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Document 62009CJ0518

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 21 de Julho de 2011.
    Comissão Europeia contra República Portuguesa.
    Incumprimento de Estado - Liberdade de estabelecimento e livre prestação de serviços - Exercício de actividades de transacção imobiliária.
    Processo C-518/09.

    Colectânea de Jurisprudência 2011 I-00105*

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:501

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    21 de Julho de 2011 (*)

    «Incumprimento de Estado – Liberdade de estabelecimento e livre prestação de serviços – Exercício de actividades de transacção imobiliária»

    No processo C‑518/09,

    que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 10 de Dezembro de 2009,

    Comissão Europeia, representada por I. Rogalski e P. Guerra e Andrade, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, na qualidade de agente, assistido por N. Ruiz, advogado,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: J.‑J. Kasel, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator) e E. Levits, juízes,

    advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 6 de Abril de 2011,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1        Na petição inicial, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Portuguesa, por um lado:

    –        não estabelecendo na sua lei a distinção entre estabelecimento e prestação temporária de serviços, no que respeita às actividades de transacção imobiliária de empresas de mediação imobiliária e de angariadores imobiliários,

    –        sujeitando as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários de outros Estados‑Membros ao dever de registo completo no Instituto de Construção e do Imobiliário IP (a seguir «InCI»), para efeitos de prestação temporária de serviços,

    –        sujeitando as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários de outros Estados‑Membros ao dever de garantir a responsabilidade emergente da actividade, através de seguro nos termos da lei portuguesa,

    –        sujeitando as empresas de mediação imobiliária estabelecidas noutros Estados‑Membros ao dever de dispor de capital próprio positivo nos termos da lei portuguesa e

    –        sujeitando as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários de outros Estados‑Membros ao controlo disciplinar integral do InCI,

    não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° TFUE; e, por outro:

    –        estabelecendo relativamente às empresas de mediação imobiliária a imposição de exercício exclusivo dessa actividade, com excepção da administração de imóveis por conta de outrem, e

    –        impondo aos angariadores imobiliários a obrigação de exercício exclusivo da actividade de angariação imobiliária,

    não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE.

     Quadro jurídico

     Direito da União

    2        O artigo 49.° TFUE proíbe as restrições à liberdade de estabelecimento de nacionais de um Estado‑Membro no território de outro Estado‑Membro.

    3        O artigo 56.° TFUE proíbe as restrições à livre prestação de serviços no interior da União Europeia a nacionais dos Estados‑Membros estabelecidos num Estado‑Membro que não seja o do destinatário da prestação.

     Direito nacional

    4        O Decreto‑Lei n.° 211/2004, de 20 de Agosto de 2004 (Diário da República, I série‑A, n.° 196, de 20 de Agosto), que, nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, rege o exercício das actividades de mediação imobiliária e de angariação imobiliária em Portugal, alterou o conceito tradicional de «mediação», introduzindo uma distinção entre a mediação imobiliária e a angariação imobiliária, para dotar a angariação imobiliária de regras próprias.

    5        Sempre que incidam sobre bens imóveis situados em Portugal, as actividades de mediação imobiliária e de angariação imobiliária de entidades com sede ou domicílio efectivo noutros Estados‑Membros também estão sujeitas ao que dispõe o referido decreto‑lei, como decorre do seu artigo 1.°, n.° 2.

     Requisitos a que está sujeita a mediação imobiliária

    6        Nos termos do artigo 2.° do Decreto‑Lei n.° 211/2004, a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel.

    7        Em conformidade com o artigo 5.° do mesmo decreto‑lei, a actividade de mediação imobiliária depende de licença, a conceder pela Administração portuguesa.

    8        Tal significa, em termos de Direito português, que, em princípio, a actividade de mediação imobiliária é proibida. A título excepcional, a Administração Pública pode permitir o exercício dessa actividade. Em Direito português, há uma diferença entre «autorização» e «licença». A «autorização» é o acto administrativo que permite a alguém o exercício de um direito, de uma actividade, em princípio, permitida. A «licença», pelo contrário, é o acto administrativo que confere o direito de exercer uma actividade privada que é, em princípio, proibida.

    9        Decorre dos artigos 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, do Decreto‑Lei n.° 211/2004 que a licença deve ser requerida à Administração portuguesa. Nos termos do artigo 5.°, n.os 2 e 3, do mesmo decreto‑lei, se o requerimento obtiver deferimento, a Administração concede a licença pelo prazo de três anos e emite cartões de identificação aos administradores, aos gerentes ou aos directores da empresa licenciada, que estão obrigados a exibi‑los em todos os actos em que intervierem.

    10      Sendo a actividade de mediação imobiliária, em princípio, proibida, o artigo 6.° do Decreto‑Lei n.° 211/2004 estabelece requisitos de acesso à actividade, denominados requisitos de ingresso, que a empresa deve cumulativamente preencher para obter a licença. Os sete requisitos a que está subordinada a obtenção da licença estão enumerados no artigo 6.°, n.° 1, alíneas a) a g), concretamente:

    –        em primeiro lugar, só podem requerer licença as sociedades comerciais e os agrupamentos de sociedades de cuja denominação não conste a expressão «mediação imobiliária», e as pessoas singulares não podem requerer tal licença;

    –        em segundo lugar, a requerente da licença deve ter por objecto social e actividade principal a actividade de mediação imobiliária;

    –        em terceiro lugar, a requerente da licença deve apresentar a sua situação regularizada perante a Administração Fiscal e a Segurança Social;

    –        em quarto lugar, a requerente da licença deve comprovar capacidade profissional perante a Administração portuguesa;

    –        em quinto lugar, a requerente da licença deve comprovar à Administração portuguesa que tem seguro de responsabilidade civil que consta de uma apólice uniforme aprovada pelo Instituto de Seguros de Portugal;

    –        em sexto lugar, a requerente da licença deve comprovar à Administração portuguesa que tem capital próprio positivo; e

    –        em sétimo lugar, a requerente da licença deve comprovar à Administração portuguesa que tanto ela própria como os seus administradores, gerentes ou directores têm idoneidade comercial.

    11      Nos termos do artigo 14.° do Decreto‑Lei n.° 211/2004, se a empresa de mediação imobiliária tiver obtido a sua licença, o exercício das suas actividades, nomeadamente o atendimento do público, só pode ser efectuado em instalações autónomas, separadas de qualquer outro estabelecimento ou residência. A abertura de tais instalações autónomas deve ser comunicada à Administração, do mesmo modo que a alteração da localização e o encerramento das mesmas.

    12      Sendo requisitos de ingresso, os referidos requisitos são também requisitos de manutenção na actividade.

    13      As empresas de mediação imobiliária legalmente estabelecidas noutros Estados‑Membros estão sujeitas a controlo disciplinar por parte do InCI.

    14      Estão, nomeadamente, sujeitas a deveres de comunicação, para efeitos de registo. Em conformidade com o artigo 37.° do Decreto‑Lei n.° 211/2004, do registo das empresas de mediação imobiliária deve constar um determinado número de informações, concretamente, a denominação social, a sede, o número de identificação de pessoa colectiva, o número de matrícula na conservatória do registo comercial, as marcas e os nomes dos estabelecimentos comerciais, a localização dos estabelecimentos comerciais e a identificação dos gerentes, administradores ou directores.

    15      Nos termos do artigo 21.° do mesmo decreto‑lei, as empresas de mediação imobiliária estão também obrigadas a comunicar quaisquer modificações introduzidas no contrato de sociedade e devem enviar ao InCI os elementos relacionados com a actividade que sejam solicitados, cópias de todas as sentenças ou decisões em que tiverem sido parte e devem prestar todas as informações relacionadas com a actividade, facultando o acesso a livros de registo, arquivos e documentação. Devem organizar e conservar um registo de todos os contratos de mediação celebrados e de todos os contratos de prestação de serviços celebrados com angariadores.

    16      Nos termos do artigo 36.° do referido decreto‑lei, para financiar os encargos com a gestão do sistema de ingresso e permanência na actividade, bem como com a fiscalização do InCI, as empresas de mediação estão sujeitas ao pagamento de taxas.

     Requisitos da actividade de angariação imobiliária

    17      Nos termos do artigo 4.° do Decreto‑Lei n.° 211/2004, a actividade de angariação imobiliária é aquela em que, por contrato de prestação de serviços, uma pessoa singular se obriga a desenvolver acções de prospecção, de recolha de informações e de promoção e a prestar serviços de obtenção de documentação e de informação necessários à preparação e ao cumprimento de contratos de mediação imobiliária.

    18      Nos termos do artigo 4.° do mesmo decreto‑lei, os angariadores imobiliários não podem exercer nenhuma outra actividade comercial ou profissional.

    19      A actividade de angariação imobiliária depende de registo no InCI. O referido registo não é de modo nenhum uma inscrição. Trata‑se de uma licença. Segundo o artigo 9.°, n.os 1 e 7, da Portaria n.° 1327/2004, de 19 de Outubro de 2004 (Diário da República, I série‑A, n.° 246, de 19 de Outubro), o interessado deve requerer o registo, que só será aceite se preencher os requisitos previstos no artigo 25.°, n.° 1, alíneas a) a d), do Decreto‑Lei n.° 211/2004.

    20      Em conformidade com o artigo 24.°, n.° 1, do Decreto‑Lei n.° 211/2004, a actividade de angariação imobiliária depende ainda da existência de um contrato de prestação de serviços com uma sociedade de mediação imobiliária, titular de licença válida. Por seu lado, as empresas de mediação imobiliária, titulares de licença válida, não podem celebrar contratos de prestação de serviços com angariadores imobiliários não registados no InCI.

    21      Nos termos do artigo 24.°, n.os 2 e 3, do mesmo decreto‑lei, se o requerimento de inscrição obtiver deferimento, a Administração concede a inscrição pelo prazo de três anos e emite cartões de identificação aos angariadores inscritos, que estão obrigados a exibi‑los em todos os actos em que intervierem. Nos termos do artigo 27.°, n.° 3, do mesmo decreto‑lei, o angariador está, ainda, obrigado, em todos os actos em que intervier, a identificar a empresa de mediação a quem presta serviços, indicando a denominação da empresa e o respectivo número de licença.

    22      Em conformidade com o artigo 25.°, n.° 1, alíneas a) a d), do Decreto‑Lei n.° 211/2004, para poder ser inscrito como angariador no InCI, o requerente deve preencher cumulativamente quatro requisitos, concretamente:

    –        ser empresário em nome individual, devendo da sua firma constar obrigatoriamente a expressão «angariador imobiliário»;

    –        ter a sua situação regularizada perante a Administração Fiscal e a Segurança Social;

    –        possuir a capacidade profissional exigida; e

    –        possuir idoneidade comercial.

    23      Sendo requisitos de ingresso na actividade de angariador, os supra‑referidos requisitos são também requisitos de manutenção na actividade. Se o angariador deixar de preencher qualquer dos requisitos, a inscrição é cancelada. Nos termos do artigo 30.° do mesmo decreto‑lei, em caso de cancelamento da inscrição, o angariador deve modificar ou cessar a actividade, que passa a ser‑lhe vedada.

    24      Os angariadores imobiliários estão sujeitos a controlo disciplinar por parte do InCI. Estão, nomeadamente, sujeitos a deveres de comunicação para efeitos de registo. Nos termos do artigo 37.° do referido decreto‑lei, do registo devem constar determinadas informações, concretamente, a firma, o domicílio, o número de bilhete de identidade, o número de identificação fiscal do angariador imobiliário, bem como as marcas que usem no exercício da actividade.

    25      Nos termos do artigo 35.° do mesmo decreto‑lei, os angariadores imobiliários devem enviar ao InCI os elementos relacionados com a actividade que lhes sejam solicitados e devem prestar todas as informações relacionadas com a actividade, facultando o acesso a arquivos e documentação. Devem organizar e conservar um arquivo de todos os contratos de prestação de serviços celebrados com empresas de mediação imobiliária.

    26      Em conformidade com o artigo 36.° do Decreto‑Lei n.° 211/2004, para financiar os encargos com a gestão dos requisitos de ingresso e permanência na actividade bem como com a fiscalização do InCI, os angariadores imobiliários estão sujeitos ao pagamento de taxas.

     Procedimento pré‑contencioso

    27      Em 18 de Outubro de 2006, a Comissão dirigiu à República Portuguesa uma notificação para cumprir em que chamava a atenção desse Estado‑Membro para o disposto no Decreto‑Lei n.° 211/2004. A Comissão considerou, com efeito, que o decreto‑lei constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, garantidas nos artigos 43.° CE e 49.° CE.

    28      A Comissão considerou que os efeitos restritivos das referidas liberdades ultrapassavam o que era necessário para assegurar o exercício correcto das actividades de mediação imobiliária e de angariador imobiliário e solicitou à República Portuguesa que apresentasse os argumentos que julgasse úteis no quadro do procedimento, no prazo de dois meses.

    29      Por ofício de 24 de Janeiro de 2007, a República Portuguesa respondeu à notificação para cumprir.

    30      Por ofício de 19 de Julho de 2007, a Comissão dirigiu ao Estado português uma notificação para cumprir complementar.

    31      Em 19 de Setembro de 2007, a República Portuguesa respondeu a esta notificação complementar, afirmando que tanto os requisitos como as normas das disposições nacionais em causa não constituíam entraves à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços e que essas disposições eram justificadas por razões imperiosas de ordem pública e de protecção dos direitos dos consumidores.

    32      Por ofício de 27 de Junho de 2008, a Comissão dirigiu um parecer fundamentado à República Portuguesa, no qual concluiu que determinadas disposições nacionais relativas às actividades de mediação imobiliária e de angariação imobiliária constituem uma violação dos artigos 43.° CE e 49.° CE.

    33      A República Portuguesa respondeu ao parecer fundamentado em 2 de Setembro de 2008.

    34      Não tendo ficado satisfeita com a resposta dada por esse Estado‑Membro, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

     Quanto à acção

     Argumentos das partes

    35      Na sua petição, a Comissão defende que da legislação portuguesa relativa às actividades de mediação imobiliária e de angariação imobiliária decorrem inúmeras restrições à livre prestação de serviços.

    36      Segundo a Comissão, ao proibir a mediação espontânea e a angariação espontânea, a referida legislação criou uma situação em que nenhuma mediadora, e nomeadamente nenhuma mediadora com sede noutro Estado‑Membro, pode ter intervenção em transacções imobiliárias no território português, sem, previamente, ter celebrado um contrato com o mandante. A legislação portuguesa em causa proíbe também o exercício liberal da actividade de angariação imobiliária e transforma‑a numa actividade dependente. Com efeito, o angariador está obrigatoriamente ligado ao mediador por um vínculo de prestação de serviços.

    37      No que respeita aos requisitos de acesso à actividade de mediação imobiliária, os dois primeiros requisitos, relativos ao âmbito subjectivo da licença, são, segundo a Comissão, restritivos, quanto à livre prestação de serviços na União. A Comissão defende que esses requisitos constituem uma restrição à livre prestação de serviços por empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros que pretendam vir temporariamente a Portugal prestar serviços sem aí se estabelecerem.

    38      A Comissão defende que as normas portuguesas em causa aplicadas às actividades imobiliárias descaracterizam a tradicional actividade de mediação imobiliária. O exercício dessa actividade no quadro de uma transacção pontual desapareceu. Essa actividade só pode ser exercida no quadro de uma agência imobiliária. A agência pressupõe uma actividade duradoura. Os mediadores e os angariadores imobiliários são substituídos por agências de transacção. Além disso, os requisitos de acesso à actividade de mediação imobiliária não permitem fazer a distinção entre situações de estabelecimento e situações de prestação temporária.

    39      Segundo a Comissão, esta não distinção, que impede os prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados‑Membros de prestarem os seus serviços em Portugal, se aí não estiverem estabelecidos, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, para efeitos do artigo 56.° TFUE.

    40      Por outro lado, só as empresas e os agrupamentos de empresas com licença do InCI e só os angariadores imobiliários inscritos nesse organismo podem exercer as actividades de mediação imobiliária em Portugal. Ora, como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão de 11 de Dezembro de 2003, Schnitzer (C‑215/01, Colect., p. I‑14847), o direito da União em matéria de livre prestação de serviços opõe‑se a que um operador económico seja submetido a uma obrigação de inscrição no registo das profissões artesanais, que atrase, complique ou torne mais onerosa a prestação dos seus serviços no Estado‑Membro de acolhimento.

    41      A Comissão conclui daí que a obrigação de obter uma licença para o exercício da actividade de mediação imobiliária, muito mais restritiva do que a simples inscrição formal, é, a fortiori, abrangida pela jurisprudência resultante do referido acórdão. Essa obrigação, idêntica à exercida em caso de estabelecimento, cujo cumprimento é exigido para poder prestar serviços de mediação imobiliária, constitui, portanto, uma restrição à livre prestação de serviços, para efeitos do artigo 56.° TFUE.

    42      No que respeita à obrigação de fazer um seguro de responsabilidade profissional, a Comissão salienta que, tendo em conta o regime jurídico aplicável aos contratos de seguro das empresas de mediação imobiliária, como estabelecido pelas disposições nacionais em causa, esse seguro dificilmente pode ser feito num Estado‑Membro que não a República Portuguesa. O contrato de seguro para empresas de mediação imobiliária com actividade em Portugal é um contrato típico, regido pela legislação portuguesa.

    43      A Comissão precisa que não é o carácter obrigatório do seguro que tem por efeito dissuadir os prestadores de serviços de outros Estados‑Membros de exercerem a sua actividade em Portugal, mas efectivamente o facto de o seguro ser feito nos termos da legislação portuguesa. Por conseguinte, a circunstância de o acesso à actividade de mediação imobiliária estar sujeita à subscrição de um contrato de seguro de responsabilidade profissional segundo as disposições previstas pela legislação portuguesa constitui uma restrição à livre prestação de serviços, para efeitos do artigo 56.° TFUE.

    44      No que respeita à obrigação de determinar os capitais próprios em conformidade com o Sistema de Normalização Contabilística, a Comissão considera que esse requisito constitui uma restrição à livre prestação de serviços, nos termos do artigo 56.° TFUE, na medida em que é discriminatório relativamente às empresas de mediação imobiliária estabelecidas noutros Estados‑Membros que pretendam prestar temporariamente serviços em Portugal.

    45      No que respeita à sujeição ao controlo disciplinar do InCI, a Comissão observa que as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários legalmente estabelecidos noutro Estado‑Membro e que pretendam, temporariamente, prestar serviços em Portugal estão sujeitos ao controlo disciplinar por parte desse organismo, o que significa que, em matéria de disciplina profissional, esses prestadores de serviços são obrigados a cumprir simultaneamente a legislação do Estado‑Membro de estabelecimento e a legislação do Estado‑Membro de destino do serviço.

    46      A Comissão recorda, neste contexto, os princípios administrativos da harmonização e da equivalência. Indica que, embora, no que respeita à prestação de serviços de mediação e de angariação imobiliárias, não tenha havido harmonização, a Directiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO L 255, p. 22), estabeleceu entretanto normas relativas ao reconhecimento das qualificações profissionais que podem ser pertinentes neste domínio. Nas outras matérias relativas à prestação dos referidos serviços, é, por conseguinte, aplicável o princípio da equivalência.

    47      Segundo a Comissão, um dos aspectos do referido princípio é constituído pelo princípio geral da igualdade, que é um princípio fundamental de direito da União, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Na sua vertente de igualdade formal, esse princípio obriga a que situações que merecem tratamento igual devam ser tratadas da mesma maneira. Se as empresas de mediação imobiliária estabelecidas noutros Estados‑Membros exercem a actividade em condições comparáveis àquelas em que as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários estabelecidos em Portugal exercem essa actividade, a República Portuguesa não pode restringir a livre prestação de serviços no seu território a empresas de mediação estabelecidas noutros Estados‑Membros. Esse tratamento é arbitrário e não há nenhuma razão objectiva que o justifique.

    48      No que respeita aos requisitos do exercício exclusivo das actividades de mediação imobiliária e de angariador imobiliário, a Comissão defende que as normas nacionais em causa, que impõem o exercício a título exclusivo das actividades de angariador imobiliário e o exercício a título quase exclusivo das de mediação imobiliária, constituem uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços que penaliza as empresas de mediação imobiliária legalmente estabelecidas em Estados‑Membros onde exercem, paralelamente à sua actividade principal ou secundária, outras actividades profissionais e comerciais.

    49      Essas empresas de mediação imobiliária estabelecidas noutros Estados‑Membros ficam impedidas de exportar para Portugal os seus modelos de negócio. Têm, assim, de renunciar a estes modelos ou, caso contrário, renunciar à prestação de serviços de mediação imobiliária em Portugal.

    50      Quanto ao argumento da República Portuguesa relativo à ordem pública, a Comissão considera que, no caso concreto, não há nenhuma ameaça real e suficientemente grave que justifique as restrições em causa à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços. A Comissão recorda, a este respeito, que a prevenção geral e especial de actividades criminosas se faz através do direito penal, e não do direito privado. Contrariamente ao que afirma esse Estado‑Membro, o regime aplicado às actividades de mediação imobiliária e de angariação imobiliária não são normas comuns de direito civil.

    51      A Comissão acrescenta que se é verdade que determinados comportamentos de mediadores ou de angariadores imobiliários de outros Estados‑Membros que não a República Portuguesa podem, em certos casos, criar uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade, restrições como as que estão aqui em causa seriam então justificadas, mas exclusivamente na medida em que visem pessoas determinadas ou comportamentos singulares.

    52      Na sua contestação, a República Portuguesa alega que as disposições nacionais em causa têm essencialmente por objectivo encorajar a profissionalização dos angariadores imobiliários e a qualidade dos serviços que prestam, a fim de garantir desse modo a eliminação de práticas e de condutas que prejudicam os direitos e os interesses dos consumidores.

    53      A República Portuguesa afirma que, uma vez que o exercício das actividades de mediação e angariação imobiliária não está harmonizado ao nível da União, não se pode, simplesmente, aceitar o reconhecimento da regularidade da situação de uma empresa noutro Estado‑Membro. Segundo a República Portuguesa, no caso de uma actividade económica não harmonizada, os Estados‑Membros têm toda a liberdade de adoptar as normas que julguem necessárias. Este Estado‑Membro conclui que as restrições impostas pelas disposições nacionais em causa não são discriminatórias, são justificadas por razões de ordem pública e cumprem o requisito da proporcionalidade.

    54      A República Portuguesa declara que, desde que as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários cumpram os requisitos exigidos, o processo de concessão da licença ou de inscrição não parece, em si mesmo, constituir um impedimento ou entrave significativo ao exercício da liberdade de estabelecimento ou da livre prestação de serviços. Este Estado‑Membro qualifica os requisitos da concessão da licença como requisitos de acesso à actividade de mediação imobiliária.

    55      A República Portuguesa salienta a natureza duradoura e contínua da actividade de mediação imobiliária em relação a cada transacção concretamente negociada. Acrescenta que, pela sua própria natureza, essa actividade insere‑se obrigatoriamente num contexto de proximidade física ou pessoal.

    56      Segundo esse Estado‑Membro, a actividade de angariação imobiliária caracteriza‑se também pela sua natureza duradoura, tanto mais que os destinatários efectivos das prestações efectuadas pelo angariador são, tipicamente, empresas de mediação imobiliária que operam no território nacional, sendo a actividade dessas empresas exercida geralmente na continuidade da dos referidos angariadores.

    57      A República Portuguesa sustenta que a existência de um local de atendimento no território do Estado‑Membro destinatário da prestação é insuficiente e que, por conseguinte, a existência de um local de representação da empresa de mediação imobiliária é imprescindível para o exercício da actividade em causa.

    58      A República Portuguesa reconhece que as disposições nacionais em questão não têm em conta as prestações de serviços fornecidas a título temporário. Com efeito, se essas disposições tivessem em consideração esse tipo de prestações, este Estado‑Membro deveria prescindir dos níveis de protecção do consumidor que tem o dever de garantir. Segundo a República Portuguesa, as referidas disposições têm por objectivo a protecção dos interesses dos consumidores, enquanto parte integrante dos seus direitos, e são indispensáveis à prossecução desse objectivo.

    59      O referido Estado‑Membro indica que há claras razões de ordem pública que justificam a regulamentação específica da actividade de mediação imobiliária, no caso concreto, a prevenção de actividades criminosas e a repressão de comportamentos ilícitos.

    60      A República Portuguesa sustenta que os requisitos de acesso ao exercício da actividade de mediação imobiliária, e o correspondente licenciamento, são justificados por razões imperativas de interesse geral.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    61      Para decidir do mérito da acção da Comissão, há que recordar, a título liminar, que as restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços consagradas, respectivamente, nos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE são constituídas por medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atractivo o exercício destas liberdades (v., neste sentido, acórdão de 29 de Março de 2011, Comissão/Itália, C‑565/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 45 e jurisprudência aí referida).

    62      A este respeito, por um lado, as disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de estabelecimento asseguram o direito de estabelecimento noutro Estado‑Membro não apenas aos nacionais da União, nos termos do artigo 49.° TFUE, mas também às sociedades definidas no artigo 54.° TFUE. Em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, essas disposições visam, nomeadamente, assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, mas opõem‑se também a qualquer entrave ao estabelecimento, noutro Estado‑Membro, de um nacional de um Estado‑Membro ou de uma sociedade constituída em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 27 de Setembro de 1988, Daily Mail and General Trust, 81/87, Colect., p. 5483, n.os 15 e 16).

    63      O artigo 56.° TFUE exige, por outro lado, não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços, em razão da sua nacionalidade ou da circunstância de estar estabelecido num Estado‑Membro diferente daquele onde a prestação deve ser executada, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada a prestadores nacionais e de outros Estados‑Membros, quando seja susceptível de impedir, entravar ou tornar menos atractivas as actividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste legalmente serviços análogos (v., designadamente, acórdãos de 25 de Julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda, C‑288/89, Colect., p. I‑4007, n.os 10 e 12, e Säger, C‑76/90, Colect., p. I‑4221, n.° 12).

    64      Como o Tribunal de Justiça reiteradamente decidiu, as medidas nacionais que possam obstar ou tornar menos atractivo o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado só são admissíveis se preencherem quatro condições: devem ser aplicadas de modo não discriminatório, devem ser justificadas por razões imperativas de interesse geral, devem ser adequadas à realização do objectivo que prosseguem e não podem ultrapassar o que é necessário para alcançar esse objectivo (v., neste sentido, acórdão de 11 de Junho de 2009, Comissão/Áustria, C‑564/07, n.° 31 e jurisprudência aí referida).

    65      Mais especificamente quanto à possibilidade de justificar objectivamente essas restrições, há que recordar que a protecção dos consumidores figura entre as razões imperiosas de interesse geral já reconhecidas pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão Collectieve Antennevoorziening Gouda, já referido, n.° 14). Todavia, segundo jurisprudência constante, a aplicação da regulamentação de um Estado‑Membro destinada a garantir a realização desse objectivo legítimo deve ser indispensável para garantir a sua realização. Noutros termos, é necessário que o mesmo resultado não possa ser obtido através de normas menos restritivas (v., designadamente, acórdão Collectieve Antennevoorziening Gouda, já referido, n.° 15). Além disso, há que verificar que esse interesse não está já salvaguardado pelas regras do Estado‑Membro onde o prestador de serviços está estabelecido (v., designadamente, acórdão de 23 de Novembro de 1999, Arblade e o., C‑369/96 e C‑376/96, Colect., p. I‑8453, n.° 34).

    66      Ao invés, mesmo não havendo harmonização na matéria, considerações de ordem administrativa não podem justificar uma derrogação, por parte de um Estado‑Membro, às regras do direito da União, isto tanto mais quanto a derrogação em causa equivale a restringir, e mesmo a excluir o exercício de uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (v., designadamente, acórdão Arblade e o., já referido, n.os 34 e 37).

    67      No que respeita à justificação baseada na ordem pública, é jurisprudência constante que o conceito de «ordem pública», utilizado no artigo 52.° TFUE e no artigo 62.° TFUE, que remete para o referido artigo 52.°, deve, enquanto derrogação a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado, ser interpretado estritamente e que o recurso a esse conceito pressupõe a existência de uma ameaça real e suficientemente grave que afecte o interesse fundamental da sociedade (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 18 de Junho de 1991, ERT, C‑260/89, Colect., p. I‑2925, n.° 24, e de 7 de Maio de 1998, Clean Car Autoservice, C‑350/96, Colect., p. I‑2521, n.° 40).

    68      É especialmente em relação a estes princípios que há que examinar as diferentes alegações tecidas pela Comissão em apoio da sua acção.

     Quanto à primeira alegação, relativa à incompatibilidade com o artigo 56.° TFUE do requisito que impõe que as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários estejam estabelecidos no território português

    69      Uma vez que as disposições nacionais em causa não fazem a distinção, no que diz respeito às empresas de mediação imobiliária e aos angariadores imobiliários, entre o facto de estar estabelecido e o de efectuar prestações de serviços a título temporário relativas às actividades de transacção imobiliária, as disposições nacionais em causa nesta acção da Comissão equivalem a reservar a prestação de serviços de mediação ou de angariação imobiliária, exclusivamente, aos operadores estabelecidos no território português.

    70      Por esta razão, as referidas disposições obrigam os prestadores de serviços estabelecidos num Estado‑Membro que não a República Portuguesa, que pretendam fornecer serviços de mediação ou de angariação imobiliária neste último Estado‑Membro, a renunciar a essa prestação ou a criar no território do referido Estado uma representação permanente, o que equivale a impor‑lhes um exercício estável e contínuo dessa actividade profissional em Portugal.

    71      Ora, esse requisito de estabelecimento vai directamente contra a livre prestação de serviços, na medida em que torna impossível a prestação, no território da República Portuguesa, de serviços pelos operadores estabelecidos noutros Estados‑Membros (v., por analogia, acórdãos de 9 de Março de 2000, Comissão/Bélgica, C‑355/98, Colect., p. I‑1221, n.° 27; de 29 de Maio de 2001, Comissão/Itália, C‑263/99, Colect., p. I‑4195, n.° 20; e de 29 de Abril de 2004, Comissão/Portugal, C‑171/02, Colect., p. I‑5645, n.° 33). A exigência de um estabelecimento estável no Estado‑Membro em causa é analisado, de facto, como constituindo a própria negação da livre prestação de serviços e, por conseguinte, priva de todo o efeito útil o artigo 56.° TFUE.

    72      Quanto à justificação de tal restrição, em primeiro lugar, a República Portuguesa não pode sustentar que, tratando‑se de um domínio económico não harmonizado, os Estados‑Membros têm toda a liberdade para adoptar as normas que julguem necessárias. Com efeito, tendo em consideração a natureza fundamental das liberdades consagradas pelo Tratado, um Estado‑Membro não pode adoptar e aplicar uma regulamentação susceptível de excluir o exercício efectivo de uma dessas liberdades (v. acórdão Arblade e o., já referido, n.os 34 e 37).

    73      Em segundo lugar, no que diz respeito aos argumentos da República Portuguesa relativos à ordem pública e à protecção dos consumidores, há que declarar que esse Estado‑Membro não invocou nenhum argumento convincente, susceptível de provar, no caso concreto, a existência de uma ameaça suficientemente grave que afecte o interesse fundamental da sociedade, na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.° 68 do presente acórdão.

    74      Quanto à preocupação de garantir a protecção do consumidor, também não foi demonstrado que o requisito de estabelecimento imposto pela legislação portuguesa em causa seja indispensável para atingir o objectivo pretendido e que as regras aplicáveis no Estado‑Membro de estabelecimento não são suficientes para atingir o nível de protecção pretendido.

    75      Nestas circunstâncias, a primeira alegação é fundamentada.

     Quanto à segunda alegação, relativa à incompatibilidade com o artigo 56.° TFUE da obrigação imposta aos operadores, estabelecidos em Estados‑Membros que não a República Portuguesa, de proceder a um registo completo no InCI

    76      A obrigação imposta às empresas de mediação imobiliária e aos angariadores imobiliários, estabelecidos nos Estados‑Membros que não a República Portuguesa, de procederem a um registo completo no InCI, para efeitos de poderem prestar serviços a título temporário no território português, pode evidentemente impedir as actividades dos prestadores transfronteiriços estabelecidos nesses Estados‑Membros, onde fornecem legalmente serviços análogos, e constitui, por isso, uma restrição no sentido do artigo 56.° TFUE.

    77      Além disso, esse requisito não pode ser objectivamente justificado, dado que, ao excluir que sejam tomadas em consideração as obrigações a que o prestador transfronteiriço já está sujeito no Estado‑Membro onde está estabelecido, esse requisito excede, de qualquer forma, o que é necessário para alcançar o objectivo pretendido, que é o de garantir um controlo rigoroso das referidas actividades (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Comissão/Bélgica, n.os 36 a 38, e Comissão/Portugal, n.° 60). Com efeito, um Estado‑Membro não pode sujeitar a realização da prestação de serviços no seu território ao cumprimento de todas as condições exigidas para um estabelecimento, sob pena de privar de qualquer efeito útil as disposições do Tratado destinadas precisamente a garantir a livre prestação de serviços (v., designadamente, acórdão Säger, já referido, n.° 13).

    78      Daqui decorre que a segunda alegação é procedente.

     Quanto à terceira alegação, relativa à incompatibilidade com o artigo 56.° TFUE da obrigação imposta às empresas de mediação imobiliária e aos angariadores imobiliários, estabelecidos nos Estados‑Membros que não a República Portuguesa, de cobrirem a sua responsabilidade profissional através da subscrição de um seguro em conformidade com a legislação portuguesa

    79      Deve ser declarado que esta obrigação constitui indubitavelmente uma restrição à livre prestação de serviços, na medida em que as formalidades que implica são de molde a complicar e a tornar mais onerosas as prestações de serviços fornecidas no território da República Portuguesa por prestadores estabelecidos noutro Estado‑Membro.

    80      Quanto ao argumento de defesa da República Portuguesa, segundo o qual a obrigação de justificar o seguro que cubra a responsabilidade profissional resulta da necessidade de as empresas de mediação imobiliária e de os angariadores imobiliários serem dotados de um mecanismo de garantia patrimonial suficiente e apropriado que permita a indemnização dos prejuízos que possam causar no exercício da sua actividade, só pode ser afastado visto que a regulamentação nacional em causa exclui, de qualquer forma, que sejam tomados em consideração os seguros já efectuados pelos prestadores no Estado‑Membro em cujo território estão estabelecidos.

    81      Uma medida como a que foi posta em causa na acção da Comissão viola o princípio da proporcionalidade porquanto as exigências da regulamentação nacional em causa acrescem às justificações e às garantias exigidas no Estado‑Membro de estabelecimento. Ora, o cumprimento do princípio da livre prestação de serviços implica que o Estado‑Membro destinatário da prestação tenha devidamente em linha de conta a documentação e as garantias já apresentadas pelo prestador de serviços para o exercício da sua actividade no Estado‑Membro de estabelecimento (v., designadamente, acórdão de 17 de Dezembro de 1981, Webb, 279/80, Recueil, p. 3305, n.° 20).

    82      A terceira alegação é, portanto, também procedente.

     Quanto à quarta alegação, relativa à incompatibilidade com o artigo 56.° TFUE da obrigação que incumbe às empresas de mediação imobiliária, estabelecidas em Estados‑Membros que não a República Portuguesa, de disporem de capitais próprios nos termos da legislação portuguesa

    83      A este respeito, basta referir que esta alegação deve ser considerada procedente, por razões idênticas às enunciadas no âmbito da apreciação da terceira alegação.

     Quanto à quinta alegação, relativa à incompatibilidade com o artigo 56.° TFUE da sujeição das empresas de mediação imobiliária e dos angariadores imobiliários, estabelecidos em Estados‑Membros que não a República Portuguesa, ao controlo disciplinar integral do InCI

    84      Esta alegação deve também ser considerada procedente, com base nas mesmas considerações que as enunciadas no âmbito da apreciação da terceira alegação.

     Quanto à sexta e à sétima alegação, relativas à incompatibilidade com os artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE, da obrigação imposta às empresas de mediação imobiliária de exercerem a título exclusivo a actividade de mediação imobiliária, com excepção da gestão de bens imóveis por conta de terceiros, bem como à imposta aos angariadores imobiliários de exercerem a título exclusivo a actividade de angariação

    85      A este respeito, deve ser declarado que os efeitos restritivos no direito de estabelecimento e na livre prestação de serviços que as obrigações em causa comportam também não podem ser objectivamente justificados, em aplicação dos princípios que decorrem da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, como foi recordada nos n.os 65 a 67 do presente acórdão.

    86      Decorre de todas as considerações precedentes que a acção da Comissão é procedente.

    87      Por conseguinte, deve ser declarado que a República Portuguesa:

    –        ao só permitir o exercício de actividades de mediação imobiliária no âmbito de uma agência imobiliária,

    –        ao impor às empresas de mediação imobiliária e aos angariadores estabelecidos noutros Estados‑Membros a obrigação de cobrir a sua responsabilidade profissional através da subscrição de um seguro em conformidade com a legislação portuguesa,

    –        ao sujeitar as empresas de mediação imobiliária estabelecidas noutros Estados‑Membros à obrigação de dispor de capitais próprios positivos nos termos da lei portuguesa e

    –        ao sujeitar as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários estabelecidos noutros Estados‑Membros ao controlo disciplinar integral do InCI,

    não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 56.° TFUE; e

    –        ao impor às empresas de mediação imobiliária a obrigação de exercer a título exclusivo a actividade de mediação imobiliária, com excepção da gestão de bens imóveis por conta de terceiros, e

    –        ao impor aos angariadores imobiliários a obrigação de exercer a título exclusivo a actividade de angariação,

    não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE.

     Quanto às despesas

    88      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa e tendo esta sido vencida, há que a condenar nas despesas.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

    1)      A República Portuguesa:

    –        ao só permitir o exercício de actividades de mediação imobiliária no âmbito de uma agência imobiliária,

    –        ao impor às empresas de mediação imobiliária e aos angariadores estabelecidos noutros Estados‑Membros a obrigação de cobrir a sua responsabilidade profissional através da subscrição de um seguro em conformidade com a legislação portuguesa,

    –        ao sujeitar as empresas de mediação imobiliária estabelecidas noutros Estados‑Membros à obrigação de dispor de capitais próprios positivos nos termos da lei portuguesa e

    –        ao sujeitar as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários estabelecidos noutros Estados‑Membros ao controlo disciplinar integral do Instituto de Construção e do Imobiliário IP,

    não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 56.° TFUE; e

    –        ao impor às empresas de mediação imobiliária a obrigação de exercer a título exclusivo a actividade de mediação imobiliária, com excepção da gestão de bens imóveis por conta de terceiros, e

    –        ao impor aos angariadores imobiliários a obrigação de exercer a título exclusivo a actividade de angariação,

    não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE.

    2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

    Assinaturas


    * Língua do processo: português.

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