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Document 62009CC0316

Conclusões da advogada-geral Trstenjak apresentadas em 24 de Novembro de 2010.
MSD Sharp & Dohme GmbH contra Merckle GmbH.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha.
Medicamentos para uso humano - Directiva 2001/83/CE - Proibição de publicidade junto do público em geral de medicamentos que só podem ser vendidos mediante receita médica - Conceito de ‘publicidade’ - Indicações transmitidas à autoridade competente - Indicações acessíveis por Internet.
Processo C-316/09.

Colectânea de Jurisprudência 2011 I-03249

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:712

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 24 de Novembro de 2010 (1)

Processo C‑316/09

MSD Sharp & Dohme GmbH

contra

Merckle GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83/CE – Medicamentos para uso humano – Proibição da publicidade junto do público em geral de medicamentos sujeitos a receita médica – Conceito de publicidade – Critérios para determinar a intenção publicitária da publicação de informações sobre medicamentos na Internet»





I –    Introdução

1.        O presente processo tem na sua origem um pedido de decisão prejudicial do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal alemão, a seguir «tribunal de reenvio») apresentado nos termos do artigo 234.° CE (2), em que aquele Supremo Tribunal submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão de interpretação do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (3), que proíbe a publicidade ao público em geral de medicamentos na União Europeia.

2.        O reenvio prejudicial teve origem num conflito entre duas empresas do sector farmacêutico, a MSD Sharp & Dohme GmbH (ré e recorrente no recurso de revista, a seguir «MSD») e a Merckle GmbH (autora e recorrida no recurso de revista, a seguir «Merckle»), no qual esta pediu que a MSD fosse judicialmente proibida de divulgar na Internet informações comerciais sobre os medicamentos por ela produzidos sujeitos a receita médica. A resposta a este pedido depende da questão de saber se se deve qualificar o procedimento da ré no processo principal como publicidade não permitida ao público em geral de medicamentos sujeitos a receita médica.

3.        Os problemas suscitados no presente processo têm uma ligação directa com a difícil ponderação a realizar pelo legislador da União entre, por um lado, a protecção da saúde pública e, por outro, o direito à informação por parte do público. Uma das fontes dessa informação, em consequência do desenvolvimento tecnológico, é a Internet, que se tornou hoje um dos meios mais importantes de informação, dando a cada vez um maior número de pessoas a possibilidade de acederem e trocarem informação de forma rápida e simples. Como é sabido, a informação é valiosa e a Internet contribuiu indiscutivelmente de forma notável para a difusão da informação e dessa forma também para a construção da sociedade da informação. Contudo, para que a informação possa desenvolver os seus efeitos positivos importa garantir que a informação disponibilizada cumpre determinados requisitos qualitativos, sem que isso prejudique desproporcionadamente o fluxo de informação livre. No importante domínio aqui em causa, o do sistema de saúde, importa proteger os pacientes de informações inexactas ou enganadoras obtidas em fontes que não oferecem confiança, sem que isso signifique tutelar os pacientes. Ao mesmo tempo, importa exigir de quem difunde essa informação o respeito de elevados padrões de qualidade. O direito à informação dos doentes – precisamente no que respeita às novas fontes de informação, como a Internet – deve ser desenvolvido como um instrumento complementar do sistema de saúde.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União Europeia

4.        O objecto do pedido prejudicial é a Directiva 2001/83, na versão alterada pela Directiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 (4).

5.        O segundo considerando da Directiva 2001/83 estabelece:

«Toda a regulamentação em matéria de produção, de distribuição ou de utilização de medicamentos deve ter por objectivo essencial garantir a protecção da saúde pública.»

O considerando 40 da directiva prevê:

«As disposições relativas à informação dos doentes devem garantir um elevado nível de protecção dos consumidores, por forma a possibilitar a utilização correcta dos medicamentos, com base numa informação completa e compreensível.»

O considerando 45 prevê:

«A publicidade junto do público em geral de medicamentos vendidos sem receita médica poderia afectar a saúde pública se fosse excessiva e irreflectida. Tal publicidade, aquando da sua autorização, deve portanto satisfazer determinados critérios essenciais, que importa definir.»

6.        O artigo 86.° da Directiva 2001/83, que inicia o título VIII («Publicidade») dispõe:

«1.      Para efeitos do presente título, entende‑se por «publicidade dos medicamentos»: qualquer acção de informação, de prospecção ou de incentivo destinada a promover a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de medicamentos; abrange, em especial:

–        a publicidade dos medicamentos junto do público em geral,

–        a publicidade dos medicamentos junto das pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los,

–        a visita de delegados de propaganda médica a pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos,

–        o fornecimento de amostras de medicamentos,

–        o incentivo à prescrição ou ao fornecimento de medicamentos, através da concessão, oferta ou promessa de benefícios pecuniários ou em espécie, excepto quando o seu valor intrínseco seja insignificante,

–        o patrocínio de reuniões de promoção a que assistam pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos,

–        o patrocínio de congressos científicos em que participem pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos, nomeadamente a tomada a cargo das respectivas despesas de deslocação e estadia nessa ocasião.

2.      O presente título não abrange:

–        a rotulagem e a bula dos medicamentos que são abrangidos pelo título V,

–        a correspondência, eventualmente acompanhada de qualquer documento não publicitário, necessária para dar resposta a uma pergunta específica sobre determinado medicamento,

–        as informações concretas e os documentos de referência relativos por exemplo, às mudanças de embalagem, às advertências sobre os efeitos secundários no âmbito da farmacovigilância, bem como aos catálogos de venda e às listas de preços, desde que não contenham qualquer informação sobre o medicamento,

–        as informações relativas à saúde humana ou a doenças humanas, desde que não façam referência, ainda que indirecta, a um medicamento.»

7.        O artigo 87.° da directiva estabelece:

«1.      Os Estados‑Membros devem proibir toda a publicidade de medicamentos para os quais não tenha sido concedida uma autorização de introdução no mercado conforme com o direito comunitário.

2.      Todos os elementos da publicidade dos medicamentos devem estar de acordo com as informações constantes do resumo das características do produto.

3.      A publicidade dos medicamentos:

–        deve fomentar a utilização racional dos medicamentos, apresentando‑os de modo objectivo e sem exagerar as suas propriedades,

–        não pode ser enganosa.»

8.        O artigo 88.° da directiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros proíbem a publicidade junto do público em geral dos medicamentos que:

a)     Só possam ser obtidos mediante receita médica, nos termos do título VI

[…]»

B –    Direito interno

9.        O direito alemão aplicável é a Lei sobre a publicidade no sector dos medicamentos [Gesetz über die Werbung auf dem Gebiet des Heilwesens (Heilmittelgesetz, a seguir «HWG»)] na versão do aviso de 19 de Outubro de 1994 (5), alterado por último pelo artigo 2.° da Lei de 26 de Abril de 2006 (6).

«§ 10

(1)      Os medicamentos sujeitos a receita médica só podem ser publicitados a médicos, médicos‑dentistas, médicos‑veterinários, farmacêuticos e a pessoas autorizadas a exercer o comércio destes produtos.

(2)      Os medicamentos para uso humano que se destinem a tratar patologias do sono ou perturbações psíquicas ou a combater estados depressivos não podem ser publicitados fora do respectivo círculo profissional.»

III – Matéria de facto, processo principal e questão prejudicial

10.      As partes são empresas farmacêuticas entre si concorrentes. A MSD apresenta os seus medicamentos «Vioxx», «Fosamax» e «Singulair», que estão sujeitos a receita médica, na Internet, através de uma ligação informática não protegida por uma palavra‑passe, por isso acessível a qualquer pessoa, com a reprodução da embalagem, enunciando as indicações terapêuticas e as instruções de uso.

11.      A Merckle considerou tal apresentação uma violação da proibição de publicidade ao público em geral de medicamentos sujeitos a receita médica prevista no § 10, n.° 1, da HWG e, simultaneamente, um comportamento ilícito da MSD em termos de concorrência. Por isso pediu no Landgericht a condenação da MSD, sob cominação da aplicação de sanções adequadas, a abster‑se, na prática comercial para efeitos de concorrência, de difundir na Internet informações publicitárias sobre medicamentos sujeitos a receita médica de forma que essas informações sejam facilmente acessíveis fora dos círculos especializados da medicina. O Landgericht julgou a acção procedente. O Oberlandesgericht negou provimento ao recurso interposto da decisão do Landgericht pela MSD.

12.      A decisão do recurso de revista interposto pela MSD depende da questão de saber se o artigo 88.°, n.° 1, da Directiva 2001/83 também se aplica a uma publicidade ao público em geral do tipo da aqui em causa, que apenas abrange indicações que foram comunicadas à autoridade competente no quadro do processo de autorização e que são acessíveis a quem adquire o medicamento, e que só são apresentadas aos interessados a seu pedido, sendo acessíveis na Internet apenas a quem, por iniciativa própria, as procure.

13.      O tribunal de reenvio expõe que, de acordo com o artigo 86.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, as disposições do título VIII não se aplicam à rotulagem e à bula dos medicamentos (artigos 54.° a 69.°). Por isso, as informações constantes do rótulo e da bula dos medicamentos não constituem, naturalmente, qualquer publicidade na acepção do artigo 86.°, n.° 1, da directiva, apenas quando são utilizadas na respectiva função de rótulo ou de bula do medicamento, isto é, quando aplicadas no invólucro do medicamento e, quando existe, na embalagem exterior do medicamento ou na bula e chegam às mãos dos pacientes conjuntamente com o próprio medicamento. Segundo a jurisprudência do Bundesgerichtshof, trata‑se de publicidade se estas informações obrigatórias forem separadas das formas de rotulagem prescritas pela legislação sobre medicamentos e utilizadas separadamente numa comunicação autónoma – por exemplo, num anúncio de jornal.

14.      O tribunal a quo coloca portanto a questão de saber se uma interpretação teleológica da proibição de publicidade não deve conduzir a uma interpretação restritiva do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83, de modo a que não abranja uma publicidade dirigida ao público em geral da natureza da aqui em discussão, na qual as informações apenas estão acessíveis àqueles que, por iniciativa própria, as procuram na Internet e nas quais se contêm exclusivamente elementos que foram apresentados à autoridade competente para conceder a autorização e que, além disso, estão acessíveis aos pacientes através da aquisição do medicamento. Neste aspecto, deve ter‑se em consideração o facto de que, por um lado, a publicidade é feita pelo fabricante e, por outro, que a informação poderia ser apta a prevenir ou evitar os riscos de uma automedicação não informada.

15.      Tendo em conta as dúvidas relativamente à compatibilidade da proibição da publicidade junto do público em geral com os direitos fundamentais da União e com o princípio da proporcionalidade, o Bundesgerichtshof decidiu suspender o recurso e submeter a seguinte questão prejudicial ao Tribunal de Justiça:

«O artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83/CE, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, proíbe também a publicidade, junto do público em geral, de medicamentos que só podem ser obtidos mediante receita médica, quando apenas contém indicações comunicadas à autoridade competente no quadro do procedimento de autorização, e que, de qualquer modo, são acessíveis a qualquer pessoa que compre o produto, e quando as indicações não são apresentadas ao interessado sem que ele as peça mas estão acessíveis na Internet somente a quem procura obtê‑las?»

IV – Tramitação no Tribunal de Justiça

16.      A decisão de reenvio prejudicial, de 16 de Julho de 2009, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 10 de Agosto de 2009.

17.      A MSD e os Governos da República Portuguesa, da República Checa, do Reino da Dinamarca, da República da Hungria, da República da Polónia, do Reino Unido e a Comissão apresentaram observações escritas dentro do prazo previsto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

18.      Na audiência de 23 de Setembro de 2010, fizeram alegações os mandatários da MSD, do Governo da República Portuguesa, do Reino da Dinamarca e do Reino da Suécia, assim como da Comissão.

V –    Principais argumentos das partes

19.      As alegações das partes, no essencial, distinguem‑se consoante qualificam uma prática como a descrita no pedido prejudicial como «publicidade junto do público», na acepção do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83, ou não. Em sentido afirmativo pronunciaram‑se os Governos polaco, húngaro e português, ao passo que o Governo checo se inclinou para uma posição intermédia. Em sentido contrário pronunciaram‑se os Governos do Reino Unido, da Dinamarca e da Suécia e também a Comissão.

A –    Argumentos a favor da qualificação como publicidade junto do público em geral

20.      O Governo polaco expressou a opinião de que a publicação de fotografias da embalagem de um determinado medicamento, das indicações e das instruções de uso num site na Internet preenche os critérios da definição do conceito de publicidade constante do artigo 86.°, n.° 1, da Directiva 2001/83. A Internet é actualmente o meio de comunicação de massas que permite aos consumidores obter sem esforço informações sobre determinados medicamentos, especialmente se – como no caso em apreço – o site da Internet não estiver protegido. O facto de a publicidade do medicamento controvertido não ser apresentado activamente ao consumidor, mas apenas numa página da Internet não tem por isso qualquer relevância para a classificação jurídica dessa medida, porque a informação é acessível à generalidade das pessoas.

21.      Na opinião do Governo polaco, também a circunstância de a publicidade em causa apenas ter indicações constantes da documentação apresentada para autorização da comercialização do medicamento é irrelevante para a decisão do caso, uma vez que o artigo 86.° da Directiva 2001/83 não prevê nenhuma excepção consoante o tipo de informação disponibilizada. Neste contexto, o Governo polaco remete para o artigo 89.° da Directiva 2001/83, nos termos do qual a publicidade de um medicamento deve incluir, pelo menos, o nome do medicamento e as informações indispensáveis à adequada utilização do mesmo. Qualquer informação pode portanto ser considerada como publicidade junto do público em geral mesmo que indique apenas estes dois elementos.

22.      O Governo polaco conclui que o artigo 88.°, n.° 1, da Directiva 2001/83 impõe uma proibição absoluta de publicidade para as categorias de medicamentos nele indicadas.

23.      O Governo húngaro lembra que a definição de publicidade de medicamentos contém expressamente o elemento de informação, de modo que para apurar se a indicação de informações constituiu ou não publicidade é importante saber se com elas visam a prescrição, o fornecimento, a venda ou consumo de medicamentos.

24.      No âmbito da prova deste objectivo, na perspectiva do processo principal, é especialmente importante o facto de a recorrida ter publicado no seu site na Internet informações sobre os seus produtos, o que significa que esta informação visava fomentar a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo dos medicamentos em causa. Na opinião do Governo húngaro, isto permite concluir que a actividade em causa, tendo em conta o seu objectivo, deverá ser considerada publicidade, nos termos da Directiva 2001/83. Para apreciar se se trata ou não de publicidade é irrelevante que as informações publicadas na Internet correspondam simplesmente às informações fornecidas no quadro do processo de autorização e a que o comprador do medicamento poderia, sem mais, ter acesso. É igualmente irrelevante que essas informações só pudessem ser obtidas através de uma busca activa na Internet.

25.      O Governo português sustenta que a regra da proibição de publicidade junto do público em geral de medicamentos sujeitos a receita médica não comporta qualquer excepção, não devendo distinguir‑se consoante o tipo de meio de informação utilizado, o conteúdo ou a forma da publicidade.

26.      Na opinião do Governo português, a questão prejudicial assume duas vertentes: i) a de saber se é permitida a publicidade, junto do público em geral, de medicamentos que só podem ser obtidos mediante receita médica, quando apenas contém indicações comunicadas à autoridade competente no quadro do procedimento de autorização e que estão acessíveis a quem adquira o medicamento e ii) a de saber se é permitida a publicidade, junto do público em geral, de medicamentos que só podem ser obtidos mediante receita médica, quando as indicações não são apresentadas ao interessado sem que ele as peça mas estão acessíveis na Internet somente a quem procura obtê‑las.

27.      Quanto à primeira vertente, o Governo português alega que a publicidade junto do público em geral de medicamentos sujeitos a receita médica não poderia ser feita mediante a inclusão apenas da reprodução da embalagem do medicamento e da enunciação das indicações terapêuticas e das instruções de uso, pois essa publicidade sempre violaria alguns dos requisitos de que depende a validade da publicidade junto do público em geral.

28.      Quanto à segunda vertente da questão, o Governo português esclarece que a tónica com que ela é colocada reflecte uma visão inadequada da publicidade. Com efeito, segundo o Governo português, deve distinguir‑se entre a publicidade que não exige qualquer esforço do destinatário para a obter daquela em que o destinatário tem de desenvolver algum esforço para a alcançar. Assim, o esforço que um destinatário da publicidade faz para aceder na Internet à publicidade dos medicamentos em causa é substancialmente inferior ao esforço que teria de realizar para, por exemplo, adquirir e pagar uma qualquer revista num quiosque onde pudesse aceder à publicidade desses mesmos medicamentos, caso essa publicidade pudesse ser feita num jornal acessível ao público em geral.

29.      O Governo português aduz ainda que a publicidade como a que está em causa no processo principal, se fosse permitida, constituiria publicidade enganosa, uma vez que se encontra, há muito, enraizada no público a convicção de que só os medicamentos não sujeitos a receita médica podem ser publicitados junto do público em geral. Para esta convicção tem contribuído decisivamente a publicidade feita na rádio e na televisão.

30.       O Governo checo expressou uma opinião diferenciada. Alega que o elemento essencial da definição de publicidade é o fim prosseguido, ou seja o fim publicitário, que, em qualquer caso, deve ser demonstrado independentemente do conteúdo da informação publicitada ou do carácter da actividade desenvolvida, uma vez que estes não constituem elementos da definição de publicidade, mas apenas elementos acessórios na demonstração.

31.      Na opinião do Governo checo, as informações constantes do artigo 86.°, n.° 2, da Directiva 2001/83 não podem ser excluídas a priori do âmbito da definição e dos requisitos da publicidade de medicamentos, pois tal implicaria um risco para o principal fim pela directiva, ou seja, a protecção da saúde pública. Por esta via, os requisitos relativos à publicidade de medicamentos poderiam ser facilmente contornados, pois os tipos de informação para fins publicitários seriam publicados (tornados acessíveis) de uma forma que fomenta a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de medicamentos. É portanto, em princípio, possível que as informações previstas no artigo 86.°, n.° 2, preencham o conceito de publicidade de medicamentos, constante do artigo 86.°, n.° 1, da Directiva 2001/83. Cabe aos tribunais nacionais decidir, tendo em conta as circunstância de cada caso concreto, se um determinado tipo de informação prossegue um fim publicitário e, portanto, constitui publicidade, ou se, pelo contrário, prossegue outro fim, não constituindo por isso publicidade.

B –    Argumentos contra a qualificação como publicidade junto do público em geral

32.      A MSD sustenta que o pedido prejudicial visa não apenas a interpretação mas também a validade do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83. Uma disposição que proibisse colocar na Internet medicamentos testados pelas autoridades competentes e úteis paras os pacientes poderia não ser compatível com os direitos fundamentais da União, designadamente com os direitos à informação e de livre escolha dos cuidados de saúde, com a liberdade de opinião e com o direito de livre iniciativa empresarial. A MSD alega que o Tribunal de Justiça não está impedido de apreciar a validade de uma norma do direito da União, mesmo que as questões que lhe sejam submetidas sejam apenas de interpretação.

33.      A MSD alega que, numa interpretação restritiva, o artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83 limita a possibilidade de os consumidores – especialmente os pacientes – obterem informações correctas sobre medicamentos sujeitos a receita médica, pelo que são violados quer os direitos fundamentais à informação quer o direito à livre escolha dos cuidados de saúde. E daí decorreria, directamente, uma violação ainda mais grave de outro direito fundamental – o direito à integridade física do paciente.

34.      A proibição da publicidade junto do público em geral de medicamentos sujeitos a receita médica constituiria ainda uma violação da liberdade de opinião, consagrada como direito fundamental, e que se aplica também à chamada «comunicação comercial». Precisamente no domínio da saúde, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já por várias vezes confrontou proibições desproporcionadas de publicidade com os direitos fundamentais. Além disso, verifica‑se a violação do âmbito de aplicação do direito fundamental de liberdade de empresa, garantida na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e reconhecida pelo Tribunal de Justiça como parte da liberdade de profissão.

35.      Além disso, a proibição de publicidade junto do público em geral no que toca a medicamentos sujeitos a receita médica, prevista no artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83, não é compatível com o princípio da proporcionalidade, uma vez que uma proibição geral de informação manifestamente não é adequada nem necessária para a protecção da saúde pública. Neste contexto, deve observar‑se que o legislador comunitário não fundamentou esta proibição de publicidade junto do público em geral.

36.      Além disso, a MSD alega que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no acórdão Stambuk c. Alemanha (7) declarou que as proibições de publicidade no sector da saúde obrigam sempre a uma consideração do caso concreto à luz dos legítimos interesses de informação do público e do conteúdo material da informação e não podem portanto ser aplicadas de forma geral. Tal ponderação foi também exigida pelo Bundesverfassungsgericht [Tribunal Constitucional alemão] para a disposição de transposição constante do § 10, n.° 1, da Heilmittelwerbegesetz [Lei sobre a publicidade dos medicamentos] (8).

37.      Se porém não se quiser pôr em causa a validade do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83, então, na opinião da MSD, tem de se partir de uma interpretação restritiva do conceito de publicidade. A garantia dos direitos fundamentais e do princípio da proporcionalidade deve conduzir a uma resposta negativa à questão prejudicial. Como fundamentação, invoca o carácter aberto do teor da directiva, que não possibilita uma interpretação unitária dos conceitos de «publicidade» e de «informação». Segundo a MSD, a assunção de que qualquer publicação de informações pelo fabricante tem o objectivo de aumentar as vendas é errada, pois há muitas razões possíveis para a publicação de informações pelo fabricante. A publicação de informações pode, por exemplo, estar ligada ao trabalho de comunicação da empresa, sem ter concretamente o objectivo de promover as vendas.

38.      Uma interpretação sistemática demonstra ainda que existem «informações não publicitárias» sobre medicamentos, que, de lege lata, é lícito divulgar pela Internet. Mas também o sentido e o objectivo da proibição de publicidade, na opinião da recorrente no processo principal, não obstam a uma interpretação restritiva do conceito de publicidade junto do público em geral.

39.      O Governo dinamarquês é de opinião que para a apreciação da questão de saber se estamos perante publicidade de medicamentos é basicamente irrelevante que o material respectivo contenha indicações comunicadas à autoridade competente no quadro do procedimento de autorização. Decisiva é a apreciação concreta do objectivo pretendido com a informação, em que devem ser considerados a forma e o conteúdo do material informativo.

40.      Não existe publicidade se na «homepage» de uma empresa se reproduzirem, sem reelaboração e sem redução, as indicações de um medicamento autorizadas pela autoridade competente que constem do folheto informativo, de um resumo das suas características ou de um relatório de avaliação de uma autoridade farmacêutica acessível ao público. Este tipo de informação não tem a forma nem o conteúdo da publicidade. Se, pelo contrário, se tratar de informações trabalhadas sobre o medicamento surge a presunção de que se trata de publicidade com o objectivo de promover a prescrição, o fornecimento, a venda e o consumo de medicamentos, desde que não se trate de indicações necessárias que visem objectivos de segurança (e não de publicidade).

41.      O Governo dinamarquês alega ainda que o risco de automedicação, no caso de medicamentos sujeitos a receita médica, é muito menor do que no caso dos medicamentos não sujeitos a receita médica, porque os primeiros não podem ser adquiridos, pelo menos legalmente, sem a intervenção de um médico ou farmacêutico e sem ou seu aconselhamento e consulta. Por outro lado, a publicidade de medicamentos sujeitos a receita médica poderia levar a que os medicamentos sujeitos a receita médica fossem encomendados sem receita médica pela Internet ou expedidos por comércio à distância. Nesse caso, pode tratar‑se de comércio legal, mas também ilegal, tanto de medicamentos originais como de medicamentos falsificados.

42.      O Governo do Reino Unido é de opinião de que a publicação das informações em causa no processo principal, que consistem em indicações retiradas das indicações autorizadas pela autoridade competente sobre as características dos produtos, não constitui «publicidade», na acepção do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83. A publicação não tem carácter publicitário, antes visa a disponibilização de indicações essenciais sobre os medicamentos.

43.      De acordo com o artigo 86.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, a rotulagem e a bula dos medicamentos não constituem publicidade, ficando sujeitas ao título V da directiva. A razão desta regra só pode ser o facto de a embalagem e a bula visarem fornecer ao paciente informações importantes e não a promoção da venda dos medicamentos. Através da regulamentação do conteúdo da embalagem e da bula, o título V da directiva garante que estas indicações se limitam ao fornecimento de informações e não têm carácter publicitário. Isso mesmo é confirmado pelo artigo 62.°, que inequivocamente afirma que, na embalagem externa e na bula, fica excluído «todo e qualquer elemento de carácter publicitário».

44.      O facto de que as informações autorizadas nas embalagens e nas bulas não tinham carácter publicitário não é alterado pelo facto de as mesmas informações serem apresentadas no site duma empresa, a que só acedem as pessoas que as procuram activamente. Neste caso, as mesmas informações foram apresentadas de uma forma igualmente neutra e para o mesmo fim – disponibilizar aos pacientes informações sobre o medicamento – e não com fins publicitários. A publicação de informações por este meio é largamente habitual nalguns Estados‑Membros, como o Reino Unido, e é neles considerada legal; corresponde igualmente à prática da Agência Europeia do Medicamento.

45.      Segundo o Governo do Reino Unido, este tipo de fornecimento de informações não põe em risco a saúde pública, cuja protecção é o objectivo das disposições do título VIII da directiva. O conteúdo das informações é autorizado no quadro do processo de autorização com exclusão de todo e qualquer conteúdo publicitário. As informações só são acessíveis às pessoas que as procurem activamente. Além disso, os pacientes só conseguem adquirir esses medicamentos com o acordo e mediante a prescrição de um médico. Apenas os podem obter se o médico o considerar necessário para a saúde do paciente.

46.      A Comissão recorda que a proibição de publicidade constitui uma limitação da liberdade de opinião que pode ser justificada pela protecção da saúde humana (v. acórdão Damgaard (9), n.os 26 e segs.), mas que tem de respeitar o princípio da proporcionalidade. Na opinião da Comissão, muitos elementos apontam para a conclusão de que a medida em causa não corresponda ao conceito de «publicidade».

47.      Para a qualificação como «publicidade», neste sentido, seria necessário, em primeiro lugar ter em conta a finalidade da comunicação, ou seja, o fomento das vendas. A circunstância de o fabricante ser simultaneamente o autor da informação é apenas um entre muitos outros critérios a ter em conta. Além da autoria da informação, devem igualmente ser incluídos na apreciação o conteúdo, os destinatários, a apresentação técnica da comunicação e a eventual disponibilidade anterior das informações para se atingir a finalidade da proibição.

48.      Relativamente ao conteúdo da comunicação, a Comissão alega que no caso presente as indicações dos medicamentos sujeitos a receita médica devem ser verificadas e aprovadas pelas autoridades competentes, de modo que se pode presumir que o conteúdo da informação não apresenta nenhum risco para o consumidor.

49.      Do ponto de vista dos destinatários da informação, a Comissão esclarece que o risco de administração inadequada de medicamentos parece ser neste caso muito limitado, uma vez que os medicamentos em causa estão sujeitos a receita médica. Mesmo que o paciente ou outra pessoa tenha acesso a medicamentos sujeitos a receita médica na chamada embalagem primária sem o invólucro exterior com a informação aos pacientes que nele se encontra, a publicação em causa não leva a uma diminuição da protecção da saúde e também não prejudica o alto nível de protecção dos consumidores exigido pela directiva, pois mesmo assim pode ser evitada, em certo sentido, uma «automedicação não informada». No que toca à possibilidade de os interessados, após uma leitura dessa informação, se considerem aptos a prescindirem de uma consulta médica, esse risco poderia facilmente ser evitado se com a publicação da informação ficasse claro que a consulta do site na Internet não permite substituir a consulta do médico.

50.      Quanto à apresentação técnica da comunicação, a Comissão alega que no caso de simples disponibilização da informação na Internet (o chamado «pull‑service») o utilizador tem de procurar activamente a informação, de forma que uma pessoa que não tenha qualquer interesse nesse medicamento nunca se veria confrontada involuntariamente com essa informação. O caso é diferente no chamado «push‑service», no qual o utilizador da Internet é confrontado com essas informações sem as procurar através dos chamados «pop‑ups», ou seja de janelas que aparecem espontaneamente no ecrã.

51.      A finalizar, a Comissão refere ter proposto uma alteração da directiva, para garantir uma aplicação uniforme da proibição absoluta de publicidade constante da directiva e garantir um elevado nível de protecção dos consumidores. A Comissão conclui que a proibição controvertida, ao contrário do caso Damgaard (10), face ao objectivo legítimo prosseguido, a protecção da saúde pública, não pode ser considerada como uma restrição razoável e proporcional à liberdade de expressão.

52.      Na audiência, a Comissão, a instâncias do Tribunal de Justiça, precisou que considera incluídas nas indicações mencionadas na questão prejudicial também as indicações constantes da bula que acompanha a embalagem.

53.      O Governo sueco, que interveio na audiência, expressou a opinião de que uma situação como a do processo principal não está abrangida pela proibição de publicidade aqui em causa. No essencial, subscreve as alegações do Governo do Reino Unido. Quanto à questão da distinção entre publicidade e outra informação, o Governo sueco entende que há que considerar concretamente vários factores, como, por exemplo, o conteúdo da informação. O Governo sueco refere que, nesta matéria, pode haver ampla informação que não é difundida para efeitos publicitários, como demonstra especialmente o artigo 86.°, n.° 2, da Directiva 2001/83. No caso da informação aí citada trata‑se sobretudo de indicações que são verificadas pelas entidades competentes. O Governo sueco invoca também o direito do público à informação. Relativamente ao facto de a informação em causa no processo principal ser difundida pelo próprio fabricante, o Governo sueco esclarece que a autoria da informação pode indiciar uma intenção publicitária, mas o facto não é em si mesmo decisivo. Se esse elemento fosse decisivo deveria ter sido expressamente mencionado na directiva.

VI – Apreciação

A –    Observações preliminares

1.      Relevância da delimitação

54.      O presente processo coloca de novo a vexata quaestio da delimitação dos conceitos de «publicidade» e de «informação» na matéria jurídica referente aos medicamentos.

55.      A necessidade de uma delimitação o mais rigorosa possível destas duas categorias com base em critérios claros baseia‑se no facto de a Directiva 2001/83, na versão da Directiva 2004/27, como declarado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Gintec (11), ter empreendido uma harmonização completa no domínio da publicidade dos medicamentos (12), tendo previsto expressamente os casos em que os Estados‑Membros podem criar disposições divergentes do regime previsto na directiva. A proibição de publicidade de medicamentos sujeitos a receita médica prevista no artigo 88.°, n.° 1, da Directiva 2001/83, que o Tribunal de Justiça considera absoluta (13), carece portanto de uma interpretação uniforme ao nível da União que possa apoiar os tribunais nacionais na sua aplicação do direito da União.

56.      A diferença entre «publicidade» e «informação» resulta desde logo claramente da epígrafe do título VIIIa da Directiva 2001/83. Note‑se que a harmonização jurídica apenas diz respeito ao domínio da publicidade, ao passo que a disciplina do domínio da informação sobre medicamentos é deixada à competência dos Estados‑Membros, desde que não entre em contradição com as disposições sobre publicidade da Directiva 2001/83 (14). Resta por isso esclarecer porque existem actualmente grandes diferenças entre as ordens jurídicas nacionais no que diz respeito à disponibilização de informações sobre medicamentos aos pacientes. Como declarou a Comissão na sua Comunicação de 20 de Dezembro de 2007 ao Parlamento Europeu e ao Conselho relativa ao relatório sobre as práticas actuais em matéria de informação a doentes (15), muitos Estados‑Membros são muito restritivos nesta matéria, enquanto outros permitem a publicação de informações sem carácter publicitário. A delimitação destas duas categorias é em qualquer caso importante para a delimitação das competências entre a União e os Estados‑Membros.

2.      A proibição de publicidade como resultado de um processo de ponderação legislativa

57.      Do ponto de vista da política legislativa, a proibição da publicidade de medicamentos foi justificada com a protecção da saúde pública perante os riscos decorrentes para os pacientes de uma publicidade «excessiva e irreflectida» (16). É o que resulta expressamente do considerando 45 da Directiva 2001/83, que estabelece que a publicidade de medicamentos não sujeitos a receita médica é excepcionalmente permitida, mas com a condição de preencher determinados requisitos legais. No caso dos medicamentos sujeitos a receita médica, esta excepção não se aplica, sendo a proibição de publicidade absoluta. Tal proibição absoluta visa evitar a indução à automedicação através da publicidade, vistos os riscos para a saúde normalmente associados aos medicamentos sujeitos a receita médica. O Tribunal de Justiça chamou a atenção para os riscos para a saúde associados a estes medicamentos no acórdão Deutscher Apothekerverband (17), invocando o artigo 71.°, n.° 1, da Directiva 2001/83 (18).

58.      Da mesma forma, o legislador da União reforçou posteriormente, através do artigo 88.°‑A da Directiva 2001/83, introduzido pela Directiva 2004/27, a necessidade de uma «informação de qualidade, objectiva, fiável e não promocional» sobre medicamentos e outros métodos de tratamento. Esta disposição deve ser conjugada com o considerando 40 da Directiva 2001/83, segundo o qual «as disposições relativas à informação dos doentes devem garantir um elevado nível de protecção dos consumidores, por forma a possibilitar a utilização correcta dos medicamentos, com base numa informação completa e compreensível.»

59.      Daqui se conclui que o legislador da União pretende compatibilizar a protecção da saúde pública com o direito dos consumidores à informação e com o direito de expressão do fabricante de medicamentos, na medida em que proíbe qualquer informação relativa ao medicamento que, devido às suas características específicas, possa ser prejudicial ao interesse geral. A proibição de publicidade aparece assim como o resultado de um processo de ponderação legislativa entre posições protegidas como direitos fundamentais que devem ser tidos em consideração na interpretação do artigo 88.°, n.° 1, da Directiva 2001/83.

B –    O objecto do pedido prejudicial

60.      Isto conduz‑nos à questão do objecto do pedido prejudicial. Invocando o efeito restritivo de direitos fundamentais da proibição de publicidade de medicamentos, a MSD alega que a questão prejudicial não tem que ver apenas com a interpretação, mas também com a validade do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83. A MSD baseia o seu entendimento no n.° 15 do pedido prejudicial, em que o tribunal de reenvio afirma:

«Perante as circunstâncias expostas, esta secção tem dúvidas sobre se, tendo em consideração os princípios fundamentais do direito comunitário, a proibição de publicidade, fora dos círculos especializados, de medicamentos que só podem ser obtidos mediante receita médica, é proporcionada quando se trata meramente de indicações obrigatórias e estas apenas estão à disposição na Internet e, por isso, não são infligidas a um vasto público impreparado […]»

61.      Ao que se pode contrapor que a questão prejudicial, propriamente dita, visa claramente a interpretação do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83. Deve entender‑se a partir de uma apreciação correcta do texto em questão no texto do pedido prejudicial que o tribunal de reenvio pretende, em substância, saber se o conceito da União de publicidade de medicamentos abrange uma determinada situação detalhadamente descrita no pedido prejudicial. Ao Tribunal de Justiça é pedida a confirmação de uma determinada interpretação deste conceito, em que o tribunal de reenvio propõe uma interpretação restritiva com base na interpretação das disposições do direito primário. Isto não significa contudo que a validade da regulamentação da União seja posta em causa. O tribunal de reenvio não põe em dúvida a validade da disposição nem indica que tal questão tenha sido suscitada no processo principal. Pelo contrário, trata‑se de, com base num caso concreto, de compreender como se deve fazer a diferença entre «publicidade» e «informação lícita».

62.      Esta alegação da MSD sobre o pedido de decisão prejudicial deve ser processualmente entendida como um pedido de um aparte de alargamento do objecto do reenvio prejudicial.

63.      Sobre esta matéria há que referir, em primeiro lugar, que o sistema criado pelo artigo 234.° CE com vista a garantir a interpretação uniforme do direito comunitário nos Estados‑Membros institui uma cooperação directa entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais que está subtraída à intervenção das partes (19). As partes do processo principal não dispõem por isso de iniciativa processual, apenas tendo o direito de se pronunciar (20). O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 234.° CE não concede às partes no processo pendente num Estado‑Membro um direito de recurso, de forma que o Tribunal de Justiça não está obrigado a apreciar a questão da validade de uma norma apenas porque uma parte levanta essa questão nas suas observações escritas (21). Desta jurisprudência resulta que a MSD não tem o direito processual de requerer a alteração do objecto do pedido de decisão prejudicial só porque invoca a invalidade de uma determinada norma do direito secundário. Assim, o seu pedido deve ser indeferido.

64.      Considerando que à excepção da MSD nenhuma outra parte suscitou a questão da validade do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83, há que referir cautelarmente a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a resposta a questões introduzidas pelas partes do processo principal nas suas observações seria incompatível com as competências do Tribunal de Justiça previstas no artigo 234.° CE e com a sua obrigação de dar aos Estados‑Membros e às partes no processo principal a possibilidade de, nos termos do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, apresentarem observações, uma vez que os intervenientes no processo, nos termos desta disposição, apenas são notificados da decisão prejudicial (22).

65.      Independentemente destas considerações processuais, mesmo a apreciação pelo Tribunal de Justiça, em determinadas circunstâncias, da validade da norma por razões de direito material poderia ser supérflua, uma vez que a norma do direito secundário poderia ter uma interpretação conforme com o direito primário. Segundo jurisprudência constante, quando uma norma do direito secundário pode ter mais do que uma interpretação deve privilegiar‑se a interpretação que permite conciliá‑la com o Tratado (23). De um ponto de vista dogmático, esta regra interpretativa decorre do princípio da unidade do sistema jurídico (24). O Tribunal de Justiça tem por isso a possibilidade de apreciar se uma questão de validade assenta numa interpretação correcta da norma do direito secundário. Assim, o Tribunal de Justiça, no caso de ser possível uma interpretação conforme com o direito primário de uma determinada norma do direito secundário, prescindiu de avaliar a sua compatibilidade com o direito primário (25).

66.      Tal procedimento é o que parece ser adequado no presente processo, uma vez que, em minha opinião, a questão da compatibilidade com o direito primário da proibição absoluta de publicidade só se colocaria se o acesso a informação sobre medicamentos na Internet pela forma descrita no pedido de decisão prejudicial pudesse ser qualificada como publicidade de medicamentos. Neste quadro, deve considerar‑se, do ponto de vista metodológico, que no processo interpretativo – por exemplo no âmbito de uma interpretação sistemática e teleológica deste conceito – já intervêm considerações que têm em conta o direito primário (26). Mas se, pelo contrário, a actuação do fabricante for considerada informação lícita dos pacientes, então a questão da compatibilidade com o direito primário não se colocaria. Nesta base, é necessário iniciar a análise jurídica pela interpretação da Directiva 2001/83.

C –    Análise da questão prejudicial

1.      Definição de publicidade de medicamentos e delimitação do conceito de informação

67.      Em primeiro lugar, há que observar que o direito da União, expressamente, não permite nem proíbe a publicação na Internet de informações sobre determinado medicamento. A licitude dessa publicação depende, em primeira linha, de saber se ela está abrangida no conceito de publicidade do Código Comunitário. O artigo 86.°, n.° 1, da Directiva 2001/83 contém uma definição dupla que pressupõe objectivamente a existência de uma «acção de informação», e exige, subjectivamente, que seja «destinada a promover a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de medicamentos». A disposição inclui uma lista de exemplos de publicidade de medicamentos.

68.      A definição abrange expressamente «a publicidade dos medicamentos junto do público em geral», pelo que a proibição de publicidade junto do público abrange igualmente a publicidade na Internet (27). Da letra e da interpretação sistemática desta disposição da directiva pode ainda inferir‑se que a publicidade é apenas uma parte de toda a informação disponível (28). O conceito de informação é portanto muito abrangente e só se torna juridicamente relevante se essa informação tiver características específicas de publicidade previstas no direito da União (29). Assim, não obsta à qualificação de publicidade nos termos do artigo 86.°, n.° 1, da Directiva 2001/83 que a publicação em causa apenas consista em informações objectivas. A publicidade, no sentido da directiva, não pressupõe uma comunicação empolgante, excessos ou até reclamos agressivos, como tem sido considerado característico dos anúncios publicitários (30). O critério decisivo para a distinção da publicidade da simples informação consiste antes no fim prosseguido pela mensagem. Se a prescrição, o fornecimento ou a venda ou o consumo de medicamentos forem fomentados, trata‑se de publicidade no sentido da directiva; se se tratar porém de uma simples informação sem intuito publicitário deve ser excluída do âmbito de aplicação das disposições da União sobre publicidade de medicamentos. O que é decisivo portanto é a intenção consciente e directa do autor da mensagem (31).

2.      Critérios de apreciação

69.      Como declarou o Tribunal de Justiça no acórdão Damgaard, cabe fundamentalmente ao tribunal nacional, com base nas circunstâncias concretas do caso, determinar se se trata de publicidade (32). Mas isto não impede que o Tribunal de Justiça, com base na sua competência interpretativa, forneça ao juiz nacional os critérios que lhe permitam determinar, ao aplicar o direito da União e o direito nacional que o transpõe (33), se essa intenção publicitária existe concretamente.

a)      Consideração dos direitos fundamentais

70.      Na formulação dos critérios de apreciação deve ter‑se desde logo em consideração a possibilidade de uma interpretação restritiva, pois o conceito de publicidade da Directiva 2001/83, segundo a sua letra, é relativamente indeterminado e, por isso, poderá ser entendido em termos muito amplos, designadamente em termos que permitem abranger também condutas que, tendo em conta as circunstâncias do caso e o quadro jurídico, não pareçam susceptíveis de proibição.

71.      O objectivo da proibição da publicidade de medicamentos, como já referido (34), é a protecção dos pacientes de influências incorrectas ou não objectivas e, por consequência, a protecção da saúde pública. A proibição de publicidade alarga a protecção conferida pela obrigatoriedade de prescrição médica. Só que este objectivo de protecção deve ser visto com prudência na interpretação do conceito de publicidade. Desde que a informação pertinente não apresente qualquer perigo para a saúde dos consumidores ou se a proibição da informação puder ser até contraproducente, a justificação material da proibição cai por terra.

72.      A necessidade de uma interpretação restritiva do conceito de publicidade resulta igualmente da necessária ponderação entre o bem jurídico tutelado pela norma e os direitos dos consumidores e dos fabricantes de medicamentos garantidos pelo direito primário, que prosseguem valores diferentes (35). A essa ponderação subjaz o princípio da proporcionalidade como característica do Estado de Direito. Os direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade, que se incluem nos princípios gerais do direito da União, constituem uma parte substancial do quadro jurídico em que deve ser feita a interpretação do direito derivado (36).

73.      Como reiteradamente declarou o Tribunal de Justiça (37), não podem aceitar‑se na Comunidade medidas que não sejam compatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos e garantidos. Segundo jurisprudência constante, os direitos fundamentais fazem parte dos princípios gerais de direito que o Tribunal de Justiça tem de garantir. O Tribunal de Justiça deve orientar‑se, nessa matéria, pelas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e também pelas directrizes que resultam dos pactos internacionais de protecção dos Direitos Humanos de que os Estados‑Membros são parte ou a que posteriormente tenham aderido. Entre eles, assume especial importância a Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») (38). Os princípios formulados por esta jurisprudência foram recebidos pelo artigo 6.°, n.° 2, UE, em cujos termos «a União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros enquanto princípios gerais do direito comunitário». Além disso, o Tribunal de Justiça, para sublinhar a existência de determinados princípios jurídicos comuns, invocou reiteradamente a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia proclamada em Nice em 7 de Dezembro de 2000 (39) (40), que, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE, tem o mesmo grau hierárquico que os Tratados (41).

74.      Na opinião do Tribunal de Justiça, a vinculação jurídica da União aos direitos fundamentais estende‑se às autoridades administrativas e aos tribunais dos Estados‑Membros que tenham de interpretar e aplicar o direito de transposição de uma directiva. Assim, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Bodil Lindqvist (42) que o tribunal nacional não tem apenas de interpretar o direito nacional em consonância com uma determinada directiva, mas tem também de considerar se a sua interpretação não se baseia numa interpretação da directiva que colide com os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica comunitária ou com os princípios gerais do direito comunitário, como o princípio da proporcionalidade.

75.      Aliás, corresponde a jurisprudência constante que o Tribunal de Justiça, no quadro de processos prejudiciais e quando um regime legal nacional se situa no campo de aplicação do direito comunitário, deve fornecer ao tribunal de reenvio todas as indicações interpretativas que sejam necessárias para que este possa avaliar a compatibilidade do dito regime com os direitos fundamentais, garantidos pelo Tribunal de Justiça (43). Em consonância com o que se acaba de dizer, enunciam‑se a seguir os direitos fundamentais que são atingidos pela proibição de publicidade do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83 e que apontam no sentido de uma interpretação restritiva conforme com o direito primário. A seguir, serão amplamente indicados outros critérios que podem ser úteis para a interpretação desta disposição.

i)      Direito fundamental de livre expressão

76.      O direito fundamental que é primacialmente atingido pela proibição de publicidade é o direito de livre expressão, reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça como princípio fundamental (44) e baseado no artigo 11.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O Tribunal de Justiça considera a liberdade de expressão como o principal fundamento de uma sociedade democrática e remete na sua jurisprudência para o artigo 10.°, n.° 1, da CEDH e para a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

77.      Sobre a questão de saber se a disponibilização de informação sobre medicamentos na Internet é abrangida por este direito fundamental, note‑se que a compreensão deste direito fundamental no direito da União tem subjacente uma noção ampla de opinião. Assim, constitui opinião qualquer ponto de vista, convicção, apreciação tomada de posição, expressão ou juízo de valor qualquer que seja a sua qualidade e temática (45). Também a publicidade com interesse exclusivamente económico é abrangido pelo direito de livre expressão (46). Ela faz parte da chamada «comunicação comercial», que inclui a comunicação de opiniões, notícias e ideias para fins comerciais, independentemente da questão de saber se situa essencialmente no campo informativo ou publicitário (47). Nesta medida, a publicação de bulas dos medicamentos, as figuras constantes das embalagens e outras informações ficam abrangidas pela protecção do direito fundamental de livre expressão (48). Aliás, o Tribunal de Justiça, no acórdão Damgaard, considerou a difusão de informações sobre medicamentos como estando abrangida pelo direito fundamental de livre expressão (49).

78.      Contudo, este direito fundamental, como reiteradamente reconhecido pelo Tribunal de Justiça mediante invocação do artigo 10.°, n.° 2, da CEDH (50), não tem uma validade ilimitada, podendo sofrer algumas restrições justificadas pelo interesse geral, desde que estejam previstas na lei, correspondam a um ou mais objectivos legítimos previstos no artigo 10.° da CEDH e sejam necessárias numa sociedade democrática, isto é, sejam justificadas por uma necessidade social e sejam proporcionais aos fins legítimos prosseguidos.

79.      A protecção da saúde, nos termos do artigo 10.°, n.° 2, da CEDH, em conjugação com o artigo 53.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, é um motivo legítimo de limitação da liberdade de expressão (51). Contudo, a determinação do objectivo de interesse público está ligada à atribuição de competências, de modo que a União só pode invocar os bens jurídicos que, segundo o direito da União lhe cabe proteger para legitimar uma restrição dos direitos fundamentais. Independentemente do imperativo de harmonização no domínio da política de saúde imposto no artigo 152.°, n.° 4, alínea c), CE, a protecção da saúde com base na sua qualidade de sector de importância transversal é considerado como fim legítimo da União, neste sentido, o que aliás tem expressão especialmente nos artigos 95.°, n.° 3, CE e 152.°, n.° 1, CE. Segundo estas disposições, na definição e execução de todas as políticas e acções comunitárias deve ser garantido um alto nível de protecção da saúde. O mesmo está consagrado no artigo 35.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais.

80.      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os interesses relevantes devem sempre ser ponderados e deve ser mediante a apreciação de todas as circunstâncias de cada caso concreto que se deve determinar se foi garantido o adequado equilíbrio entre todos os interesses. A mesma ponderação é imposta segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (52). Há que considerar que uma proibição absoluta de publicidade, como declarou o advogado‑geral N. Fennelly nas suas conclusões no processo, Alemanha/Parlamento e Conselho (53), no quadro de uma proibição de publicidade a produtos de tabaco em jornais e revistas, constitui uma restrição particularmente grave à liberdade de expressão que, para ser justificada, exige que se fundamente não existir uma medida menos restritiva. Por conseguinte, as exigências de justificação de uma proibição de publicidade devem ser consideradas particularmente elevadas.

ii)    Liberdade de informação activa

81.      Acresce que, se o fabricante indicar informações sem carácter publicitário ou comercial no seu site, estará também em jogo, subsidiariamente, a liberdade de informação activa como direito fundamental específico. Este direito garante o direito autónomo de prestar informações a terceiros, seja oralmente, por escrito, por forma impressa ou electrónica (54). A liberdade de informação activa é normalmente incluída na esfera de protecção do direito fundamental geral de liberdade de expressão (55). Assim, o artigo 10.°, n.° 1, da CEDH prevê primeiro a liberdade de expressão e concretiza‑a no segundo período na liberdade de receber ou transmitir informações (56). Também a Carta dos Direitos Fundamentais, no artigo 11.°, n.° 1, segundo período, consagra o direito de expressão inclui, igualmente, a liberdade de receber e transmitir informações sem ingerência dos poderes públicos. Nela protege‑se não apenas a transmissão de ideias próprias, mas também as ideias e informações de terceiros.

82.      Para este direito fundamental são válidas as mesmas restrições que se aplicam ao direito de expressão em sentido estrito, pelo que lhe são aplicáveis, mutatis mutandis, as mesmas considerações (57).

iii) Liberdade de exercício da actividade empresarial

83.      Pela proibição de publicidade de medicamentos é igualmente atingida a liberdade de empresa garantida no artigo 16.° da Carta dos Direitos Fundamentais e na jurisprudência do Tribunal de Justiça. A liberdade de empresa constitui uma forma especial de liberdade de profissão, que é considerada um princípio geral do direito comunitário (58). A comunicação comercial tem uma forte relação com a liberdade de empresa. A publicidade e a informação, enquanto condições indispensáveis para a venda de um produto, constituem uma forma típica de exercício da liberdade de empresa.

84.      Como declarou o Tribunal de Justiça em jurisprudência constante (59), este princípio geral não tem absoluta primazia, devendo antes ser considerado na sua função social. O direito de livre exercício de uma profissão pode por isso ser sujeito a restrições, desde que tais restrições correspondam efectivamente aos fins de interesse geral da União Europeia e não constituam uma restrição de tal forma desproporcionada e inaceitável tendo em conta os fins prosseguidos que ponha em causa a própria essência dos direitos protegidos.

iv)    A informação passiva do consumidor

85.      Por fim, a proibição de publicidade de medicamentos restringe também o direito de informação passiva dos consumidores, protegido pelo artigo 11.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais. O domínio de protecção material do direito de informação abrange todo o processo, desde a simples troca de informação até à sua difusão e arquivamento (60). O direito de informação passiva enquanto direito ao acesso e à recepção de informações não deve ser visto como restringido a um comportamento passivo, pois protege também o esforço no sentido de obter informações (61).

86.      No domínio do medicamento, o direito dos pacientes a informação assume uma nova importância na perspectiva do novo contexto do «paciente informado», ao qual deve ser facultada a mais ampla liberdade de escolha relativamente ao seu tratamento e medicamentação e que portanto é remetido para uma informação completa, clara e objectiva (62). Assim, a Comissão, na referida comunicação ao Parlamento e ao Conselho (63) assume que os pacientes têm direito à informação e que devem portanto ter a possibilidade de se informar sobre a sua saúde, as doenças e as possibilidades de tratamento. Este direito a informação, segundo a Comissão (64), tem em conta o facto de que actualmente os doentes já não se limitam a seguir os tratamentos que lhes são prescritos, mas cada vez mais estão activamente empenhados na protecção da sua saúde. Por isso, os doentes interessam‑se intensamente pelas suas doenças, mostram grande interesse por questões de saúde e têm uma crescente necessidade de informação. A Comissão considera o novo quadro do «paciente informado», que prevê um papel sempre mais activo dos doentes nos tratamentos, no sentido de um reforço dos direitos dos cidadãos, como resulta do seu Livro Branco sobre a política de saúde (65).

87.      Em consonância com este novo quadro, as autoridades competentes de muitos Estados‑Membros publicam actualmente cada vez mais informações sobre doenças e medicamentos, seja na Internet, em jornais e brochuras, em campanhas de informação, seminários ou simpósios. Além disso, é também difundida informação nos meios de comunicação a e nas farmácias (66). No quadro da investigação dos critérios para responder à questão de saber em que medida a publicação de informações sobre medicamentos na Internet pelo fabricante deve ser entendida como publicidade, passo a analisar em seguida as consequências deste desenvolvimento no sector dos medicamentos.

b)      Quanto aos critérios de qualificação em concreto

88.      Em seguida indicarei, como já referi no n.° 69 das presentes conclusões, alguns critérios objectivos que ajudarão o juiz nacional a responder à questão de saber se a publicação de uma determinada informação sobre um medicamento na Internet, consideradas todas as circunstâncias, deve ser entendida como tendo um objectivo publicitário.

i)      Limitado valor da indicação do autor

89.      Em primeiro lugar, há que apreciar a importância que deve ser atribuída à autoria da informação sobre um medicamento. O teor do artigo 86.° da Directiva 2001/83, só por si, não permite distinguir entre informação publicitária e mera informação descritiva com base no critério do seu autor (67). É necessária uma interpretação teleológica mais precisa desta disposição.

90.      O facto de, no processo principal, o fabricante disponibilizar informações sobre os seus medicamentos, designadamente na Internet, acessível a um amplo número de pessoas, constitui um forte indício suplementar para uma qualificação dessa informação como publicidade na acepção da definição indicada, uma vez que o fabricante tem normalmente interesse na comercialização do produto. Esta conclusão pode basear‑se, como se verá de seguida, na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre medicamentos.

91.      Assim, no processo Ter Voort (68), no contexto da qualificação de um produto como medicamento, na acepção da definição de medicamento «por apresentação» do artigo 1.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Directiva 65/65 (69), o Tribunal de Justiça declarou que «os comportamentos, as iniciativas e as diligências do fabricante ou do vendedor que revelem a sua intenção de fazer aparecer o produto que comercializa como um medicamento aos olhos de um consumidor medianamente prudente podem pois ser determinantes para decidir se um produto deve ser considerado como um medicamento por apresentação» (70). Na opinião do Tribunal de Justiça «a circunstância de a publicação ser enviada não pelo fabricante ou pelo vendedor, mas por um terceiro que actua por conta deles ou em relação com eles, não pode permitir afastar qualquer intenção do vendedor ou do fabricante de comercializar o produto como medicamento» (71). Por outras palavras, ao fabricante é atribuída, em determinadas condições, uma disposição de princípio para publicitar os seus próprios medicamentos que tem de ser tida em consideração.

92.      Mas também no acórdão Damgaard o Tribunal de Justiça salientou que «a situação do autor de uma comunicação relativa a um medicamento e, em especial, a sua relação com a empresa produtora ou distribuidora do medicamento constituem um factor que […], ajuda a averiguar se essa comunicação é de carácter promocional […]» (72). Assim, o Tribunal de Justiça admite implicitamente que a proximidade de um terceiro com o fabricante pode influir na apreciação da neutralidade desse terceiro na elaboração da descrição de um determinado medicamento ou se ele seguiu os interesses do fabricante. Assim, não pode simplesmente excluir‑se que o fabricante quando publica informações sobre os seus medicamentos não esteja a prosseguir fins publicitários.

93.      Sou de opinião de que tal conclusão, em determinadas condições, é admissível mas não obrigatória, pois são pensáveis muitas razões que podem estar na origem da publicação de informações pelo fabricante. A conclusão de que qualquer publicação de informações pelo fabricante teria o objectivo de aumentar as vendas conduziria a um conceito amplo de publicidade de medicamentos.

94.      Como declarou com razão a MSD, a publicação de informações pode ter uma relação com o trabalho geral de publicações da empresa, sem se tratar in concreto do objectivo de aumento de vendas. Um dos móbeis para a publicação na Internet pode ser a intenção de substituir informações não controladas e portanto inseguras, por informações correctas do fabricante sobre o medicamento. Naturalmente, o fabricante dispõe de informações em primeira mão sobre o medicamento e está mais bem colocado para reconhecer falsas informações e exigir a sua eliminação. Tal atitude não tem como intenção aumentar as vendas de determinado produto, mas antes a de proteger o bom nome da empresa e dos seus colaboradores. Além disso, o fabricante pode querer também informar os pacientes que já tenham adquirido o medicamento mas que tenham perdido a bula. A prevenção de uma automedicamentação sem consulta da bula, com riscos para a saúde dos consumidores, pode ser também do interesse do fabricante, para evitar danos para a imagem da empresa ou até para a proteger de pedidos de indemnização (73). Finalmente, um fabricante de medicamentos pode ter como motivação simplesmente satisfazer a necessidade e o direito de informação do público, por exemplo para mostrar a transparência da empresa.

95.      Isto demonstra que a publicação de informações pelo fabricante não pode ser considerada sem mais como uma medida com o objectivo de fomentar a prescrição, o fornecimento, a venda e o consumo de medicamentos. Outras circunstâncias têm de ser tidas em conta para que essa conclusão se possa justificar. Segundo a proposta da Comissão (74), são de ter em conta, por exemplo, o objecto e o conteúdo da informação, o círculo dos destinatários e as características do meio pelo qual essa informação é tornada acessível ao público.

96.      Antes de passar a analisar concretamente estes critérios, pretendo fazer umas breves considerações sobre o papel do Estado na difusão de informações sobre medicamentos que, no quadro da audiência, foi discutido. Tendo em conta o facto de que a simples autoria, como já vimos, por si própria, pouco diz sobre a motivação do fabricante para difundir informações sobre medicamentos junto do público, a observação do Governo português de que a publicação dessa informação deve ser feita obrigatoriamente pelos órgãos estatais não me parece convincente. Pelo contrário, são amplamente concebíveis outras formas de informação em que, por exemplo, ao fabricante seja igualmente permitido difundir informação sobre medicamentos na Internet, sob fiscalização do Estado e mediante a observância de um quadro jurídico preciso que inclui a proibição da publicidade de medicamentos sujeitos a receita médica prevista no direito da União. Os objectivos da Directiva, que devem ser atingidos com este sistema, parecem‑me também susceptíveis de ser atingidos através da difusão de informação pelo fabricante. A vantagem desta posição consiste na utilização óptima de informações científicas em primeira mão. Não ignoro que constituição de um sistema de informação de saúde é essencialmente competência dos Estados‑Membros. Mas isso não isenta os Estados‑Membros, quando transpõem as normas da União Europeia sobre publicidade de medicamentos para o seu direito interno, de terem em conta de forma adequada o direito dos pacientes à informação e os direitos dos fabricantes, e de avaliarem os regimes em vigor.

ii)    Objecto da informação

97.      Objecto da informação no processo principal, de acordo com as indicações do pedido prejudicial, é um conjunto de medicamentos sujeitos a receita médica fabricados pela MSD. À primeira vista, a proibição de publicidade de medicamentos sujeitos a receita médica parece ser justificada, uma vez que a utilização incorrecta destes medicamentos pode ter tão graves consequências para a saúde do consumidor que a estrita sujeição a receita médica e venda nas farmácias parece necessário. Por outro lado, precisamente neste tipo de medicamentos, o risco de automedicação é bastante menor do que no caso dos medicamentos de venda livre, porquanto eles não podem ser obtidos, pelo menos de forma legal, sem prévia consulta médica e aquisição na farmácia e o respectivo aconselhamento e consulta. Um possível incentivo provocado pela publicidade não se traduziria por isso directamente nas decisões de compra.

98.      Não pode ser inteiramente excluído que a publicação de informações sobre medicamentos na página da Internet de um grupo farmacêutico possa influenciar a sua venda. Mas a simples transmissão de informações só pode influenciar o aumento das vendas de um medicamento numa medida muito limitada, pois a obrigação de prescrição médica implica que seja ao médico que cabe decidir se e qual o medicamento a receitar. As informações necessárias para o efeito são obtidas pelo médico normalmente na imprensa especializada e junto das empresas farmacêuticas.

99.      A informação complementar dos pacientes pode influenciar o seu consumo de duas formas. Por um lado, a leitura prévia da bula na Internet pode levá‑lo a recusar a prescrição de determinado medicamento devido a determinados riscos ou efeitos laterais. Neste sentido, a publicação poderia até ter um efeito refreador das vendas. Por outro lado, o material informativo da Internet pode conduzir a que o paciente chame a atenção do seu médico para um determinado medicamento tornando assim possível a sua prescrição. Independentemente disso, deve partir‑se do princípio de que um médico está mais bem informado sobre um medicamento do que o seu paciente. Além disso, é altamente improvável que um leigo, através de uma busca específica na Internet se depare com um medicamento adequado, uma vez que essa procura de informação sobre o produto pressupõe precisamente o conhecimento do nome do medicamento. Finalmente, a decisão última sobre a prescrição de um medicamento cabe sempre ao médico. A informação constante da Internet só pode portanto influenciar indirectamente a decisão de compra, através da decisão do médico, que está obrigado a analisar o medicamento com sentido crítico, que necessariamente possui devido à sua formação.

100. Assim, com o acesso à informação não se produz um aumento de vendas. A opinião contrária, que supõe que os médicos não podem subtrair‑se ao desejo dos seus pacientes de lhe serem receitados determinados medicamentos, vendo os médicos como simples intermediários entre os doentes e a indústria farmacêutica, ignora o papel central dos médicos no sistema de saúde. Independentemente desta questão, todos os Estados‑Membros proíbem aos médicos receitarem medicamentos inadequados ou permitir a má utilização de medicamentos. Os médicos estão sujeitos, como declarou o Tribunal de Justiça no seu acórdão Association of the British Pharmaceutical Industry (75), a sanções penais e a responsabilidade civil e disciplinar e perante a segurança social, com o objectivo de garantir um comportamento responsável (76).

101. O perigo de utilização errada de um medicamento sujeito a receita médica limita‑se à utilização da embalagem receitada. A utilização do medicamento para fins errados ou em dose incorrecta pode prejudicar a saúde do paciente. Mas esses riscos não são imputáveis à publicidade, de modo que a sua proibição ampla não pode ser justificada com este fundamento. Pelo contrário, a disponibilidade posterior da bula e de outra informação científica na Internet sobre os medicamentos sujeitos a receita médica pode até ter um papel preventivo desse tipo de utilização, uma vez que chama a atenção para esses perigos. Esse caso será particularmente relevante se o paciente perder a bula do medicamento, o que não é de excluir. São pensáveis um conjunto de situações que podem criar a necessidade de uma nova consulta das indicações do produto já adquirido. O paciente pode perder a bula, mas pode também ir de férias e esquecer‑se dela ou simplesmente deitá‑la fora por inadvertência pelo que se perdem importantes informações sobre o tratamento. Nesta medida, é de concordar com a opinião do tribunal de reenvio, segundo o qual as informações científicas disponibilizadas na Internet sobre posologia, riscos, efeitos secundários e possíveis reacções são largamente aptas para prevenir ou reduzir os riscos de uma «automedicação desinformada» (77).

iii) Conteúdo da informação

102. Parece difícil qualificar como publicidade, na acepção da definição do artigo 86.°, n.° 1, da Directiva 2001/83, num caso em que o comportamento consiste na comunicação de informação objectiva, pois o carácter publicitário é duvidoso. Para se poder atribuir um objectivo publicitário, o conteúdo concreto da informação tem especial importância. Resulta do pedido prejudicial que o site em questão apenas contém informações foram apresentadas às entidades competentes no âmbito do processo de autorização e as que são acessíveis a quem quer que adquira o medicamento. Daqui pode inferir‑se que as informações em causa não vão manifestamente além do que consta da etiquetagem da embalagem e da bula do medicamento. Tem de tratar‑se das informações indicadas no artigo 54.° da Directiva 2001/83. Entre elas incluem‑se a composição qualitativa e quantitativa de todos os elementos do medicamento, as indicações terapêuticas, contra‑indicações e efeitos secundários, posologia, apresentação, modo de administração e duração conveniente do tratamento e ainda indicações sobre sobredosagem (sintomas, medidas de emergência, antídotos), indicações sobre os efeitos da toma sobre a capacidade de utilização de máquinas ou a condução de veículos.

103. Em primeiro lugar, há que observar que o artigo 86.°, n.° 2, da Directiva 2001/83 exclui expressamente a rotulagem e a bula dos medicamentos do campo de aplicação da proibição de publicidade (78). Daqui resulta que nem a bula nem as indicações da embalagem têm relevância jurídica para este efeito. Como reconhece acertadamente o Governo do Reino Unido (79), a justificação desta exclusão só pode ser o facto de a embalagem e a bula servirem para fornecer informações essenciais ao paciente mas que não visam fomentar a venda de medicamentos.

104. Independentemente disso, não pode deixar de se considerar que muitas vezes são as indicações sobre contra‑indicações e efeitos secundários que predominam na bula, de forma que o paciente acaba por renunciar à compra e à toma do medicamento em vez de ser incentivado a consumi‑lo.

105. Coloca‑se no entanto a questão de saber se esta valoração é transponível para a publicação da bula na Internet. O facto de determinada informação ser também obrigatória, não obsta à sua qualificação como publicidade noutro contexto. Mas na medida em que não existam outros elementos que apontem no sentido da sua qualificação como publicidade, a simples reprodução literal das indicações obrigatórias na Internet não justifica essa qualificação. Esta conclusão é adequada precisamente perante o já mencionado objectivo de protecção da proibição da publicidade, uma vez que o medicamento em causa e as informações que o acompanham já foram analisados e autorizados pelas autoridades competentes nos termos do artigo 61.° da Directiva 2001/83. Essa análise abrange, segundo o artigo 62.° da directiva, também as indicações que podem ter carácter publicitário. Há por isso que concordar com a Comissão no sentido de que o consumidor, nas circunstâncias apontadas, não corre nenhum risco pelo conteúdo das informações disponibilizadas (80). É portanto duvidoso se tal restrição de transmissão de informações, como a que existe no processo principal, é necessária para o efeito de protecção da saúde.

106. Assim, há que concluir que não existe uma intenção publicitária quando o fabricante se limita exclusivamente a reproduzir na página da Internet, sem alterações ou abreviação, as indicações sobre o medicamento tal como constantes da bula, um resumo das suas características ou um relatório de avaliação, acessível ao público, elaborado pelas autoridades competentes. O Governo dinamarquês (81) reconheceu que este tipo de informação, pela sua forma ou conteúdo, não tem carácter publicitário. Outra será a conclusão se, em certas condições, se se tratar de informação sobre o medicamento trabalhada pelo fabricante, quando tal informação não seja necessária para garantir fins de segurança.

107. Finalmente, outro argumento sistemático pode sustentar a opinião aqui defendida. Segundo o artigo 86.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, a correspondência necessária para dar resposta a uma pergunta específica sobre determinado medicamento e as informações concretas e os documentos de referência devem ser considerados como informação e não como publicidade. Se a disponibilização de informação fundamental autorizada de uma empresa para resposta a uma questão concreta colocada por um paciente não constitui publicidade, dificilmente se poderia justificar que a publicação dessa informação na Internet acessível aos interessados pudesse ser qualificada de forma diferente. A publicação na Internet é um meio mais cómodo e eficaz de resposta a questões fundamentais e objectivas.

108. Estes argumentos indicam que o conceito de publicidade deve ser interpretado no sentido de que não abrange a informação objectiva e materialmente correcta sobre um produto fornecida pelo fabricante que esteja em concordância com as indicações de uso e as características científicas autorizadas pelas autoridades competentes – especialmente se essa informação for disponibilizada pela Internet.

iv)    Círculo dos destinatários e características do meio de informação

109. Como critério de distinção entre publicidade e informação acresce ainda o círculo dos interessados e as características do meio de informação utilizado para difundir a informação, sendo relevante saber se essa informação se dirige ao círculo dos especialistas para efeitos de consulta ou a potenciais clientes. A questão deve ser respondida através da investigação concreta do site.

110. Em primeiro lugar, há que salientar que actualmente a Internet, como alegou o Governo polaco com acerto, é um meio de massas a que tem acesso um público vasto (82). A Internet desempenha há muito um importante papel na criação e transmissão de informação de qualquer natureza. Não pode deixar de mencionar‑se o importante papel da Internet como mercado virtual de diversos produtos (o chamado «e.commerce») – também dos produtos farmacêuticos – para além das fronteiras dos Estados, o que coloca novas exigências ao domínio da saúde. Contudo, nem todos os domínios da Internet estão acessíveis a toda a gente. Normalmente, o administrador de um site tem a possibilidade técnica de, através de uma palavra‑chave, barrar o acesso a determinadas páginas a pessoas não autorizadas, restringindo o acesso a esse site, desde o início, a um determinado círculo de pessoas, como por exemplo os especialistas (83). No processo principal nada se diz sobre a restrição de acesso à informação sobre medicamentos, pelo que a informação em questão, em princípio, está acessível a qualquer pessoa. Assim, o fabricante admite que a informação em causa seja acessível a potenciais pacientes. Além disso, o tipo de informação em causa não esclarece se o site era dirigido a um círculo determinado de especialistas.

111. Contra a qualificação como publicidade pode‑se ainda alegar que a informação farmacêutica em causa não foi publicada de forma a ser dirigida para os potenciais compradores. O caso seria diferente se existissem os chamados serviços «pop‑up», ou seja, se – como alega a Comissão (84) – o utilizador da Internet deparasse de forma não solicitada com janelas no seu monitor com esses conteúdos, sem os ter procurado. Tal conformação do site seria então um indício da intenção publicitária do fabricante. Mas tal não se verifica no processo principal. Pelo contrário, deve admitir‑se que a informação farmacêutica aqui em causa tinha de ser procurada activamente. Em termos gerais, a Internet é um meio que se caracteriza pela busca dirigida do utilizador (85). O potencial comprador precisa provavelmente de conhecer o fármaco e de saber de antemão que o fabricante disponibiliza informação sobre o produto no seu site. Uma pessoa que não tenha qualquer interesse nesse medicamento não será acidentalmente confrontada com essa informação. Ao contrário do que sustentou o Governo português (86), não é suficiente que o utilizador da Internet aceda a um determinado endereço na Internet, pois tal comportamento pressupõe precisamente o conhecimento prévio de que essa informação é prestada na Internet. Por isso, é de subscrever a posição da Comissão, segundo a qual este tipo de transmissão da informação a partir de uma plataforma passiva de apresentação, em regra, não é prejudicial e não se difunde junto de um vasto público impreparado (87). Uma vez que numa situação como a do processo principal não se infere das características do meio de informação qualquer indício de uma intenção publicitária do fabricante, é adequada uma interpretação restritiva do conceito de publicidade.

112. Independentemente disso, e tendo em conta as considerações que precedem, é duvidoso que só pelo facto de potenciais pacientes poderem ser visados por essa informação se justificar a proibição de acesso a indicações sobre medicamentos, uma vez que, como já referido (88), os pacientes têm um interesse justificado em ter acesso a informação científica e objectiva.

113. Além disso, tendo em conta as características destes consumidores como consumidores de um sector específico do mercado, parece‑me aceitável a transposição do conceito de consumidor médio desenvolvido pela jurisprudência (89) para o domínio dos medicamentos (90). Outro argumento a favor dessa transposição do modelo de informação em vigor no direito de protecção dos consumidores é o facto de a jurisprudência do Tribunal de Justiça se ter colocado há muito na perspectiva do consumidor médio, por exemplo, na apreciação da questão do medicamento por função na acepção da Directiva 2001/83. Segundo jurisprudência constante, a autoridade nacional competente, que actua sob o controlo dos tribunais, tem o dever de decidir caso a caso tendo em consideração o conhecimento do produto por parte dos consumidores (91). Em consonância, também a apreciação da questão de como a informação do produto funciona junto do público deve ser feita a partir de um paciente normalmente informado, razoavelmente atento e crítico.

114. Por outro lado, o sector da medicina caracteriza‑se também por uma especial complexidade que torna improvável que os pacientes possam ser os únicos responsáveis pela sua saúde (92), o que não seria realista nem desejável do ponto de vista da protecção da saúde pública. A protecção da saúde humana é uma obrigação prevista no artigo 152.° CE e no artigo 168° TFUE (93). Mas o direito dos pacientes à informação só seria adequadamente respeitado se o seu acesso a informação objectiva não for completamente impedida, mas permitida sob determinadas condições, o que constitui uma medida menos restritiva do que uma proibição ampla de informação sobre fármacos.

115. Por outro lado, não pode esquecer‑se que os pacientes, precisamente no caso de medicamentos sujeitos a prescrição médica, são sempre remetidos para o conselho do médico prescritor (94), cujo papel‑chave no domínio da saúde nunca será diminuído por se disponibilizar mais informação, sendo antes confirmado. O médico tem o dever de fornecer ao doente uma ampla informação sobre os efeitos do medicamento e seus possíveis efeitos secundários. O fornecimento atempado de informação objectiva ao doente a partir de fontes fiáveis num momento anterior a uma consulta pode até contribuir para a prestação de melhores cuidados de saúde, uma vez que o médico se defrontará nesse caso com um interlocutor informado, podendo discutir com ele as vantagens e inconvenientes da terapia. Desta forma pode assegurar‑se de que será prescrito um tratamento adequado e até eventualmente menos oneroso, o que é tanto mais importante quanto mais frequentemente os pacientes forem envolvidos no financiamento do sistema de saúde por terem de suportar uma parte do preço dos medicamentos (95). Esta solução, baseada no consentimento do paciente, teria a vantagem de respeitar o direito de escolha do paciente, sem colocar em causa a autoridade do médico.

116. Manter a desinformação dos pacientes por efeito de uma proibição ampla como a descrita no pedido prejudicial teria o efeito de os deixar mais receptivos a informações incorrectas de fontes inverificáveis, como fóruns de discussão, enciclopédias livres e portais de saúde na Internet. Os pacientes que se automedicam e grupos afins são remetidos em larga medida para informações em cuja correcção e objectividade podem confiar. Tendo em atenção o facto de que quer a Internet quer a imprensa escrita e a televisão apresentam inúmeras notícias sobre temas de saúde e medicamentos cuja seriedade e correcção nem sempre é garantida, parece mais importante disponibilizar aos pacientes informações em fontes dignas de confiança e cientificamente abonadas (96). Publicações de terceiros cientificamente não comprovadas podem levar a confusões e falta de informação do público. Uma interpretação demasiado ampla do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83 poderia portanto ser contraproducente para os próprios objectivos de proibição da publicidade de medicamentos, que são a protecção da saúde pública perante o risco de «publicidade excessiva e irreflectida».

117. Para se garantir que a consulta do médico não é iludida seria suficiente obrigar o fabricante a avisar os potenciais clientes no site de que as informações sobre medicamentos não dispensam a consulta de um médico. É por isso duvidoso que uma proibição ampla de publicidade de medicamentos que impeça categoricamente o fabricante de publicar no seu site informações sobre os seus próprios medicamentos seja adequada a proteger efectivamente a saúde pública. Neste contexto, impõe‑se uma interpretação restritiva do conceito de publicidade de medicamentos.

c)      Observações de lege ferenda

118. Deve ainda referir‑se a proposta da Comissão, de 10 de Dezembro de 2008, de alteração da Directiva 2001/83 (97), que introduz um novo título VIII‑A na directiva («Informação ao público em geral sobre os medicamentos sujeitos a receita médica») e que visa subtrair à proibição de publicidade de medicamentos, em determinadas condições, algumas informações sobre medicamentos sujeitos a receita médica.

119. O artigo 100.°‑B da proposta de directiva dispõe que «os Estados‑Membros devem autorizar os titulares de autorizações de introdução no mercado a difundir junto do público em geral, ou de elementos do público, directamente ou indirectamente através de terceiros, informações sobre os medicamentos autorizados sujeitos a receita médica, desde que se garanta a sua conformidade com o disposto no presente título». Essas informações não devem ser consideradas publicidade. Este regime é justificado no oitavo considerando da proposta de directiva com o facto de «os titulares de autorizações de introdução no mercado pode[rem] constituir uma valiosa fonte de informações de carácter não promocional sobre os seus medicamentos». Esta consideração corresponde à opinião aqui expressa (98). De acordo com o décimo segundo considerando da proposta da Comissão, a informação sobre medicamentos sujeitos a receita médica deve poder ser difundida também na Internet.

120. O artigo 100.°‑A enuncia as categorias de informações que podem ser difundidas pelo titular da autorização de introdução no mercado, podendo ver‑se que estas informações se reportam aos medicamentos – o resumo das características do produto, a rotulagem e o folheto assim como a versão acessível ao público do relatório de avaliação do medicamento elaborado pelas entidades competentes – cuja objectividade não pode ser posta em causa, uma vez que são objecto de controlo pela autoridade competente. Tal hipótese corresponde precisamente à situação subjacente ao processo principal. Salvaguardadas eventuais alterações que possa sofrer o projecto da Comissão no decurso do processo legislativo, as informações publicadas pela MSD na Internet não seriam excepcionalmente consideradas publicidade e não seriam proibidas.

121. Esta iniciativa legislativa liga‑se aos desenvolvimentos iniciados com a alteração do Código Aduaneiro Comunitário pela Directiva 2004/27, visando estabelecer uma diferenciação clara e objectiva entre informação e publicidade. Assim, foi introduzido no Código Aduaneiro um novo título «Informação e publicidade», cujo artigo 88.°‑A determina que a Comissão, no prazo de três anos, apresentará ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório sobre as práticas actuais em matéria de informação, nomeadamente por Internet. Com base nesse relatório, a Comissão deve lançar uma estratégia em matéria de informação capaz de garantir uma informação de qualidade, objectiva, fiável e não promocional sobre os medicamentos.

122. Estas disposições podem ser consideradas como uma reacção ao risco de um conceito demasiado amplo de publicidade no direito dos medicamentos. São a expressão de uma tendência mais liberal dos órgãos da União envolvidos no processo legislativo no que toca à difusão de informações objectivas sobre medicamentos sujeitos a receita médica que visa obter um equilíbrio óptimo entre a protecção da saúde pública e os direitos fundamentais dos consumidores e dos fabricantes. Na minha opinião, esta tendência, que demonstra convergência com a opinião aqui expressada, não pode deixar de ser considerada na interpretação da Directiva 2001/83.

3.      Considerações finais

123. Atento o que precede, concluo ser necessária uma interpretação conforme com os direitos fundamentais do conceito de publicidade dos medicamentos, para compatibilizar a protecção da saúde pública com os direitos fundamentais dos consumidores e dos fabricantes. No que respeita à distinção entre publicidade e simples informação, o critério decisivo consiste no fim prosseguido da mensagem difundida. Cabe, em princípio, aos tribunais nacionais determinar, com base nas circunstâncias do caso concreto, se existe uma intenção publicitária. Como critérios a ter em conta para decidir essa questão contam‑se, entre outros, a autoria da informação o seu objecto e conteúdo, o círculo dos destinatários e as características do meio utilizado para difundir essa informação junto do público. Uma vez que o Tribunal de Justiça dispõe de informação suficiente sobre o processo principal, está habilitado para, no uso da sua competência interpretativa, dar uma resposta às questões concretas que lhe foram colocadas (99).

124. Tendo presentes os princípios atrás enunciados, deve responder‑se à questão prejudicial que o artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que não abrange a publicidade junto do público de medicamentos sujeitos a receita médica como a que está em causa no processo principal, na medida em que apenas consiste em informações que foram apresentadas à autoridade competente no âmbito do processo de autorização e que estão acessíveis a quem adquira o medicamento em causa e na medida em que essas informações não são fornecidas aos interessados sem que estes as procurem, mas apenas estão acessíveis na Internet a quem activamente as procure.

125. Uma vez que a disponibilização na Internet de informações sobre medicamentos do tipo das descritas no pedido prejudicial, de acordo com a interpretação restritiva aqui preconizada, não se pode subsumir ao conceito de publicidade de medicamentos, não é necessário apreciar a conformidade do artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83 com o direito primário (100).

VII – Conclusão

126. Tendo em conta as observações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão colocada pelo Bundesgerichtshof da seguinte forma:

«O artigo 88.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, deve ser interpretado no sentido de que não abrange a publicidade junto do público de medicamentos sujeitos a receita médica como a que está em causa no processo principal, na medida em que apenas consiste em informações que foram apresentadas à autoridade competente no âmbito do processo de autorização e que estão acessíveis a quem adquira o medicamento em causa e na medida em que essas informações não são fornecidas aos interessados sem que estes as procurem, mas apenas estão acessíveis na Internet a quem activamente as procure.»


1 – Língua original: alemão.


2 – O processo de reenvio prejudicial, nos termos do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, de 13 de Dezembro de 2007 (JO C 306, p. 1) é actualmente regulado no artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.


3 – JO L 311, p. 67.


4 – JO L 136, p. 34.


5 – BGBl. I, p. 3068.


6 – BGBl. I, p. 984.


7 – V. TEDH, acórdão Stambuk c. Alemanha de 17 de Outubro de 2002 (processo n.° 37928/97).


8 – Acórdão do Bundesverfassungsgericht de 30 de Abril de 2004 (1 BvR 2334/03).


9 – Acórdão de 2 de Abril de 2009, Damgaard (C‑421/07, Colect., p. I‑2629).


10 – Já referido na nota 9, n.° 28.


11 – Acórdão de 8 de Novembro de 2007, Gintec (C‑374/05, Colect., p. I‑9517).


12 – Idem, n.os 20 e 39. V., também, Meyer, F., «Das strenge deutsche Heilmittelrecht – ein Fall für den Europäischen Gerichtshof», Pharma Recht, 2007, p. 231, que observa que as disposições sobre publicidade da directiva constituem um sistema completo e abrangente, que não deixa espaço livre de conformação.


13 – Acórdão Gintec (já referido na nota 11, n.° 26).


14 – V. as conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer de 18 de Novembro de 2008, Damgaard (C‑421/07, acórdão de 2 de Abril de 2009, já referido na nota 9, n.° 34). Neste sentido, também, De Grove‑Valdeyron, N., «Vers un marché unique des médicaments: acquis et nouvelles orientations communautaires», Cahiers de droit européen, 45.° ano, (2009), n.° 3‑4, p. 357.


15 – Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho relativa ao relatório sobre as práticas actuais em matéria de informação a doentes sobre medicamentos [COM (2007) 862 final, pp. 3 e 10].


16 – V. as conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer de 13 de Novembro de 2008 no processo Gintec (acórdão já referido na nota 11, n.° 60), em que declarou não ter dúvidas de que o objectivo da Directiva 2001/83, que visa assegurar a preocupação do Tratado CE com a saúde pública, é garantir uma utilização legal e razoável dos medicamentos (considerando 40, artigo 87.°, n.° 3, primeiro travessão, e artigo 89.°, n.° 1, alínea b), segundo e terceiro travessões), uma vez que visa combater uma publicidade excessiva e irreflectida (considerando 45) ou enganosa, relativamente às características dos medicamentos [artigo 89.°, n.° 3, segundo travessão e artigo 90.°, alínea j)]; v., também, acórdão Damgaard (já referido na nota 9, n.os 22 e 29); e acórdão de 22 de Abril de 2010, Association of the British Pharmaceutical Industry (C‑62/09, Colect., p. I‑0000, n.° 30).


17 – Acórdão de 11 de Dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband (C‑322/01, Colect., p. I‑14887, n.° 117).


18 – Esta disposição determina que estão sujeitos a receita médica os medicamentos que possam constituir, directa ou indirectamente, um risco, mesmo quando usados para o fim a que se destinam, se não forem utilizados sob vigilância médica.


19 – Neste sentido, v. acórdãos de 27 de Março de 1963, Da Costa e o. (28/62 a 30/62, Colect. 1962‑1964, p. 233); de 1 de Março de 1973, Bollmann (62/72, Colect., p. 145, n.° 4); de 10 de Julho de 1997, Palmisani (C‑261/95, Colect., p. I‑4025, n.° 31); e de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter (C‑2/06, Colect., p. I‑411, n.os 41 e segs.).


20 – V. as conclusões da advogada‑geral J. Kokott de 10 de Julho de 2008, Katz (acórdão de 9 de Outubro de 2008, C‑404/07, Colect., p. I‑7607, n.° 28). Sobre os direitos das partes no processo no quadro de um reenvio prejudicial v., ainda, as minhas conclusões de 6 de Julho de 2010 no processo Pénzügyi Lízing (acórdão de 9 de Novembro de 2010, C‑137/08, Colect., p. I‑0000, n.° 80).


21 – V. acórdãos de 6 de Outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, Colect., p. 3415, n.° 9); de 6 de Julho de 2000, ATB e o. (C‑402/98, Colect., p. I‑5501, n.os 30 e 31); de 10 de Janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, Colect., p. I‑403, n.° 28); e de 30 de Novembro de 2006, Brünsteiner (C‑376/05 e C‑377/05, Colect., p. I‑11383, n.os 27 e 28).


22 – Acórdãos de 20 de Março de 1997, Phyteron (C‑352/95, Colect., p. I‑1729, n.° 14), e de 17 de Setembro de 1998, Kainuun Liikenne e Pohjolan Liikenne (C‑412/96, Colect., p. I‑5141, n.° 24).


23 – Acórdãos de 13 de Dezembro de 1983, Comissão/Conselho (218/82, Recueil, p. 4063, n.° 15); de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/Alemanha (205/84, Recueil, p. 3755, n.° 62); e de 25 de Novembro de 1986, Klensch/Staatssekretär (201/85 e 202/85, Colect., p. 3477, n.° 21).


24 – Neste sentido, Leible, S./Domröse, R., «Die primärrechtskonforme Auslegung», Europäische Methodenlehre (coord. de von Karl Riesenhuber), Berlim, 2006, pp. 187 e segs., remetendo para o acórdão de 9 de Março de 2006, Werhof (C‑499/04, Colect., p. I‑2397, n.° 32). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça recorda que «segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, para interpretar as disposições da directiva, deve ter‑se em conta o princípio da unidade da ordem jurídica comunitária, que exige que a interpretação do direito comunitário derivado seja feita no sentido da sua conformidade com os princípios gerais de direito comunitário».


25 – V. acórdão de 17 de Julho de 1997, Krüger (C‑334/95, Colect., p. I‑4517, n.os 23 e 35). Neste sentido, Lenaerts, K./Arts, D./Maselis, I., Procedural Law of the European Union, 2.ª ed., Londres, 2006, n.os 2‑021, p. 50, segundo os quais o Tribunal de Justiça pode declarar se a questão da validade se baseia numa interpretação correcta do direito derivado. O Tribunal de Justiça pode, em princípio, declarar, em conexão com a interpretação de uma norma, que a apreciação da validade em confronto com uma norma de grau superior não é necessária, uma vez que a alegação de violação do Tratado se baseia noutra interpretação.


26 – Na opinião de Leible, S./Domröse, R., (já referido. na nota 24, pp. 186 e segs.), a interpretação conforme com o direito primário não impede que a interpretação – no quadro da interpretação sistemática ou teleológica – se oriente desde logo pelo direito primário, excluindo as interpretações contrárias ao direito primário, não sendo necessário fazer primeiro a interpretação, confrontando‑se depois o resultado dela com o direito primário.


27 – No mesmo sentido Gellissen, G., Arzneimittelwerbung im Internet, Hamburgo, 2008, p. 149.


28 – V. González Vaqué, L., «Publicidad e información sobre los medicamentos: dos conceptos difíciles de delimitar en el ámbito del Derecho comunitario», Revista electrónica de Derecho del Consumo y de la Alimentación, n.° 21 (2009), p. 34, que sustenta que pode haver ampla informação sem carácter publicitário.


29 – Com pertinência, Michaux, G., «La publicité et l’information relative aux médicaments en droit européen», European Journal of Consumer Law, 2‑3/2009, p. 349, sustenta que não existe uma definição de «outra informação» nem criterios que permitam distingui‑la da «publicidade». Na minha opinião, cabe ao Tribunal de Justiça desenvolver critérios de distinção pela via interpretativa para que a aplicação da Directiva 2001/83 seja consonante com o princípio da segurança jurídica.


30 – Neste sentido, Lorz, A., «Internetwerbung für verschreibungspflichtige Arzneimittel aus gemeinschaftsrechtlicher Perspektive», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht – Internationaler Teil, 2005, p. 895.


31 – V. as conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Damgaard (já referido no n.° 14 supra, n.° 38).


32 – Acórdão Damgaard (já referido na nota 9, n.° 23). Na opinião de González Vaqué, L., (já referido na nota 28, p. 41), a constatação de um fim publicitário só pode constituir um ponto de partida para a delimitação entre publicidade e outra informação. O Tribunal de Justiça atribuiu às autoridades e aos tribunais nacionais a responsabilidade de determinarem, no caso concreto, se uma determinada comunicação visa a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de um medicamento.


33 – Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, cabe aos tribunais nacionais, quando aplicam o direito interno, aplicá‑lo tanto quanto possível com base na letra e no espírito da directiva em causa para que os objectivos por esta prosseguidos possam ser atingidos (v. acórdãos Gintec, já referido na nota 11, n.° 38, e de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835, n.° 113).


34 – V. n.° 57 das presentes conclusões.


35 – No mesmo sentido, no contexto do direito alemão de transposição, Stoll, V., «Das Publikumswerbeverbot für verschreibungspflichtige Arzneimittel – erste Anzeichen einer Auflockerung», Pharma Recht, 2004, p. 101 e segs., em cuja opinião a justificação face aos direitos fundamentais da proibição de publicidade obriga a uma processo de ponderação. O autor vê nesta proibição uma restrição aos direitos fundamentais dos fabricantes e dos pacientes.


36 – À mesma conclusão chegou o advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer no n.° 74 das suas conclusões no processo Damgaard (já referidas na nota 14), quando declarou que objecto de protecção da saúde pública tinha de se adaptar às especificidades da liberdade de expressão, pois a protecção específica deste direito estende‑se também a opiniões que os organismos de saúde consideram prejudiciais ao objectivo de protecção da saúde. Schroeder, W., «Die Auslegung des EU‑Rechts», Juristische Schulung, 2004, n.° 3, p. 182, fala, neste contexto, da obrigatoriedade de interpretação conforme com a Constituição, o que implica que a interpretação do direito da União deve ser orientada pelos direitos fundamentais da União e pelo princípio da proporcionalidade.


37 – V. acórdãos de 18 de Junho de 1991, ERT (C‑260/89, Colect., p. I‑2925, n.° 41); de 29 de Maio de 1997, Kremzow (C‑299/95, Colect., p. I‑2629, n.° 14); e de 3 de Setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colect., p. I‑6351, n.° 284).


38 – V. acórdãos ERT (já referido na nota 37, n.° 41); de 6 de Março de 2001, Connolly/Comissão (C‑274/99 P, Colect., p. I‑1611, n.° 37); de 22 de Outubro de 2002, Roquette Frères (C‑94/00, Colect., p. I‑9011, n.° 25); de 12 de Junho de 2003, Schmidberger (C‑112/00, Colect., p. I‑5659, n.° 71); de 25 de Março de 2004, Karner (C‑71/02, Colect., p. I‑3025, n.° 48); de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, Colect., p. I‑5769, n.° 35); e de 18 de Janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho (C‑229/05 P, Colect., p. I‑439, n.° 76).


39 – JO C 364, p. 1.


40 – V. acórdãos de 14 de Fevereiro de 2008, Dynamic Medien (C‑244/06, Colect., p. I‑505, n.° 42); de 11 de Dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (C‑438/05, Colect., p. I‑10779, n.° 43); e de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho (já referido na nota 38, n.° 38).


41 – V. acórdãos de 1 de Julho de 2010, Knauf Gips/Comissão (C‑407/08 P, Colect., p. I‑0000, n.° 91), e de 19 de Janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, Colect., p. I‑0000, n.° 22).


42 – Acórdão de 6 de Novembro de 2003, Bodil Lindqvist (C‑101/01, Colect., p. I‑12971, n.° 87).


43 – V. acórdãos ERT (já referido na nota 37, n.° 42); de 4 de Outubro de 1991, Grogan e o. (C‑159/90, Colect., p. I‑4685, n.° 31); Kremzow (já referido na nota 37, n.° 15); e Karner (já referido na nota 38, n.° 49).


44 – V. acórdãos de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão (43/82 e 63/82, Colect., p. 19, n.° 34); de 11 de Julho de 1985, Cinéthèque e o. (60/84 e 61/84, Recueil, p. 2605); de 26 de Abril de 1988, Bond van Adverteerders e o. (352/85, Colect., p. 2085, n.° 40); de 13 de Dezembro de 1989, Oyowe e Traore/Comissão (C‑100/88, Colect., p. 4285, n.° 16); ERT (já referido na nota 37, n.° 44); de 25 de Julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda (C‑288/89, Colect., p. I‑4007, n.° 23); de 25 de Julho de 1991, Comissão/Reino dos Países Baixos (C‑353/89, Colect., p. I‑4069, n.° 30); de 5 de Outubro de 1994, TV10 (C‑23/93, Colect., p. I‑4795, n.os 23 e segs.); de 26 de Junho de 1997, Familiapress (C‑368/95, Colect., p. I‑3689, n.° 26); de 11 de Julho de 2002, Carpenter (C‑60/00, Colect., p. I‑6279, n.° 42); e Karner (já referido na nota 38, n.° 50).


45 – V. Streinz, R., EUV/EGV‑Kommentar, Munique, 2003, «Art. 11 Grundrechtecharta», n.° 11, p. 2597; Calliess, C., EUV/EGV‑Kommentar (coord. de Christian Calliess/Matthias Ruffert), 3.ª ed., Munique, 2007, «Art. 11 Grundrechtecharta», n.os 5 e 6, p. 2578. Sporn, S., «Das Grundrecht der Meinungs‑ und Informationsfreiheit in einer Europäischen Grundrechtscharta», Zeitschrift für Urheber‑ und Medienrecht, 2000, p. 540, observa que o direito de livre expressão [«Meinungsfreiheit», literalmente, direito de opinião. NT] deve ser entendido no sentido de que tutela não apenas opiniões, mas também a sua exteriorização. No mesmo sentido, Knecht, M., EU‑Kommentar (coord. de Jürgen Schwarze), 2.ª ed. Baden‑Baden, 2009, «Art. 11 Grundrechtecharta», n.° 6, p. 2229, segundo o qual o direito de livre expressão deve ser entendido num sentido muito amplo, abrangendo quer a expressão de opiniões certas ou erradas como a expressão de juízos de valor.


46 – V. acórdãos Karner (já referido na nota 38, n.° 51); de 23 de Outubro de 2003, RTL Television (C‑245/01, Colect., p. I‑12489, n.° 73); conclusões do advogado‑geral N. Fennelly de 15 de Junho de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho (acórdão de 5 de Outubro de 2000, C‑376/98, Colect., p. I‑8419, n.os 154 e segs.). V. TEDH, acórdão Markt intern Verlag GmbH e Klaus Beermann de 20 de Novembro de 1989, Recueil des arrêts et décisions, série A, n.° 165, e VGT Verein c. Tierfabriken/Schweiz de 28 de Junho de 2001, Recueil des arrêts et décisions 2001‑VI. V., igualmente, Streinz, R., (já referido nota 44, n.° 11, p. 2597); Calliess, C., (já referido nota 45, n.os 6 e 10, pp. 2578 e 2579); Reid, K., A practioner’s Guide to the European Convention on Human Rights, 2.ª ed., Londres, 2004, n.° IIB‑1765, p. 318.


47 – V. TEDH, acórdão Casado Coca e Espanha de 24 de Fevereiro de 1994, , Recueil des arrêts et décisions, série A, n.° 285, §§ 35 e segs.


48 – V., também, Lorz, A., (já referido na nota 30, p. 902).


49 – Acórdão Damgaard (já referido na nota 9, n.° 23).


50 – Ibid., (n.° 26), e acórdão Karner (já referido na nota 38, n.° 50).


51 – V. acórdão de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.° 150).


52 – V. TEDH, acórdão Stambuk c. Alemanha de 17 de Outubro de 2002 (processo n.° 37928/97, §§ 39 e 41).


53 – Conclusões já referidas na nota 46, n.° 164.


54 – V. Grabenwarter, C., Europäische Menschenrechtskonvention, 4.ª ed., Munique, 2009, n.° 5, p. 269.


55 – V. Calliess, C., (já referido na nota 43, n.° 8, p. 2579).


56 – V. Frowein, J., Europäische Menschenrechtskonvention, Kehl/Straßburg/Arlington, 1985, n.° 2, p. 225.


57 – V. n.os 78 a 80 das presentes conclusões.


58 – V. Streinz, R., (já referido na nota 45, n.° 4, p. 2607), segundo o qual o Tribunal de Justiça apenas considerou a liberdade de profissão como princípio geral do direito comunitário enquanto direito de empresa. No mesmo sentido, Knecht, M., (já referido na nota 45, n.° 1, p. 2237).


59 – V. acórdãos de 14 de Maio de 1974, Nold/Comissão (4/73, Colect., p. 491, n.° 14); de 17 de Outubro de 1995, Fishermen’s Organisations e o. (C‑44//94, Colect., p. I‑3115, n.° 55); de 28 de Abril de 1998, Metronome Musik (C‑200/96, Colect., p. I‑1953, n.° 21); de 10 de Julho de 2003, Booker Aquaculture e Hydro Seafood (C‑20/00 e C‑64/00, Colect., p. I‑7411, n.° 68); e de 15 de Julho de 2004, Di Lenardo e Dilexport (C‑37/02 e C‑38/02, Colect., p. I‑6911, n.° 82).


60 – V. Streinz, R., (já referido na nota 45, n.° 11, p. 2597), segundo o qual o Tribunal de Justiça considerou até agora a liberdade de profissão como princípio geral do direito comunitário, nos casos que lhe foram submetidos, apenas como liberdade de empresa.


61 – V. Grabenwarter, C., (já referido na nota 54, n.° 6, p. 269).


62 – V. por exemplo, no contexto da proibição da publicidade de medicamentos no direito alemão, Stebner, F., «Einschränkende Auslegung einzelner Normen des HWG am Beispiel des BGH‑Urteils vom 1. März 2007 (I ZR 51/04) sowie anderer Urteile und rechtspolitische Überlegungen», Pharma Recht, 2008, p. 25, que esclarece que a lei do medicamento [Heilmittelwerbegesetz (HWG)] de 11 de Julho de 1965, prevê inúmeras restrições de publicidade junto do público em geral. No entanto, o contexto geral modificou‑se substancialmente desde a entrada em vigor da lei. Por exemplo, os pacientes passaram a ter maior responsabilidade pessoal e uma maior necessidade de informação, que passou a poder ser satisfeita a partir de uma pluralidade de fontes de informação, como, por exemplo, a Internet.


63 – V. n.° 15 das presentes conclusões.


64 – V. ponto 3 «Necessidade de informação dos pacientes: vantagens e riscos» da Comunicação da Comissão.


65 – V. Livro Branco «Juntos para a saúde: uma abordagem estratégica para a UE (2008‑2013)», ponto 2, [COM(2007) 630 final]. («Uma estratégia baseada em valores partilhados»).


66 – V. ponto 2.1 («Práticas dos Estados‑Membros») da Comunicação da Comissão.


67 – No mesmo sentido o advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer nas suas conclusões no processo Damgaard (já referido na nota 14, n.° 56). Neste sentido, também, De Grove‑Valdeyron, N. (já referido na nota 14, p. 356).


68 – Acórdão de 28 de Outubro de 1992, Ter Voort (C‑219/91, Colect., p. I‑5485).


69 – Directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO L 22, p. 369).


70 – Acórdão Ter Voort (já referido na nota 68, n.° 26) (o sublinhado é meu).


71 – Ibid. n.° 27 (o sublinhado é meu).


72 – Acórdão Damgaard (já referido na nota 9, n.° 24). O Tribunal de Justiça seguiu a opinião do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer, que, no n.° 56 das suas conclusões de 18 de Novembro de 2008, esclareceu que a existência de uma ligação entre o autor da difusão da informação e o fabricante do medicamento tem especial importância. O advogado‑geral salientou especialmente que essa ligação não é um factor decisivo, mas um indício com um peso especial, pois não é muito frequente que um terceiro difunda indicações sobre medicamentos com fins publicitários.


73 – Neste sentido, v., também, Hoff, K., «Zulässigkeit des Einstellens von Beiträgen über Arzneimittel bei Wikipedia und diesbezügliche Überwachungspflichten und Löschungsansprüche pharmazeutischer Unternehmen», Pharma Recht, 2010, p. 49, segundo o qual a informação sobre medicamentos disponibilizada na Internet a empresas farmacêuticas, em geral, e na Wikipédia, em especial, constitui uma difícil mudança de grau entre a informação aos pacientes e os interesses comerciais e também entre os limites jurídicos da publicidade de medicamentos e os riscos de responsabilidade. Ao mesmo tempo, uma informação incorrecta e negativa na Wikipédia poderia causar elevados riscos para os pacientes e graves consequências económicas para o fabricante, pelo que poderia existir o interesse de promover uma correcção ou a eliminação dessa informação por parte da empresa.


74 – V. n.° 14 do requerimento da Comissão.


75 – O Tribunal de Justiça reconheceu as obrigações profissionais dos médicos na prescrição de medicamentos no seu acórdão Association of the British Pharmaceutical Industry (já referido na nota 16 supra, n.os 40 e 41). Declarou que um médico não pode receitar medicamentos que não sejam indicados para o tratamento do doente, mesmo que existam incentivos financeiros por parte do Estado para a prescrição desse medicamento. O Tribunal de Justiça também salientou que os médicos só podem exercer a sua profissão sob o controlo das autoridades de saúde nacionais, que é exercida directamente ou indirectamente pelos respectivos órgãos profissionais.


76 – Neste sentido, também, Hondius, E., «General Introduction», in: The development of medical liability (editado por Ewould Hondius), vol. 3, 2009, p. 7, que salienta que a actividade dos médicos não está sujeita apenas às regras profissionais mas, também, a considerações éticas. Como exemplo, o autor cita a «Ordre des médecins» (ordem dos médicos) francesa, que aprovou em 1941 o primeiro código deontológico da profissão médica. Segundo informa o autor, durante o século XIX foram criadas em vários Estados‑Membros ordens profissionais para atestarem as competências profissionais dos médicos, contribuindo para atestar a profissionalidade dos médicos, independentemente de determinado acto médico ter sido praticado por um membro reconhecido da profissão médica ou por um médico em princípio de carreira.


77 – V. n.° 14 do pedido de decisão prejudicial.


78 – No mesmo sentido, também, Marwitz, P., «Internetapotheken zwischen Gerichten und Gesetzgebern», Multimedia und Recht, 2004, p. 218.


79 – V. n.° 12 das observações do Reino Unido.


80 – V. n.° 17 das observações da Comissão.


81 – V. n.° 10 das observações do Governo dinamarquês.


82 – Com razão observa Michaux, G., (já referido na nota 29, p. 369), que a Internet coloca problemas especiais, uma vez que teoricamente permite aos fabricantes fazerem portais na net que são acessíveis quer aos doentes quer aos médicos especialistas.


83 – V. Marwitz, P., «Heilmittel im Internet», Multimedia und Recht, 1999, pp. 84 e 87, que esclarece que a Internet – ao contrário de outros suportes informativos – permite a limitação da difusão de informações a um círculo limitado de pessoas, pois permite a utilização de uma palavra‑passe. Na perspectiva da autora, um sistema de palavras‑passe permitiria garantir que a lei não fosse contornada. V., ainda, Dieners, P./Reese, U./Gutmans, A./Vonzun, R., Handbuch des Pharmarechts, 1.ª ed., Munique, 2010, §23, n.° 123, e Eggenberger Stöckli, U., «Praxis der schweizerischen Behörde Swissmedic zur Arzneimittelwerbung im Internet», Pharma Recht, 2007, n.° 3, p. 130, que apontam para a possibilidade de restrições do acesso apenas a especialistas como a que a Swissmedic anunciou em Agosto de 2006 numa instrução sobre publicidade de medicamentos na Internet e depois foram aplicados pelo instituto a partir de 1 de Janeiro de 2007.


84 – V. n.° 31 das observações do Governo português.


85 – Idem Stoll, V., (já referido na nota 35, p. 104).


86 – V. n.° 31 das observações do Governo português.


87 – Também na perspectiva de Gellissen, G., (já referido nota 27, p. 167), deve‑se partir do princípio de que a publicidade procurada activamente não representa um risco tão grande como a que é empurrada para os destinatários.


88 – V. n.os 85 a 87 das presentes conclusões.


89 – Quanto à definição de consumidor na jurisprudência do Tribunal de Justiça v. acórdãos de 16 de Janeiro de 1992, X (C‑373/90, Colect., p. I‑131, n.os 15 e 16); de 16 de Julho de 1998, Gut Springenheide e Tusky (C‑210/96, Colect., p. I‑4657, n.° 31); de 4 de Maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, Colect., p. I‑2779, n.° 29); de 13 de Janeiro de 2000, Estée Lauder (C‑220/98, Colect., p. I‑117, n.° 27); de 21 de Junho de 2001, Comissão/Irlanda (C‑30/99, Colect., p. I‑4619, n.° 32); de 24 de Outubro de 2002, Linhart e Biffl (C‑99/01, Colect., p. I‑9375, n.° 31); de 8 de Abril de 2003, Pippig Augenoptik (C‑44/01, Colect., p. I‑3095, n.° 55); de 12 de Fevereiro de 2004, Koninklijke KPN Nederland (C‑363/99, Colect., p. I‑1619, n.° 77); e Henkel (C‑218/01, 2004, Colect., p. I‑1725, n.° 50); de 9 de Março de 2006, Matratzen Concord (C‑421/04, Colect., p. I‑2303, n.° 24); e de 19 de Setembro de 2006, Lidl Belgium (C‑356/04, Colect., p. I‑8501, n.° 78). V., ainda, n.os 101 e segs. das minhas conclusões de 24 de Março de 2010 no processo pendente Mediaprint (acórdão de 9 de Novembro de 2010, C‑540/08, Colect., p. I‑0000).


90 – No mesmo sentido Reese, U., «Zur Bedeutung des Verbraucherleitbilds für das nationale und europäische Heilmittelwerberecht», Pharma Recht, 2002, p. 242, que é de opinião de que o modelo de informação subjacente ao conceito europeu de consumidor também tem de ser aplicado no domínio da publicidade de medicamentos. Nessa medida, as normas sobre medicamentos devem ser conformadas e interpretadas no sentido de poderem ser transmitidas informações objectivas e pertinentes quer aos círculos especializados quer aos leigos em medicina. Os desvios a este princípio devem ter carácter excepcional, carecendo de uma justificação objectiva e devendo ser submetidas ao princípio da proporcionalidade. Na opinião do autor os consumidores no domínio da saúde têm interesse em ter acesso o mais livre possível a informações que possam ser por si compreendidas e avaliadas.


91 – Segundo jurisprudência constante, para aferir se um produto cabe na definição de medicamento por função, as autoridades nacionais, actuando sob fiscalização jurisdicional, devem decidir, caso a caso, atendendo ao conjunto das características do produto, designadamente a sua composição, as suas propriedades farmacológicas, tal como podem ser determinadas no estádio actual do conhecimento científico, os seus modos de utilização, a amplitude da sua difusão, o conhecimento que dele tenham os consumidores e os riscos que a sua utilização possa originar. V. acórdãos de 30 de Novembro de 1983, Van Bennekom (227/82, Colect., p. I‑3883, n.° 29); de 21 de Março de 1991, Monteil e Samanni (C‑60/89, Colect., p. I‑1547, n.° 2); de 16 de Abril de 1991, Upjohn (C‑112/89, Colect., p. I‑1703, n.° 23); de 20 de Maio de 1992, Comissão/Alemanha (C‑290/90, Colect., p. I‑3317, n.° 17); de 29 de Abril de 2004, Comissão/Alemanha (C‑387/99, Colect., p. I‑3751, n.° 57); de 15 de Novembro de 2007, Comissão/Alemanha (C‑319/05, Colect., p. I‑9811, n.° 55); e de 15 de Janeiro de 2009, Hecht‑Pharma (C‑140/07, Colect., p. I‑41, n.° 32).


92 – No mesmo sentido, também, Stebner, F., (já referido na nota 62, p. 25), segundo o qual é indiscutível que fora dos círculos especializados devem existir instrumentos de regulação para impedir os riscos para a saúde dos consumidores resultantes de uma desordenada automedicação. Os consumidores devem ser protegidos de perigos específicos decorrentes da sua falta de conhecimentos científicos sobre os serviços e produtos que adquirem. Isto é particularmente válido porque os doentes se encontram frequentemente, devido à sua doença, num estado de excepção psíquica podendo confiar acriticamente em mensagens publicitárias.


93 – Isto mesmo é reconhecido pela Comissão no seu Livro Branco «Juntos para a saúde: uma abordagem estratégica para a UE (2008‑2013)», de 23 de Outubro de 2007 [COM (2007) 630 final].


94 – V. n.° 99 das presentes conclusões.


95 – Segundo o n.° 7 do artigo 168.° TFUE a acção da União respeita as responsabilidades dos Estados‑Membros no que se refere à definição das respectivas políticas de saúde, bem como à organização e prestação de serviços de saúde e de cuidados médicos. As responsabilidades dos Estados‑Membros incluem a gestão dos serviços de saúde e de cuidados médicos, bem como a repartição dos recursos que lhes são afectados (v. acórdãos de 2 de Abril de 2009, A. Menarini e o., C‑352/07 a C‑356/07, C‑365/07 a C‑367/07 e C‑400/07, Colect., p. I‑2495, n.° 19, e Association of the British Pharmaceutical Industry, já referido nota 16, n.° 36). Os sistemas de saúde dos diversos Estados‑Membros têm grande disparidade a este respeito. Sobre a percentagem dos sistemas públicos e privados no sistema de saúde no Reino Unido, Espanha, Áustria, França e Países Baixos, v., Hondius, E., (já referido. na nota 76, p. 4).


96 – Neste sentido, Lorz, A., (já referido na nota 30, p. 898).


97 – Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera, no que diz respeito à informação ao público em geral sobre medicamentos sujeitos a receita médica, a Directiva 2001/83/CE que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano [COM (2008) 663 final].


98 – V. n.° 94 das presentes conclusões.


99 – A devolução ao tribunal de reenvio, por falta de esclarecimento da matéria de facto ou de aspectos do direito nacional, é admissível no quadro de um processo prejudicial. O Tribunal de Justiça deve comunicar ao juiz nacional quais os factos que deve indicar para descrever o litígio em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdãos de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e Carbone, 286/82 e 26/83, Recueil, p. 377, n.° 36; de 13 de Julho de 1989, Rinner‑Kühn, 171/88, Colect., p. 2743, n.os 14 e 15). No entanto, o Tribunal de Justiça não deve eximir‑se à sua responsabilidade de interpretar o direito comunitário. Se o Tribunal de Justiça dispuser de elementos de facto ou de aspectos do direito nacional inequívocos, não está impedido de fornecer ao juiz nacional indicações precisas necessárias para a aplicação do direito da União ao caso concreto do processo principal (neste sentido, Lenaerts, K./Arts, D./Maselis, I., já referido na nota 25, n.os 2‑021, pp. 191 e segs.).


100 – V. n.os 65 e segs. das presentes conclusões.

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