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Document 62010CC0187

    Conclusões da advogada-geral Sharpston apresentadas em 21 de Julho de 2011.
    Baris Unal contra Staatssecretaris van Justitie.
    Pedido de decisão prejudicial: Raad van State - Países Baixos.
    Acordo de associação CEE-Turquia - Decisão n.º 1/80 do Conselho de Associação - Artigo 6.º, n.º 1, primeiro travessão - Cidadão turco - Autorização de residência - Reagrupamento familiar - Separação dos parceiros - Revogação da autorização de residência - Efeito retroactivo.
    Processo C-187/10.

    Colectânea de Jurisprudência 2011 I-09045

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:510

    CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    ELEANOR SHARPSTON

    apresentadas em 21 de Julho de 2011 (1)

    Processo C‑187/10

    Baris Ünal

    contra

    Staatssecretaris van Justitie

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Países Baixos)]

    «Acordo de Associação CEE‑Turquia – Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação – Direito de residência dos nacionais turcos – Autorização de residência concedida a um nacional turco para lhe permitir viver com a sua parceira – Falta de informação às autoridades competentes da separação dos parceiros – Revogação da autorização de residência»





    1.        Com o presente pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional nacional pretende obter uma interpretação da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação CEE‑Turquia (a seguir «Decisão n.° 1/80») (2).

    2.        O artigo 6, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 (a seguir «artigo 6.°, n.° 1») confere a um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho, após um ano de emprego regular, a renovação da sua autorização de trabalho para a mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego. O principal ponto em litígio consiste em saber se, quando a autorização de residência original do trabalhador foi concedida na condição de este residir com a sua parceira com a qual não está casado, esta autorização de residência pode ser revogada, findo um ano de emprego regular, com base no facto de a sua relação de parceria ter terminado antes de estar concluído este período de um ano e isto com efeitos retroactivos à data em que terminou essa relação.

     Quadro jurídico

     Decisão n.° 1/80

    3.        O artigo 6.°, n.° 1, prevê:

    «Sem prejuízo do disposto no artigo 7.° relativamente ao livre acesso ao emprego dos membros da sua família, o trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado‑Membro:

    –        tem direito nesse Estado‑Membro, após um ano de emprego regular, à renovação da sua autorização de trabalho para a mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego;

    –        tem direito nesse Estado‑Membro, após três anos de emprego regular e sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados‑Membros da Comunidade, a responder, dentro da mesma profissão, a outra oferta de emprego de uma entidade patronal de sua escolha, feita em condições normais e registada nos serviços de emprego desse Estado‑Membro;

    –        beneficia nesse Estado‑Membro, após quatro anos de emprego regular, do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha.»

     Legislação neerlandesa

     A Vreemdelingenwet 2000

    4.        Nos termos do artigo 8.°, proémio e alínea a), da Lei relativa aos estrangeiros (Vreemdelingenwet, a seguir «Vw 2000»), permanece legitimamente nos Países Baixos o estrangeiro titular de uma autorização de residência regular por tempo determinado, na acepção do artigo 14.° desta lei.

    5.        O artigo 14.°, n.° 2, dispõe, designadamente, que a autorização de residência regular por tempo determinado pode ser concedida com restrições relativas à finalidade da residência objecto de autorização.

    6.        O artigo 16.°, n.° 1, proémio e alínea g), prevê que um pedido de concessão da autorização de residência por tempo determinado pode ser indeferido se o estrangeiro não cumprir a restrição relativa à finalidade da sua residência nos Países Baixos.

    7.        O artigo 18.°, n.° 1, proémio e alínea f), dispõe, designadamente, que um pedido de prorrogação da validade de uma autorização de residência regular por tempo determinado pode ser indeferido se não tiver sido cumprida a restrição associada à concessão da autorização.

    8.        O artigo 19.°, prevê, designadamente, que a autorização de residência regular por tempo determinado pode ser revogada pelo motivo referido no artigo 18.°, n.° 1, proémio e alínea f).

     A Vreemdelingenbesluit 2000

    9.        Nos termos do artigo 4.43 do Decreto relativo aos estrangeiros, de 2000 (Vreemdelingenbesluit 2000, a seguir «Vb 2000»), o estrangeiro que permanece em situação regular, na acepção do artigo 8.°, alínea a), da Vw 2000, e que deixe de cumprir a restrição associada à concessão da autorização, deverá comunicar imediatamente este facto ao chefe do corpo de polícia regional responsável pelo município onde o estrangeiro reside.

     Alteração de residência

    10.      É incontroverso que a legislação neerlandesa impõe que a pessoa – quer seja nacional ou não – que altere o seu local de residência deve notificar esta alteração do seu endereço às autoridades dos municípios da sua anterior e nova morada.

     Tramitação no processo principal e questão prejudicial submetida

    11.      B. Ünal é um nacional turco. Entrou nos Países Baixos em 24 de Fevereiro de 2004 na posse de uma autorização de residência provisória. Em 2 de Setembro de 2004, foi‑lhe concedida uma autorização de residência regular por tempo determinado. Esta autorização era válida de 29 de Março de 2004 até 29 de Março de 2005 e incluía a seguinte restrição: «para permanência com a sua companheira A. M. de Sousa van der Molen». Está assente que tanto B. Ünal como A. M. de Sousa van der Molen estavam inscritos no município de ‘t Zandt.

    12.      Em 21 de Abril de 2005, B. Ünal apresentou um pedido de prorrogação da validade da sua autorização de residência. Este pedido foi deferido por decisão de 26 de Julho de 2005. A autorização continuava a incluir a restrição relativa à sua residência com a sua parceira.

    13.      Por decisão de 4 de Maio de 2006, foi prorrogada a validade desta autorização de residência até 1 de Março de 2009.

    14.      Na autorização de residência emitida a B. Ünal constava a menção «permitido o livre exercício de uma actividade laboral; não é exigida autorização de trabalho».

    15.      Em 8 de Maio de 2006, celebrou um contrato de trabalho com uma agência de trabalho temporário de Groningen e começou a trabalhar para um dos seus clientes, cujas instalações se situavam em Nunspeet, a cerca de 150 km de distância de ‘t Zandt. O seu emprego impunha‑lhe, pois, uma viagem de ida e volta de cerca de 300 km todos os dias laborais. Este contrato foi prorrogado em 21 de Novembro de 2007 para ser válido até 21 de Novembro de 2008. O período de um ano de emprego regular referido no primeiro travessão do Artigo 6.°, n.° 1, teve, pois, início em 8 de Maio de 2006 e expirou em 7 de Maio de 2007.

    16.      Em ou por volta de 2 de Abril de 2007 e, em todo o caso, antes da expiração desse período de um ano, B. Ünal mudou‑se de ‘t Zandt para Lelystad, que distava cerca de 35 km de Nunspeet. Notificou devidamente esta alteração da sua morada às autoridades competentes. Porém, A. M. de Sousa van der Molen continuou inscrita como residente na área de ‘t Zandt, onde tinha trabalhado durante cerca de dez anos. O facto de os parceiros terem deixado de estar inscritos como vivendo na mesma morada levou a que as autoridades nacionais concluíssem que já não coabitavam desde essa data. A alegação de B. Ünal de que viveram juntos até aos primeiros dias de Junho de 2007, tendo‑se A. M. de Sousa van der Molen mantido inscrita em ‘t Zandt por não ter vendido a sua propriedade nesta localidade, não foi aceite (3).

    17.      Em 4 de Junho de 2007, B. Ünal apresentou um pedido de alteração da sua autorização de residência, para que deixasse de mencionar «permanência com a companheira A. M. de Sousa van der Molen» e mencionasse simplesmente «permanência continuada».

    18.      Por decisão de 28 de Dezembro de 2007, o Staatssecretaris van Justitie (ministro da Justiça, a seguir «Staatssecretaris») indeferiu o pedido. Entendeu que a relação entre B. Ünal e A. M. de Sousa van der Molen tinha efectivamente terminado em 2 de Abril de 2007, na medida em que, a partir desta data, deixaram de estar inscritos na base de dados do município de ’t Zandt (a seguir «base de dados do município») como residindo no mesmo endereço. Concluiu, por conseguinte, que B. Ünal já não cumpria a restrição associada à autorização de residência que lhe tinha sido emitida.

    19.      Por decisão distinta de 7 de Fevereiro de 2008, a autorização de residência de B. Ünal foi revogada, com efeitos retroactivos a 2 de Abril de 2007. Dada a natureza da sua autorização de residência, tal implicava também a revogação da sua autorização de trabalho. O Staatssecretaris entendeu que o que constava na base de dados do município assumia importância decisiva e que a prova aduzida por B. Ünal não tinha peso bastante para ilidir a informação constante da base de dados.

    20.      B. Ünal reclamou das decisões do Staatssecretaris. Por decisão de 31 de Julho de 2008, o Staatssecretaris indeferiu estas reclamações. A decisão de reenvio refere que a narrativa de B. Ünal a respeito da sua mudança para Lelystad não foi acolhida, na medida em que as suas afirmações a esse respeito não se baseavam em dados objectivamente verificáveis. Uma declaração escrita de A. M. de Sousa van der Molen era insuficiente para esse efeito. A inscrição na base de dados do município devia ser considerada conclusiva. Uma vez que, em de 2 Abril de 2007, B. Ünal tinha estado regularmente empregado na mesma entidade patronal menos de um ano, não tinha direito à permanência continuada nos Países Baixos com base no Acordo de Associação CEE‑Turquia.

    21.      B. Ünal recorreu da decisão de 31 de Julho de 2008 do Staatssecretaris para o Rechtbank’ s‑Gravenhage (Tribunal de Primeira Instância de Haia) (a seguir «Rechtbank»). Por decisão de 6 de Julho de 2009, este órgão jurisdicional julgou o recurso improcedente. Considerou que B. Ünal não tinha produzido prova suficiente de que o fim da relação se tivesse verificado num momento posterior a 2 Abril de 2007. Consequentemente, este órgão jurisdicional confirmou a conclusão do Staatssecretaris de que, uma vez que, na data em que a relação se devia considerar terminada, B. Ünal não tinha estado regularmente empregado na mesma entidade patronal mais de um ano, não podia beneficiar de quaisquer direitos ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1.

    22.      B. Ünal recorreu para o Raad van State. Este órgão jurisdicional entendeu que era necessária uma interpretação do artigo 6.°, n.° 1, para decidir dos autos no processo principal. Em especial, nutre dúvidas quanto à questão de saber se o enunciado no acórdão Altun do Tribunal de Justiça (4) a respeito do princípio da segurança jurídica pode produzir efeitos no modo como este artigo deve ser interpretado no contexto do caso que lhe incumbe dirimir. Decidiu, pois, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O [artigo 6.°, n.° 1, primeiro travessão], atendendo também ao princípio da segurança jurídica, opõe‑se a que, numa situação em que não está em causa um comportamento fraudulento, as autoridades nacionais competentes, após o decurso do prazo de um ano previsto no referido artigo 6.°, n.° 1, primeiro travessão, revoguem a autorização de residência de um trabalhador turco, com efeitos retroactivos à data em que deixou de se verificar o fundamento de direito nacional para a concessão da autorização de residência?»

    23.      Foram apresentadas observações escritas por B. Ünal, pelo Governo dos Países Baixos e pela Comissão. Não foi requerida nem se realizou qualquer audiência.

     Análise

    24.      O principal problema suscitado pela questão submetida consiste em saber se o artigo 6.°, n.° 1, permite a revogação retroactiva de um direito de residência quando a pessoa em causa residiu e trabalhou no Estado‑Membro de acolhimento por mais tempo do que o período de um ano estabelecido no primeiro travessão do artigo 6.°, n.° 1, mas deixou de satisfazer uma condição imposta à sua autorização de residência antes do fim desse período. Há que presumir, a este respeito, que não houve qualquer comportamento fraudulento por parte dessa pessoa.

    25.      Primeiro, tratarei deste problema.

    26.      Seguidamente, analisarei a questão de saber se, como encara a decisão de reenvio, a resposta a este problema é afectada pelo enunciado no acórdão Altun do Tribunal de Justiça.

    27.      Por último, entendo que é adequado considerar também a aplicação dos princípios da equivalência e da efectividade no contexto da prova em que uma pessoa que procura reivindicar os direitos que lhe são conferidos ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1, se pode basear de modo a comprovar que esses direitos lhe assistem.

     Podem os direitos conferidos ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1, ser revogados retroactivamente?

    28.      Para responder à questão do órgão jurisdicional nacional, de saber se a autorização de residência pode ser revogada com efeitos retroactivos nas circunstâncias descritas na decisão de reenvio, é necessário começar por definir o objectivo do artigo 6.°, n.° 1.

    29.      O Tribunal de Justiça definiu a finalidade desta disposição como consistindo na «consolidação progressiva da situação dos trabalhadores turcos no Estado‑Membro de acolhimento» (5). Tal objectivo atribui especificamente aos trabalhadores turcos o benefício da definição dada pelo Tribunal de Justiça ao objectivo da própria Decisão n.° 1/80, que consiste em «favorecer a integração gradual no Estado‑Membro de acolhimento dos trabalhadores turcos que preenchem as condições previstas numa disposição desta decisão e que, por conseguinte, beneficiam dos direitos que esta lhes confere» (6).

    30.      Para este fim, o artigo 6.°, n.° 1, prevê que os direitos de um trabalhador turco serão progressivamente estendidos proporcionalmente à duração do emprego assalariado regular no Estado‑Membro de acolhimento (7). Uma vez concluídos quatro anos de emprego regular neste Estado, o trabalhador beneficia, neste Estado‑Membro, do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha. Antes desta fase, a protecção conferida é menos extensiva. Por exemplo, o primeiro travessão do artigo 6.°, n.° 1, prevê que um trabalhador que só concluiu um ano de emprego regular tem direito à renovação da sua autorização de trabalho para a mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego.

    31.      O artigo 6.°, n.° 1, respeita, de acordo com o seu teor, ao direito de um nacional turco trabalhar no Estado‑Membro de acolhimento. Contudo, é já manifesto que, uma vez que o direito de aceder a um emprego e o direito de residir estão intimamente ligados, esta disposição implica necessariamente um concomitante direito de residência para a pessoa que reivindica o direito de aí trabalhar (8).

    32.      Para reivindicar direitos ao abrigo do artigo 6.°, um nacional turco deve satisfazer três requisitos.

    33.      Em primeiro lugar, a pessoa em questão deve ser um «trabalhador». O Tribunal de Justiça já enunciou que, para preencher este requisito, o nacional turco deve exercer actividades reais e efectivas, com exclusão de actividades de tal maneira reduzidas que se apresentem como puramente marginais e acessórias. O que este requisito impõe essencialmente é que a pessoa cumpra, durante um certo período de tempo, a favor de outra e sob a sua direcção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (9). Nada há no presente caso que sugira que B. Ünal não preencheu este requisito.

    34.      Em segundo lugar, deve estar devidamente «integrado no mercado regular de trabalho». O Tribunal de Justiça declarou que «este conceito designa o conjunto dos trabalhadores que cumpriram as prescrições legais e regulamentares do Estado‑Membro de acolhimento e que têm, assim, o direito de exercer uma actividade profissional no seu território» (10). Uma vez mais, é manifesto que este requisito foi satisfeito.

    35.      Em terceiro lugar, e assumindo muito mais importância do ponto de vista da questão submetida, deve ter ocupado um «emprego regular» no Estado‑Membro em causa. O Tribunal de Justiça já enunciou que a expressão «emprego regular» significa que deve existir «uma situação estável e não precária no mercado de trabalho do Estado‑Membro de acolhimento e, a este título, a existência de um direito de residência não contestado» (11). O contrato de trabalho de B. Ünal afigura‑se suficientemente estável e não precário de modo a satisfazer este critério; mas será bastante para lhe conferir um «direito de residência não contestado»?

    36.      Por fim, devo lembrar que é de jurisprudência assente que a Decisão n.° 1/80 não colide com a competência dos Estados‑Membros para regulamentarem tanto a entrada no seu território de nacionais turcos como as condições do seu primeiro emprego (12).

    37.      No seu acórdão Kus (13), o Tribunal de Justiça devia apreciar em que medida podia um Estado‑Membro de acolhimento continuar a impor condições à residência de um trabalhador turco que tinha concluído um período de emprego regular para os efeitos do artigo 6.°, n.° 1.

    38.      Esse caso respeitava a um nacional turco a quem tinha sido autorizada a entrada na Alemanha para aí se casar com uma nacional alemã. Conseguiu um emprego e trabalhou neste Estado‑Membro durante mais de quatro anos, adquirindo assim direitos ao abrigo do terceiro travessão do artigo 6.°, n.° 1. Ele e a sua mulher divorciaram-se então. Quando procurou renovar a sua autorização de residência, as autoridades nacionais recusaram o seu pedido, uma vez que a razão que tinha estado na origem da sua permanência tinha deixado de existir. O Tribunal de Justiça declarou que:

    «20      […] o disposto no artigo 6.°, n.° 1.°, da Decisão n.° 1/80 limita‑se a regular a situação do trabalhador turco no plano do emprego, sem se referir à sua situação relativamente ao direito de residência (v. acórdão Sevince, já referido, n.° 28).

    21      Deve em seguida notar‑se que, segundo a sua redacção, ele se aplica aos trabalhadores turcos pertencentes ao mercado regular de trabalho de um Estado‑Membro e, em particular, que, por força do artigo 6.°, n.° 1, primeiro travessão, basta que um trabalhador turco tenha ocupado um emprego regular há mais de um ano para que tenha direito à renovação da sua autorização de trabalho na mesma entidade patronal. Esta disposição não faz, portanto, depender o reconhecimento desse direito de qualquer outra condição, e nomeadamente das condições em que o direito de entrada e de residência foi obtido.

    22      Por conseguinte, mesmo que a regularidade do emprego, na acepção daquela disposição, pressuponha uma situação estável e não precária no mercado de trabalho e implique, por essa razão, a existência de um direito de residência não contestado, ou mesmo, se necessário, a posse de uma autorização regular de residência, os motivos pelos quais esse direito é reconhecido ou pelos quais essa autorização é concedida não são determinantes para efeitos da sua aplicação.

    23      Daí resulta que, quando um trabalhador turco tenha exercido um emprego há mais de um ano ao abrigo de uma autorização de trabalho válida, deve ser considerado como preenchendo as condições previstas no artigo 6.°, n.° 1, primeiro travessão, da Decisão n.° 1/80, mesmo que a autorização de residência de que dispõe lhe tenha sido concedida, originariamente, para outros fins que não o de exercer uma actividade assalariada.»

    39.      Entendo que tal significa que o princípio da segurança jurídica se aplica a um trabalhador turco que concluiu um dos períodos previstos no artigo 6.°, n.° 1. Esse trabalhador sabe, por exemplo, que uma vez concluído o período de um ano de emprego regular para a mesma entidade patronal, pode continuar a trabalhar para esta última, sempre que continue a haver um emprego disponível. Se tiver concluído um período de quatro anos de emprego regular, sabe que gozará de livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha no Estado‑Membro de acolhimento. Quaisquer restrições que possam ter sido impostas ao seu direito de residência ou à sua entrada nesse Estado já não serão aplicáveis. O processo de integração, que o artigo 6.°, n.° 1, promove, foi já iniciado; e qualquer tentativa de revogar a sua autorização de residência pelo facto de ter cessado de satisfazer uma destas restrições será agora ilícita.

    40.      Aplicando os princípios antes esquematizados à situação do presente caso, cabe observar o seguinte:

    –        B. Ünal entrou nos Países Baixos em 24 de Fevereiro de 2004, com base numa autorização de residência provisória; uma autorização de residência regular por tempo determinado foi‑lhe concedida em 2 de Setembro de 2004 (com efeitos a contar de data anterior e válida a partir de 29 de Março de 2004) e esta foi prorrogada para cobrir subsequentes períodos de residência nesse Estado‑Membro; durante o período inicial de residência, não ocupou um emprego nesse Estado;

    –        uma vez que o artigo 6.°, n.° 1, respeita ao direito de um nacional turco trabalhar no Estado‑Membro de acolhimento (14) e que ao abrigo dessa disposição não se adquirem direitos unicamente com base na residência, o período durante o qual B. Ünal aí esteve a residir sem estar empregado não deve ser tomado em conta para o cômputo dos seus direitos ao abrigo desta disposição;

    –        é facto apurado que, em 8 de Maio de 2006, no dia em que B. Ünal começou a trabalhar nos Países Baixos, dispunha de uma «autorização regular de residência» (15); não lhe era exigida a posse de uma autorização de trabalho em separado (16) e não se suscita, pois, o condicionalismo mencionado no n.° 23 do acórdão Kus;

    –        o período de um ano previsto pelo primeiro travessão do artigo 6.°, n.° 1, teve início em 8 de Maio de 2006 e terminou em 7 de Maio de 2007;

    –        a «circunstância questionável», do ponto de vista das autoridades dos Países Baixos, ocorreu em 2 de Abril de 2007, quer dizer, dentro do período de um ano em questão, mas só se veio a revelar uma vez expirado esse período;

    –        na ausência de uma qualquer «circunstância questionável», os direitos de B. Ünal a respeito do seu emprego no Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo do primeiro travessão do artigo 6.°, n.° 1, aplicando o enunciado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kus, ter‑se‑iam concretizado em 7 de Maio de 2007; assistir‑lhe‑ia, pois, um concomitante direito de residência (17);

    –        consequentemente, a questão que se suscita é a de saber se apesar de ter ocorrido tal circunstância questionável haverá, mesmo assim, que se considerar que B. Ünal satisfez os requisitos do artigo 6.°, n.° 1.

    41.      Existem algumas limitações à regra geral de que as restrições impostas ao direito de residência no momento da entrada num Estado‑Membro se esvanecem quando se concretizam os direitos como trabalhador ao abrigo da Decisão n.° 1/80 (18).

    42.      Para preencher os requisitos do artigo 6.°, n.° 1, o trabalhador turco deve ter ocupado um «emprego regular» durante o período relevante. O que, por seu turno, implica que o trabalhador dispunha de um direito de residência regular durante todo esse período (19).

    43.      Assim, o Tribunal de Justiça considerou que um trabalhador turco não satisfaz este requisito sempre que tenha sido autorizado a residir no Estado‑Membro de acolhimento a título precário, beneficiando do efeito suspensivo atribuído ao recurso que tinha interposto contra uma decisão de recusa do direito de residência (20). Declarou também que um trabalhador turco que residia no Estado‑Membro de acolhimento unicamente ao abrigo de uma regulamentação nacional que permite residir no país de acolhimento enquanto dura o processo de concessão da autorização de residência não podia invocar o período em questão para o cômputo dos seus direitos ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1, uma vez que o direito de residir e trabalhar nesse país lhe tinha sido concedido unicamente a título precário e enquanto aguardava pela decisão final (21). Porém, é aqui manifesto que o direito de residência de B. Ünal não era precário nem conhecia qualquer limitação deste tipo.

    44.      No processo na origem do acórdão Kol (22) suscitava‑se um problema diferente. Neste, pedia‑se que o Tribunal de Justiça apreciasse a situação de um nacional turco que tinha entrado na Alemanha com base em razões fraudulentas. O processo envolvia um direito de residência baseado num casamento de conveniência. O Tribunal lembrou, designadamente, o seu acórdão Kus (23) e concluiu que, «por maioria de razão», o seu enunciado se aplicava no caso em apreço. Observou seguidamente que os períodos de emprego efectuados posteriormente à obtenção de uma autorização de residência de que o interessado só beneficiou devido a um comportamento fraudulento não podiam ser considerados regulares para efeitos da aplicação do artigo 6.°, n.° 1, visto que o nacional turco não preenchia as condições de concessão da referida autorização, a qual, em consequência, era susceptível de ser posta em causa após a descoberta da fraude (24). Os períodos de emprego concluídos por S. Kol ao abrigo da autorização de residência viciada por fraude não podiam criar quaisquer direitos em seu benefício (25).

    45.      Pode o raciocínio do acórdão Kol ser aplicado no presente caso?

    46.      Não creio.

    47.      O acórdão Kol introduz uma limitação à regra geral enunciada no acórdão Kus, de que as restrições impostas ao direito de residência no momento da entrada num Estado‑Membro se esvanecem quando se concretizam os direitos como trabalhador ao abrigo da Decisão n.° 1/80 (26). A razão da limitação é clara. Quando uma pessoa, pelas suas acções ou omissões, procura intencionalmente iludir as autoridades nacionais de modo a obter um direito de residência, e assim o acesso ao mercado de trabalho, não lhe deve ser permitido fazê‑lo. Se assim não fosse, seria possível conseguir tais direitos através de um comportamento fraudulento.

    48.      Se estivesse apurado que B. Ünal adquirira o seu direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento com base em razões que enfermavam de tal intenção de iludir, é manifesto que as autoridades nacionais teriam o direito de revogar a sua autorização de residência apesar de aí ter residido e trabalhado durante mais de um ano. No presente caso, porém, o órgão jurisdicional nacional deixa muito claro de que não houve qualquer sugestão de que o comportamento de B. Ünal fosse fraudulento. Portanto, o enunciado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Kol não se aplica directamente a ele.

    49.      Nem, como antes mencionei, se trata aqui de um caso no qual, nos termos da jurisprudência existente, o emprego de B. Ünal não pode ser considerado um emprego regular por uma razão que não envolve um comportamento fraudulento (27).

    50.      Deve a limitação enunciada no acórdão Kol à regra geral a respeito dos direitos de residência ser, apesar de tudo isto, estendida para se aplicar a pessoas na situação de B. Ünal e que não agiram com intenção fraudulenta?

    51.      O Governo dos Países Baixos argumenta que se deve presumir que uma pessoa na sua posição conhece a lei. As relevantes disposições da legislação nacional estão disponíveis, designadamente, na Internet. Uma vez que havia que presumir que B. Ünal estava ciente destas disposições, as autoridades nacionais podiam decidir revogar a sua autorização de residência com efeitos retroactivos.

    52.      Não consigo ver qualquer justificação para estender a aplicação do princípio desse modo. Fazê‑lo, seria aluir o que o Tribunal de Justiça designou por «princípio geral de respeito dos direitos adquiridos» (28) e a correspondente segurança jurídica que forma uma parte essencial da regra geral que descrevi (29). A derrogação deste princípio geral em casos que envolvam um comportamento fraudulento que foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Kol basta para nos acautelarmos contra o abuso de direito deliberado.

    53.      Donde se conclui, a meu ver, que as autoridades nacionais não podiam invalidar retroactivamente o direito de residência de B. Ünal no tocante ao período compreendido entre 2 de Abril de 2007 e 7 de Maio de 2007, com o resultado de ter perdido o benefício dos seus direitos ao abrigo do primeiro travessão do artigo 6.°, n.° 1.

    54.      Devo acrescentar que, se uma pessoa, como B. Ünal, pretendesse verdadeiramente subverter o sistema instituído pelo artigo 6.°, n.° 1, com a intenção de iludir as autoridades nacionais, nada teria sido mais fácil do que atrasar durante um mês a mudança para Lelystad. Se o tivesse feito, teria concluído o período de um ano de emprego imposto por esta disposição sem alertar as autoridades para uma qualquer possível alteração da natureza da sua relação com a sua parceira. Apurar os factos, incumbe, claro está, ao órgão jurisdicional nacional, mas creio que o facto de B. Ünal não ter seguido essa via torna menos verosímil, e não mais, ter havido qualquer tentativa de «desafiar o sistema», havendo simplesmente um desejo da sua parte de reduzir o impacto da sua deslocação diária para o trabalho, a qual, a todos os níveis, deve ter sido muito desgastante.

    55.      Creio, pois, que a resposta à questão submetida deverá ser que o primeiro travessão do artigo 6.°, n.° 1, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais competentes revoguem a autorização de residência de um trabalhador turco com efeitos retroactivos ao momento em que deixou de ser satisfeito o fundamento de direito nacional que justificou a concessão da autorização de residência, quando não possa ser imputado ao trabalhador turco em causa qualquer comportamento fraudulento e quando se proceda a tal revogação após ter expirado o período de um ano referido no primeiro travessão do artigo 6.°, n.° 1.

     A aplicação da jurisprudência do acórdão Altun ao caso no processo principal

    56.      Uma substancial parte da decisão de reenvio é consagrada a uma análise da medida em que o acórdão Altun (30) do Tribunal de Justiça pode ser relevante para o caso de B. Ünal. O órgão jurisdicional nacional interroga‑se em que medida este acórdão e, em especial, as observações que contém a respeito da doutrina da segurança jurídica, pode afectar o desfecho do caso no processo principal. Conclui, essencialmente, que é pouco provável que tal acórdão se aplique nas circunstâncias em causa.

    57.      Concordo.

    58.      O acórdão Altun respeitava ao caso de um nacional turco que entrou no Estado‑Membro de acolhimento como requerente de asilo. Foi‑lhe concedida uma autorização de residência de duração ilimitada nesse Estado com base em declarações relativamente às quais uma subsequente análise sugeriu terem provavelmente sido fraudulentas. Após lhe ter sido concedido o direito de residência, accionou um procedimento de reagrupamento familiar para alguns dos membros da sua família. Suscitou‑se a questão dos efeitos que um qualquer comportamento fraudulento da sua parte poderia ter relativamente aos direitos que os membros da sua família podiam reivindicar ao abrigo do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80. O Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que os direitos destes membros da sua família se tinham tornado autónomos nos termos do procedimento previsto por este artigo, estes direitos já não podiam ser postos em causa devido a irregularidades que, no passado, tenham afectado o direito de residência original do trabalhador turco. O Tribunal chegou a esta conclusão com base na doutrina da segurança jurídica (31). Lembrou que havia unicamente dois tipos de limites aos direitos conferidos pelo primeiro parágrafo do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 (32). Aceitar a tese de que aos membros da família que tinham adquirido direitos autónomos ao abrigo desse parágrafo podiam ser retirados esses mesmos direitos devido ao comportamento da pessoa à qual se vieram reunir no Estado‑Membro de acolhimento significaria que a segurança que podiam ter na existência destes direitos podia ser fatalmente minada por um elemento sobre o qual podem não ter o mínimo controlo.

    59.      Já me referi ao princípio da segurança jurídica quando apreciei a questão de saber se as autoridades nacionais podiam revogar retroactivamente o direito de residência de B. Ünal nas circunstâncias decorrentes do processo principal. Não vejo como esta posição possa ser de qualquer modo afectada pelo enunciado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Altun. A questão essencial suscitada no processo na origem desse acórdão respeitava à natureza dos direitos derivados que podem reivindicar os membros da família ao abrigo do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80. A posição do próprio trabalhador turco que reivindica direitos ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1, não é minimamente afectada num sentido ou noutro pelo enunciado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Altun. Não retiro deste acórdão qualquer orientação para a resposta à questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional.

     Considerações adicionais: os princípios da equivalência e da efectividade

    60.      Já antes mencionei o facto de as autoridades e os órgão jurisdicionais nacionais não terem aceite a prova produzida por B. Ünal como demonstrando que tinha continuado a residir com A. M. de Sousa van der Molen entre 2 de Abril de 2007 e os primeiros dias de Junho de 2007 (33).

    61.      Embora o órgão jurisdicional nacional não tenha pedido na decisão de reenvio que o Tribunal de Justiça aprecie esta problemática, a Comissão interroga se o modo como os elementos de prova foram tratados a nível nacional satisfaz os princípios da equivalência e da efectividade.

    62.      Essencialmente, tal como compreendo a situação que é descrita na decisão de reenvio e nos presentes autos, a posição é a seguinte:

    –        B. Ünal alega que se mudou de ‘t Zandt para Lelystad porque não podia suportar por mais tempo uma deslocação diária de cerca de 300 km para ir trabalhar. Ele e A. M. de Sousa van der Molen continuaram a viver juntos após a mudança e só cessaram de o fazer em inícios de Junho de 2007. A. M. de Sousa van der Molen manteve‑se inscrita em ‘t Zandt porque não tinha vendido a sua casa aí situada, ao passo que B. Ünal inscreveu devidamente a sua morada em Lelystad;

    –        nas suas decisões de 28 de Dezembro de 2007 e de 7 de Fevereiro de 2008, o Staatssecretaris foi do entendimento de que o facto de B. Ünal e A. M. de Sousa van der Molen, na sequência da mudança de B. Ünal para Lelystad, já não se encontrarem inscritos na mesma base de dados era determinante no tocante à cessação da sua relação;

    –        na sua decisão de 31 de Julho de 2008, o Staatssecretaris manteve o seu entendimento, invocando que a posição de B. Ünal não era sustentada por prova objectivamente verificável e que uma declaração escrita fornecida por A. M. de Sousa van der Molen, na qual afirmava que os parceiros tinham continuado a viver juntos apesar da mudança, era insuficiente para esse efeito;

    –        nos autos no Rechtbank, B. Ünal tentou apresentar novos elementos de prova para alicerçar a sua posição. Incluíam uma declaração de um amigo mútuo de B. Ünal e de A. M. de Sousa van der Molen, dois postais com votos de felicidade pela nova habitação e várias fotos. O Rechtbank entendeu que estes elementos também não demonstravam adequadamente que a relação tinha continuado para além de 2 de Abril de 2007.

    63.      A Comissão observa que é difícil de conceber a prova que B. Ünal poderia ter apresentado e que poderia ter persuadido as autoridades nacionais incumbidas da decisão de que a sua versão dos factos era a correcta.

    64.      Embora, naturalmente, os órgãos jurisdicionais nacionais tenham uma mais ampla compreensão da razão pela qual determinada prova foi acolhida e outra não, tenho alguma simpatia pelo ponto de vista da Comissão. Passo, pois, a fazer uma resenha dos princípios essenciais do direito da União Europeia (a seguir «União») que creio serem aqui relevantes.

    65.      É manifesto que as decisões do Conselho de Associação tais como a Decisão n.° 1/80 constituem parte integrante, a partir da sua entrada em vigor, da ordem jurídica da União (34). Os direitos decorrentes desta decisão são, pois, direitos derivados do ordenamento jurídico da União.

    66.      É igualmente manifesto que, na falta de regulamentação da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro definir as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda de tais direitos (35).

    67.       Todavia, os Estados‑Membros têm a responsabilidade de assegurar, em todas as circunstâncias, a protecção efectiva desses direitos (36). Estas modalidades processuais dessas acções não podem ser menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) nem tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efectividade) (37).

    68.      O respeito do princípio da equivalência pressupõe que a norma em litígio se aplique indiferentemente às acções baseadas em violação do direito comunitário e às baseadas em violação do direito interno com um objecto e uma causa semelhantes. Para verificar se o princípio da equivalência foi respeitado, compete ao órgão jurisdicional nacional, que é o único a ter um conhecimento directo das modalidades processuais das vias de recursos no domínio do direito interno, verificar se as modalidades processuais destinadas a garantir, em direito interno, a salvaguarda dos direitos que os administrados extraem do direito da União são conformes a este princípio e examinar tanto o objecto como os elementos essenciais dos recursos alegadamente similares de natureza interna. Para se pronunciar sobre a equivalência das normas processuais, o órgão jurisdicional nacional deve verificar de maneira objectiva e abstracta a similitude das normas em causa sob o ângulo da sua sistemática, da tramitação processual e das especificidades dessas normas (38).

    69.      Quanto ao princípio da efectividade, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os casos em que se coloca a questão de saber se uma disposição processual nacional torna na prática impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos cidadãos pela ordem jurídica comunitária devem igualmente ser analisados tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no conjunto do processo, a tramitação deste e as suas particularidades perante as diversas instâncias nacionais. Nesta perspectiva, há que tomar em consideração, se for esse o caso, os princípios subjacentes ao sistema jurisdicional nacional, como a protecção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a boa marcha do processo (39).

    70.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se estes princípios foram respeitados no processo principal.

     Observações finais

    71.      Já antes chamei a atenção para a regra geral segundo a qual um trabalhador turco que preenche os requisitos do primeiro travessão do artigo 6.°, n.° 1, tem o direito de considerar os direitos que este artigo lhe confere como consagrados, ressalvada unicamente a limitação de que tais direitos não podem ser conferidos por esta disposição se o direito de residência do trabalhador tiver natureza puramente precária ou se ele tiver tido um comportamento fraudulento. A este respeito, concluí que não se justifica estender esta limitação a respeito do comportamento fraudulento para incluir outros tipos de comportamento quando não haja qualquer intenção de defraudar (40).

    72.      Gostaria de acrescentar o seguinte.

    73.      A adopção pelo legislador da União de um número sempre crescente de medidas de harmonização no seio da União pode levar a que facilmente se perca de vista até que medida a União continua, e continuará, a assentar na diversidade (41). Não são apenas a história e as culturas dos Estados‑Membros que são múltiplas e variadas; o mesmo se passa com as suas ordens jurídicas. O que pode ser bem conhecido ou ser óbvio de um modo instintivo para um nacional de um Estado‑Membro pode surgir como curioso, difícil de compreender ou mesmo incompreensível, e possivelmente como não sendo nada óbvio, para um nacional de outro. Tal será o caso, por maioria de razão, quando se adiciona a esta equação países terceiros com laços com a União na forma de um acordo de associação e os seus nacionais.

    74.      Pode constituir um passo relativamente elementar, para as autoridades de um Estado‑Membro de acolhimento, chegar à conclusão de que, quando um nacional de um país terceiro não obedece às normas desse Estado ou simplesmente não apreende as consequências de uma determinada linha de conduta que pode parecer óbvia para os nacionais desse Estado, tal pessoa procura abusar destas normas e, a partir daí, concluir que esta desobediência constitui a prova de um comportamento fraudulento ou de algo semelhante. Creio que a tal conclusão se deve chegar com grande cautela. Um nacional de um país terceiro pode considerar estas normas de difícil compreensão e de difícil, ou mesmo impossível, apreciação – especialmente se não falar fluentemente a língua do Estado‑Membro de acolhimento. Salvo se estiver numa situação financeira desafogada, é pouco provável que possa suportar os honorários de advogado que terá de pagar para que lhe seja explicada cada uma das normas relevantes para a sua situação. Creio que é indevidamente simplista argumentar, por exemplo, como faz o Governo dos Países Baixos nas suas observações, que, devido às normas nacionais estarem disponíveis, designadamente, na Internet, se deve presumir automaticamente que um nacional de um país terceiro, como B. Ünal, compreendeu as normas, as suas implicações e as presunções a que conduzem como resultado de uma ou outra conduta. Corre‑se com tal argumento o risco de presumir que todas as culturas e estilos de vida são instantaneamente assimilados aos do Estado‑Membro de acolhimento, quando é cabalmente manifesto que não são. Pode também ter consequências perigosas no que respeita às liberdades e direitos da pessoa em causa.

     Conclusão

    75.      À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões colocadas pelo Raad van State:

    O primeiro travessão do artigo 6.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação CEE‑Turquia, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais competentes revoguem a autorização de residência de um trabalhador turco com efeitos retroactivos ao momento em que deixou de ser satisfeito o fundamento de direito nacional que justificou a concessão da autorização de residência, quando não possa ser imputado ao trabalhador turco em causa qualquer comportamento fraudulento e quando se proceda a tal revogação após ter expirado o período de um ano referido no primeiro travessão do artigo 6.°, n.° 1.


    1 – Língua original: inglês.


    2 – Decisão n.° 1/80, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, adoptada pelo Conselho de Associação instituído ao abrigo do Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a República da Turquia.


    3 – É incontroverso que B. Ünal estava obrigado a notificar «imediatamente» às autoridades nacionais qualquer alteração da sua situação. V. artigo 4.43 da Vb 2000, citado no n.° 9 supra.


    4 – Acórdão de 18 de Dezembro de 2008 (C‑337/07, Colect., p. I‑10323).


    5 – V. acórdão de 24 de Janeiro de 2008, Payir e o. (C‑294/06, Colect., p. I‑203, n.° 37).


    6 – V., designadamente, acórdãos de 8 de Maio de 2003, Wählergruppe Gemeinsam e o. (C‑171/01, Colect., p. I‑4301, n.° 79); de 18 de Julho de 2007, Derin (C‑325/05 Colect., p. I‑6495, n.° 53); e Altun, já referido na nota 4 supra, n.° 29.


    7 – V. acórdão de 10 de Janeiro de 2006, Sedef (C‑230/03, Colect., p. I‑157, n.° 34).


    8 – V., neste sentido, acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince (C‑192/89, Colect., p. I‑3461, n.° 29).


    9 – V. Payir e o., já referido na nota 5 supra, n.° 28. A este respeito, a abordagem não difere da que era seguida a respeito de um nacional de um Estado‑Membro da União que pretendesse exercer os seus direitos de livre circulação como trabalhador (v., por exemplo, acórdãos de 3 de Julho de 1986, Lawrie‑Blum (66/85, Colect., p. 2121, n.° 17), e de 14 de Dezembro de 1989, Agegate (C‑3/87, Colect., p. 4459, n.° 35), antes da consagração de direitos mais extensivos na sequência da introdução do conceito de cidadania da União pelo Tratado de Maastricht em 1992.


    10 – V. Payir e o., já referido na nota 5 supra, n.° 29.


    11 – V. Payir e o., já referido na nota 5 supra, n.° 30.


    12 – V., designadamente, Payir e o., já referido na nota 5 supra, n.° 36.


    13 – Acórdão de 16 de Dezembro de 1992 (C‑237/91, Colect., p. I‑6781).


    14 – V. n.° 31 supra.


    15 – V. n.° 22 do acórdão Kus.


    16 – V. n.° 14 supra.


    17 – V. n.° 31 supra.


    18 – V. n.° 39 supra.


    19 – V. acórdão de 30 de Setembro de 1997, Günaydin e o. (C‑36/96, Colect., p. I‑5143, n.° 44).


    20 – V. acórdão Sevince, já referido na nota 8 supra, n.° 31.


    21 – V. acórdão Kus, já referido na nota 13 supra, n.° 18.


    22 – V. acórdão de 5 de Junho de 1997 (C‑285/95, Colect., p. I‑3069).


    23 – Já referido na nota 13 supra.


    24 – V., neste sentido, n.° 26.


    25 – V. n.° 28.


    26 – V. n.° 39 supra.


    27 – V. n.° 43 supra.


    28 – V. acórdão de 22 de Dezembro de 2010, Bozkurt (C‑303/08, Colect., p. I‑0000, n.° 41).


    29 – Poderia ainda observar que, no direito, não só é consabida a máxima nemo censetur ignorare legem, como é também aceite a presunção nemo praesumitur malus.


    30 – Já referido na nota 4 supra.


    31 – V. n.os 51 a 60 do acórdão.


    32 – A saber, uma limitação baseada na presença do migrante turco no território do Estado‑Membro de acolhimento e que pode constituir, em razão do seu comportamento pessoal, um perigo efectivo e grave para a ordem pública, a segurança ou a saúde públicas, na acepção do artigo 14.° da decisão, ou uma limitação baseada no facto de o interessado ter abandonado o território desse Estado durante um período significativo e sem motivos legítimos. V. n.° 62 do acórdão.


    33 – V. supra, n.os 18 e segs.


    34 – V. acórdão Sevince, já referido na nota 8 supra, n.° 9.


    35 – V., designadamente, acórdão de 15 de Abril de 2008, Impact (C‑268/06, Colect., p. I‑2483, n.° 44 e jurisprudência referida).


    36 – V., designadamente, acórdão Impact, já referido na nota 35 supra, n.° 45 e jurisprudência referida.


    37 – V., designadamente, acórdão Impact, já referido na nota 35 supra, n.° 46 e jurisprudência referida. O princípio da protecção jurisdicional efectiva constitui um princípio geral do direito da União, que é reconhecido no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). V., a este respeito, acórdão de 22 de Dezembro de 2010, Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres (C‑444/09 e C‑456/09, Colect., p. I‑0000, n.° 75).


    38 – V. acórdão de 9 de Outubro de 2009, Pontin (C‑63/08 Colect., p. I‑10467, n.os 45 e 46).


    39 – V. acórdão Pontin, já referido na nota 38 supra, n.° 47.


    40 – V., em especial, n.os 40, 43, 44 e 52 supra.


    41 – V., por exemplo, artigo 22.° da Carta: «a União respeita a diversidade cultural, religiosa e linguística».

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