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Document 62009CJ0269

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 12 de julho de 2012.
    Comissão Europeia contra Reino de Espanha.
    Incumprimento de Estado — Artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE — Artigos 28.° e 31.° do Acordo EEE — Legislação fiscal — Transferência da residência de um contribuinte para o estrangeiro — Obrigação de incluir todos os rendimentos não imputados na base tributável do último exercício fiscal — Perda da eventual vantagem que consiste no diferimento da dívida fiscal.
    Processo C‑269/09.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:439

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    12 de julho de 2012 ( *1 )

    «Incumprimento de Estado — Artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE — Artigos 28.° e 31.° do Acordo EEE — Legislação fiscal — Transferência da residência de um contribuinte para o estrangeiro — Obrigação de incluir todos os rendimentos não imputados na base tributável do último exercício fiscal — Perda da eventual vantagem que consiste no diferimento da dívida fiscal»

    No processo C-269/09,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 226.o CE, entrada em 15 de julho de 2009,

    Comissão Europeia, representada por R. Lyal e F. Jimeno Fernández, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    Reino de Espanha, representado por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandado,

    apoiado por:

    República Federal da Alemanha, representada por M. Lumma, C. Blaschke e K. Petersen, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    Reino dos Países Baixos, representado por C. Wissels e M. de Ree, na qualidade de agentes,

    República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, na qualidade de agente,

    intervenientes,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Safjan, M. Ilešič, E. Levits e M. Berger (relatora), juízes,

    advogado-geral: J. Mazák,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 29 de junho de 2011,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao adotar e manter em vigor no artigo 14.o da Lei 35/2006 relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e que altera parcialmente as leis relativas ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, sobre o rendimento dos não residentes e sobre o património (Ley 35/2006 del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas y de modificación parcial de las leyes de los Impuestos sobre Sociedades, sobre la Renta de no residentes y sobre el Patrimonio), de 28 de novembro de 2006 (BOE n.o 285, de 29 de novembro de 2006, p. 41734, e – retificação – BOE n.o 57, de 7 de março de 2007, p. 9634), uma disposição que obriga a que os contribuintes que transfiram a sua residência para o estrangeiro incluam todos os rendimentos não imputados na base tributável do último exercício fiscal durante o qual tenham sido considerados contribuintes residentes, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE, bem como dos artigos 28.° e 31.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»).

    Quadro jurídico espanhol

    2

    O artigo 14.o, n.o 1, da Lei 35/2006, que rege a tomada em conta dos rendimentos tributáveis no tempo, estabelece a seguinte regra geral:

    «As receitas e as despesas que determinam o rendimento a incluir na base tributável são imputadas ao período de tributação correspondente, em conformidade com os seguintes critérios:

    a)

    Os rendimentos do trabalho e dos capitais são imputados ao período de tributação no decurso do qual são exigíveis pelos seus beneficiários.

    b)

    Os rendimentos de atividades económicas são imputados em conformidade com as disposições da regulamentação relativa ao imposto sobre as sociedades, sem prejuízo das especificidades que podem ser estabelecidas pela lei.

    c)

    As mais-valias e as menos-valias são imputadas ao período de tributação no decurso do qual se verificou a alteração patrimonial.»

    3

    O artigo 14.o, n.o 2, desta lei prevê uma série de regras especiais relativas à imputação no tempo dos diversos tipos de rendimentos.

    4

    O artigo 14.o, n.o 3, da referida lei dispõe:

    «No caso da perda da qualidade de contribuinte devido a uma mudança de residência, todos os rendimentos da pessoa em questão que ainda não tenham sido imputados devem ser incluídos na base tributável correspondente ao último período de tributação que deve ser objeto de uma declaração a respeito desse imposto nas condições previstas pela lei e, sempre que possível, por meio de uma autoliquidação complementar sem aplicação de sanções, juros de mora ou taxas agravadas.»

    Procedimento pré-contencioso

    5

    Considerando que a legislação nacional relativa ao tratamento fiscal aplicado às pessoas singulares que transfiram a sua residência para fora de Espanha infringia os artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE, bem como os artigos 28.° e 31.° do Acordo EEE, a Comissão enviou, em 29 de fevereiro de 2008, uma notificação para cumprir ao Reino de Espanha, na qual alegava, designadamente, que este tratamento discriminatório penaliza as pessoas que pretendam abandonar esse Estado-Membro relativamente às que nele permaneçam, na medida em que as primeiras estão obrigadas a pagar o imposto no momento da transferência sem terem a possibilidade de diferir o pagamento.

    6

    Na sua resposta de 7 de maio de 2008, o Reino de Espanha apresentou as razões pelas quais considerava que o regime em causa não constituía uma infração ao Tratado CE nem ao Acordo EEE.

    7

    Não tendo ficado convencida pelos argumentos apresentados pelo Reino de Espanha, a Comissão enviou, em 17 de outubro de 2008, um parecer fundamentado a esse Estado-Membro, convidando-o a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao dito parecer no prazo de dois meses.

    8

    Por ofício de 18 de dezembro de 2008, o referido Estado-Membro reiterou no essencial os argumentos já apresentados na sua comunicação anterior.

    9

    Não tendo considerado esta resposta satisfatória, a Comissão intentou a presente ação.

    10

    Por despacho de 25 de novembro de 2009, o presidente do Tribunal de Justiça admitiu a intervenção no presente processo da República Federal da Alemanha, do Reino dos Países Baixos e da República Portuguesa, em apoio dos pedidos do Reino de Espanha.

    Quanto à ação

    Argumentos das partes

    11

    A Comissão considera que a legislação espanhola em causa desfavorece, no plano financeiro, as pessoas singulares que transfiram para o estrangeiro a sua residência, imputando na base tributável do último exercício no decurso do qual estas pessoas eram residentes os rendimentos que aguardam imputação. Assim, estas estão obrigadas a pagar o imposto no momento da transferência da sua residência, ao passo que os contribuintes que mantenham a sua residência no território espanhol não estão sujeitos a tal obrigação. Consequentemente, esta legislação permite um tratamento discriminatório, quando devia ser aplicada a mesma regra, quer a pessoa singular mantivesse ou não a sua residência no referido território.

    12

    A Comissão assenta a sua argumentação, no essencial, nos princípios enunciados no acórdão de 11 de março de 2004, de Lasteyrie du Saillant (C-9/02, Colet., p. I-2409), admitindo, porém, que respeita a factos diferentes daqueles em causa no presente processo.

    13

    Em primeiro lugar, essa instituição retorque, ao argumento de que as restrições que a legislação espanhola em causa pode provocar são, em todo o caso, de muito pouca monta, que, segundo jurisprudência assente, constitui uma restrição qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja suscetível de afetar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado.

    14

    Considerando que a referida legislação constitui, pois, um entrave à livre circulação dos trabalhadores e à liberdade de estabelecimento, a Comissão reconhece que a mesma pode, em princípio, ser justificada por motivos de interesse geral, relativos à necessidade de assegurar a cobrança eficaz do imposto e à repartição do poder tributário. Contudo, contesta a proporcionalidade desta legislação.

    15

    A este respeito, a referida instituição sustenta, em primeiro lugar, que a eficácia do regime fiscal nacional não está ameaçada, na medida em que existem outros instrumentos adequados que a permitem assegurar, designadamente a Diretiva 76/308/CEE do Conselho, de 15 de março de 1976, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas (JO L 73, p. 18; EE 02 F3 p. 46), conforme alterada pela Diretiva 2001/44/CE do Conselho, de 15 de junho de 2001 (JO L 175, p. 17, a seguir «Diretiva 76/308»), a Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos diretos e dos impostos sobre os prémios de seguro (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), conforme alterada pela Diretiva 2004/106/CE do Conselho, de 16 de novembro de 2004 (JO L 359, p. 30, a seguir «Diretiva 77/799»), e a Diretiva 2008/55/CE do Conselho, de 26 de maio de 2008, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas (JO L 150, p. 28).

    16

    No tocante à insuficiência dos referidos instrumentos legislativos da União para assegurar a eficácia dos sistemas fiscais alegada pelo Reino de Espanha, a Comissão refere que incumbe aos Estados-Membros adotar os mecanismos necessários para garantir uma execução eficaz destas diretivas e corrigir certas deficiências eventualmente constatadas na aplicação prática do sistema de assistência mútua. Em contrapartida, os Estados-Membros não podem adotar medidas que, como a legislação nacional em causa, conduzem a discriminações.

    17

    Em resposta ao argumento segundo o qual a própria Comissão reconheceu a ineficácia dos referidos instrumentos legislativos, esta alega que o Reino de Espanha se limitou a citar passagens isoladas de exposição de motivos da Proposta de diretiva do Conselho relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, taxas, direitos e outras medidas, de 2 de fevereiro de 2009 [COM(2009)28 final], a fim de alicerçar a sua argumentação. Defendendo os motivos que conduziram a esta proposta de diretiva, a Comissão sustenta que a mesma tem por objetivo introduzir uma série de melhorias e não a adoção de um novo sistema de assistência, o que, em seu entender, é igualmente o caso da legislação relativa à troca de informações. Além disso, a Comissão contesta as conclusões que o Reino de Espanha retira da referida proposta, designadamente quanto ao número de créditos efetivamente cobrados relativamente ao total dos que foram reclamados.

    18

    Em segundo lugar, a Comissão considera, sem contestar o direito que assiste aos Estados-Membros de aplicarem a sua legislação fiscal aos rendimentos cobrados no seu território, mesmo quando o contribuinte tenha transferido as suas atividades para outro Estado-Membro, que a preservação da repartição do poder tributário não justifica que as regras aplicáveis aos contribuintes sejam alteradas unicamente com base numa transferência da residência para o estrangeiro.

    19

    A este propósito, a Comissão tem dúvidas a respeito da pertinência no caso vertente, por um lado, do acórdão de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen (C-290/04, Colet., p. I-9461), porquanto, no processo que deu origem a esse acórdão, não se tinha verificado nenhuma transferência de residência do contribuinte para outro Estado-Membro, e, por outro, do acórdão de 12 de julho de 2005, Schempp (C-403/03, Colet., p. I-6421), designadamente devido ao facto de, nesse último acórdão, a transferência de residência não ter conduzido a um diferente tratamento fiscal do contribuinte e não ter sido afetada a liberdade de circulação ou de estabelecimento.

    20

    De igual modo, essa instituição contesta a remissão feita para o acórdão de 7 de setembro de 2006, N (C-470/04, Colet., p. I-7409), uma vez que, neste último, o Tribunal de Justiça admitiu que a dívida fiscal podia ser determinada com referência ao momento da transferência de residência, o que considerou ser lícito, diversamente da legislação em causa no presente processo, a qual prevê igualmente o pagamento desta dívida.

    21

    Neste mesmo contexto, a Comissão também refuta o conjunto dos argumentos aduzidos para alicerçar a aplicação do acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C-282/07, Colet., p. I-10767), sublinhando, designadamente, o caráter diferente da tributação em causa no processo que deu origem a esse acórdão.

    22

    Em terceiro lugar, no tocante à pretensa perda dos laços entre o contribuinte e a Administração Fiscal espanhola no momento da transferência da residência para o estrangeiro, a Comissão contesta que o contribuinte perca todos os laços com essa Administração e que, assim, devido a esta transferência, o pagamento de uma eventual dívida fiscal já não possa ser exigido por via de execução forçada ou por coerção.

    23

    Por outro lado, em resposta ao argumento de que o contribuinte que transfere a sua residência para o estrangeiro tem a possibilidade de diferir o pagamento do imposto mediante a prestação de determinadas garantias, que, em todo o caso, não são mais coercivas do que as impostas ao contribuinte que permaneça em Espanha, a Comissão recorda que este último beneficia automaticamente da possibilidade de diferir o pagamento do imposto, sem ficar obrigado às exigências impostas ao contribuinte que transfira a sua residência para outro Estado-Membro.

    24

    No tocante à aplicação da legislação em causa aos Estados partes no Acordo EEE que não têm a qualidade de membros da União, a Comissão sublinha que, embora as diretivas mencionadas no n.o 15 do presente acórdão não sejam aplicáveis a esses Estados, o seu raciocínio é igualmente válido nos casos em que tenha sido celebrada um convenção preventiva da dupla tributação que contenha uma cláusula de troca de informações. Recorda, além disso, que, nos casos em que, tendo em conta a falta de um mecanismo equivalente aos previstos por essas diretivas, não exista um meio direto que permita a cobrança de uma dívida fiscal, o contribuinte em questão pode, ainda assim, deter bens em Espanha, relativamente aos quais é possível exercer medidas de coerção e de execução.

    25

    Em primeiro lugar, o Reino de Espanha, apoiado a este respeito pela República Portuguesa, contesta que a legislação em causa constitua uma restrição às liberdades fundamentais invocadas pela Comissão e opõe-se a uma aplicação do acórdão de Lasteyrie du Saillant, já referido, ao presente processo, sublinhando que esta legislação visa a tributação, não de mais-valias latentes, mas de rendimentos já obtidos.

    26

    A este respeito, o Reino de Espanha e a República Portuguesa também alegam, por um lado, que, por força desta legislação, o contribuinte que transfere o seu domicílio fiscal não se torna devedor de um imposto sobre um rendimento que ainda não tenha recebido e de que, por conseguinte, não dispõe.

    27

    Por outro lado, uma vez que a referida legislação prevê unicamente uma antecipação da tomada em conta dos rendimentos já adquiridos em Espanha e não o pagamento de um imposto sobre os rendimentos futuros, não pode em caso algum conduzir a uma dupla tributação. Por conseguinte, tal legislação não pode ter uma influência negativa na decisão de uma pessoa de exercer a sua liberdade de circulação, de permanência ou de estabelecimento.

    28

    Em segundo lugar, o Reino de Espanha, apoiado por todos os Estados-Membros que intervieram no litígio, alega que, mesmo admitindo que a legislação em causa constituísse uma restrição às liberdades invocadas pela Comissão, seria justificada pelos objetivos de interesse geral que visam garantir o equilíbrio da repartição dos direitos de tributação entre os Estados-Membros, uma cobrança eficaz do imposto e a coerência do regime fiscal espanhol.

    29

    No que respeita à preservação do equilíbrio da repartição do poder de tributação, o Reino de Espanha considera que o acórdão N, já referido, é pertinente para efeitos da análise da referida legislação, porquanto tal legislação prossegue objetivo igual ao da regulamentação neerlandesa em causa no processo que deu origem a esse acórdão.

    30

    Quanto à garantia da cobrança do imposto, esse Estado-Membro salienta que a legislação em causa visa evitar que seja diferida a tomada em conta de rendimentos já obtidos por contribuintes que, já não tendo a sua residência em Espanha, perdem deste modo qualquer laço com a Administração Fiscal espanhola.

    31

    O referido Estado-Membro recorda a este propósito, por um lado, a jurisprudência assente segundo a qual, em matéria de impostos diretos, a situação dos residentes e a dos não residentes não são, regra geral, comparáveis. Por outro lado, realça o facto de os contribuintes residentes estarem diretamente sujeitos ao controlo da Administração Fiscal do Estado-Membro em questão, o qual, assim, pode assegurar a cobrança coerciva do imposto. Em contrapartida, relativamente aos não residentes, a cobrança do imposto exige, em todo o caso, a assistência da Administração Fiscal desse Estado.

    32

    Nestas condições, é evidente que a perda por um contribuinte do estatuto de residente espanhol acarreta, para a Administração espanhola, limitações de ordem jurídica e factual que tornam difícil ou que impedem a liquidação das dívidas fiscais assim como o exercício dos poderes que esta Administração detém em matéria de cobrança.

    33

    Neste contexto, o Reino de Espanha alega que os mecanismos internos e os mecanismos de cooperação da União não se situam no mesmo plano. Assim, não é possível negar que possa estar justificada uma disposição que visa precisamente eliminar as principais dificuldades de cobrança no caso de o devedor ser um contribuinte não residente, mesmo quando seja possível recorrer a um mecanismo de cooperação. Além disso, esse Estado-Membro, apoiado, nomeadamente, pela República Federal da Alemanha, alega que esta posição foi admitida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Truck Center, já referido.

    34

    No que respeita à argumentação baseada no objetivo que visa garantir a coerência do sistema fiscal, o Reino de Espanha, apoiado nomeadamente neste ponto pela República Portuguesa, considera que a perda, pelo contribuinte que transfere a sua residência para o estrangeiro, dos laços com a Administração Fiscal nacional justifica que lhe seja aplicada uma legislação diferente e que seja eliminada a vantagem que constitui o pagamento diferido do imposto.

    35

    Em terceiro lugar, o Reino de Espanha, apoiado pela República Federal da Alemanha e pela República Portuguesa, considera que a legislação em causa é proporcionada à realização dos objetivos prosseguidos, dado que as Diretivas 76/308, 77/799 e 2008/55 se revelaram notoriamente insuficientes para garantir a eficácia do sistema fiscal, como foi já reconhecido por diversas vezes, nomeadamente nos trabalhos preparatórios de atos legislativos, não apenas pela Comissão mas igualmente pelo Comité Económico e Social Europeu e pelo Conselho da União Europeia. Assim, estas instituições admitiram que os instrumentos de assistência mútua existentes são deficientes e requerem uma profunda reforma.

    36

    O Governo espanhol, com base na Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu, intitulada «Tributação à saída e necessidade de coordenação das políticas fiscais dos Estados-Membros», de 19 de dezembro de 2006 [COM(2006) 825 final], e na Resolução do Conselho, de 2 de dezembro de 2008, sobre a coordenação em matéria de tributação à saída (JO C 323, p. 1), alega que, uma vez que é fraca, ou mesmo inexistente, a probabilidade de se chegar a cobrar as dívidas fiscais de um contribuinte que tenha transferido a sua residência para fora de Espanha através do sistema de assistência mútua existente, tal cobrança acarreta custos administrativos manifestamente desproporcionados.

    37

    O Reino de Espanha contesta a existência de meios menos restritivos do que os instituídos pela legislação nacional em causa. Na verdade, a posição adotada pela Comissão reconhece ao Estado-Membro de saída um direito de tributação, mas priva-o de mecanismos eficazes que possibilitem a realização da cobrança do imposto.

    38

    A República Federal da Alemanha refere, em primeiro lugar, que a legislação em causa não se prende direta nem indiretamente com a nacionalidade do contribuinte. Com efeito, não estabelecendo esta legislação qualquer distinção entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, a transferência da residência para outro Estado-Membro constitui a única distinção operada. Embora não esteja excluído que tal legislação possa ter uma incidência no exercício dos direitos consagrados pelas liberdades fundamentais invocadas no presente processo, as restrições eventualmente induzidas por esta legislação são limitadas, porquanto esta última respeita unicamente à tributação de rendimentos já realizados e a dívida fiscal daí resultante corresponde a uma quantia que o devedor já recebeu.

    39

    Em segundo lugar, considerando que as limitadas restrições às liberdades fundamentais estão, em todo o caso, justificadas, a República Federal da Alemanha considera, no tocante ao argumento relativo à necessidade de assegurar a eficácia da cobrança do imposto, que o acórdão FKP Scorpio Konzertproduktionen, já referido, é aplicável no caso vertente.

    40

    Apesar de o Tribunal de Justiça ter constatado, no acórdão N, já referido, que havia que recorrer à assistência mútua administrativa prevista pelas Diretivas 76/308 e 77/799, esse Estado-Membro considera que a primazia da assistência mútua só pode ser invocada quando exista uma comparável faculdade de cobrança, o que não se verifica no presente caso, e que tal recurso está excluído quando a possibilidade de pôr em prática tal assistência só exista de modo teórico.

    41

    Neste contexto, a República Federal da Alemanha refuta a argumentação da Comissão segundo a qual as dificuldades existentes são imputáveis a carências dos Estados-Membros na transposição, designadamente, da Diretiva 76/308, sustentando a Comissão em princípio, segundo a República Federal da Alemanha, uma obrigação incondicional dos Estados-Membros de recorrerem aos instrumentos da União. Porém, o Tribunal de Justiça declarou já, no acórdão de 27 de janeiro de 2009, Persche (C-318/07, Colet., p. I-359), que os Estados-Membros não estão obrigados a recorrer aos mecanismos da União quando tal diligência não lhes pareça suscetível de ser coroada de êxito.

    42

    A República Federal da Alemanha alega ainda que a renúncia à legislação nacional em causa pode eventualmente permitir que o contribuinte escape totalmente a qualquer tributação. É esse o caso a fortiori se o contribuinte tiver transferido a sua residência para um Estado terceiro, visto que os instrumentos legislativos da União não se aplicam nesse caso. A referida legislação deve, por conseguinte, ser mantida para garantir a eficácia da cobrança do imposto.

    43

    O Reino dos Países Baixos, que subscreve o conjunto dos argumentos invocados pelo Reino de Espanha, considera, além disso, que a Comissão não demonstrou de modo bastante que a legislação em causa é contrária aos artigos 28.° e 31.° do Acordo EEE.

    44

    O Reino dos Países Baixos alega, a este respeito, que, tendo em conta os dispositivos de assistência mútua previstos pelas Diretivas 76/308, 77/799 e 2008/55, é inoperante o argumento da Comissão segundo o qual as autoridades espanholas dispõem de medidas menos restritivas a fim de garantir a eficácia do sistema fiscal com o recurso a esses dispositivos, na medida em que estas diretivas não são aplicáveis aos Estados partes no Acordo EEE que não tenham a qualidade de membros da União.

    45

    Não tendo o Reino de Espanha celebrado com o Reino da Noruega, nem com a República da Islândia ou o Principado do Liechtenstein, um tratado bilateral que preveja uma assistência mútua para o recebimento ou a cobrança dos impostos em caso de transferência da residência do contribuinte para um desses Estados, as autoridades espanholas não dispõem de nenhum meio que lhes permita estabelecer uma cooperação efetiva com as autoridades dos referidos Estados. Por conseguinte, não estando o Reino de Espanha em condições de poder tomar as medidas destinadas à cobrança das dívidas fiscais no caso de o contribuinte em questão não as ter voluntariamente pagado, não é possível contestar o caráter proporcional da medida fiscal em causa.

    46

    A República Portuguesa, por um lado, acrescenta que o presente processo deve ser analisado à luz dos princípios decorrentes do acórdão N, já referido, e, por outro, no tocante à justificação relativa à necessidade de garantir uma cobrança eficaz do imposto, contesta a aplicação, no caso vertente, da jurisprudência segundo a qual os Estados-Membros podem exigir que um contribuinte que solicita uma vantagem fiscal forneça os justificativos pertinentes, de modo a poder proceder às necessárias verificações, visto que o processo em apreço não tem por objeto a atribuição de tal vantagem.

    Apreciação do Tribunal

    47

    A título liminar, importa recordar que, de acordo com jurisprudência assente, embora, na atual fase de desenvolvimento do direito da União, a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (v., designadamente, acórdãos de 20 de janeiro de 2011, Comissão/Grécia, C-155/09, Colet., p. I-65, n.o 39; de 16 de junho de 2011, Comissão/Áustria, C-10/10, Colet., p. I-5389, n.o 23; e de 1 de dezembro de 2011, Comissão/Bélgica, C-250/08, Colet., p. I-12341, n.o 33, e Comissão/Hungria, C-253/09, Colet., p. I-12391, n.o 42).

    48

    Importa, pois, examinar se a legislação nacional em causa, relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, que obriga a que os contribuintes que transfiram a sua residência para o estrangeiro incluam todos os rendimentos não imputados na base tributável do último exercício fiscal a respeito do qual tenham sido considerados contribuintes residentes, constitui uma restrição às liberdades de circulação das pessoas consagradas nos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE, bem como nos artigos 28.° e 31.° do Acordo EEE.

    Quanto às alegações relativas à violação das disposições do Tratado

    49

    No respeitante às alegações relativas à violação dos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE, importa recordar que o artigo 18.o CE, que enuncia de modo genérico o direito de qualquer cidadão da União de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, tem expressão específica nos artigos 39.° CE, no que diz respeito à livre circulação de trabalhadores, e 43.° CE, no que respeita à liberdade de estabelecimento (v. acórdãos de 17 de janeiro de 2008, Comissão/Alemanha, C-152/05, Colet., p. I-39, n.o 18; Comissão/Grécia, já referido, n.o 41; e Comissão/Hungria, já referido, n.o 44).

    50

    Portanto, há que examinar o regime fiscal em causa à luz dos artigos 39.° CE e 43.° CE antes de o examinar à luz do artigo 18.o CE, no que diz respeito às pessoas que se deslocam de um Estado-Membro para outro com o objetivo de aí se instalarem por razões não relacionadas com o exercício de uma atividade económica.

    — Quanto à existência de restrições aos artigos 39.° CE e 43.° CE

    51

    Todas as disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas visam facilitar aos nacionais da União o exercício de atividades profissionais de qualquer natureza em todo o território desta e opõem-se a medidas que possam desfavorecer esses nacionais quando desejem exercer uma atividade económica no território de outro Estado-Membro (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Alemanha, n.o 21; Comissão/Grécia, n.o 43; e Comissão/Hungria, n.o 46).

    52

    Embora, segundo a sua letra, estas disposições visem assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, importa constatar que, neste contexto, os nacionais dos Estados-Membros dispõem, em especial, do direito, que lhes é diretamente conferido pelo Tratado, de deixarem o seu país de origem a fim de se deslocarem para o território de outro Estado-Membro e de nele permanecerem para aí exercerem uma atividade económica (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C-415/93, Colet., p. I-4921, n.o 95, e de 1 de abril de 2008, Gouvernement de la Communauté française e gouvernement wallon, C-212/06, Colet., p. I-1683, n.o 44).

    53

    Disposições que impedem ou dissuadem um nacional de um Estado-Membro de deixar o seu país de origem para exercer o seu direito de livre circulação constituem, assim, entraves a essa liberdade, mesmo que se apliquem independentemente da nacionalidade dos trabalhadores em causa (v., designadamente, acórdão de 11 de setembro de 2007, Comissão/Alemanha, C-318/05, Colet., p. I-6957, n.o 115).

    54

    Acresce que é igualmente jurisprudência assente que devem ser consideradas restrições à livre circulação das pessoas todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade (v., no respeitante à liberdade de estabelecimento, acórdãos de 5 de outubro de 2004, CaixaBank France, C-442/02, Colet., p. I-8961, n.o 11, e de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus, C-371/10, Colet., p. I-12273, n.o 36).

    55

    Portanto, há que constatar que, contrariamente ao que alegam a República Federal da Alemanha e a República Portuguesa, uma restrição à livre circulação das pessoas, ainda que de fraco alcance ou de importância menor, é proibida pelos artigos 39.° CE e 43.° CE (v., no respeitante à liberdade de estabelecimento, acórdãos de 28 de janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, Colet., p. 273, n.o 21; de 15 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C-34/98, Colet., p. I-995, n.o 49; e de Lasteyrie du Saillant, já referido, n.o 43).

    56

    No caso em apreço, embora o artigo 14.o, n.o 3, da Lei 35/2006 não proíba a um contribuinte domiciliado em Espanha o exercício do seu direito à livre circulação, esta disposição é, contudo, suscetível de restringir o exercício deste direito, tendo, pelo menos, um efeito dissuasivo relativamente aos contribuintes que pretendam instalar-se noutro Estado-Membro.

    57

    Com efeito, por força da legislação nacional em causa, a transferência do domicílio para fora do território espanhol, no quadro do exercício dos direitos que garantem os artigos 39.° CE e 43.° CE, acarreta a obrigação, para o contribuinte, de pagar o imposto antes de a tal estarem obrigados os contribuintes que continuem a residir em Espanha. Esta diferença de tratamento é de molde a desfavorecer, no plano financeiro, as pessoas que transfiram a sua residência para o estrangeiro, prevendo a inclusão, na base tributável do último exercício no decurso do qual estas pessoas eram residentes, dos rendimentos que não foram ainda objeto de imputação (v., por analogia, acórdãos, já referidos, de Lasteyrie du Saillant, n.o 46, e N, n.o 35).

    58

    Na verdade, como expõem o Reino de Espanha, a República Federal da Alemanha, o Reino dos Países Baixos e a República Portuguesa, a legislação espanhola em causa diz unicamente respeito à tributação de rendimentos já realizados e fiscalmente apreendidos. Consequentemente, o devedor fiscal não é sujeito a um imposto suplementar no momento da transferência da sua residência. É unicamente privado de uma vantagem que facilita o pagamento desta dívida.

    59

    Todavia, não se pode negar que a exclusão desta vantagem constitui uma manifesta desvantagem em termos de tesouraria. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou já por diversas vezes que a exclusão de uma vantagem de tesouraria numa situação transfronteiriça, quando essa vantagem era concedida numa situação equivalente no território nacional, constituía uma restrição à liberdade de estabelecimento (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.os 44, 54 e 76; de 21 de novembro de 2002, X e Y, C-436/00, Colet., p. I-10829, n.os 36 a 38; de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer, C-446/03, Colet., p. I-10837, n.o 32; e de 29 de março de 2007, Rewe Zentralfinanz, C-347/04, Colet., p. I-2647, n.o 29).

    60

    Ora, no caso vertente, a diferença de tratamento assim verificada não se explica por uma diferença da situação objetiva. Com efeito, relativamente à legislação de um Estado-Membro que visa tributar os rendimentos obtidos, a situação de uma pessoa que transfere a sua residência para outro Estado-Membro é semelhante à de uma pessoa que mantém a sua residência no primeiro Estado-Membro, no que respeita à tributação dos rendimentos já realizados nesse Estado-Membro antes da transferência de domicílio (v., por analogia, acórdão National Grid Indus, já referido, n.o 38).

    61

    Por conseguinte, impõe-se constatar que a medida em causa no processo principal é suscetível de entravar o exercício das liberdades consagradas nos artigos 39.° CE e 43.° CE.

    — Quanto à justificação das restrições

    62

    Resulta de jurisprudência assente que as medidas nacionais suscetíveis de criar obstáculos ou de tornar menos atrativo o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado podem, contudo, ser admitidas se prosseguirem um objetivo de interesse geral, se forem adequadas a garantir a sua realização e se não ultrapassarem o necessário para o atingir (v., designadamente, acórdãos, já referidos, de 17 de janeiro de 2008, Comissão/Alemanha, n.o 26; Comissão/Grécia, n.o 51; Comissão/Hungria, n.o 69; e National Grid Indus, n.o 42).

    63

    Importa, pois, examinar se a diferença de tratamento resultante da legislação em causa, entre as pessoas que pretendam transferir a sua residência para outro Estado-Membro e as que permanecem em Espanha, pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, como as invocadas pelo Reino de Espanha e os Estados-Membros que intervieram em apoio dos seus pedidos, a saber, a cobrança eficaz dos créditos fiscais, a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros e a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal.

    64

    No respeitante à justificação relativa à necessidade de garantir uma cobrança eficaz da dívida fiscal, importa constatar, a título liminar, que o Tribunal de Justiça reconheceu que esta necessidade podia justificar uma restrição às liberdades fundamentais (v., neste sentido, acórdão FKP Scorpio Konzertproduktionen, já referido, n.o 35).

    65

    A este respeito, o Reino de Espanha alega que a legislação em causa visa evitar o diferimento da tomada em conta de rendimentos já obtidos pelos contribuintes que, deixando de residir no território nacional, perdem por este facto qualquer laço com a Administração Fiscal desse Estado-Membro, o que torna difícil ou impede, tanto por razões jurídicas como factuais, a cobrança do imposto. Em numerosos casos, a localização do devedor do imposto é muito difícil. Além disso, o Reino de Espanha contesta a alegação da Comissão segundo a qual os contribuintes que não residem em Espanha recebem frequentemente rendimentos ou possuem uma parte significativa do seu património nesse Estado-Membro.

    66

    Consequentemente, segundo esse Estado-Membro, a legislação em causa é proporcionada ao objetivo prosseguido, uma vez que os instrumentos de cooperação administrativa e de assistência mútua entre os Estados-Membros da União se revelaram notoriamente insuficientes para garantir a eficácia do sistema fiscal.

    67

    A Comissão admite que a cobrança imediata da dívida fiscal, no momento da transferência da residência do contribuinte para outro Estado-Membro, pode, em princípio, ser justificada pelo motivo de interesse geral assente na necessidade de assegurar uma cobrança eficaz das dívidas fiscais. Todavia, considera que esta medida vai além do que é necessário para atingir este objetivo e que deve, pois, ser considerada desproporcionada, uma vez que os Estados-Membros podem recorrer aos mecanismos previstos pelas Diretivas 76/308, 77/799 e 2008/55.

    68

    A este respeito, impõe-se constatar que, contrariamente ao que alegam o Reino de Espanha, a República Federal da Alemanha, o Reino dos Países Baixos e a República Portuguesa, os mecanismos de cooperação existentes entre as autoridades dos Estados-Membros a nível da União são suficientes para permitir ao Estado-Membro de origem efetuar uma cobrança da dívida fiscal noutro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdão National Grid Indus, já referido, n.o 78).

    69

    Para este efeito, cumpre recordar que, se a dívida fiscal estiver definitivamente determinada no momento em que o contribuinte transfere a sua residência para outro Estado-Membro, a assistência requerida do Estado-Membro de acolhimento diz unicamente respeito à sua cobrança e não à determinação definitiva do montante da tributação.

    70

    Ora, o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2008/55 dispõe que, «[a] pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida comunicar-lhe-á as informações que forem úteis para a cobrança de um crédito». Assim, esta diretiva permite que o Estado-Membro de origem obtenha da autoridade competente do Estado-Membro de acolhimento as informações relativas à transferência da residência de uma pessoa singular para este último Estado-Membro, na medida em que sejam necessárias para permitir ao Estado-Membro de origem cobrar um crédito fiscal que já existia no momento da referida transferência.

    71

    Por outro lado, a referida diretiva, nomeadamente nos seus artigos 5.° a 9.°, oferece às autoridades do Estado-Membro de origem um quadro de cooperação e de assistência que prevê igualmente o reconhecimento de títulos e a adoção de medidas cautelares que possibilitem seguidamente a cobrança efetiva do crédito fiscal no Estado-Membro de acolhimento (v., neste sentido, acórdão National Grid Indus, já referido, n.o 78).

    72

    Há igualmente que constatar, a este respeito, que não está excluído que os instrumentos de cooperação acima mencionados nem sempre funcionem de forma satisfatória e sem entraves na prática. Porém, os Estados-Membros não se podem basear nas eventuais dificuldades encontradas para colher as informações necessárias ou nas deficiências que podem surgir na cooperação entre as respetivas Administrações Fiscais para justificarem uma restrição às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão de 4 de março de 2004, Comissão/França, C-334/02, Colet., p. I-2229, n.o 33).

    73

    Neste contexto, os Estados-Membros que intervieram em apoio dos pedidos do Reino de Espanha remetem para o acórdão Truck Center, já referido, no qual o Tribunal de Justiça, no atinente à possibilidade de cobrança forçada, aprovou a aplicação aos contribuintes não residentes de uma técnica de tributação diversa da aplicada aos contribuintes residentes, ou seja, a tributação na fonte.

    74

    Mesmo admitindo que a cobrança transfronteiriça de uma dívida fiscal seja normalmente mais difícil do que cobrança forçada efetuada no território nacional, impõe-se constatar que, no presente processo, a questão que se coloca não é a de uma simples técnica de cobrança, mas a de saber se a obrigação imposta aos contribuintes que pretendam transferir a sua residência para outro Estado-Membro, de pagarem imediatamente e definitivamente, em razão apenas desta transferência, um imposto sobre os rendimentos já obtidos, cujo montante foi já determinado, não excede o que é necessário para atingir o objetivo prosseguido, sendo certo que os contribuintes que permanecem no território nacional não estão sujeitos a tal obrigação.

    75

    Por conseguinte, decorre do exposto que o artigo 14.o, n.o 3, da Lei 35/2006, que obriga a que os contribuintes que transfiram a sua residência para o estrangeiro incluam todos os rendimentos não imputados na base tributável do último exercício fiscal relativamente ao qual tenham sido considerados contribuintes residentes, é desproporcionado.

    76

    No tocante à justificação da legislação em causa pelo objetivo de interesse geral que visa assegurar a repartição do poder de tributação entre os Estados-Membros, importa recordar que este constitui um objetivo legítimo reconhecido pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdãos Marks & Spencer, já referido, n.o 45; N, já referido, n.o 42; de 18 de julho de 2007, Oy AA, C-231/05, Colet., p. I-6373, n.o 51; de 15 de maio de 2008, Lidl Belgium, C-414/06, Colet., p. I-3601, n.o 31; e National Grid Indus, já referido, n.o 45).

    77

    Resulta igualmente de jurisprudência assente que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização da União, os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder tributário de modo a, nomeadamente, eliminarem a dupla tributação (acórdão de 19 de novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, Colet., p. I-10983, n.o 29 e jurisprudência referida, e National Grid Indus, já referido, n.o 45). É possível admitir tal justificação, nomeadamente, a partir do momento em que o regime em causa vise a prevenção de comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado-Membro de exercer a sua competência fiscal a respeito das atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, designadamente, acórdãos, já referidos, Marks & Spencer, n.o 46; Rewe Zentralfinanz, n.o 42; e National Grid Indus, já referido, n.o 46).

    78

    A este propósito, cumpre recordar que o Tribunal de Justiça também declarou já, no que respeita à transferência da sede da direção efetiva de uma sociedade de um Estado-Membro para outro Estado-Membro, que esta circunstância não pode significar que o Estado-Membro de origem deva renunciar ao seu direito de tributar uma mais-valia surgida no âmbito da sua competência fiscal antes da referida transferência (v., designadamente, acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, Colet., p. I-11673, n.o 59, e National Grid Indus, já referido, n.o 46). Assim, o Tribunal de Justiça decidiu já que, em conformidade com o princípio da territorialidade fiscal, associado a um elemento temporal, a saber, a residência fiscal do contribuinte no território nacional durante o período em que as mais-valias latentes surgiram, um Estado-Membro pode tributar as referidas mais-valias no momento em que aquele emigra (v. acórdãos, já referidos, N, n.o 46, e National Grid Indus, n.o 46).

    79

    Por maioria de razão, estas mesmas considerações podem ser aplicadas no presente processo, uma vez que a legislação em causa visa a tributação de rendimentos já obtidos e não de mais-valias latentes. Com efeito, o Reino de Espanha não perde, por ocasião da transferência da residência de um contribuinte para outro Estado-Membro, o poder de exercer a sua competência fiscal a respeito de atividades já realizadas no seu território e, consequentemente, não está obrigado a renunciar ao seu direito de determinar o montante do imposto correspondente.

    80

    Importa recordar, a este respeito, que a referida legislação visa sujeitar a imposto, no Estado-Membro de origem, os rendimentos realizados, abrangidos pela competência fiscal desse Estado-Membro, antes da referida transferência de residência. Assim, estes rendimentos são tributados no Estado-Membro no qual foram realizados, sendo os rendimentos obtidos após a transferência da sede do contribuinte, em princípio, exclusivamente tributados mo Estado-Membro de acolhimento onde são realizados.

    81

    Visto que, no caso vertente, não está em causa a determinação da dívida fiscal no momento da transferência da residência, mas a sua cobrança imediata, o Reino de Espanha não demonstrou que, na inexistência de conflito entre as competências fiscais do Estado de saída e as do Estado de acolhimento, fique confrontado com um problema de dupla tributação ou com uma situação na qual os contribuintes em questão escapam totalmente ao imposto, o que poderia justificar a aplicação de uma medida como a em causa, a fim de prosseguir o objetivo que visa assegurar a repartição equilibrada dos poderes de tributação.

    82

    Nestas condições, a justificação da legislação em causa pela necessidade de preservar a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros não pode ser acolhida.

    83

    No que respeita à justificação desta legislação pela necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal nacional, o Reino de Espanha alega, nomeadamente, que a referida legislação é indispensável para garantir esta coerência, porquanto a possibilidade de diferir o pagamento do imposto correspondente a rendimentos já obtidos é concedida com base na garantia de pagamento que constitui, para a Administração Fiscal, o facto de o contribuinte residir no território espanhol e estar, por conseguinte, sujeito de modo direto e efetivo ao poder desta Administração. O desaparecimento desta sujeição direta e efetiva justifica a perda da vantagem fiscal que constitui a possibilidade de diferir o pagamento do imposto.

    84

    Na verdade, o Tribunal de Justiça já declarou que a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal pode justificar uma regulamentação suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 28 de janeiro de 1992, Bachmann, C-204/90, Colet., p. I-249, n.o 21; de 23 de outubro de 2008, Krankenheim Ruhesitz am Wannsee-Seniorenheimstatt, C-157/07, Colet., p. I-8061, n.o 43; e Comissão/Hungria, já referido, n.o 70).

    85

    Todavia, para que um argumento baseado numa justificação dessa natureza possa vingar, é necessário que se demonstre a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de determinado tributo (v., designadamente, acórdãos de 7 de setembro de 2004, Manninen, C-319/02, Colet., p. I-7477, n.o 42; de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C-524/04, Colet., p. I-2107, n.o 68; e Comissão/Hungria, já referido, n.o 72), devendo o caráter direto deste nexo ser apreciado atendendo ao objetivo prosseguido com a regulamentação em causa (v., designadamente, acórdão Manninen, já referido, n.o 43).

    86

    A este propósito, impõe-se constatar, em primeiro lugar, que, uma vez que os requisitos da coerência do regime fiscal e da repartição equilibrada do poder de tributação se sobrepõem, as considerações expostas no n.o 81 do presente acórdão, segundo as quais, no caso vertente, não há nenhum outro Estado-Membro que pretenda beneficiar da competência que lhe permitiria tributar os rendimentos obtidos em Espanha, são igualmente pertinentes no que respeita à necessidade de preservar esta coerência, pelo que é inoperante o argumento baseado na referida necessidade.

    87

    Em segundo lugar, há que referir que o Reino de Espanha se limita a invocar a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal, mas não demonstra a existência de um nexo direto, na legislação nacional em causa, entre, por um lado, a vantagem fiscal constituída pela possibilidade de imputar os rendimentos a vários períodos de tributação e, por outro, a compensação desta vantagem através de um qualquer encargo fiscal.

    88

    Nestas condições, a justificação da referida legislação com a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal nacional não pode ser acolhida.

    89

    Há, além disso, que constatar que o Reino de Espanha assim como os Estados-Membros que intervieram em apoio dos seus pedidos invocam também, no essencial, a mesma argumentação, baseada no caráter proporcional da referida legislação, igualmente a respeito dos objetivos que visam assegurar a coerência do sistema fiscal e a repartição equilibrada do poder de tributação, devido, segundo esses Estados-Membros, à insuficiência dos instrumentos de cooperação previstos pelo direito da União.

    90

    Assim, mesmo admitindo que a legislação nacional em causa seja adequada para atingir estes objetivos, importa constatar que, no que respeita à sua proporcionalidade, as considerações expostas nos n.os 68 a 74 do presente acórdão no tocante à justificação da necessidade de assegurar uma cobrança eficaz do imposto são igualmente pertinentes quanto à alegada necessidade de assegurar a coerência do sistema fiscal e a repartição equilibrada do poder de tributação, pelo que, em todo o caso, a referida legislação vai além do que é necessário para efeitos da realização dos referidos objetivos.

    — Quanto à existência de uma restrição ao artigo 18.o CE

    91

    No respeitante à invocada existência de uma restrição ao artigo 18.o CE, há que constatar que não se pode validamente negar que a exclusão das pessoas que pretendem deslocar-se no interior da União, por razões não atinentes com o exercício de uma atividade económica, do benefício da vantagem de tesouraria em causa pode, em determinados casos, dissuadir essas pessoas do exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo referido artigo 18.o CE.

    92

    Todavia, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esta restrição pode ser justificada à luz do direito da União, se se basear em considerações objetivas de interesse geral, independentes da nacionalidade das pessoas interessadas, e se for proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (v. acórdãos de 23 de outubro de 2007, Morgan e Bucher, C-11/06 e C-12/06, Colet., p. I-9161, n.o 33, e Comissão/Hungria, já referido, n.o 88).

    93

    A este respeito, há que salientar que a mesma conclusão a que se chegou nos n.os 51 a 88 do presente acórdão no que respeita à existência e à justificação de restrições aos artigos 39.° CE e 43.° CE se impõe por identidade de razões (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de 17 de janeiro de 2008, Comissão/Alemanha, n.o 30; Comissão/Grécia, n.o 60; e Comissão/Hungria, n.o 89).

    Quanto às alegações relativas à violação das disposições do Acordo EEE

    94

    A Comissão alega igualmente que, ao adotar e manter em vigor o artigo 14.o, n.o 3, da Lei 35/2006, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 28.° e 31.° do Acordo EEE, relativos, respetivamente, à liberdade de circulação de trabalhadores e à liberdade de estabelecimento.

    95

    A título liminar, há que referir que as ditas disposições do Acordo EEE são análogas às dos artigos 39.° CE e 43.° CE, pelo que as considerações enunciadas no que respeita a estes artigos nos n.os 51 a 64 do presente acórdão se aplicam igualmente, em princípio, aos correspondentes artigos do Acordo EEE.

    96

    Todavia, no respeitante à justificação baseada na necessidade de garantir uma cobrança eficaz da dívida fiscal, impõe-se constatar que o quadro de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados-Membros previsto pelas Diretivas 76/308, 77/799 e 2008/55 não existe entre estas autoridades e as autoridades de um Estado terceiro quando este último não tenha assumido nenhum compromisso de assistência mútua (v., designadamente, acórdão de 5 de maio de 2011, Comissão/Portugal, C-267/09, Colet., p. I-3197, n.o 55).

    97

    A este respeito, há que constatar que o Reino de Espanha alega não ter celebrado tratados bilaterais que prevejam uma assistência mútua para o recebimento ou a cobrança dos impostos com o Reino da Noruega, ou ainda com a República da Islândia ou o Principado do Liechtenstein. Consequentemente, em caso de transferência da residência de um contribuinte para um desses Estados partes no Acordo EEE, não se afigura que as autoridades espanholas disponham dos meios que lhes permitam beneficiar de uma cooperação efetiva com as autoridades dos referidos Estados.

    98

    Por outro lado, a Comissão, limitando-se, nas suas observações apresentadas em resposta às alegações de intervenção da República Federal da Alemanha, do Reino dos Países Baixos e da República Portuguesa, a remeter de um modo muito geral para as convenções que vinculam o Reino de Espanha aos Estados partes no Acordo EEE que não tenham a qualidade de Estado-Membro da União, não demonstrou que essas convenções preveem efetivamente mecanismos de troca de informações que bastem para efeitos da verificação e controlo das declarações apresentadas por sujeitos passivos residentes nesses Estados.

    99

    Nestas condições, deve considerar-se que a obrigação imposta aos contribuintes que transfiram a sua residência para o estrangeiro, de incluírem todos os rendimentos não imputados na base tributável do último exercício fiscal durante o qual tenham sido considerados contribuintes residentes, na medida em que visa os contribuintes residentes nos Estados partes no Acordo EEE que não tenham a qualidade de Estado-Membro da União, não vai além do necessário para atingir o objetivo que visa garantir a eficácia dos controlos fiscais e do combate à evasão fiscal.

    100

    Por conseguinte, há que julgar a ação improcedente no que respeita à violação, pelo Reino de Espanha, das obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 28.° e 31.° do Acordo EEE.

    101

    Nestas condições, há que declarar que, ao adotar e manter em vigor no artigo 14.o, n.o 3, da Lei 35/2006 uma disposição que obriga a que os contribuintes que transfiram a sua residência para outro Estado-Membro incluam todos os rendimentos não imputados na base tributável do último exercício fiscal durante o qual tenham sido considerados contribuintes residentes, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE.

    Quanto às despesas

    102

    Nos termos do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 3, do mesmo regulamento, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou perante circunstâncias excecionais, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

    103

    No presente litígio, deve atender-se a que não foram acolhidas as alegações da Comissão relativas à inobservância das exigências resultantes dos artigos 28.° e 31.° do Acordo EEE.

    104

    Por conseguinte, há que condenar o Reino de Espanha a suportar três quartos das despesas, sendo a Comissão condenada a suportar o quarto restante.

    105

    Nos termos do artigo 69.o, n.o 4, primeiro parágrafo, deste mesmo regulamento, os Estados-Membros que intervierem no litígio suportarão as suas próprias despesas. A República Federal da Alemanha, o Reino dos Países Baixos e a República Portuguesa suportarão, por isso, as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    Ao adotar e manter em vigor no artigo 14.o, n.o 3, da Lei 35/2006 relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e que altera parcialmente as leis relativas ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, sobre o rendimento dos não residentes e sobre o património (Ley 35/2006 del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas y de modificación parcial de las leyes de los Impuestos sobre Sociedades, sobre la Renta de no residentes y sobre el Patrimonio), de 28 de novembro de 2006, uma disposição que obriga a que os contribuintes que transfiram a sua residência para outro Estado-Membro incluam todos os rendimentos não imputados na base tributável do último exercício fiscal durante o qual tenham sido considerados contribuintes residentes, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE.

     

    2)

    A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

     

    3)

    O Reino de Espanha é condenado a suportar três quartos das despesas. A Comissão Europeia é condenada a suportar o quarto restante.

     

    4)

    A República Federal da Alemanha, o Reino dos Países Baixos e a República Portuguesa suportarão as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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