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Document 62010CC0190

    Conclusões do advogado-geral Jääskinen apresentadas em 31 de Março de 2011.
    Génesis Seguros Generales, Sociedad Anónima de Seguros y Reaseguros (Génesis) contra Boys Toys SA e Administración del Estado.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Supremo - Espanha.
    Marca comunitária - Definição e aquisição - Marca anterior - Modalidades de depósito - Depósito por via eletrónica - Meio que permite identificar com precisão a data, a hora e o minuto do depósito do pedido.
    Processo C-190/10.

    Colectânea de Jurisprudência 2012 -00000

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:202

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    NIILO JÄÄSKINEN

    apresentadas em 31 de março de 2011 ( 1 )

    Processo C-190/10

    Génesis Seguros Generales Sociedad Anónima de Seguros y Reaseguros (Génesis)

    contra

    Boys Toys SA

    e

    Administración del Estado

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Espanha)]

    «Marca comunitária — Modalidades de depósito — Artigo 27.o do Regulamento (CE) n.o 40/94 — Depósito eletrónico do pedido — Tomada em consideração da data, hora e minuto do depósito»

    I – Introdução

    1.

    Com o seu reenvio prejudicial, o Tribunal Supremo (Espanha) submete ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à interpretação do conceito de «data de depósito» do pedido de marca comunitária. Trata-se de saber se é possível, para efeitos de aplicação do artigo 27.o do Regulamento (CE) n.o 40/94 ( 2 ), ter em conta, para além da data do depósito, a hora e o minuto da apresentação para poder invocar a prioridade da marca comunitária.

    II – Quadro jurídico

    A – Direito internacional

    2.

    A Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial de 20 de março de 1883 ( 3 ) (a seguir «Convenção de Paris»), no seu artigo 4.o, A), dispõe que:

    «1)   Aquele que tiver apresentado, em termos, pedido […] de registo de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, […] gozará, para apresentar o pedido nos outros países, do direito de prioridade durante os prazos adiante fixados.

    2)   Reconhece-se como dando origem ao direito de prioridade qualquer pedido com o valor de pedido nacional regular, formulado nos termos da lei interna de cada país da União ou de tratados bilaterais ou multilaterais celebrados entre países da União.

    3)   Deve entender-se por pedido nacional regular todo o pedido efetuado em condições de estabelecer a data em que o mesmo foi apresentado no país em causa, independentemente de tudo o que ulteriormente possa, de algum modo, vir a afetá-lo.»

    3.

    Nos termos do artigo 4.o, C), da Convenção de Paris:

    «1)   Os prazos de prioridade atrás mencionados serão […] de seis meses para os desenhos ou modelos industriais e para as marcas de fábrica ou de comércio.

    2)   Estes prazos correm a partir da data da apresentação do primeiro pedido; o dia da apresentação não é contado.

    3)   Se o último dia do prazo for feriado legal ou dia em que a Secretaria não se encontre aberta para receber a apresentação dos pedidos no país em que a proteção é requerida, o prazo será prorrogado até ao primeiro dia útil que se seguir.»

    B – Direito da União

    4.

    O artigo 8.o do Regulamento n.o 40/94, intitulado «Motivos relativos de recusa», dispõe que:

    «1.   Após oposição do titular de uma marca anterior, o pedido de registo de marca será recusado:

    a)

    Sempre que esta seja idêntica à marca anterior e sempre que os produtos ou serviços para os quais a marca é pedida sejam idênticos aos produtos ou serviços para os quais a marca está protegida;

    b)

    Quando, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida; o risco de confusão compreende o risco de associação com a marca anterior.

    2.   São consideradas «marcas anteriores», na aceção do n.o 1:

    a)

    As marcas cuja data de depósito seja anterior à do pedido de marca comunitária, tendo em conta, se aplicável, o direito de prioridade invocado em apoio dessas marcas, e que pertençam às seguintes categorias:

    i)

    Marcas comunitárias;

    ii)

    Marcas registadas num Estado-Membro ou, no que se refere à Bélgica, ao Luxemburgo e aos Países Baixos, no Instituto Benelux de Marcas;

    iii)

    Marcas que tenham sido objeto de registo internacional com efeitos num Estado-Membro;

    b)

    Os pedidos de marcas referidas na alínea a), sob reserva do respetivo registo;

    c)

    As marcas que, à data do depósito do pedido de marca comunitária ou, se aplicável, à data de prioridade invocada em apoio do pedido de marca comunitária, sejam notoriamente conhecidas num Estado-Membro, na aceção do artigo 6.o bis da Convenção de Paris. […]»

    5.

    O artigo 14.o do Regulamento n.o 40/94, intitulado «Aplicação complementar do direito nacional em matéria de contrafação», prevê, no seu n.o 1, que os efeitos da marca comunitária são exclusivamente determinados pelo disposto no referido regulamento.

    6.

    O artigo 26.o, n.o 1, do Regulamento n.o 40/94, enuncia as condições a preencher pelo pedido de marca comunitária, entre as quais consta: a) um requerimento de registo de uma marca comunitária; b) indicações que permitam identificar o requerente; c) a lista dos produtos ou serviços para os quais é pedido o registo, e; d) reprodução da marca. O n.o 2 do mesmo artigo refere que o pedido de marca comunitária dá lugar ao pagamento de uma taxa de depósito.

    7.

    O artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94, intitulado «Data de depósito», tem a seguinte redação:

    «A data de depósito do pedido de marca comunitária é aquela em que o requerente tiver apresentado no instituto ou, se o pedido tiver sido depositado no serviço central da propriedade industrial de um dos Estados-Membros ou no Instituto Benelux de Marcas, num desses serviços, os documentos com os elementos referidos no n.o 1 do artigo 26.o, sob reserva do pagamento da taxa de depósito no prazo de um mês a contar da apresentação dos referidos documentos.»

    8.

    Nos termos do artigo 29.o do mesmo regulamento, o direito de prioridade aplica-se durante um prazo de seis meses a contar da data de depósito do primeiro pedido. É reconhecido como dando origem ao direito de prioridade qualquer depósito que tenha valor de depósito nacional regular por força da legislação nacional do Estado em que foi efetuado ou de acordos bilaterais ou multilaterais. Por depósito nacional regular, deve entender-se qualquer depósito suficiente para determinar a data de depósito do pedido, independentemente do destino dado posteriormente ao pedido.

    9.

    O artigo 32.o do Regulamento n.o 40/94 prevê que o pedido de marca comunitária ao qual tenha sido atribuído uma data de depósito tem, nos Estados-Membros, o valor dum depósito nacional regular, tendo eventualmente em conta o direito de prioridade invocado em apoio do pedido de marca comunitária.

    10.

    O artigo 97.o do Regulamento n.o 40/94, intitulado, «Direito aplicável», estabelece que:

    «1.   Os tribunais de marcas comunitárias aplicarão as disposições do presente regulamento.

    2.   Às questões não abrangidas pelo âmbito de aplicação do presente regulamento, os tribunais de marcas comunitárias aplicarão o seu direito nacional e, nomeadamente, o seu direito internacional privado.

    3.   Salvo disposição em contrário do presente regulamento, o tribunal da marca comunitária aplicará as normas processuais aplicáveis ao mesmo tipo de processos relativos a marcas nacionais dos Estados-Membros em cujo território estiverem situados.»

    11.

    A regra 5 do Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão, de 13 de dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento n.o 40/94 ( 4 ) intitulado «Apresentação do pedido», dispõe que:

    «1.

    O Instituto aporá nos documentos que constituem o pedido a data de receção e o número do respetivo processo. O Instituto fornecerá sem demora ao requerente um recibo incluindo, pelo menos, o número de processo, uma representação, descrição ou outra identificação da marca, a natureza, o número e a data de receção dos documentos.

    […]»

    C – Legislação nacional

    12.

    O artigo 6.o, n.o 2, da Lei 17/2001, de 7 de dezembro de 2001 sobre as marcas (Ley 17/2001, de 7 de diciembre, de Marcas, BOE n.o 294, de 8 de dezembro de 2001, p. 45579, a seguir «Lei 17/2001 sobre as marcas») estabelece que deve entender-se por marcas anteriores:

    «a)

    as marcas registadas cujo pedido de registo tenha uma data de apresentação ou de prioridade anterior ao do pedido objeto do exame, e que pertençam a uma das seguintes categorias: i) marcas espanholas; ii) marcas que tenham sido objeto de um registo internacional que produza efeitos em Espanha; iii) marcas comunitárias.

    b)

    as marcas comunitárias registadas para as quais, nos termos do seu regulamento, seja validamente invocada a antiguidade de uma das marcas referidas nos parágrafos ii) e iii) da alínea a), mesmo que esta última tenha sido objeto de renúncia ou se tenha extinguido.

    c)

    os pedidos de marcas referidas nas alíneas a) e b), sob reserva do respetivo registo.

    d)

    as marcas não registadas que, na data da apresentação ou na data da prioridade do pedido de registo da marca que é objeto de exame sejam ‘notoriamente conhecidas’ em Espanha, na aceção do artigo 6.o-bis da Convenção de Paris.»

    13.

    O artigo 11.o da referida lei, intitulado «Depósito do pedido», dispõe que:

    «1.   Os pedidos de registo de marcas são depositados na entidade competente da Comunidade Autónoma em que o requerente tenha o seu domicílio ou um estabelecimento industrial ou comercial real e sério. […]

    […]

    6.   No momento da receção do pedido, o órgão competente para o receber indicará o respetivo número e o dia, hora e minuto do seu depósito, pela forma prevista na lei.»

    14.

    O artigo 12.o da Lei 17/2001 sobre as marcas, que enuncia as condições a preencher pelo pedido, tem a seguinte redação:

    «1.   O pedido de marca deve conter, pelo menos: um requerimento de registo da marca; a identificação do requerente; a reprodução da marca; a lista dos produtos ou serviços para os quais é pedido o registo.

    […]»

    15.

    O artigo 13.o da Lei 17/2001 sobre as marcas estabelece que:

    «1.   A data de depósito do pedido é aquela em que o órgão competente, de acordo com o previsto no artigo 11.o, receber os documentos com os elementos referidos no n.o 1 do artigo 12.o

    2.   A data de depósito dos pedidos numa estação de Correios é aquela em que a estação receber os documentos com os elementos referidos no n.o 1 do artigo 12.o, depositados em envelope aberto, por carta registada com aviso de receção, dirigida ao órgão competente para receber o pedido. A estação de Correios registará o dia, hora e minuto do depósito.

    3.   Se, no momento da receção do pedido, algum dos órgãos ou unidades administrativas a que se referem os números anteriores não tiver registado a hora do seu depósito, será considerada a última hora do dia. Não havendo indicação do minuto, considera-se o último minuto da hora e, na falta de indicação da hora e minuto, considera-se a última hora e minuto do dia.»

    III – Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    16.

    A Génesis Seguros Generales Sociedad Anónima de Seguros y Reaseguros (a seguir «Génesis») depositou no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (IHMI), por via eletrónica, dois pedidos de registo de marcas comunitárias: a marca nominativa RIZO n.o 3 543 361, nas classes 16, 28, 35 e 36 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o Registo de Marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e modificado (a seguir «Classificação de Nice») e a marca nominativa RIZO, EL ERIZO n.o 3 543 386, nas classes 16, 35 e 36 da mesma classificação.

    17.

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, à luz das provas que lhe foram apresentadas, a transmissão ( 5 ) ao IHMI dos pedidos eletrónicos destas duas marcas comunitárias teve lugar, respetivamente, às 11h52 e às 12h13 da manhã do dia 12 de dezembro de 2003.

    18.

    Resulta igualmente da decisão de reenvio, que às 17h45 desse mesmo dia 12 de dezembro de 2003, a sociedade Pool Angel Tomas SL requereu à Oficina Española de Patentes y Marcas (a seguir «OEPM»), o registo em Espanha da marca nominativa RIZO’S, n.o 2 571 979-3, na classe 28 da Classificação de Nice.

    19.

    A Génesis deduziu oposição ao pedido de registo da marca nacional RIZO’S invocando a prioridade das suas marcas comunitárias RIZO n.o 3 543 361 e RIZO, EL ERIZO n.o 3 543 386.

    20.

    Por decisão de 9 de dezembro de 2004, a OEPM indeferiu a oposição deduzida por considerar que as marcas invocadas não eram prioritárias em relação à marca pedida e concedeu a inscrição da marca RIZO’S.

    21.

    A Génesis interpôs recurso hierárquico, pedindo que a OEPM declarasse a prioridade das marcas comunitárias de que é titular, uma vez que o depósito do pedido dessas marcas comunitárias foi efetuado por via eletrónica em 12 de dezembro de 2003 e que é esta a data que deve ser tida em consideração para esse efeito.

    22.

    Por decisão de 29 de junho de 2005, a OEPM negou provimento ao recurso hierárquico, argumentando que a data de depósito das marcas comunitárias de que a recorrente é titular foi posterior à do pedido da marca espanhola RIZO’S, pelo que, de acordo com o artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94, a data de apresentação considerada para efeito de pedido de marcas comunitárias foi o dia 7 de janeiro de 2004.

    23.

    A Génesis interpôs recurso desta decisão para a Segunda Secção da Sala de lo Contencioso-Administrativo do Tribunal Superior de Justicia de Madrid, por acórdão de 7 de fevereiro de 2008, que confirmou a justeza do deferimento da marca espanhola requerida, RIZO’S. Este órgão jurisdicional considerou que a data depósito das marcas comunitárias controvertidas foi a data da efetiva apresentação dos documentos e não o dia 12 de dezembro, data da apresentação do pedido por via eletrónica.

    24.

    No recurso do acórdão de 7 de fevereiro de 2007, a Génesis contesta, em primeiro lugar, a interpretação do Tribunal Superior de Justicia de Madrid relativamente à data de depósito do pedido das marcas comunitárias e refere que a interpretação correta dos artigos 26.° e 27.° do Regulamento n.o 40/94 leva a que se considere como data de depósito dos pedidos a data em que os mesmos foram remetidos ao IHMI e recebidos por este, ou seja, 12 de dezembro de 2003. Em segundo lugar, a Génesis considera que, ao não ter reconhecido a prioridade das marcas comunitárias RIZO n.o 3 543 361 e RIZO, EL ERIZO n.o 3 543 386, o Tribunal Superior de Justicia de Madrid violou o artigo 6.o, n.o 2, da Lei 17/2001 sobre as marcas que prevê, nas alíneas a) e c), que são prioritários os pedidos de marcas comunitárias cuja data de depósito é anterior aos pedidos de registo apresentados junto do OEPM.

    25.

    O Tribunal Supremo salienta que, prevendo em simultâneo que a data de depósito do pedido de marca comunitária é aquela em que esse pedido foi apresentado junto do IHMI ou junto dos organismos previstos nesta disposição, o artigo 27.o do Regulamento (CE) n.o 40/94 não estabelece qualquer outra ordem de apresentação quando os depósitos têm lugar no mesmo dia. Ora, o critério utilizado em Espanha para determinar a prioridade das marcas quando o dia de depósito dos pedidos coincide consiste em atribuir uma preferência em função da hora e do minuto do depósito junto do OEPM.

    26.

    Nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O artigo 27.o do Regulamento [n.o 40/94] pode ser interpretado de modo a que sejam tidos em conta não só o dia mas também a hora e o minuto de depósito do pedido de registo de uma marca comunitária no IHMI desde que haja registo destes elementos para determinar a prioridade temporal em relação a uma marca nacional depositada nessa mesma data, quando a legislação nacional que regulamenta o registo desta última marca considera relevante a hora de depósito?»

    27.

    Esta questão deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de abril de 2010. Foram apresentadas observações escritas pela Génesis, pelos Governos espanhol, italiano e grego, bem como pela Comissão Europeia.

    IV – Quanto à questão prejudicial

    A – Observações gerais sobre o sistema da marca

    28.

    A título preliminar, quero destacar as características do sistema da marca, a saber, por um lado, a sua dimensão internacional por natureza e, por outro, a sua necessária limitação territorial. Importa, também, ter em conta a existência de diversos sistemas de proteção da marca, entre os quais consta o da União ( 6 ).

    29.

    Os traços característicos da marca resultam já dos trabalhos em torno da conclusão da Convenção de Paris ( 7 ). Tratando-se da determinação do regime aplicável à proteção da propriedade industrial, a primeira proposta, que consistia na adoção duma legislação supranacional uniforme, foi rejeitada por ser utópica e irrealista. A segunda proposta, no sentido da adoção de regras de conflito de leis de acordo com as quais era aplicável o direito do país de origem da invenção ou de registo da marca, foi considerada injusta. Nos termos do artigo 2.o da convenção, os seus autores optaram pela terceira proposta, do princípio do tratamento nacional ( 8 ). Em virtude do princípio da territorialidade (lex loci protectionis), os efeitos jurídicos duma marca limitam-se ao território do Estado no qual é protegida ( 9 ).

    30.

    No direito da União, o direito das marcas constitui um elemento essencial do sistema de concorrência leal. Neste sistema, cada empresa deve, para poder conservar a clientela pela qualidade dos seus produtos ou dos seus serviços, ser capaz de fazer registar como marcas sinais que permitem ao consumidor distinguir sem confusão possível esses produtos ou esses serviços dos que são de outra proveniência ( 10 ).

    31.

    A harmonização das legislações no domínio do direito das marcas apoia-se em duas séries de textos legais aplicados paralelamente, porém, ligados em diversas perspetivas. Trata-se, por um lado, do sistema da marca comunitária, ou seja, o direito da propriedade industrial previsto no Regulamento n.o 40/94, que institui um direito das marcas uniforme, aplicável ao conjunto do território da União. Por outro lado, com a Diretiva 89/104, o legislador da União levou a cabo um esforço de aproximação das legislações nacionais sem atender ao princípio da territorialidade, ou seja, à ligação entre os efeitos jurídicos duma marca e o território do Estado-Membro em questão.

    32.

    Porém, importa salientar que, nos termos do quinto considerando do Regulamento n.o 40/94, o direito comunitário das marcas não substitui os direitos de marcas dos Estados-Membros. As marcas nacionais subsistem porque são consideradas necessárias para as empresas que não pretendem optar por uma proteção da sua marca à escala da União ( 11 ).

    33.

    A marca comunitária vem, portanto, complementar os sistemas de proteção nacionais. Como consta do primeiro e terceiro considerandos da Diretiva n.o 89/104, esta visa uma harmonização parcial limitada às disposições nacionais que tenham incidência mais direta sobre o funcionamento do mercado interno ( 12 ).

    34.

    A proteção das marcas no seio da União caracteriza-se, pois, pela coexistência de diversos regimes de proteção, o que pode conduzir a uma multiplicação de depósitos de marca e, como veremos, a existência de registos válidos concorrentes.

    B – Quanto ao registo e à data de depósito da marca no direito da União

    35.

    No tocante ao registo da marca comunitária, as disposições do Regulamento n.o 40/94 associam ao depósito da referida marca, consequências em diversas perspetivas.

    36.

    Em primeiro lugar, nos termos do artigo 46.o do Regulamento n.o 40/94, o período de proteção da marca, que tem a duração de 10 anos, começa a correr a partir da data de depósito. Em segundo lugar, tal como resulta do artigo 8.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 40/94, a data de depósito do pedido, tal como se encontra definida no artigo 27.o do mesmo regulamento, estabelece a prioridade duma marca em relação à outra ( 13 ). Em terceiro lugar, a data de depósito é pertinente para apreciar o carácter distintivo que uma marca pode ter adquirido na sequência de uma utilização anterior ao depósito do pedido nos termos do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94. Finalmente, o momento do depósito do pedido de registo interessa para a apreciação da existência de má-fé do requerente, nos termos do artigo 51.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 40/94, no âmbito da determinação das causas de nulidade absoluta da marca ( 14 ).

    37.

    Acresce que a determinação precisa da data de depósito é um elemento constitutivo do sistema da marca comunitária. Na medida em que o presente pedido prejudicial visa a determinação do sentido e alcance do artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94, importa, desde já, determinar a natureza da noção de «data de depósito» de acordo com esta disposição.

    38.

    Forçoso é constatar, desde logo, que a Convenção de Paris não contém regras materiais que estabeleçam as condições do depósito, mas, pelo contrário, prevê, no seu artigo 4.o-A, n.o 2, que a regularidade dos depósitos é determinada pelo direito de cada país da União ou por tratados bilaterais ou multilaterais celebrados entre eles. Com efeito, não obstante a referida convenção estabelecer entre os Estados contratantes uma União para a proteção da propriedade industrial, esta mesma convenção contém diversas disposições que obrigam esses Estados a legislar no domínio da propriedade industrial ou que lhes permite fazê-lo ( 15 ).

    39.

    Pelo contrário, o Regulamento n.o 40/94 contém uma disposição específica que estabelece as condições de depósito da marca comunitária. Com efeito, nos termos do artigo 27.o do referido regulamento, a data de depósito do pedido de marca comunitária é aquela em que o requerente tiver apresentado no IHMI ou, se o pedido tiver sido apresentado no serviço central da propriedade industrial de um Estado-Membro ou no Instituto Benelux de Marcas, num desses serviços, os documentos com os elementos referidos no n.o 1 do artigo 26.o, sob reserva do pagamento da taxa de depósito no prazo de um mês a contar da apresentação dos referidos documentos ( 16 ).

    40.

    Resulta, pois, do artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94 que a referida disposição não faz um reenvio expresso para o direito dos Estados-Membros.

    41.

    A este propósito e de acordo com jurisprudência assente, decorre das exigências, tanto de aplicação uniforme do direito comunitário, como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados em toda a União Europeia, de modo autónomo e uniforme tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pelas normas em causa ( 17 ).

    42.

    No âmbito do registo duma marca comunitária, os registos de marcas nacionais anteriores devem ser tidos em consideração enquanto factos juridicamente pertinentes, aos quais a regulamentação da União atribui determinadas consequências jurídicas.

    43.

    Acresce que, o IHMI não está, nem obrigado a fazer suas as exigências e a apreciação da autoridade competente em matéria de marcas do país de origem, nem a registar a marca requerida pelo facto de existirem decisões de registo dos institutos nacionais de marcas e patentes ( 18 ).

    44.

    Consequentemente, considero que a determinação da «data de depósito» duma marca comunitária é uma questão que se rege, exclusivamente, pelo direito da União, que tem em conta, a este respeito, as convenções internacionais pertinentes. Na medida em que o Regulamento n.o 40/94 não fornece a definição legal da expressão «data de depósito», é necessário procurar o alcance e o sentido desta expressão no referido regulamento.

    C – Quanto à data de depósito do pedido no âmbito do litígio no processo principal

    45.

    Antes de iniciar a análise do conceito chave para o presente processo, falta abordar, no seguimento da decisão de reenvio, a incerteza que parece rodear um elemento fatual fundamental do litígio no processo principal, isto é, a determinação do dia de depósito dos pedidos das marcas em causa ( 19 ).

    46.

    Com efeito, resulta da decisão de reenvio que os dois pedidos de marcas nominativas comunitárias RIZO e RIZO, EL ERIZO, foram apresentados no IHMI, por via eletrónica, no dia 12 de dezembro de 2003. Porém, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se essa data de transmissão por via eletrónica deve ser considerada a data que faz fé do depósito da marca comunitária.

    47.

    Resulta da decisão de reenvio que ao recurso interposto pela Génesis da decisão da OEPM foi-lhe negado provimento por acórdão do Tribunal Superior de Justicia de Madrid essencialmente porque a data de depósito do pedido das marcas comunitárias controvertidas foi o dia 7 de fevereiro de 2004, data da efetividade do depósito dos documentos, e não o dia 12 de dezembro de 2003, data do depósito do pedido por via eletrónica.

    48.

    Importa salientar, a este respeito, que o IHMI tem à disposição dos utentes um serviço de depósito eletrónico («e-filing») que lhes permite apresentar os seus pedidos de marca comunitária on-line. Este serviço oferece diversas vantagens, entre as quais se conta a garantia da data de depósito, nos termos do artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94.

    49.

    De acordo com a redação desta norma, a data de apresentação dos pedidos por via eletrónica acompanhados por todos os documentos exigidos pelo Regulamento n.o 40/94 e seguido do pagamento da taxa no prazo de um mês deve ser considerada a data de depósito nos termos do artigo 27.o do referido regulamento. Com efeito, o IHMI forneceu aos interessados os meios necessários para anexar os documentos exigidos ( 20 ).

    50.

    Pelo contrário, no caso de uma simples apresentação por via eletrónica dum pedido de registo, sem o concomitante depósito dos documentos exigidos, a data de depósito nos termos do artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94 é aquela em que toda a documentação exigida for efetivamente depositada no IHMI. Trata-se, portanto, de uma data posterior à apresentação do referido pedido por via eletrónica.

    51.

    Assim, para efeitos de aplicação da expressão «a data de depósito» nos termos do artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar qual foi a data da efetiva apresentação pela Génesis da totalidade dos documentos exigidos, para efeitos dos seus pedidos de registo, seguida do pagamento da taxa.

    52.

    Depois de tratado este aspeto, é útil abordar os aspetos temporais mais precisos invocados pelo órgão jurisdicional de reenvio.

    D – Quanto à tomada em consideração da hora e minuto no âmbito da aplicação da noção de «data de depósito » nos termos do Regulamento n.o 40/94

    53.

    Através da sua questão, o órgão jurisdicional interroga-se, no essencial, quanto à possibilidade de ter em conta, para efeitos de aplicação do artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94, a hora e o minuto de depósito do pedido de registo, quando estes elementos possam contribuir para determinar uma eventual prioridade em relação a uma marca nacional cujo registo foi pedido no mesmo dia. Com efeito, na hipótese de coincidência das datas de depósito, o direito espanhol define a prioridade das marcas em função da hora e do minuto do depósito.

    54.

    Esta questão diz, portanto, respeito ao princípio da prioridade de acordo com o qual um direito anterior permite a oposição ao conjunto dos sinais posteriores que estejam em conflito com o mesmo ( 21 ). O processo de oposição, com base no direito nacional, despoletado pela Génesis visa, portanto, estabelecer que as suas duas marcas comunitárias são «marcas anteriores» de acordo com a legislação nacional, a qual adota a definição de anterioridade prevista pelo Regulamento n.o 40/94 ( 22 ).

    55.

    A análise do alcance da noção de «data de depósito» proposta pelas partes que apresentaram observações no âmbito do presente processo diverge substancialmente. Tal como os Governos espanhol e italiano, bem como a Comissão, entendo que a hora e o minuto de depósito do pedido de marca comunitária não constituem elementos pertinentes para efeitos de aplicação do artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94. Com efeito, parece-me que a «data de depósito» se refere, unicamente, ao «dia civil». Este último conceito corresponde, no meu entender, a um dia do calendário, da 00h00 às 24h00, com o número do mês e do ano de acordo com o calendário gregoriano, bem como a um dia correspondente nos outros sistemas de calendário ( 23 ). Um dia civil pode, portanto, ser o mesmo, não obstante as variações do tempo real devidas aos fusos horários ( 24 ).

    56.

    Na minha opinião, há diversos elementos a favor desta interpretação.

    57.

    Em primeiro lugar, saliento que o sistema da Convenção de Paris, do qual todos os Estados-Membros são partes, adotou a data, entendida como dia único ou dia civil, como unidade base de cálculo. Com efeito, a regularidade do depósito só é apreciada tendo como base este elemento. O referido depósito é tido como efetuado desde que, de acordo com a legislação nacional do país no qual foi feito tenha sido depositado um pedido que respeite as exigências de forma e mesmo que esse pedido esteja incompleto ou incorreto é suficiente para estabelecer a data do depósito ( 25 ).

    58.

    A este propósito, importa salientar que a introdução desta unidade base de cálculo esteve intimamente ligada ao que se convencionou chamar a «prioridade unionista» adotada pela Convenção de Paris, nos termos da qual, quem depositar uma marca noutro país no prazo de seis meses a contar do depósito da sua marca no país de origem, beneficia da data de proteção inicial que obteve no país de origem ( 26 ). Com efeito, de acordo com o artigo 4.o C, n.o 2, da referida convenção, o prazo de seis meses começa a correr a partir da data da apresentação do primeiro pedido, não contado o dia da apresentação. Por consequência, a hora e o minuto do depósito não têm qualquer pertinência para efeitos de cálculo do prazo da prioridade ( 27 ).

    59.

    O Regulamento n.o 40/94 contém regras próprias que seguem o sistema da Convenção ao consagrar, no artigo 29.o, um direito de prioridade que inclui os depósitos de pedidos num dos Estados parte da convenção ou num dos Estados parte do Acordo que Cria a Organização Mundial de Comércio ( 28 ). Por força do direito de prioridade, pressupõe-se que os direitos ligados à marca comunitária aparecem desde a data da prioridade, ou seja, o dia do depósito do pedido nacional ( 29 ).

    60.

    Assim, considero que não é possível definir melhor a data de depósito referida no artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94. Isso parece-me tanto mais impossível quanto a este conceito foi atribuído, desde o início, uma função precisa, no âmbito da aplicação do princípio da prioridade referido, não só à escala da União, mas também para a aplicação das regras internacionais sobre os efeitos do registo das marcas. A este propósito, importa lembrar que a marca anterior é protegida através dum registo internacional ( 30 ).

    61.

    É certo que resulta das indicações constantes do sítio da internet do IHMI que a data de depósito é aquela em que os documentos previstos no artigo 26.o são depositados no IHMI, hora da Europa Central (GMT +1) ( 31 ). Porém, considero que a hora referida serve para determinar a data do depósito no IHMI e não para atribuir uma prioridade temporal assente na hora e no minuto do depósito.

    62.

    Esta posição também é confirmada pela interpretação literal da redação do artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94 que só refere a «data». Acresce que, resulta da regra 5 do Regulamento n.o 2868/95, que o IHMI, aporá nos documentos que constituem o pedido, apenas a data de receção e o número do respetivo processo. O Instituto fornecerá sem demora ao requerente um recibo incluindo, pelo menos, o número de processo e a data de receção dos documentos.

    63.

    Em segundo lugar, uma interpretação no sentido de não atender à hora e ao minuto do depósito também é corroborada pela finalidade e natureza da legislação da União. Tal como já referi nos n.os 30 a 34 e 39 a 43 das presentes conclusões, o objetivo do Regulamento n.o 40/94 não é aproximar o direito dos Estados-Membros, mas sim criar um direito da propriedade industrial único, válido em toda a União. Acresce que, considerando a natureza autónoma dos conceitos de direito da União constantes do Regulamento n.o 40/94, as soluções jurídicas adotadas no direito nacional não seriam tidas em conta para efeitos de interpretação do regime da marca comunitária. Por fim, como refere, com acerto, a Comissão, esta abordagem é confirmada por uma leitura conjugada dos artigos 14.° e 97.° do referido regulamento, na medida em que da mesma resulta que a aplicabilidade do direito nacional se limita às questões que não integram o campo de aplicação do Regulamento n.o 40/94.

    64.

    Em terceiro lugar, importa salientar que a pertinência do artigo 32.o do Regulamento n.o 40/94, do qual resulta que o pedido de marca comunitária tem o valor do depósito de marca nacional nos Estados-Membros, para determinar o direito associado ao pedido de marca comunitária. Este artigo apenas se refere à data do depósito.

    65.

    Como observa o Governo espanhol, o artigo 32.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94, não altera a noção comunitária de data de depósito, nem pressupõe uma aplicação subsidiária do direito nacional, limitando-se a reconhecer, aos pedidos de marcas comunitárias apresentados no IHMI, o mesmo valor jurídico dos apresentados nos institutos nacionais. Se, mau grado a redação do artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94, o Tribunal de Justiça optasse por uma interpretação extensiva desta disposição, a mesma colocaria todos os requerentes perante a obrigação de as registar no IHMI para garantir o seu direito de prioridade, não só em relação a outras marcas nacionais mas, também, em relação a outras marcas comunitárias, o que seria contrário ao princípio de acordo com o qual a marca comunitária não substitui as marcas nacionais.

    66.

    Por último, é fundamental salientar a existência de várias dificuldades práticas relacionadas com a aplicação da prioridade em tempo real, em vez da aplicação da noção de dia civil, no quadro do sistema de marca comunitária.

    67.

    Antes de mais, a existência de diversos fusos horários no âmbito da União parece-me, atualmente, tornar impossível a determinação da prioridade da marca comunitária em tempo real. Com efeito, o território da Europa estende-se por quatro fusos horários ( 32 ).

    68.

    Em face desta diversidade, a tomada em consideração da hora e do minuto do depósito dum pedido de marca implicaria definir uma regra de conflito temporal entre diversos sistemas nacionais. Não seria de excluir que a prioridade em tempo real conduzisse, igualmente, a uma certa confusão, tendo em conta a pluralidade dos meios de comunicação, bem como a diversidade da sua qualidade no seio de vários Estados-Membros ( 33 ). Para acabar com esta confusão, seria conveniente não só registar a hora e o minuto do pedido, mas, também, assegurar que os sistemas informáticos de que dispõem as autoridades nacionais seguem exatamente o tempo atómico ou o tempo universal ( 34 ).

    69.

    Desta forma, o problema da data de depósito seria, inutilmente, transformado num debate sobre as unidades nominais ou até reais. Por exemplo, o dia 1 de janeiro, às 0h30 na Finlândia corresponde, em tempo real, ao dia 31 de dezembro, às 23h30 na maioria dos Estados-Membros.

    70.

    É verdade que a possibilidade dum registo eletrónico existe em diversos Estados-Membros ( 35 ). Porém, parece-me que importa distinguir entre a possibilidade de um depósito eletrónico do pedido e a criação dum sistema de prioridade em tempo real. Com efeito, a introdução, pelo IHMI ou por certos Estados-Membros duma possibilidade de depósito eletrónico, a fim de modernizar e facilitar o acesso à proteção da propriedade industrial, não implica necessariamente, a tomada em consideração da hora e do minuto do depósito do pedido de registo para estabelecer a anterioridade da marca ( 36 ).

    71.

    Por consequências, considero que a tomada em conta da hora e do minuto para efeitos de determinação da anterioridade de uma marca nos termos do artigo 27.o do Regulamento n.o 40/94 apenas será possível depois da criação, em toda a União, dum sistema uniforme de procedimentos administrativos de registo eletrónico de marcas, tanto comunitárias, como nacionais. Isto implicaria, também, a aplicação do sistema da hora universal, isto é, a harmonização completa dos sistemas de tempo legais dos Estados europeus. Donde decorre que a implementação de tal sistema deveria ser claramente prevista na regulamentação da União, bem como nos direitos nacionais dos Estados-Membros ( 37 ) e não resultar da jurisprudência.

    72.

    A este respeito, é necessário observar ainda que o artigo 27.o do Regulamento n.o 207/2009, relativo à data de depósito, tem uma redação idêntica à do artigo correspondente do Regulamento n.o 40/94 que constitui o objeto da presente questão prejudicial. Consequentemente, o legislador da União nem sempre atribuiu precisão à hora e ao minuto do depósito.

    73.

    A título subsidiário, queria mais uma vez salientar que o Regulamento (CE) n.o 6/2002 ( 38 ) já não prevê a menção de hora e de minuto a propósito da data de depósito do pedido de registo de um desenho ou modelo comunitário. Por outro lado, em virtude do referido regulamento, o requerente dum desenho ou modelo comunitário registado goza, dentro de certas condições, dum direito de prioridade. Este tem por efeito que a data de prioridade corresponde à data de depósito do pedido de registo dum desenho ou modelo comunitário ( 39 ).

    74.

    Tendo em conta as considerações precedentes se, por um lado, devemos admitir que os pedidos de marcas em causa foram depositados no mesmo dia e, por outro, que a tomada em consideração da hora e do minuto deve ser excluída, daí resulta que as duas marcas em causa podem, em princípio, ser registadas. Coloca-se, assim, a questão da coexistência da marca nacional com a marca comunitária.

    E – Quanto à coexistência de marcas no mercado

    75.

    A coexistência de dois registos concorrentes de marcas constitui um fenómeno conhecido e por vezes inevitável na União. Trata-se, incontestavelmente, duma situação imperfeita resultante do carácter multinacional e diversificado dos sistemas de proteção da marca, bem como da diversidade das empresas titulares das marcas.

    76.

    É necessário salientar que a referida coexistência pode ter incidência no resultado dum processo de oposição ou num pedido de nulidade duma marca. Esse resultado varia conforme se trate da coexistência entre marcas controvertidas ou entre a marca anterior e as marcas que não pertencem ao titular da marca comunitária, mas sim a terceiros. A coexistência pode, portanto, ser suportada pelo titular do direito anterior ou ser acertada entre as partes mediante um acordo ( 40 ).

    77.

    É consensual que, a fim de obviar a este fenómeno, os dois titulares podem recorrer a um acordo de coexistência para prevenir um eventual conflito ( 41 ). Além disso, os direitos nacionais oferecem soluções particulares, como a da «utilização concorrente de boa fé» («honest concurrent use»), cuja legalidade do ponto de vista do direito da união se afigura contestável ( 42 ).

    78.

    Como a Comissão salientou nas suas observações, a coexistência é conhecida desde a instauração da marca comunitária, porquanto o IHMI, a partir do dia 1 de abril de 1996, data da abertura do registo de marcas comunitárias, registou todas as marcas cujo registo tinha sido pedido anteriormente ( 43 ).

    79.

    De todo o modo, a possibilidade de registar marcas idênticas para os mesmos produtos ou serviços que tenham a mesma data de prioridade sempre existiu nos sistemas que se baseiam na Convenção de Paris. A coexistência, sendo pouco desejável, faz, assim, parte integrante do conceito de marca.

    V – Conclusão

    Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial colocada pelo Tribunal Supremo no sentido de que:

    «No estado atual do direito da União, o artigo 27.o do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, exclui que seja tido em conta, para além do dia de depósito do pedido de marca comunitária, também a hora e o minuto do referido depósito.»


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) Regulamento do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO L 11, p. 1), revogado pelo Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (versão codificada) (JO L 78, p. 1), que entrou em vigor em 13 de abril de 2009. Tendo em conta a data dos factos no processo principal, o presente pedido de interpretação refere-se ao Regulamento n.o 40/94.

    ( 3 ) A Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial de 20 de março de 1883 encontra-se disponível no seguinte endereço: http:/www.wipo.int/treaties/fr/ip/paris/trtdocs_wo020.html

    ( 4 ) JO L 303, p. 1.

    ( 5 ) E não a receção ou o registo pelo IHMI.

    ( 6 ) Müller, B.K., Multinational Trademark Registration Systems, Berna 2002.

    ( 7 ) Importa salientar que, nos termos do décimo segundo considerando da Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989 L 40, p. 1), todos os Estados-Membros da Comunidade estão vinculados pela Convenção de Paris, de modo que é necessário que as disposições da referida diretiva estejam em harmonia completa com as da Convenção de Paris.

    ( 8 ) Beier, F-K, «One Hundred Years of International Cooperation — The Role of the Paris Convention in the Past, Present and Future», International Review of Industrial Property and Copyright Law, vol. 15, n.os 1-6/1984, p. 1.

    ( 9 ) Sabatier, M., Pratique de la marque internationale, Institut de Recherche en Propriété intellectuelle Henri-Desboi, 2007, n.o 8. V., a este propósito, as conclusões da advogada-geral Trstenjak no processo Budvar, pendente no Tribunal de Justiça (C-482/09, n.os 50 e segs.).

    ( 10 ) V., neste sentido, acórdãos de 4 de outubro de 2001, Merz & Krell (C-517/99, Colet., p. I-6959, n.os 21 e 22); de 12 de novembro de 2002, Arsenal Football Club (C-206/01, Colet., p. I-10273, n.os 47 e 48); de 17 de março de 2005, Gillette Company e Gillette Group Finland (C-228/03, Colet., p. I-2337, n.o 25); de 26 de abril de 2007, Alcon/IHMI, C-412/05 P (Colet., p. I-3569, n.os 53 e 54); e de 14 de setembro de 2010, Lego Juris/IHMI (C-48/09 P, Colet., p. I-8403, n.o 38).

    ( 11 ) Bonet, G., «A marca comunitária», Revue trimestrielle de droit européen, n.o 1, 1995, p. 59.

    ( 12 ) A título de exemplo desta limitação, ver conclusões do advogado-geral Cruz Villalón, no processo Anheuser-Bush/Budějovický Budvar, pendente no Tribunal de Justiça (C-96/09 P, n.o 79). Acresce que, o Tribunal de Justiça já considerou que a harmonização parcial não exclui que se verifique uma harmonização relativa, nomeadamente, quanto às disposições nacionais que tenham uma incidência mais direta sobre o funcionamento do mercado interno. V., acórdãos de 16 de julho de 1998, Silhouette International Schmied (C-355/96, Colet., p. I-4799, n.o 23) e de 11 de março de 2003, Ansul (C-40/01, Colet., p. I-2439, n.o 27).

    ( 13 ) A data de depósito é, pois, pertinente para determinar a «marca anterior» nos termos do artigo 8.o do Regulamento n.o 40/94, bem como as marcas cuja data de depósito seja anterior à data de pedido da marca [nos termos do artigo 4.o, n.o 2, alíneas a), i), da Diretiva n.o 89/104].

    ( 14 ) V., a este propósito, acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C-529/07, Colet., p. I-4893).

    ( 15 ) Bodenhausen, G.H.C., Guide d’application de la Convention de Paris pour la protection de la propriété industrielle, BIRPI, 1969, p. 11.

    ( 16 ) Importa destacar que o princípio de um depósito internacional único assente, porém, num registo da marca no país de origem, foi introduzido pelo Acordo de Madrid de 14 de abril de 1891 e pelo Protocolo de Madrid de 27 de junho de 1989 sobre marcas internacionais. V., Sabatier, M., Pratique de la marque internationale, p. 5 a 7.

    ( 17 ) V., entre muitos outros, acórdãos de 6 de fevereiro de 2003, SENA, (C-245/00, Colet., p. I-1251, n.o 23) e de 21 de outubro de 2010, Padawan (C-467/08, Colet., p. I-10055, n.o 32).

    ( 18 ) Neste sentido, v. acórdão de 25 de outubro de 2007, Develey/IHMI (C-238/06 P, n.os 71 a 73) e de 17 de dezembro de 2010 Chocoladfabriken Lindt & Sprüngli/IHMI (Forma de um coelho em chocolate) (T-395/08).

    ( 19 ) A decisão de reenvio não se pronuncia, de forma definitiva, quanto a este elemento de facto e as observações apresentadas pela Génesis são ambíguas quanto a este ponto. Nas suas observações escritas, apenas a Comissão apresentou anexos a favor da tese segundo a qual a data de depósito é o dia 12 de dezembro de 2003.

    ( 20 ) V. http://oami.europa.eu/help/html/help_fr.html. Parece que o IHMI não regista oficialmente a hora e o minuto do depósito da marca. Por consequência, as informações fornecidas a este propósito pelo órgão jurisdicional de reenvio não se baseiam nos dados registados pelo IHMI. Com efeito, nem o Boletim de Marcas Comunitárias (http://oami.europa.eu/bulletin/ctm_bulletin_en.htm), nem o banco de dados do IHMI (CTM on-line), fazem menção da hora e do minuto do depósito.

    ( 21 ) Nos termos do artigo 6.o da Lei n.o 17/2001 sobre as marcas, os sinais não podem ser registados se forem idênticos a uma marca anterior ou se existir risco de confusão. V., artigos 4.°, n.o 1 e 5.°, n.o 1, da Diretiva 84/104.

    ( 22 ) V. artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94.

    ( 23 ) A este propósito, v. o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento (CEE, Euratom) n.o 1182/71 do Conselho de 3 de junho de 1971, relativo à determinação das regras aplicáveis aos prazos, às datas e aos termos (JO L 124, p. 1; EE 01 F1 p. 149), do qual resulta que a entrada em vigor, a produção de efeitos e a aplicação dos actos do Conselho ou da Comissão — ou de disposições destes actos - fixadas para uma data determinada verificam-se no início da primeira hora do dia correspondente a essa data. V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de junho de 2001, Ruf e Stier/IHMI (Image «DAKOTA») (T-146/00, Colet., p. II-1797, n.os 23, 27 e 55).

    ( 24 ) Como resulta, por exemplo, da celebração do Ano Novo por todo o mundo.

    ( 25 ) Nos termos do artigo 4.o A, n.o 3, da Convenção de Paris, deve entender-se por pedido nacional regular todo o pedido efetuado em condições de estabelecer a data em que o mesmo foi apresentado no país em causa. V. Bodenhausen, G.H.C., Guide d’apllication de la Convention de Paris pour la protection de la propriété industrielle, obra citada, p. 42.

    ( 26 ) O artigo 4.o da Convenção de Paris prevê um prazo de seis meses durante o qual o requerente duma marca num país da União pode pedir a mesma marca nos outros países da União, sem que o ou os pedidos posteriores sejam afetados por eventuais pedidos com o mesmo objeto apresentados por terceiros. O direito de prioridade confere, assim, ao requerente de uma marca uma imunidade limitada no tempo em relação aos pedidos respeitantes à mesma marca que pudessem ser apresentados por terceiros durante o período da prioridade. V., acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de novembro de 2001, Signal Communications/IHMI (TELEY) (T-128/99, Colet., p. II-3273, n.os 36 a 40).

    ( 27 ) No que diz respeito ao cálculo do prazo de prioridade, aplica-se o mesmo critério, a nível internacional, às patentes (o dia do depósito do pedido anterior não é incluído nesse período. V. regra 2.4 do regulamento de execução: http://www.wipo.int/pct/fr/texts/rules/r2.htm#_2_4).

    ( 28 ) O direito de prioridade nasce do pedido de marca apresentado anteriormente num dos Estados acima mencionados e constitui um direito autónomo, na medida em que subsiste independentemente do resultado posterior do referido pedido. Quando o pedido de marca comunitária é acompanhado de uma reivindicação de prioridade, este direito torna-se um elemento essencial desse pedido, uma vez que determina uma das suas características essenciais, a saber, que a data de depósito é a data em que o pedido anterior foi apresentado, para efeitos de determinação da anterioridade dos direitos. V. acórdão Signal Communications/IHMI (já referido, na nota n.o 27).

    ( 29 ) Se as condições exigidas estiverem reunidas, a marca comunitária produz efeitos retroactivamente à data de depósito da marca reivindicada. Bonet, G., «La marque communautaire», obra citada.

    ( 30 ) V. artigo 8.o, n.o 2, alínea a), iii), do Regulamento n.o 40/94, bem como o artigo 8.o, n.o 2, alínea a), iv), do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (versão codificada) (JO L 78, p. 1) que se referem às marcas que tenham sido objeto dum registo internacional com efeitos na Comunidade.

    ( 31 ) V. http://oami.europa.eu/ows/rw/pages/QPLUS/forms/lectronic/fileApplicationCTM.fr.do.

    ( 32 ) V., Recomendação n.o 1432 (1999) do Conselho da Europa relativa ao respeito do sistema dos fusos horários europeus, disponível no endereço: http://assembly.coe.int/Documents/AdoptedText/ta99/frec1432.htm#1. Para comparar os referidos fusos horários, v. http://europa.eu/travel/time/index_fr.htm#tzone.

    ( 33 ) A este propósito, basta citar a decisão de reenvio do qual resulta que os pedidos foram depositados às 11h52 e 12h23 respetivamente, ao passo que a decisão controvertida da OEPM refere que os pedidos foram depositados às 11h31.

    ( 34 ) O tempo civil, atualmente definido pelos relógios atómicos, é designado «tempo universal coordenado» (TUC). O dia TUC é cerca de 0,9 segundos mais longo que o dia médio.

    ( 35 ) De acordo com as minhas pesquisas, não exaustivas, prevêem essa possibilidade os seguintes países: Reino da Bélgica, República Checa, Reino da Dinamarca, Reino de Espanha, República Francesa, Grão-Ducado do Luxemburgo, Reino da Holanda, República Portuguesa, República da Finlândia, Reino da Suécia e Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. V. http://www.wipo.int/diretory/en/urls.jsp.

    ( 36 ) A título de exemplo, é perfeitamente concebível que, tendo em conta os horários limitados de abertura dos balcões dos Institutos de marcas nacionais, um envio eletrónico realizado às 23h dê lugar a um registo do pedido no dia seguinte, eventualmente no próprio dia, mas não a um registo em tempo real para efeitos de determinação da prioridade em relação a uma outra marca comunitária ou nacional. Como já salientei na nota n.o 20, o IHMI não regista oficialmente a hora e o minuto do depósito da marca.

    ( 37 ) Os esforços levados a cabo em matéria de uniformização temporal resultam, nomeadamente, da Diretiva 2000/84/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de janeiro de 2001 respeitante às disposições relativas à hora de Verão (JO L 31, p. 21), que prevê que o adiantamento de 60 minutos em relação à hora do resto do ano é calculado, em cada Estado-Membro, à 1h da manhã, tempo universal, do último domingo de março. Importa, também, referir que, no quadro do Acordo de Madrid e do Protocolo de Madrid aplicam-se regras precisas em relação ao momento do depósito (regra 4 do regulamento de execução comum do Acordo de Madrid relativo ao Registo Internacional de Marcas e ao Protocolo referente a este Acordo com a epígrafe «cálculo dos prazos»). No momento dum depósito, a determinação da hora precisa não faz parte das menções oficiais que figuram no pedido. Ao invés, de acordo com a instrução 11 relativa às comunicações eletrónicas (Instruções administrativas para a aplicação do Acordo de Madrid relativo ao Registo Internacional das Marcas e do respetivo protocolo disponível no endereço seguinte: http://www.wipo.int/madrid/fr/legal_texts/common_regulations.htm#rule_4) quando, em razão da diferença horária, a data em que a transmissão começou é diferente da data em que aquela foi recebida, a data anterior é considerada como a data de receção pelo Secretariado Internacional. V., Sabatier, M., Pratique de la marque internationale, obra citada, p. 26.

    ( 38 ) Regulamento do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002 L3, p. 1).

    ( 39 ) Em virtude da regra 2 [ponto 2.4., alínea a), do Regulamento de Execução do Tratado de Cooperação em matéria de Patentes (PTC) (texto disponível no endereço: http://www.wipo.int/pct/fr/texts/rules/r2.htm#_2_4], o dia do depósito do pedido anterior não está incluído no prazo de prioridade. Por outro lado, estão previstas regras particulares para o caso do prazo terminar num dia feriado (v. regra 80, n.o 80.5, disponível no endereço: http://www.wipo.int/pct/fr/texts/rule/r80.htm#_80_5).

    ( 40 ) Folliard-Monguiral, «Condições e efeitos da coexistência de marcas no direito comunitário», Propriedade Industrial n.o 9, setembro de 2006, estudo 24.

    ( 41 ) Elsmore, M. J. «Trade Mark Coexistence Agreements: What is all the (lack of) fuss about?», SCRIPT-ed, vol 5, n.o 1, abril 2008. Um acordo deste tipo nem sempre interessa para a apreciação do risco de confusão, v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de novembro de 2007, Omega/IHMI-Omega Engineering (Ω OMEGA) (T-90/95, Colet., p. I-145, n.o 49).

    ( 42 ) V. conclusões da advogada-geral Trstenjak no processo Budejovický Budvar supra citado (C-482/09) nas quais convida o Tribunal de Justiça a declara que o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 89/104 se opõe à utilização simultânea, de boa-fé e por um longo período, de duas marcas idênticas, que designam produtos idênticos, por dois titulares diferentes.

    ( 43 ) V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de outubro de 2006, Bitburger Brauerei/IHMI-Anheuser-Bush (BUD) (T-350/04 a T-352/04, Colet., p. II-4255).

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