danos causados pelo produto defeituoso, ainda que não identificasse a identidade do «produtor» ou daquele que lhe forneceu o produto utilizado no âmbito da prestação de serviços.

24.      Importa retomar sucessivamente estas duas hipóteses, a saber, em primeiro lugar, a inclusão do prestador de serviços no conceito de «fornecedor», na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374 (1), e, em segundo lugar, a identificação exaustiva do círculo de responsáveis na Directiva 85/374 (2).

1.      Quanto à equiparação do prestador de serviços ao «fornecedor» visado no artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374

25.      A Directiva 85/374 não contém uma definição do «fornecedor» de um produto defeituoso, na acepção do seu artigo 3.°, n.° 3.

26.      Para o Governo grego, o «fornecedor», na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374 designa quem explora a cadeia de distribuição (3). No processo principal, o último elo da cadeia de distribuição seria, assim, a entrega do colchão defeituoso ao CHU de Besançon. A utilização posterior deste colchão pelo CHU, no âmbito dos cuidados prestados aos pacientes, não se inscrevia nesta cadeia de distribuição. O Governo francês considera que este mesmo «fornecedor» visa um profissional da cadeia de comercialização do produto (4). Na audiência, a Comissão acompanhou a opinião destas duas partes.

27.      Na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação da Directiva 85/374, certos elementos permitem precisar este conceito de «fornecedor», na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374. No acórdão Skov e Bilka (5), o Tribunal de Justiça especificou que «os artigos 1.° e 3.° da directiva […] determinam, entre os profissionais que participaram no processo de fabricação e de comercialização, aquele que deverá assumir a responsabilidade instituída pela directiva» (6). Num acórdão posterior, censurou as disposições dinamarquesas que tornavam responsáveis nas mesmas condições do que o produtor «[os] fornecedores intermédios que intervêm na cadeia de distribuição» (7). Por outro lado, quando se debruçou sobre o conceito da «colocação em circulação» de um produto defeituoso, o Tribunal de Justiça referiu que «[e]m princípio, é irrelevante, a este respeito, o facto de o produto ser vendido directamente pelo produtor ao utilizador ou ao consumidor, ou que essa venda seja efectuada no âmbito de um processo de distribuição que comporte um ou mais operadores, como o evocado no artigo 3.°, n.° 3, da Directiva [85/374]» (8).

28.      Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que o «produtor […] é definido, designadamente, como o fabricante de um produto acabado. É apenas nos casos taxativamente enumerados que outras pessoas podem ser consideradas produtores, a saber, quem se apresentar como tal pela aposição do seu nome, marca ou outro sinal distintivo no produto (artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 85/374), quem importar um produto na Comunidade (artigo 3.°, n.° 2) e o fornecedor que, quando o produtor não puder ser identificado, não indique ao lesado, num prazo razoável, a identidade do produtor ou de quem lhe forneceu o produto (artigo 3.°, n.° 3)» (9). A adopção de uma definição particularmente ampla do conceito de «fornecedor» seria contrária a esta vontade de instituir uma lista taxativa de «produtores».

29.      O Tribunal de Justiça nunca definiu directamente o conceito de «fornecedor», na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374. No entanto, resulta dos acórdãos anteriormente referidos que o fornecedor de um produto defeituoso deve ser entendido como um intermediário que intervém na cadeia de comercialização ou de distribuição do produto defeituoso. Uma definição destas deve ter um carácter restritivo.

30.      Para delimitar o conceito de «fornecedor», na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374, no quadro da cadeia de comercialização ou de distribuição de um produto defeituoso, há que referir‑se a Directiva 2001/95/CE (10). Com efeito, como recorda o Governo francês, a delimitação do âmbito de aplicação desta directiva faz necessariamente eco da delimitação do âmbito de aplicação da Directiva 85/374 (11).

31.      A Directiva 2001/95/CE precisa, no seu nono considerando, que «[a] segurança do equipamento utilizado pelos próprios prestadores de serviços para fornecer um serviço aos consumidores […] deverá ser considerada em ligação com a segurança do serviço fornecido. […]». Tendo em consideração a ligação existente entre as duas directivas, pode concluir‑se, a respeito da Directiva 85/374, que a utilização do produto defeituoso por um prestador de serviços deverá ser considerada em ligação com o serviço para o qual é utilizado. Por conseguinte, o prestador de serviços distingue‑se do «fornecedor» de um produto defeituoso, na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374, porque não forneceu um produto, mas uma prestação de serviços para a qual foi utilizado o produto defeituoso (12).

32.      No processo principal, é inegável que o colchão defeituoso foi utilizado no âmbito de uma prestação de cuidados efectuada pelo CHU de Besançon. Como a Comissão referiu na audiência, neste caso, não se tratou de um consumidor que foi comprar um colchão, mas de um paciente que deu entrada num hospital. A segurança do colchão defeituoso deve pois ser considerada em ligação com a prestação de cuidados, em si mesma. Por conseguinte, o CHU de Besançon não pode ser considerado distribuidor do colchão defeituoso e não poderia ser equiparado a um «fornecedor», na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374, contrariamente à primeira hipótese formulada no anterior n.° 21 das presentes conclusões.

2.      Quanto à identificação exaustiva dos responsáveis, decorrente dos produtos defeituosos na Directiva 85/374

33.      O regime da responsabilidade dos hospitais públicos aplicável ao CHU de Besançon com base no acórdão do Conseil d’État de 9 de Julho de 2003 podia estar abrangido pela Directiva 85/374 mesmo que este centro hospitalar não pudesse ser equiparado a um fornecedor nos termos do artigo 3.°, n.° 3, da mesma, em conformidade com a segunda hipótese formulada no n.° 22 das presentes conclusões. Podia considerar‑se que o regime instituído por esta directiva determina toda a responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, unicamente a cargo das pessoas expressamente abrangidas pela Directiva 85/374. Por essa razão, se não se considerar que o CHU de Besançon pertence ao círculo de responsáveis visados no artigo 3.° da Directiva 85/374, não poderia ser responsabilizado por ter utilizado um colchão defeituoso. Só o «produtor» e, sendo caso disso, o «fornecedor» do colchão defeituoso, seriam responsáveis pelos danos causados pelo produto defeituoso, utilizado no âmbito de uma prestação de serviços.

34.      Em diversos acórdãos, o Tribunal de Justiça parece pronunciar‑se neste sentido, quando afirma que «a identificação do círculo de responsáveis feita pelos artigos 1.° e 3.° d[a Directiva 85/374] deve ser considerada exaustiva» (13).

35.      No entanto, uma análise atenta da jurisprudência relativa à interpretação da Directiva 85/374 revela que a afirmação segundo a qual não pode existir responsabilidade do prestador de serviços, uma vez que esta não está prevista pela Directiva 85/374, não encontra apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça (a). Acresce que um acórdão recente demonstra, pelo contrário, que não era necessário considerar a referida directiva aplicável fora dos aspectos da delimitação que regula expressamente (b).

a)      Quanto à não extensão pela jurisprudência da Directiva 85/374 ao regime de responsabilidade dos prestadores de serviços

36.      Não se pode ignorar o contexto em que foi feita a afirmação do Tribunal de Justiça referida no anterior n.° 33 das presentes conclusões. Ora, este contexto revela que, nas decisões que continham a referida afirmação, o Tribunal de Justiça não se pronunciou expressamente sobre a eventual extensão do âmbito de aplicação da Directiva 85/374 ao regime de responsabilidade dos prestadores de serviços.

37.      O Tribunal de Justiça referiu‑se à identificação exaustiva do círculo de responsáveis em duas situações distintas. Em primeiro lugar, para apreciar o âmbito da responsabilidade de um «fornecedor», na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374, cujo carácter subsidiário em relação à responsabilidade do «produtor» foi, assim, afirmado (14). A qualificação de «fornecedor» não suscitou dificuldades, tratando‑se, no caso concreto, do proprietário da loja onde havia sido comprado o produto defeituoso. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça retomou este conceito de exaustividade do círculo de responsáveis quando se colocou a questão da eventual substituição de uma parte por outra quando foi intentada uma acção contra uma sociedade erradamente considerada «produtora» de um produto defeituoso (15). Não há dúvida de que estes processos tinham por objecto o regime de responsabilidade do «produtor» ou do «fornecedor», na acepção do artigo 3.° da Directiva 85/374.

38.      Para além desses processos, o Tribunal de Justiça nunca se pronunciou directamente sobre a extensão do âmbito de aplicação da Directiva 85/374 ao regime de responsabilidade do prestador de serviços decorrente de um produto defeituoso. Em particular, no acórdão Veedfald, relativo à aplicação da Directiva 85/374 quando um produto defeituoso é utilizado no âmbito de uma prestação de serviços, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se unicamente quanto à responsabilidade do «produtor» do referido produto defeituoso, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 85/374 (16).

39.      Por outro lado, deve observar‑se a este respeito que as circunstâncias de um processo em particular podiam ter permitido ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre uma questão desse tipo. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça foi confrontado com a situação de M. V. Gonzalez Sanchez, que alegou ter sido contaminada pelo vírus da hepatite C, na altura de uma transfusão, num estabelecimento médico (17). Nessa ocasião, o Tribunal de Justiça podia ter especificado se o estabelecimento médico em causa era considerado um «fornecedor» do produto defeituoso, na acepção do artigo 3.°, n.° 3 da Directiva 85/374. Sem equiparar este estabelecimento médico a um «fornecedor», podia ter estabelecido que o âmbito de aplicação da Directiva 85/374 abrangia igualmente o regime de responsabilidade deste estabelecimento médico. O Tribunal de Justiça não produziu essas especificações porque lhe foi unicamente submetida a questão de saber se: «[o] artigo 13.° da directiva [85/374], deve […] ser interpretado no sentido de que se opõe a que, em consequência da transposição da directiva […]» (18).

40.      O Tribunal de Justiça respondeu pontualmente a esta questão afirmando que «o artigo 13.° da directiva deve ser interpretado no sentido de que os direitos conferidos pela legislação de um Estado‑Membro às vítimas de um dano causado por um produto defeituoso, ao abrigo de um regime geral de responsabilidade com o mesmo fundamento que o instituído pela referida directiva, podem ser limitados ou restringidos na sequência da transposição desta para a ordem jurídica interna do referido Estado» (19). Os eventuais direitos, conferidos pela legislação de um Estado‑Membro aos lesados por um dano causado por um produto defeituoso, podem ser limitados ou restringidos na sequência da transposição da referida directiva. Com efeito, se o direito nacional previr outros pressupostos da responsabilidade do «produtor» ou do «fornecedor» decorrentes do mesmo fundamento do defeito do produto, esses pressupostos não podem perdurar, uma vez transposta a referida directiva. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a questão do âmbito de aplicação da Directiva 85/374 e sua extensão aos prestadores de serviços.

b)      Sobre a inaplicabilidade da Directiva 85/374 fora dos aspectos que regula expressamente

41.      O Tribunal de Justiça afirmou recentemente a inaplicabilidade da Directiva 85/374 fora dos aspectos que regula expressamente, enquanto se encontrava na presença de uma questão de responsabilidade decorrente de um produto defeituoso. Esse processo foi o que deu lugar ao acórdão Moteurs Leroy Somer (20), de 4 de Junho de 2009. No caso concreto, o grupo electrogéneo de um hospital incendiou‑se devido ao aquecimento de um alternador. O alternador, defeituoso, tinha, assim, causado um dano a uma coisa destinada a uma actividade profissional e utilizada para esse fim. O Tribunal de Justiça considerou que a harmonização realizada pela Directiva 85/374 não abrange a reparação deste tipo de danos. Por conseguinte, a referida directiva não impede um Estado‑Membro de prever a este respeito um regime de responsabilidade posterior relativamente ao instituído pela referida directiva.

42.      A posição assim adoptada pelo Tribunal de Justiça está em linha com o facto de a Directiva 85/374, no décimo oitavo considerando, prever expressamente que «a harmonização resultante da presente directiva não pode, na fase actual, ser total, mas que abre caminho para uma maior harmonização» (21). A Directiva 85/374 não se destina a reger de modo exaustivo o domínio da responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos.

43.      O Tribunal de Justiça adoptou esta posição, quando ele próprio tinha anteriormente indicado que «[o]s artigo artigos 1.° e 9.° referem […], de forma exaustiva, as categorias de danos possíveis» (22). Nesse acórdão Moteurs Leroy Somer, precisou que, «se a Directiva 85/374 […] prossegue, quanto aos aspectos que regula, uma harmonização total das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros [(23)], em contrapartida, como resulta do seu décimo oitavo considerando, não se destina a harmonizar de modo exaustivo o domínio da responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos para além dos referidos aspectos» (24). O Tribunal de Justiça considerou que «resulta tanto da redacção como da sistemática da Directiva 85/374, […] que a reparação dos danos causados a uma coisa destinada a uma actividade profissional e utilizada para essa actividade profissional não faz parte dos aspectos que a referida directiva regula […]» (25). Por conseguinte, o âmbito de aplicação da Directiva 85/374 não abrange os danos causados por um produto defeituoso a uma coisa destinada a uma actividade profissional e utilizada para esse fim.

44.      A posição assim assumida pelo Tribunal de Justiça no processo Moteurs Leroy Somer tem um valor particularmente significativo para os efeitos da resposta a dar ao órgão jurisdicional de reenvio à luz do facto de que, no acórdão Veedfald, o Tribunal de Justiça afirmou a falta de regras relativas à responsabilidade do prestador de serviços por danos causados por produtos defeituosos (26). O Tribunal de Justiça reconheceu por esta via que o legislador não previu instituir com a Directiva 85/374 um regime de responsabilidade que se aplique igualmente às prestações de serviços. A leitura conjugada destes dois acórdãos leva necessariamente a concluir que o âmbito de aplicação da Directiva 85/374 abrange apenas a responsabilidade do «produtor» ou, sendo caso disso, do «fornecedor» de um produto defeituoso, na acepção do artigo 3.° da referida directiva, ainda que este produto cause danos quando for utilizado no âmbito de uma prestação de serviços. Por conseguinte, a harmonização da Directiva 85/374 não abrange o regime de responsabilidade do prestador de serviços, contrariamente à segunda hipótese considerada no n.° 23 das presentes conclusões.

45.      Por outro lado, no acórdão Moteurs Leroy Somer, o Tribunal de Justiça considerou que o dano em causa «não é abrangido pelo termo ‘dano’ na acepção da Directiva 85/374» (27), em vez de considerar que este dano estava coberto pela directiva e não conferia direito à reparação porque a directiva previa unicamente a reparação dos danos causados a uma coisa destinada a uso pessoal e utilizada pela vítima para esse uso. A abordagem do Tribunal de Justiça deixou em aberto a possibilidade de assegurar aos lesados uma melhor reparação por danos causados por produtos defeituosos.

46.      O processo principal diz respeito de forma semelhante à responsabilidade em que incorre uma pessoa que não seja abrangida pela Directiva 85/374. Este regime nacional de responsabilidade deixa intacto o regime harmonizado pela directiva de responsabilidade do «produtor» e, sendo caso disso, do «fornecedor» de um produto defeituoso. Como refere o Governo alemão, este regime nacional de responsabilidade do prestador de serviços beneficia ainda da responsabilidade em que incorrem o «produtor» e o «fornecedor» referidos pela Directiva 85/374. Esta extensão da categoria de pessoas responsáveis perante o paciente de um estabelecimento público de saúde reforça por esta via os direitos do paciente. Ora, pode observar‑se, a este respeito, que esta extensão se situa na linha e no espírito de uma protecção eficaz dos consumidores, prosseguida pela Directiva 85/374 (28).

47.      A este propósito, é interessante notar que, contrariamente ao exposto nas suas observações escritas, a Comissão considerou neste sentido, durante a audiência, que a Directiva 85/374 não limita a possibilidade de os Estados‑Membros definirem a responsabilidade das pessoas que utilizam aparelhos ou produtos defeituosos no âmbito de uma prestação de serviços. No processo principal, como aquela salientou correctamente, a aplicação de um regime nacional de responsabilidade do prestador de serviços permitiria apenas conceder ao paciente um direito à reparação pelas queimaduras causadas pelo colchão defeituoso. Com efeito, como estes danos ocorreram durante uma intervenção cirúrgica praticada em 3 de Outubro de 2000, teria prescrito a acção contra o «produtor» do colchão defeituoso, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da referida directiva (29).

48.      Na linha do acórdão Moteurs Leroy Somer, o Tribunal de Justiça deve, pois, considerar que a reparação pelo prestador de serviços dos danos causados por um produto defeituoso utilizado no âmbito da sua prestação de serviços não faz parte dos aspectos que a Directiva 85/374 regula. Por conseguinte, a referida directiva não impede um Estado‑Membro de prever a este respeito um regime de responsabilidade posterior relativamente ao instituído pela referida directiva, permitindo responsabilizar o CHU de Besançon, enquanto prestador de cuidados para cujos fins foi utilizado um colchão defeituoso.

3.      Conclusão provisória

49.      Por todas as razões expostas, sugiro que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio que a Directiva 85/374 permite aos Estados‑Membros definirem a responsabilidade das pessoas que utilizam aparelhos ou produtos defeituosos no âmbito de uma prestação de serviços e que, ao fazê‑lo, causam danos ao beneficiário da prestação, sem prejuízo da possibilidade de aplicar o regime previsto com base na Directiva 85/374 contra o produtor.

50.      No caso de o Tribunal de Justiça não partilhar esta conclusão, e ser de opinião que o âmbito de aplicação da Directiva 85/374 abrange o regime de responsabilidade do prestador de serviços, pela utilização de um produto defeituoso no âmbito das suas prestações, examinarei, a título subsidiário, a primeira questão que tem por objecto a interpretação do artigo 13.° da Directiva 85/374, para esclarecer melhor o Tribunal de Justiça.

B –    A título subsidiário, quanto à primeira questão

51.      A primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio respeita à interpretação do artigo 13.° da Directiva 85/374, nos termos do qual «[a] presente directiva não prejudica os direitos que o lesado pode invocar nos termos do direito da responsabilidade contratual ou extracontratual ou nos termos de um regime especial de responsabilidade que exista no momento da notificação da presente directiva». No caso concreto, trata‑se de saber se a Directiva 85/374 permite a aplicação de um regime de responsabilidade baseado na situação particular dos pacientes dos estabelecimentos públicos de saúde, por falhas dos produtos e aparelhos que estes estabelecimentos públicos utilizam.

52.      O Tribunal de Justiça interpretou o artigo 13.° da Directiva 85/374 no sentido de que «o regime instituído pela referida directiva, o qual, nos termos do seu artigo 4.°, permite ao lesado pedir ressarcimento quando faça prova do dano, do defeito do produto e do nexo de causalidade entre o defeito e o dano, não afasta a aplicação de outros regimes de responsabilidade contratual ou extracontratual assentes em fundamentos diferentes, como a garantia dos vícios ocultos ou a culpa» (30).

53.      Por conseguinte, a Directiva 85/374 permite a aplicação de um regime especial de responsabilidade que exista no momento da notificação da referida directiva e de um regime de responsabilidade contratual ou extracontratual com base num fundamento diferente.

54.      Antes de mais, no que respeita ao regime especial de responsabilidade existente no momento da notificação da Directiva 85/374, esta notificação aos Estados‑Membros ocorreu em 30 de Julho de 1985. Ora, importa observar a este respeito que, como o órgão jurisdicional de reenvio indica, o regime de responsabilidade em causa no processo principal assenta num princípio de matriz jurisprudencial afirmado pelo Conseil d’État numa decisão de 9 de Julho de 2003. Segundo as observações escritas do Governo francês, a jurisprudência do Conseil d’État anterior a este acórdão exigia, para que se verificasse a responsabilidade do estabelecimento público de prestação de cuidados, a existência de culpa (31). Como tal, foi só a partir do acórdão de 9 de Julho de 2003 que o serviço público hospitalar pôde ser considerado responsável, mesmo que não tivesse incorrido em falta, pelas consequências danosas para os utilizadores por falhas dos produtos e dos aparelhos de saúde utilizados no âmbito dos cuidados prestados. Por conseguinte, não pode considerar‑se este regime de responsabilidade como existente no momento da notificação da Directiva 85/374.

55.      Em seguida, no que respeita ao regime de responsabilidade contratual ou extracontratual com base num fundamento diferente, torna‑se necessário determinar se o regime de responsabilidade de um estabelecimento público de saúde assenta num fundamento diferente do regime instituído pela Directiva 85/374.

56.      Segundo o Tribunal de Justiça, ao contrário de um regime de garantia dos vícios ocultos ou de um regime de responsabilidade fundado na culpa, a Directiva 85/374 institui um regime de responsabilidade que assenta no simples defeito do produto. A Directiva 85/374 especifica o que entende por defeito, a saber, um produto que «não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar» (32). Para o Tribunal de Justiça, o conceito de fundamento é relativo unicamente ao defeito do produto.

57.      Para considerar que um regime de responsabilidade assenta num fundamento diferente, o Tribunal de Justiça não se referiu mais genericamente aos pressupostos ou aos efeitos de um regime de responsabilidade e não atendeu ao contexto de uma responsabilidade desse tipo. Por conseguinte, torna‑se necessário interpretar a Directiva 85/374 no sentido de que exclui a aplicação de um regime com o mesmo objecto – a responsabilidade – e o mesmo fundamento – o defeito de um produto que não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar.

58.      Para o órgão jurisdicional de reenvio, pode sustentar‑se que o regime de responsabilidade em causa assenta num fundamento diferente porque uma responsabilidade desse tipo teria como fundamento as relações específicas que se estabelecem entre o serviço público hospitalar e as pessoas que toma a seu cargo. Para o Governo alemão, a diferença de fundamento consiste no facto de definir uma categoria de pessoas responsáveis afastando‑se da Directiva 85/374. Nestas tomadas de posição, o conceito de fundamento parece ser entendido de maneira diferente do conceito de fundamento a que o Tribunal de Justiça faz referência, na sua linha de jurisprudência relativa à interpretação da Directiva 85/374. A este respeito, é significativo que o Governo francês considere que não é determinante para o regime em causa o facto de assentar ou não no mesmo fundamento da responsabilidade objectiva.

59.      O regime em causa no processo principal é um regime de responsabilidade baseado nas falhas dos produtos e dos materiais de saúde. Ora, fundar um regime de responsabilidade nas falhas de um produto equivale a basear esse regime no defeito do referido produto que não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar. Não se pode considerar que esse regime de responsabilidade assenta num fundamento diferente daquele em que se apoia o regime instituído pela Directiva 85/374.

60.      Por conseguinte, se o Tribunal de Justiça considerar que o âmbito de aplicação da Directiva 85/374 abrange o regime de responsabilidade dos estabelecimentos públicos de saúde, por falhas dos produtos e dos aparelhos de saúde que utilizam, então deve admitir que a Directiva 85/374, tomando em consideração a interpretação do seu artigo 13.°, não permite a aplicação de um regime de responsabilidade baseado nas meras falhas dos referidos produtos e aparelhos.

V –    Conclusão

61.      Tendo em conta as considerações desenvolvidas a título principal, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Conseil d’État do seguinte modo:

«A Directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos permite aos Estados‑Membros definirem a responsabilidade das pessoas que utilizam aparelhos ou produtos defeituosos no âmbito de uma prestação de serviços e que, ao fazê‑lo, causam danos ao beneficiário da prestação, sem prejuízo da possibilidade de aplicar o regime previsto com base na Directiva 85/374 contra o produtor.»


1 – Língua original: francês.


2 – Conseil d’État, 9 de Julho de 2003, Assistance publique‑Hôpitaux de Paris c/ Marzouk, n.° 220437.


3 – O Governo grego baseia‑se na Resolução do Conselho de 19 de Dezembro de 2002 sobre a alteração da directiva em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (JO C 26 p. 2), cujo n.° 4 enuncia que «o Conselho nota que o termo ‘fornecedor’, na acepção do n.° 3 do artigo 3.°, se refere à pessoa que opera na cadeia de distribuição».


4 – O Governo francês invoca o acórdão de 10 de Janeiro de 2006, Skov e Bilka (C‑402/03, Colect. p. I‑199, n.° 28).


5 – Acórdão já referido.


6 – Ibidem (n.° 30).


7 – Acórdão de 5 de Julho de 2007, Comissão/Dinamarca (C‑327/05, n.° 18).


8 – Acórdão de 9 de Fevereiro de 2006, O’Byrne (C‑127/04, Colect. p. I‑1313, n.° 28).


9 – Ibidem (n.os 36 e 37).


10 – Directiva 2001/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Dezembro de 2001, relativa à segurança geral dos produtos (JO L 11, p. 4).


11 – O Governo francês fundou‑se na Directiva 1999/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Maio de 1999, que alterou a Directiva 85/374 (JO L 141, p. 20) – esta directiva incluiu os produtos agrícolas primários no âmbito de aplicação da Directiva 85/374. A Directiva 1999/34 precisa, no seu primeiro considerando, que «a segurança dos produtos e a reparação dos danos causados por produtos defeituosos constituem imperativos sociais que devem ser garantidos no mercado interno; que a Comunidade respondeu a essas exigências através da Directiva [85/374] e da Directiva 92/59/CEE [que foi entretanto revogada pela Directiva 2001/95 […]».


12 – Num acórdão de 10 de Maio de 2001, Veedfald (C‑203/99, Colect., p. I‑3569), o Tribunal de Justiça considerou que a utilização de um produto defeituoso no âmbito de uma prestação de serviços se integrava no âmbito de aplicação da directiva, fazendo uma distinção entre a natureza defeituosa de um produto utilizado e a natureza defeituosa da prestação de serviços, enquanto tal (n.° 12); contudo, não se colocou a questão de qualificar o prestador de serviços como «fornecedor», na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374. No caso concreto, estava em causa a responsabilidade da administração autárquica, simultaneamente prestadora de cuidados e fabricante do produto defeituoso. A Directiva 85/374 aplicava‑se, pois, à sua responsabilidade enquanto «produtor» do produto defeituoso, na acepção do artigo 3.°, n.° 1 da referida directiva. Por conseguinte, esse acórdão não constitui um precedente que obste à exclusão do prestador de serviços do conceito de «fornecedor» de um produto defeituoso, na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 85/374.


13 – V. acórdãos já referidos Skov e Bilka (n.° 33) e O’Byrne (n.° 35); para uma fórmula semelhante, v. acórdão de 2 de Dezembro de 2009, Aventis Pasteur (C‑358/08, Colect., p. I‑11305, n.° 36), segundo o qual «a definição, dada nos artigos 1.° e 3.° dessa directiva, do círculo de responsáveis contra os quais o lesado tem o direito de intentar uma acção ao abrigo do regime de responsabilidade previsto pela directiva deve ser considerada exaustiva».


14 – V. acórdão Skov e Bilka, já referido (n.° 37).


15 – V. acórdãos já referidos O’Byrne (n.° 39) e Aventis Pasteur (n.os 62 a 64).


16 – Acórdão Veedfald, já referido.


17 – Acórdão de 25 de Abril de 2002, González Sánchez (C‑183/00, Colect., p. I‑3901).


18 – Ibidem (n.° 13).


19 – Ibidem, n.° 34.


20 – Acórdão de 4 de Junho de 2009 (C‑285/08, Colect., p. I‑4733).


21 – V. décimo oitavo considerando da Directiva 85/374.


22 – Acórdão Veedfald, já referido (n.° 32).


23 – A afirmação resulta de três acórdãos: de 25 Abril de 2002, Comissão/França (C‑52/00, Colect., p. I‑3827, n.os 14 a 24); Comissão/Grécia (C‑154/00, Colect., p. I‑3879, n.os 10 a 20); e González Sánchez, já referido (n.os 23 a 32).


24 – Acórdão Moteurs Leroy Somer, já referido (n.° 25).


25 – Ibidem (n.° 27).


26 – No acórdão Veedfald, já referido, o Tribunal de Justiça afirmou: «enquanto o legislador comunitário não tiver adoptado normas relativas às prestações de serviços» (n.° 12).


27 – Acórdão Moteurs Leroy Somer, já referido (n.° 17).


28 – V. designadamente, o seu décimo terceiro considerando, nos termos do qual, «consoante os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, o lesado pode ter direito a uma indemnização a título da responsabilidade extracontratual diferente da prevista na presente directiva; que essas disposições não devem ser prejudicadas pela presente directiva, desde que tenham igualmente por objectivo uma protecção eficaz dos consumidores».


29 – O artigo 11.º da Directiva 85/374 prevê assim que «os direitos concedidos ao lesado nos termos da presente directiva se extinguem no termo de um período de dez anos a contar da data em que o produtor colocou em circulação o produto […]».


30 – Acórdãos já referidos Comissão/França (n.° 22), Comissão/Grécia (n.° 18) e González Sánchez (n.° 31); Skov e Bilka (n.° 47); Moteurs Leroy Somer (n.° 23).


31 – Conseil d’État, 1 de Março de 1989, Époux Peyre, n.° 67255.


32 – Artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 85/374.

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