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Document 62009CJ0148

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 22 de Septembro de 2011.
    Reino da Bélgica contra Deutsche Post AG e DHL International.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral - Recurso de anulação - Auxílios de Estado - Artigo 88.º, n.º 3, CE - Regulamento (CE) n.º 659/1999 - Decisão da Comissão de não levantar objecções - Conceito de ‘dúvidas’ - Serviços de interesse económico geral.
    Processo C-148/09 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2011 I-08573

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:603

    Processo C‑148/09 P

    Reino da Bélgica

    contra

    Deutsche Post AG

    e

    DHL International

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral – Recurso de anulação – Auxílios de Estado – Artigo 88.°, n.° 3, CE – Regulamento (CE) n.° 659/1999 – Decisão da Comissão de não levantar objecções – Conceito de ‘dúvidas’ – Serviços de interesse económico geral»

    Sumário do acórdão

    1.        Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Decisão da Comissão que declara a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum sem dar início ao procedimento formal de investigação – Recurso dos interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE – Admissibilidade – Requisitos

    [Artigos 88.°, n.° 2, CE e 230.°, quarto parágrafo, CE; Regulamento n.° 659/1999 do Conselho, artigos 1.°, alínea h), 4.°, n.° 3, e 6.°, n.° 1]

    2.        Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Decisão da Comissão que declara a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum sem dar início ao procedimento formal de investigação – Recurso dos interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE – Identificação do objecto do recurso

    [Artigos 88.°, n.° 2, CE e 230.°, quarto parágrafo, CE; Regulamento n.° 659/1999 do Conselho, artigos 1.°, alínea h), 4.°, n.° 3, e 6.°, n.° 1]

    3.        Auxílios concedidos pelos Estados – Projectos de auxílios – Exame pela Comissão – Fase preliminar e fase contraditória – Compatibilidade de um auxílio com o mercado comum – Dificuldades de apreciação – Obrigação que incumbe à Comissão de abrir o procedimento contraditório – Conceito de dúvidas – Carácter objectivo

    (Artigo 88.°, n.° 2, CE; Regulamento n.° 659/1999 do Conselho, artigos 4.°, n.os 3, 4 e 5, e 6.°, n.° 1)

    1.        No domínio dos auxílios de Estado, a legalidade de uma decisão da Comissão de não levantar objecções, fundada no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 659/1999, que estabelece as regras de execução do artigo 88.° CE, depende da questão de saber se existem dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio com o mercado comum. Uma vez que tais dúvidas devem dar lugar à abertura de um procedimento formal de investigação no qual podem participar as partes interessadas referidas no artigo 1.°, alínea h), desse regulamento, deve considerar‑se que toda a parte interessada, na acepção desta última disposição, é directamente e individualmente afectada por tal decisão. Com efeito, os beneficiários das garantias processuais previstas no artigo 88.°, n.° 2, CE, e no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 não poderão vê‑las respeitadas a menos que tenham a possibilidade de impugnar a decisão de não levantar objecções perante o juiz da União.

    (cf. n.° 54)

    2.        No domínio dos auxílios de Estado, um recorrente que impugna a decisão da Comissão de não dar início ao procedimento formal de investigação pode invocar todos os fundamentos que demonstrem que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispôs, aquando da fase preliminar de análise da medida notificada, teria de suscitar dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. A utilização destes argumentos não pode ter por efeito alterar o objecto do recurso nem alterar os pressupostos da sua admissibilidade. Pelo contrário, a existência de dúvidas sobre essa compatibilidade é precisamente a prova que deve ser apresentada para demonstrar que a Comissão estava obrigada a abrir o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, e no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, que estabelece as regras de execução do artigo 88.° CE.

    Não cabe ao Tribunal da União interpretar o recurso de um recorrente que põe em causa exclusivamente o mérito de uma decisão de apreciação do auxílio enquanto tal, no sentido de que, na realidade, o referido recurso se destina a salvaguardar os direitos processuais conferidos ao recorrente pelos artigos 88.°, n.° 2, CE, e 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 quando este não tenha aduzido expressamente um fundamento para esse fim. Nesta hipótese, a interpretação do fundamento conduziria, de facto, a uma requalificação do objecto do recurso.

    (cf. n.os 55, 58)

    3.        Resulta do artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 659/1999, que estabelece as regras de execução do artigo 88.° CE, que, se a Comissão constatar, após a análise preliminar, que a medida em causa suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, deve adoptar uma decisão de abertura do procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, e no artigo 6.°, n.° 1, do referido regulamento.

    Como a noção de «dúvidas» a que se refere o artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 659/1999 tem carácter objectivo, a sua existência deve ser apreciada não só em função das circunstâncias da adopção do acto impugnado, mas também das apreciações em que a Comissão se baseou.

    Quanto à duração e às circunstâncias do procedimento de investigação preliminar, embora seja verdade que uma duração superior ao prazo de dois meses previsto no artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 659/1999 e que o número de pedidos de informações apresentados ao Estado‑Membro em causa não permitem, só por si, concluir que a Comissão deveria ter iniciado o procedimento formal de investigação, também é verdade que esses elementos podem constituir indícios de que a Comissão pode ter tido dúvidas acerca da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum.

    (cf. n.os 77, 79, 81)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    22 de Setembro de 2011 (*)

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral – Recurso de anulação – Auxílios de Estado – Artigo 88.°, n.° 3, CE – Regulamento (CE) n.° 659/1999 – Decisão da Comissão de não levantar objecções – Conceito de ‘dúvidas’ – Serviços de interesse económico geral»

    No processo C‑148/09 P,

    que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância (actual Tribunal Geral), interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 24 de Abril de 2009,

    Reino da Bélgica, representado por C. Pochet e T. Materne, na qualidade de agentes, assistidos por J. Meyers, advocaat,

    recorrente,

    sendo as outras partes no processo:

    Deutsche Post AG, com sede em Bona (Alemanha), representada por T. Lübbig e J. Sedemund, Rechtsanwälte,

    DHL International, com sede em Diegem (Bélgica), representada por T. Lübbig e J. Sedemund, Rechtsanwälte,

    recorrentes em primeira instância,

    Comissão Europeia, representada por B. Martenczuk e D. Grespan, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrida em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Tizzano, presidente de secção, J.‑J. Kasel, A. Borg Barthet, E. Levits (relator) e M. Safjan, juízes,

    advogado‑geral: N. Jääskinen,

    secretário: B. Fülöp, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 7 de Setembro de 2010,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de Dezembro de 2010,

    profere o presente

    Acórdão

    1        Pelo presente recurso, o Governo belga, apoiado pela Comissão Europeia, pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância (actualmente Tribunal Geral) das Comunidades Europeias, de 10 de Fevereiro de 2009, Deutsche Post AG e DHL International/Comissão (T‑388/03, Colect., p. II‑199, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual o Tribunal anulou a decisão da Comissão, de 23 de Julho de 2003, de, na sequência de um procedimento preliminar de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 3, CE, não levantar objecções contra diversas medidas tomadas pelas autoridades belgas a favor da La Poste SA, empresa pública de correios belga [C(2003) 2508 final, a seguir «decisão controvertida»].

     Quadro jurídico

    2        Resulta do segundo considerando do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] do Tratado CE (JO L 83, p. 1), que este diploma visa codificar e reforçar a prática constante da Comissão na aplicação do artigo 88.° CE, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    3        O artigo 1.° desse regulamento determina:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    [...]

    h)      ‘Parte interessada’, qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afectados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações sectoriais.»

    4        O seu artigo 4.°, sob a epígrafe «Análise preliminar da notificação e decisões da Comissão», estabelece, nos seus n.os 2 a 4:

    «2.      Quando, após análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

    3.      Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado comum, na medida em que está abrangida pelo n.° 1 do artigo [87.°] CE, decidirá que essa medida é compatível com o mercado comum, adiante designada ‘decisão de não levantar objecções’. A decisão referirá expressamente a derrogação do Tratado que foi aplicada.

    4.      Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do n.° 2 do artigo [88.°] CE, adiante designada ‘decisão de início de um procedimento formal de investigação’.»

    5        Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999:

    «A decisão de dar início a um procedimento formal de investigação resumirá os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, incluirá uma apreciação preliminar da Comissão quanto à natureza de auxílio da medida proposta e indicará os elementos que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. A decisão incluirá um convite ao Estado‑Membro em causa e a outras partes interessadas para apresentarem as suas observações num prazo fixado, normalmente não superior a um mês. A Comissão pode prorrogar esse prazo em casos devidamente justificados.»

     Antecedentes do litígio

    6        A La Poste SA (a seguir «La Poste») foi transformada em sociedade anónima de direito público em 1992, mas continua a ser o operador do serviço postal universal na Bélgica e deve cumprir obrigações específicas de serviços de interesse económico geral (a seguir «SIEG»). As regras de compensação do custo líquido adicional dos SIEG são definidas no contrato de gestão celebrado com o Estado belga.

    7        O sector das encomendas urgentes representa 4% do volume de negócios da La Poste, o que corresponde a uma quota de mercado de 18% nesse sector. A Deutsche Post AG (a seguir «Deutsche Post») e a sua filial belga DHL International detêm, por seu lado, uma quota de 35% a 45% nesse mesmo mercado.

    8        Por carta de 3 de Dezembro de 2002, as autoridades belgas notificaram a Comissão de um projecto de aumento de capital da La Poste no montante de 297,5 milhões de euros.

    9        Em 22 de Julho de 2003, as recorrentes apresentaram à Comissão um pedido de informações acerca do estado do procedimento de investigação da medida notificada, a fim de eventualmente tomarem parte nele.

    10      Em 23 de Julho de 2003, por considerar que o aumento de capital notificado não constituía um auxílio de Estado, a Comissão, na sequência do procedimento preliminar de investigação previsto no artigo 88°, n.° 3, CE, adoptou a decisão recorrida.

     Tramitação do procedimento na Comissão e decisão controvertida

    11      Após três reuniões com as autoridades belgas e alguma troca de correspondência, a Comissão considerou que o aumento de capital notificado por essas autoridades era compatível com o mercado comum.

    12      Para chegar a esta conclusão, a Comissão, antes do mais, procedeu ao exame de seis medidas de que a La Poste havia beneficiado desde que se transformara em empresa pública autónoma, pois considerava que essas medidas condicionavam a legalidade do aumento de capital notificado.

    13      A primeira medida consistiu numa isenção do pagamento do imposto sobre as sociedades. Como a La Poste tinha tido uma perda líquida acumulada de 238,4 milhões de euros de 1992 a 2002, a Comissão considerou que essa isenção não implicou qualquer transferência de fundos estatais.

    14      A segunda medida consistiu na cessão, pelo Estado belga à La Poste, de imóveis necessários ao serviço público em troca da supressão de uma provisão para reformas no valor de 100 milhões de euros que a La Poste havia constituído. A Comissão considerou que esta medida não beneficiava aquela empresa pública.

    15      A terceira medida consistiu numa garantia do Estado relativamente aos empréstimos contraídos. A Comissão, tendo verificado que a La Poste nunca utilizara essa garantia, concluiu que não se tratava de um auxílio de Estado.

    16      A quarta medida consistiu numa isenção de imposto predial sobre os imóveis afectos a um serviço público. A Comissão considerou que essa medida podia constituir um auxílio de Estado.

    17      A quinta medida consistiu numa sobrecompensação dos serviços financeiros de interesse geral relativamente ao período 1992‑1997. A Comissão considerou que essa medida podia constituir um auxílio de Estado.

    18      A sexta medida consistiu em dois aumentos de capital, realizados em Março e em Dezembro de 1997, num montante total de 62 milhões de euros, e destinados a equilibrar uma compensação insuficiente dos SIEG. A Comissão considerou que essa medida podia constituir um auxílio de Estado.

    19      Quanto às quarta, quinta e sexta medidas não notificadas e à medida notificada, a Comissão entendeu que essas medidas, mesmo que se considere que incluem elementos de auxílio, são compatíveis com o mercado comum, nos termos do artigo 86.°, n.° 2, CE, pois não incluem uma sobrecompensação do custo adicional líquido dos SIEG.

    20      Por último, a Comissão veio indicar que a medida notificada, ou seja, o aumento de capital de 297,5 milhões de euros, tinha um valor inferior à subcompensação histórica do custo adicional líquido das actividades dos SIEG, pelo que não constituía um «auxílio de Estado» na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

     Tramitação do processo no Tribunal de Primeira Instância e o acórdão recorrido

    21      As recorrentes interpuseram um recurso de anulação da decisão controvertida com base em sete fundamentos. A Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade fundada na falta de legitimidade activa e na falta de interesse em agir das recorrentes.

    22      Por despacho de 15 de Dezembro de 2004, o Tribunal de Primeira Instância reservou para final a decisão sobre a questão prévia de inadmissibilidade.

    23      No que a esta respeita, o Tribunal de Primeira Instância procedeu ao exame sucessivo da legitimidade activa e do interesse em agir das recorrentes.

    24      Em primeiro lugar, referiu que, segundo jurisprudência constante, os beneficiários das garantias processuais previstas no artigo 88.°, n.° 2, CE, só podem ter a certeza de que aquelas serão respeitadas se tiverem a possibilidade de, perante o juiz da União, impugnarem a decisão da Comissão, tomada com base no n.° 3 do mesmo artigo, de declarar um auxílio compatível com o mercado comum sem iniciar o procedimento formal de investigação.

    25      No n.° 43 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que os beneficiários dessas garantias são os interessados, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, ou seja, em particular, as empresas concorrentes dos beneficiários desses auxílios.

    26      Recordando que, nesse contexto, a legitimidade só pode ser reconhecida quando as partes interessadas, através do recurso que interpõem, visam a protecção das suas garantias processuais e não quando ponham em causa a justeza de uma decisão tomada com base no artigo 88.°, n.° 3, CE, o Tribunal de Primeira Instância procedeu a uma análise dos fundamentos do recurso apresentados pelas recorrentes e chegou à conclusão de que eram de dois tipos.

    27      No que respeita aos fundamentos que põem em causa a justeza da decisão controvertida, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 49 do acórdão recorrido, que as recorrentes não lograram demonstrar que o auxílio objecto da decisão controvertida afectava substancialmente a sua situação concorrencial no mercado. Assim, entendeu que as recorrentes não tinham legitimidade para pôr em causa a justeza da decisão controvertida.

    28      No que respeita aos fundamentos relativos à protecção das suas garantias processuais, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 52 do acórdão recorrido, que as recorrentes, enquanto concorrentes directas da La Poste, possuem a qualidade de interessadas, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE. A este propósito, o Tribunal identificou, no n.° 55 do acórdão recorrido, o segundo fundamento como pondo explicitamente em causa a violação dos direitos processuais das recorrentes e considerou, no n.° 56 desse acórdão, que os terceiro, quarto, quinto e sétimo fundamentos forneciam elementos que sustentavam o segundo. Por conseguinte, concluiu que as recorrentes tinham legitimidade activa e que o segundo fundamento e os argumentos apresentados para o sustentar eram admissíveis.

    29      Em segundo lugar, aquele Tribunal entendeu, no n.° 62 do acórdão recorrido, que as recorrentes, na sua qualidade de interessadas, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, tinham interesse em obter a anulação da decisão controvertida, uma vez que essa anulação obrigava a Comissão a iniciar o procedimento formal de exame.

    30      Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento à questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão.

    31      Quanto ao mérito, depois de ter recordado que o conceito de dificuldades sérias, em presença das quais a Comissão deve, quando da apreciação de uma medida de auxílio, iniciar o procedimento formal de exame, tem natureza objectiva, o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 96 a 107 do acórdão recorrido, identificou os indícios que revelam a existência dessas dificuldades sérias quando da apreciação de uma medida de auxílio, ou seja, a duração e as circunstâncias da investigação, o carácter insuficiente e incompleto da investigação e o conteúdo da decisão controvertida.

    32      Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância começou por observar que tinham decorrido sete meses entre a notificação do auxílio e a tomada da decisão controvertida, ou seja, um período de tempo bem superior ao prazo de dois meses que o n.° 5 do artigo 4.° do Regulamento n.° 659/1999 prevê para a investigação preliminar.

    33      Em seguida, observou que durante o processo tinham tido lugar três reuniões entre as autoridades belgas e a Comissão e que também haviam sido apresentados diversos pedidos de informações, por ocasião dos quais a Comissão aproveitou para sublinhar a complexidade do processo e o vasto campo de investigação que lhe cumpria cobrir, sendo incontestado que a Comissão fez depender a compatibilidade da medida notificada da das seis medidas não notificadas.

    34      Por último, sublinhou, no n.° 103 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha hesitado, quanto à escolha da base jurídica da decisão controvertida, entre a fundada no artigo 87.° CE e a baseada no artigo 86.°, n.° 2, CE.

    35      Destes elementos o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 106 do acórdão recorrido, que o procedimento levado a cabo pela Comissão excedeu em muito o que normalmente implica um primeiro exame operado no âmbito do artigo 88.°, n.° 3, CE.

    36      Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância examinou se elementos relativos ao conteúdo da decisão controvertida também podiam constituir indícios de que a Comissão tinha deparado com dificuldades sérias no exame das medidas em causa.

    37      Neste contexto, observou, por um lado, que a investigação efectuada pela Comissão a respeito da segunda medida não notificada a favor da La Poste, isto é, a supressão da provisão para reformas, era insuficiente, na medida em que a Comissão não dispunha dos elementos necessários para avaliar o benefício obtido com a disponibilização gratuita de imóveis pelo Estado belga.

    38      Por outro lado, depois de ter recordado que, nos termos do n.° 45 do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, Colect., p. I‑7747), cuja prolação foi posterior à adopção da decisão controvertida, a Comissão devia determinar se os custos dos SIEG compensados pelo Estado eram equivalentes ou inferiores aos de uma empresa média bem gerida (critério do «benchmarking»), o Tribunal de Primeira Instância observou que essa determinação não foi efectuada. Concluiu, portanto, que o exame da medida notificada fora incompleto.

    39      Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão controvertida.

     Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    40      Na sua petição, o Reino da Bélgica, apoiado pela Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    –        anular o acórdão recorrido, e

    –        condenar a Deutsche Post e a DHL International nas despesas.

    41      A Deutsche Post e a DHL International concluem pedindo que o Tribunal se digne:

    –        julgar o recurso improcedente e

    –        condenar o Reino da Bélgica e a Comissão nas despesas.

    Quanto ao presente recurso

    42      O Reino da Bélgica apresenta três fundamentos em apoio do seu recurso, relativos, o primeiro, a uma errada qualificação das circunstâncias do presente caso, o segundo, a um erro de direito cometido pelo Tribunal de Primeira Instância e, o terceiro, a uma violação do princípio da segurança jurídica. A Comissão, que apoia o Reino da Bélgica, apresenta, para além destes, um fundamento autónomo em que alega que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 230.°, n.° 4, CE.

    43      De imediato, importa examinar os fundamentos por meio dos quais o Reino da Bélgica e a Comissão põem em causa a apreciação que o Tribunal de Primeira Instância fez acerca da admissibilidade do recurso que lhe foi submetido e de determinados fundamentos que acolheu.

     Quanto ao segundo fundamento do presente recurso e ao fundamento autónomo da Comissão

     Argumentos das partes

    44      O Reino da Bélgica alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao julgar admissíveis o quarto e o sétimo fundamentos do recurso, ainda que, com estes fundamentos, as recorrentes ponham em causa a justeza da decisão controvertida.

    45      Segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância violou o disposto no artigo 230.°, n.° 4, CE, ao declarar o recurso das recorrentes admissível por estas terem invocado o respeito das garantias processuais decorrentes do artigo 88.°, n.° 3, CE. Com efeito, esta pretensão não está incluída em nenhum dos fundamentos de recurso expostos pelas recorrentes, pelo que compete ao Tribunal de Justiça anular oficiosamente o acórdão impugnado com base neste fundamento.

    46      Além disto, ao proceder desta forma, o Tribunal de Primeira Instância julgou previamente a questão da legalidade do auxílio controvertido.

    47      A Deutsche Post e a DHL International alegam, a título preliminar, a inadmissibilidade do fundamento autónomo suscitado pela Comissão.

    48      Quanto ao mérito, alegam que o Tribunal de Primeira Instância se limitou a tomar em consideração o conjunto dos elementos pertinentes para apreciar a eventual presença de dificuldades sérias. Além disso, afirmam que a Comissão se enganou ao considerar que o fundamento relativo ao respeito dos direitos processuais não foi invocado em primeira instância. A este respeito, enumeram as diferentes passagens do seu pedido que evocam essa problemática.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    –       Admissibilidade do fundamento autónomo da Comissão

    49      A título preliminar, importa examinar a admissibilidade, em sede do presente recurso, do fundamento autónomo da Comissão, relativo à violação, pelo Tribunal de Primeira Instância, do artigo 230.°, n.° 4. CE.

    50      A este propósito, recorde‑se que, nos termos do artigo 56.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, os recursos das decisões do Tribunal de Primeira Instância podem ser interpostos por qualquer das partes que tenha sido total ou parcialmente vencida. Tendo a Comissão sido, no Tribunal de Primeira Instância, recorrida, é‑lhe lícito, ao abrigo do artigo 115.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, apresentar uma resposta no prazo de dois meses a contar da notificação do recurso, em conformidade com as exigências do segundo parágrafo desse mesmo artigo e com o artigo 116.°

    51      Por conseguinte, o fundamento autónomo da Comissão deve ser julgado admissível.

    –       Quanto ao mérito

    52      Quanto ao mérito, a Comissão alega uma violação dos requisitos do artigo 230.°, n.° 4, CE, por o Tribunal de Primeira Instância, ao construir artificialmente, a partir de argumentos da petição, um fundamento relativo à violação dos direitos de natureza processual, ter requalificado o recurso interposto em primeira instância, que visava o mérito da decisão. O Reino da Bélgica também considera que as recorrentes apenas contestaram, através dos seus quarto e sétimo fundamentos, a justeza da decisão controvertida, pelo que terá sido erradamente que o Tribunal de Primeira Instância julgou esses fundamentos admissíveis.

    53      Em primeiro lugar, quanto à objecção relativa à violação dos requisitos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, cumpre desde já recordar que o artigo 4.° do Regulamento n.° 659/1999 instaura uma fase preliminar de análise das medidas de auxílio notificadas que tem por objecto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum. No final dessa fase, a Comissão constata que tal medida ou não constitui um auxílio ou entra no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. Nesta última hipótese, a referida medida pode não suscitar dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum ou, pelo contrário, pode suscitá‑las (acórdão de 24 de Maio de 2011, Comissão /Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 43).

    54      No caso em apreço, a decisão controvertida é uma decisão de não levantar objecções fundada no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 659/1999, cuja legalidade depende da questão de saber se existem dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio com o mercado comum. Uma vez que tais dúvidas devem dar lugar à abertura de um procedimento formal de investigação no qual podem participar as partes interessadas referidas pelo artigo 1.°, alínea h), do Regulamento n.° 659/1999, deve considerar‑se que toda a parte interessada, na acepção desta última disposição, é directamente e individualmente afectada por tal decisão. Com efeito, os beneficiários das garantias processuais previstas no artigo 88.°, n.° 2, CE, e no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 não poderão vê‑las respeitadas a menos que tenham a possibilidade de impugnar a decisão de não levantar objecções perante o juiz da União (v., neste sentido, acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, já referido, n.° 47 e jurisprudência aí indicada).

    55      Quando um recorrente pede a anulação de uma decisão de não levantar objecções, põe em causa essencialmente o facto de a decisão da Comissão sobre o auxílio em causa ter sido tomada sem que essa instituição tenha aberto o procedimento formal de investigação, violando assim os seus direitos processuais. Para que seja dado provimento ao seu pedido de anulação, o recorrente pode invocar todos os fundamentos que demonstrem que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispôs, aquando da fase preliminar de análise da medida notificada, teria de suscitar dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. A utilização destes argumentos não pode ter por efeito alterar o objecto do recurso nem alterar os pressupostos da sua admissibilidade. Pelo contrário, a existência de dúvidas sobre essa compatibilidade é precisamente a prova que deve ser apresentada para demonstrar que a Comissão estava obrigada a abrir o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, e no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 (v. acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, já referido, n.° 59).

    56      É à luz destes princípios que deve ser examinada a apreciação que o Tribunal de Primeira Instância fez da admissibilidade dos fundamentos do recurso de anulação.

    57      No caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 45 do acórdão recorrido, que o segundo fundamento que as recorrentes lhe apresentaram na petição era relativo à inobservância das disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE, uma vez que a Comissão decidiu não proceder à abertura do procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, embora tivesse dificuldades sérias na apreciação da compatibilidade das medidas em causa com o mercado comum.

    58      O Tribunal de Primeira Instância sublinhou assim correctamente, no n.° 54 do acórdão recorrido, que não cabe ao Tribunal da União interpretar o recurso de um recorrente que põe em causa exclusivamente o mérito de uma decisão de apreciação do auxílio enquanto tal, no sentido de que, na realidade, o referido recurso se destina a salvaguardar os direitos processuais conferidos ao recorrente pelos artigos 88.°, n.° 2, CE, e 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 quando este não tenha aduzido expressamente um fundamento para esse fim. Nesta hipótese, a interpretação do fundamento conduziria a uma requalificação do objecto do recurso (v., neste sentido, acórdãos de 29 de Novembro de 2007, Stadtwerke Schwäbisch Hall e o./Comissão, C‑176/06 P, Colect., p.I‑170, n.° 25, e Comissão /Kronoply e Kronotex, já referido, n.° 55).

    59      Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 55 do acórdão recorrido, que as recorrentes, através do seu segundo fundamento, sustentaram explicitamente que os direitos processuais que lhes são conferidos pelo artigo 88.°, n.° 2, CE, foram violados com a adopção da decisão controvertida.

    60      Ora, ao proceder deste modo, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito.

    61      Com efeito, por um lado, ninguém contesta que o recurso interposto em primeira instância visa efectivamente a anulação de uma decisão da Comissão de não iniciar o procedimento formal de investigação previsto nos artigos 88.°, n.° 2, CE, e 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999.

    62      Por outro lado, embora a petição de primeira instância não seja particularmente clara na apresentação dos fundamentos das recorrentes, especialmente no que respeita a um que é distintamente identificável como visando a protecção dos direitos processuais que lhes são conferidos pelos artigos 88.°, n.° 2, CE, e 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, também é verdade que, de acordo com os próprios termos da petição, as recorrentes alegam que a não abertura do procedimento formal de investigação as impediu de beneficiarem das garantias processuais que lhes são conferidas por essas disposições e apresentam argumentos destinados a demonstrar que a Comissão devia ter dado início ao procedimento aí previsto.

    63      Nestas circunstâncias, foi correctamente e sem violar o disposto no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a petição incluía um fundamento por meio do qual as recorrentes pretendiam defender os direitos processuais que lhes eram conferidos pelos artigos 88.°, n.° 2, CE e 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999.

    64      Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância não pode ser criticado por ter tomado em consideração, no quadro do segundo fundamento, os elementos da petição de primeira instância por meio dos quais as recorrentes pretendem demonstrar que a Comissão deveria ter tido dúvidas acerca da compatibilidade das medidas em causa com o mercado comum.

    65      A este propósito, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou, no n.° 45 do acórdão recorrido, que, nos quarto e sétimo fundamentos, as recorrentes sustentaram que o exame das medidas contestadas, levado a cabo pela Comissão, foi insuficiente e incompleto. Assim, após ter declarado, no n.° 52 do acórdão recorrido, que as recorrentes, na sua qualidade de concorrentes directas da La Poste no mercado da expedição urgente de encomendas, só possuíam legitimidade enquanto partes interessadas na acepção dos artigos 88.°, n.° 2, CE, e 1.°, alínea h) do Regulamento n.° 659/1999, o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente, no n.° 69 do acórdão recorrido, que só podia proceder ao exame dos quarto e sétimo fundamentos da petição na medida em que se destinam a demonstrar que a Comissão deveria ter dado início ao procedimento formal de investigação.

    66      Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância também não pode ser criticado por ter declarado admissíveis os fundamentos por meio dos quais as recorrentes alegaram que a Comissão cometeu um erro ao considerar que as medidas examinadas não constituíam um auxílio de Estado. Pelo contrário, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 67 do acórdão recorrido, declarou expressamente esses fundamentos inadmissíveis.

    67      Há, portanto, que julgar improcedentes o segundo fundamento do Reino da Bélgica e o fundamento autónomo da Comissão.

     Quanto ao primeiro e ao terceiro fundamentos

     Argumentos das partes

    68      O Reino da Bélgica alega, através do seu primeiro fundamento, que o Tribunal de Primeira Instância procedeu a uma qualificação incorrecta das circunstâncias do presente caso.

    69      Efectivamente, no que respeita às circunstâncias em que decorreu o procedimento de investigação, o prazo de referência de dois meses considerado pelo Tribunal é apenas indicativo, de modo que o facto de ter sido excedido não podia automaticamente significar que a Comissão teve dificuldades sérias. Esta acrescenta que, nas circunstâncias específicas deste caso, a duração da investigação preliminar não foi excessiva.

    70      Além disso, segundo o Reino da Bélgica, o Tribunal de Primeira Instância não identificou um nexo entre o vasto campo de investigação que implica o exame das medidas em causa e a sua aparente complexidade e a presença de dificuldades sérias. Segundo a Comissão, dificuldades de facto não acarretam, necessariamente, dificuldades sérias.

    71      Finalmente, o Reino da Bélgica sublinha que a hesitação quanto à base jurídica é mais demonstrativa das possibilidades de escolha de que a Comissão dispunha para concluir o processo do que de dificuldades sérias. Com efeito, a Comissão alega que a decisão final seria a mesma, independentemente da base jurídica.

    72      No que respeita ao conteúdo da decisão controvertida, o Reino da Bélgica considera que, na sua análise do carácter suficiente do exame do auxílio notificado, o Tribunal chega a um resultado diferente, quanto ao mérito, do da Comissão. Ora, esta diferença não permite a conclusão de que se está em presença de dificuldades sérias. De qualquer modo, esta circunstância não permite a conclusão de que o exame efectuado pela Comissão foi incompleto.

    73      Além disso, o Reino da Bélgica e a Comissão sustentam, no terceiro fundamento que apresentaram, que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da segurança jurídica ao proceder a uma aplicação retroactiva do quarto critério do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido.

    74      A este propósito, a Comissão acrescenta, além disso, que o exame do critério dito de «benchmarking» apresentado no acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, não é pertinente no âmbito do controlo do respeito das garantias processuais previstas no artigo 88.°, n.° 2, CE.

    75      Dum ponto de vista geral, a Deutsche Post e a DHL International consideram que os procedimentos de investigação da Comissão efectuados no contexto da privatização de empresas postais públicas são tradicionalmente tratados pela Comissão no quadro de um procedimento formal de investigação. Com efeito, essas operações caracterizam‑se por um contexto factual complexo que implica necessariamente a presença de dificuldades sérias.

    76      Em particular, as recorrentes recordam, antes de mais, que, quando do procedimento de investigação, a própria Comissão sublinhou a complexidade do processo que lhe foi submetido. Depois, o Reino da Bélgica não respondeu às observações do Tribunal de Primeira Instância segundo as quais a Comissão não dispunha de todas as informações factuais para analisar a cessão dos bens imobiliários e a supressão da provisão para as reformas. Finalmente, as recorrentes recordam que o «benchmarking» dos custos dos SIEG, na acepção do quarto critério definido pelo acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, correspondia então a uma expectativa, designadamente da própria Comissão.

     Apreciação do Tribunal

    77      De imediato, importa recordar que resulta do artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 659/1999 que, se a Comissão constatar, após a análise preliminar, que a medida em causa suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, deve adoptar uma decisão de abertura do procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, e no artigo 6.°, n.° 1, do referido regulamento (v. acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, já referido, n.° 46).

    78      No presente caso, a decisão controvertida é uma decisão de não levantar objecções fundada no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 659/1999, cuja legalidade depende da questão de saber se existem dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum.

    79      Como a noção de «dúvidas» a que se refere o artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 659/1999 tem carácter objectivo, a sua existência deve ser apreciada não só em função das circunstâncias da adopção do acto impugnado, mas também das apreciações em que a Comissão se baseou (v., neste sentido, acórdão de 2 de Abril de 2009, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão, C‑431/07 P, Colect., p. I‑2665, n.° 63).

    80      No presente caso, antes do mais, o Tribunal de Primeira Instância examinou, nos n.os 96 a 107 do acórdão recorrido, a duração e as circunstâncias do procedimento de investigação preliminar. Em seguida, no quadro do exame dos elementos respeitantes ao conteúdo da decisão controvertida, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, nos n.os 108 a 110 do referido acórdão, que o exame da supressão da provisão para reformas fora insuficiente e, nos n.os 111 a 117, que o exame do custo do fornecimento dos SIEG fora incompleto. No n.° 118 chegou à conclusão de que o conjunto formado por esses elementos representava um somatório de indícios objectivos e concordantes que atestam que a Comissão deveria ter dado início ao procedimento formal de investigação.

    81      Quanto, em primeiro lugar, à duração e às circunstâncias do procedimento de investigação preliminar, embora seja verdade que uma duração superior ao prazo de dois meses previsto no artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 659/1999 e que o número de pedidos de informações apresentados às autoridades belgas não permite, só por si, concluir que a Comissão deveria ter iniciado o procedimento formal de investigação, também é verdade que, como aliás foi sublinhado pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 106 do acórdão, esses elementos podem constituir indícios de que a Comissão teve dúvidas acerca da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum.

    82      A este respeito, importa, em particular, sublinhar que a Comissão, para poder declarar que a medida notificada era compatível com o mercado comum, teve de proceder ao exame da compatibilidade das seis medidas não notificadas tomadas entre 1992 e 1997.

    83      Quanto, em segundo lugar, ao conteúdo da decisão controvertida, o Tribunal de Primeira Instância indicou que as medidas em questão tinham sido objecto de um exame insuficiente.

    84      Assim, considerou, no n.° 109 do acórdão recorrido, que a Comissão tomou a decisão controvertida sem dispor de elementos que lhe permitissem avaliar o benefício obtido com a disponibilização gratuita de imóveis por troca com a supressão da provisão para reformas.

    85      A este propósito, resulta da decisão controvertida que, para cobrir os direitos à pensão dos seus funcionários, a La Poste constituiu uma provisão de 100 milhões de euros em 1992, quando foi transformada em empresa autónoma, que foi suprimida em 1997. A contrapartida por essa supressão foi a cessão de imóveis necessários ao serviço público.

    86      Nestas circunstâncias, foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão devia ter pedido esclarecimentos às autoridades belgas, nomeadamente acerca do valor do parque imobiliário posto gratuitamente à disposição da La Poste pelo Estado belga.

    87      Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância não pode ser criticado por ter entendido que essa circunstância podia constituir um indício de que a Comissão devia ter tido dúvidas acerca da compatibilidade da medida em questão com o mercado comum. De facto, não é de excluir que a La Poste, dependendo do valor dos bens colocados à sua disposição, retira uma vantagem económica substancial dessa operação, constitutiva de um auxílio de Estado. Ora, para ter a certeza do contrário, a Comissão deveria, no mínimo, estar na posse das avaliações do benefício financeiro que representa essa cedência para a La Poste.

    88      No que respeita ao terceiro fundamento, relativo à alegada violação do princípio da segurança jurídica, sublinhe‑se que, como resulta dos n.os 81 e 87 do presente acórdão, a análise que o Tribunal de Primeira Instância fez das circunstâncias em que ocorreu a aprovação do conteúdo e da própria decisão controvertida pôs em evidência as dúvidas que a Comissão deveria ter tido acerca da compatibilidade da medida notificada com o mercado comum, dúvidas essas que bastam para escorar a conclusão de que deveria ter dado início ao procedimento formal de investigação previsto nos artigos 88.°, n.° 2, CE, e 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999.

    89      Nestas circunstâncias, não há necessidade de proceder ao exame deste fundamento.

    90      Destas considerações resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente e o terceiro inoperante.

    91      Assim, há que negar provimento a todo o recurso.

     Quanto às despesas

    92      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 118.° do mesmo diploma, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Como o Reino da Bélgica e a Comissão foram vencidos nas suas pretensões, há que os condenar nas despesas do processo.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

    1)      É negado provimento ao recurso.

    2)      O Reino da Bélgica e a Comissão Europeia são condenados nas despesas.

    Assinaturas


    * Língua do processo: alemão.

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