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Document 62009CC0240

    Conclusões da advogada-geral Sharpston apresentadas em 15 de Julho de 2010.
    Lesoochranárske zoskupenie VLK contra Ministerstvo životného prostredia Slovenskej republiky.
    Pedido de decisão prejudicial: Najvyšší súd Slovenskej republiky - Eslováquia.
    Ambiente - Convenção de Aarhus - Participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente - Efeito directo.
    Processo C-240/09.

    Colectânea de Jurisprudência 2011 I-01255

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:436

    CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    ELEANOR SHARPSTON

    apresentadas em 15 de Julho de 2010 1(1)

    Processo C‑240/09

    Lesoochranárske zoskupenie VLK

    contra

    Ministerstvo životného prostredia Slovenskej republiky

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky (Eslováquia)]

    «Ambiente – Convenção de Aarhus – Participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente»





    1.        O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal da República da Eslováquia) tem por objecto os efeitos do artigo 9.°, n.° 3, da Convenção da Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (a seguir, «Convenção de Aarhus») (2), em particular, a questão de saber se esse artigo tem efeito directo na ordem jurídica interna de um Estado‑Membro ou se deve ser interpretado nesse sentido.

    2.        Este processo suscita questões importantes em relação à repartição da competência entre os tribunais nacionais dos Estados‑Membros e o Tribunal de Justiça para interpretar disposições de acordos mistos.

     A Convenção de Aarhus

    3.        O preâmbulo da Convenção de Aarhus reconhece que todos os indivíduos têm o direito de viver num ambiente propício à sua saúde e bem‑estar, e o dever, quer individualmente quer em associação com outros indivíduos, de proteger e melhorar o ambiente em benefício das gerações presentes e futuras. Para poderem exercer esse direito e cumprir esse dever, os cidadãos devem ter acesso à informação, poder participar no processo de tomada de decisões e ter acesso à justiça no domínio do ambiente.

    4.        O artigo 3.° da Convenção de Aarhus estabelece as suas disposições gerais. Em particular, o artigo 3.°, n.° 1, dispõe que: «Cada Parte adoptará as medidas necessárias, legislativas, regulamentares e outras, incluindo as medidas destinadas a assegurar a compatibilidade entre as disposições relativas à informação, participação do público e acesso à justiça adoptadas em aplicação da presente convenção, assim como as medidas de execução adequadas para estabelecer e manter um quadro de aplicação das disposições da presente convenção claro, transparente e coerente.»

    5.        O artigo 6.° contém diversos elementos que tratam da participação do público no processo de tomada de decisão. As suas disposições relevantes têm o seguinte teor:

    «1. Cada parte:

    a) Aplicará o disposto no presente artigo às decisões relativas à autorização das actividades propostas, constantes do anexo I;

    b) Aplicará igualmente o disposto no presente artigo, em conformidade com a legislação nacional, às decisões relativas às actividades propostas não incluídas no anexo I que possam ter um impacto significativo no ambiente. Para este fim, as partes determinarão a pertinência da sujeição de tal actividade às disposições em apreço [...]»

    6.        O artigo 9.° tem a epígrafe «Acesso à justiça». As suas disposições relevantes têm o seguinte teor:

    «2. Cada parte garantirá, nos termos da respectiva legislação nacional, que os membros do público em causa:

    a) Que tenham um interesse suficiente;

    ou, em alternativa,

    b) Cujo direito tenha sido ofendido, caso a lei de procedimento administrativo da parte o imponha como condição prévia, tenham acesso a um recurso junto dos tribunais e/ou de outra instância independente instituída por lei, para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, acto ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.° e, salvo disposição em contrário no direito interno, a outras disposições relevantes da presente convenção.

    O interesse suficiente e a ofensa do direito serão determinados em conformidade com os requisitos do direito interno e com o objectivo de conceder ao público envolvido um amplo acesso à justiça nos termos da presente convenção. Para este fim, o interesse das organizações não governamentais que satisfaçam os requisitos mencionados no n.° 5 do artigo 2.° serão considerados suficientes para efeitos da alínea a). Presumir‑se‑á igualmente que tais organizações têm direitos susceptíveis de serem ofendidos para efeitos da alínea b).

    O disposto no n.° 2 não exclui a possibilidade de interposição de recurso preliminar junto de uma autoridade administrativa e não prejudica o requisito do recurso judicial que consiste no esgotamento prévio dos recursos administrativos, caso tal requisito seja previsto no direito interno.

    3. Além disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2, cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os actos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respectivo direito interno do domínio do ambiente.

    [...]»

    7.        O artigo 19.° estabelece as disposições relativas à ratificação. O artigo 19.°, n.° 5, dispõe que: «Nos seus instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, as organizações de integração económica regional referidas no artigo 17.° [(3)] deverão indicar o âmbito das suas competências no que diz respeito às matérias abrangidas pela presente convenção. Além disso, estas organizações informarão o depositário de qualquer alteração importante no que diz respeito ao âmbito das suas competências».

     Direito da UE (4)

     O Tratado CE

    8.        À data dos factos do litígio, a política comunitária no domínio do ambiente era regulada pelo artigo 174.° CE (5). Este artigo dispõe que a política adoptada visa contribuir para a prossecução de determinados objectivos, a saber, a preservação, a protecção e a melhoria da qualidade do ambiente, a protecção da saúde das pessoas, a utilização prudente e racional dos recursos naturais e a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente. O artigo 175.°, n.° 1, CE (6) dispõe que «[o] Conselho, deliberando nos termos do artigo 251.° [CE] e após consulta ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, adoptará as acções a empreender pela Comunidade para realizar os objectivos previstos no artigo 174.° [CE]».

    9.        O primeiro período do primeiro parágrafo do artigo 300.°, n.° 2, CE, e o primeiro parágrafo do artigo 300.°, n.° 3, CE, estabelecem as formalidades exigidas para a celebração de acordos entre a Comunidade e um ou mais Estados ou organizações internacionais, os quais, nos termos do artigo 300.°, n.° 7, CE, são vinculativos para as instituições da Comunidade e para os Estados‑Membros (7).

     Transposição da Convenção de Aarhus para o direito comunitário

    10.      Antes de a Convenção de Aarhus ter sido aprovada, as medidas exigidas para transpor o artigo 9.°, n.° 2, dessa convenção para o direito comunitário constavam da Directiva 2003/35 (8).

     Directiva 2003/35

    11.      Os seguintes considerandos são pertinentes para o presente processo:

    «(5) Em 25 de Junho de 1998, a Comunidade assinou a [Convenção de Aarhus]. A legislação comunitária deve ser harmonizada com a referida convenção, com vista à sua ratificação pela Comunidade.

    [...]

    (9) Os n.os 2 e 4 do artigo 9.° da Convenção de Aarhus prevêem o acesso a processos judiciais ou outros processos com vista à impugnação da legalidade substantiva ou processual de decisões, actos ou omissões sujeitos às disposições de participação do público estabelecidas no artigo 6.° da convenção.

    (10) Devem ser adoptadas disposições no que diz respeito a certas directivas em matéria de ambiente que obrigam os Estados‑Membros a elaborar planos e programas relacionados com o ambiente, mas que não têm disposições suficientes relativas à participação do público que permitam uma participação do público coerente com as disposições da Convenção de Aarhus, em especial com o seu artigo 7.° Outra legislação comunitária relevante já prevê a participação do público na elaboração de planos e programas e, de futuro, exigências de participação do público conformes com a Convenção de Aarhus serão incorporadas na legislação relevante desde o início.

    (11) A Directiva 85/337/CEE do Conselho [(9)] e a Directiva 96/61/CE do Conselho [(10)] devem ser alteradas com vista a garantir a sua plena compatibilidade com as disposições da Convenção de Aarhus, em especial com o seu artigo 6.° e os n.os 2 e 4 do seu artigo 9.°

    (12) Atendendo a que o objectivo da acção encarada, nomeadamente contribuir para a implementação das obrigações decorrentes da Convenção de Aarhus, não pode ser suficientemente realizado pelos Estados‑Membros e pode, pois, devido à dimensão e aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançado ao nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.° do Tratado [...]».

    12.      Com vista a transpor os requisitos do artigo 9.°, n.° 2, da Convenção de Aarhus para o direito da UE, a Directiva 2003/35 inseriu o artigo 10.°A na Directiva 85/337 e o artigo 15.°A na Directiva 96/61.

     Decisão 2005/370/CE do Conselho

    13.      Em 17 de Fevereiro de 2005, a Convenção de Aarhus foi aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho (11). Esta aprovação baseou‑se devidamente no artigo 175.° CE, no primeiro período do primeiro parágrafo do artigo 300.°, n.° 2, CE e no primeiro parágrafo do artigo 300.°, n.° 3, CE.

    14.      O anexo à Decisão 2005/370 do Conselho contém uma declaração da Comunidade Europeia, em conformidade com o disposto no artigo 19.° da Convenção de Aarhus (12). O segundo parágrafo da declaração dispõe que «os instrumentos jurídicos em vigor não abrangem inteiramente o cumprimento das obrigações resultantes do n.° 3 do artigo 9.° da convenção, uma vez que estas dizem respeito a processos administrativos e judiciais para questionar actos ou omissões de privados ou de autoridades públicas que não são as instituições da Comunidade Europeia, abrangidas pela alínea d) do n.° 2 do artigo 2.° da convenção [...] por conseguinte, os […] Estados‑Membros são responsáveis pelo cumprimento dessas obrigações aquando da aprovação da convenção pela Comunidade Europeia, e continuarão a sê‑lo, a menos que e até que a Comunidade, no exercício das competências que lhe são conferidas pelo Tratado CE, adopte disposições de direito comunitário que abranjam o cumprimento dessas obrigações.»

    15.      O artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus foi transposto para o direito da UE apenas parcialmente pelo Regulamento n.° 1367/2006 (13), o qual, porém, se aplica apenas às instituições da União Europeia. Não foi transposto de uma forma mais genérica. Apesar de a Comissão ter apresentado uma proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao acesso à justiça no domínio do ambiente em 24 de Outubro de 2003 (14), essa proposta não foi adoptada nem promulgada.

    16.      Por último, atendendo aos factos que originaram a instauração do processo junto do órgão jurisdicional nacional, é conveniente referir que o urso castanho (ursus arctos) é designado no anexo II à directiva habitats (15) como uma espécie de interesse comunitário cuja conservação requer a designação de zonas especiais de conservação, e no anexo IV como uma espécie de interesse comunitário que exige uma protecção rigorosa.

     Direito nacional

    17.      Pelo Decreto n.° 1840, de 23 de Setembro de 2005, o Conselho Nacional da República Eslovaca aprovou a sua adesão à Convenção de Aarhus. A Convenção entrou em vigor na República Eslovaca em 5 de Março de 2006.

    18.      Na República Eslovaca, o procedimento administrativo é regulado, entre outros diplomas, pela Lei n.° 71/1967, relativa ao procedimento administrativo (a seguir «Código de Procedimento Administrativo»). O artigo 14.° deste código permite às pessoas reclamar o reconhecimento do seu estatuto enquanto partes nos procedimentos administrativos que afectem directamente os seus direitos e interesses legítimos.

    19.      Antes de 30 de Novembro de 2007, o segundo período do artigo 83.°, n.° 3, da Lei n.° 543/2002 atribuía o estatuto de «partes no processo» a associações que tivessem por objecto a protecção do ambiente. Esse estatuto podia ser obtido por associações que apresentassem um requerimento escrito para poderem participar, e que o fizessem em determinado prazo. Nos termos do n.° 6 dessa lei, tais associações podiam requerer que fossem notificadas de qualquer procedimento susceptível de afectar o ambiente. Nos termos do n.° 7, as autoridades públicas estavam obrigadas a notificar as associações em conformidade. As referidas associações também podiam impugnar, junto dos órgãos jurisdicionais, em conformidade com o disposto no artigo 250.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, quaisquer decisões tomadas.

    20.      Porém, a Lei n.° 543/2002 foi alterada pela Lei n.° 554/2007, com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2007. Essa alteração teve como efeito, na parte que ora interessa, o facto de as associações ambientais (tais como a recorrente no processo principal) serem agora classificadas como «partes interessadas» ao invés de «partes no processo». Essencialmente, como foi referido pelo Governo eslovaco na audiência, a alteração do estatuto impede tais associações de instaurarem elas próprias, directamente, processos para apreciar a legalidade das decisões tomadas. Em vez disso, têm de requerer que o Ministério Público actue em seu lugar.

     Matéria de facto e questões prejudiciais

    21.      A recorrente no processo principal, a Lesoochranárske zoskupenie VLK (a seguir «LZ»), é uma associação sem personalidade jurídica, que tem por objecto a defesa do ambiente. A LZ requereu ao Ministerstvo životného prostredia Slovenskej republiky (Ministério do Ambiente da República Eslovaca, a seguir «Ministério») que a informasse de todos os procedimentos administrativos de tomada de decisão que pudessem afectar a protecção da natureza e do ambiente ou que dissessem respeito à concessão de derrogações à protecção de determinadas espécies ou áreas.

    22.      No início de 2008, a LZ foi informada de diversos procedimentos administrativos pendentes que haviam sido instaurados, entre outras entidades, por diversas associações de caçadores. Em 21 de Abril de 2008, o Ministério deferiu o pedido, apresentado por uma associação de caça, de derrogação das condições de protecção do urso pardo. No decurso desse procedimento, e em procedimentos posteriores, a LZ notificou o Ministério de que pretendia intervir, procurando obter o reconhecimento do seu estatuto de parte no procedimento administrativo ao abrigo do disposto no artigo 14.° do Código de Procedimento Administrativo. Em particular, a LZ alegou que os procedimentos em questão afectavam directamente os seus direitos e interesses legítimos decorrentes da Convenção de Aarhus. Invocou também o efeito directo da convenção.

    23.      Na sua decisão de 26 de Junho de 2008 (a seguir «decisão impugnada»), o Ministério confirmou a sua decisão de 21 de Abril de 2008. Em acréscimo, declarou que a LZ não gozava do estatuto de parte no procedimento, não podendo, por conseguinte, recorrer da decisão de 21 de Abril de 2008. Além disso, o Ministério considerou que a Convenção de Aarhus era um tratado internacional que teria de ser transposto para o direito nacional para produzir efeitos. No seu entender, a República da Eslováquia é efectivamente destinatária do artigo 9.°, n.os 2 e 3, da Convenção de Aarhus e, por si só, a letra dessas disposições não confere inequivocamente um direito ou uma liberdade fundamental susceptíveis de serem directamente aplicados, na acepção da teoria do «self‑executing» de direito internacional público, a autoridades públicas.

    24.      A LZ interpôs recurso da decisão impugnada para o Krajský súd v Bratislave (a seguir «Tribunal Regional de Bratislava»), o qual reviu essa decisão, juntamente com os procedimentos administrativos que lhe haviam precedido, e negou provimento ao recurso da LZ.

    25.      Na fundamentação da sua decisão, o Tribunal Regional de Bratislava declarou que a interpretação lógico‑gramatical do artigo 9.°, n.os 2 e 3, não conferia à recorrente o direito de ser parte nos procedimentos administrativos e nos processos judiciais. Pelo contrário, a Convenção de Aarhus impunha aos Estados contratantes a obrigação de adoptarem – num prazo indeterminado – medidas internas de carácter legislativo para que o público envolvido pudesse participar no controlo das decisões relativas às actividades enumeradas no seu artigo 6.°, quer no tribunal quer em outro organismo público.

    26.      A LZ recorreu para o Supremo Tribunal, que suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

    1.      É possível reconhecer ao artigo 9.° da Convenção de Aarhus, especialmente ao seu n.° 3, à luz do principal objectivo prosseguido pelo referido tratado internacional, que é reformar o conceito clássico de legitimidade activa reconhecendo também ao público, designadamente ao público envolvido, a posição de parte processual, o efeito directo («self‑executing effect») dos tratados internacionais, dado que a União Europeia, embora tenha aderido a essa Convenção em 17 de Fevereiro de 2005, ainda não adoptou as disposições necessárias para a sua transposição para o ordenamento jurídico comunitário?

    2.      É possível reconhecer ao artigo 9.° da Convenção de Aarhus, especialmente ao seu n.° 3, que é parte integrante do direito comunitário, [a] aplicabilidade directa ou [o] efeito directo [do direito comunitário] na acepção da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça?

    3.      Em caso de resposta afirmativa à primeira ou à segunda questão, é possível interpretar o artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus, à luz do principal objectivo prosseguido pelo referido tratado internacional, no sentido de que por «actos de autoridades públicas» se devem entender também as tomadas de decisões, ou seja, que o direito do público de participar nos processos judiciais também engloba o direito de impugnar as decisões de um órgão administrativo [que violem as disposições de direito nacional relativas ao] ambiente?

    27.      Foram apresentadas observações escritas pela LZ, pelos Governos da Alemanha, Grécia, França, Polónia, Finlândia, Suécia, República Eslovaca e Reino Unido e pela Comissão. À excepção dos Governos grego e sueco, todas estas partes estiveram presentes na audiência de 4 de Maio de 2010, tendo apresentado alegações orais.

     Observações preliminares

      Admissibilidade

    28.      As primeiras duas questões submetidas ao Tribunal de Justiça dizem respeito à interpretação do «artigo 9.°, em particular, do artigo 9.°, n.° 3», da Convenção de Aarhus. A terceira questão diz exclusivamente respeito ao artigo 9.°, n.° 3. O artigo 9.° tem a epígrafe «Acesso à justiça». Os seus parágrafos sucessivos abordam diferentes aspectos desta matéria.

    29.      Com efeito, o artigo 9.°, n.° 1, prevê o direito de interpor recurso em caso de ser recusado um pedido de informações. O artigo 9.°, n.° 2, obriga as partes contratantes a garantir, nos termos da respectiva legislação nacional, que os membros do público em causa que cumpram determinados critérios tenham acesso a um recurso para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, acto ou omissão sujeito ao disposto no artigo 6.° da convenção (16). O artigo 9.°, n.° 3, impõe uma obrigação adicional a cada parte contratante, que consiste em assegurar que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito nacional tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os actos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que violem as disposições de direito nacional relativas ao ambiente. O artigo 9.°, n.° 4, dispõe que os procedimentos referidos nos primeiros três números deverão proporcionar soluções eficazes e adequadas, e estabelece determinadas normas que esses processos devem observar. Por último, o artigo 9.°, n.° 5, obriga as partes contratantes a informar o público dos seus direitos de acesso aos processos de recurso administrativos e judiciais e a considerar a possibilidade de estabelecer mecanismos de assistência adequados para assegurar um maior acesso à justiça.

    30.      Os Governos polaco e do Reino Unido suscitam, nas suas observações, a questão da admissibilidade. Consideram que o sentido das questões prejudiciais apenas diz respeito ao artigo 9.°, n.° 3, e sugerem que o Tribunal de Justiça deve, por conseguinte, declarar o pedido de decisão prejudicial inadmissível na medida em que diga respeito a outras partes do artigo 9.° da Convenção de Aarhus.

    31.      Segundo jurisprudência assente, nos pedidos de decisão prejudicial compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Desde que essas questões sejam relativas à interpretação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Todavia, em circunstâncias excepcionais, o Tribunal de Justiça pode examinar as condições em que é chamado a pronunciar‑se pelo órgão jurisdicional nacional, a fim de verificar a sua própria competência. Em particular, o Tribunal de Justiça pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando (nomeadamente) o problema for de natureza hipotética (17).

    32.      Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a LZ invocou apenas o artigo 9.°, n.os 2 e 3, da Convenção de Aarhus. Qualquer resposta que o Tribunal de Justiça pudesse dar relativamente ao artigo 9.°, n.os 1, 4 e 5 não teria qualquer influência sobre o processo perante o órgão jurisdicional nacional. Por conseguinte, os pedidos de decisão prejudicial relativos a essas outras partes do artigo 9.° são de natureza hipotética e, consequentemente, inadmissíveis.

    33.      A Convenção de Aarhus prevê o acesso à justiça, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, às pessoas que pretendam impugnar qualquer decisão, acto ou omissão sujeito ao disposto no artigo 6.° O artigo 6.° é aplicável às actividades constantes do anexo I da convenção (uma lista que inclui, entre outros, projectos industriais, produção e transformação de metais e gestão de resíduos) e actividades que possam, nos termos do direito nacional, produzir um efeito significativo no ambiente.

    34.      O âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, é o mesmo da directiva AIA e da directiva PCIP (que opera independentemente da directiva AIA e não impede a sua aplicação).

    35.      Esta congruência de objectos sugere que o artigo 9.°, n.° 2, foi integralmente transposto para o direito da UE. Além disso, os considerandos 10 e 11 da Directiva 2003/35 indicam que o legislador considerou as alterações introduzidas por essa directiva como sendo adequadas para proceder a uma transposição completa dessa disposição.

    36.      Nestas circunstâncias, a questão de saber se o artigo 9.°, n.° 2, produz efeito directo não se suscita (18).

    37.      Assim, proponho que o Tribunal de Justiça responda apenas às questões submetidas na medida em que digam respeito ao artigo 9.°, n.° 3.

    38.      Por último, como observou com razão o Reino Unido, apesar de o órgão jurisdicional de reenvio empregar ambas as expressões «efeito directo» e «aplicabilidade directa» na sua questão, as primeiras duas questões submetidas ao Tribunal de Justiça dizem respeito ao efeito directo do artigo 9.°, n.° 3 (19). Por conseguinte, sugiro que se considere que as primeiras duas questões se referem apenas ao efeito directo.

    39.      Para que não haja dúvidas, recordo que o critério do «efeito directo» relevante para o presente processo é o aplicável às disposições de direito internacional – critério este ligeiramente diferente do critério aplicado às disposições «internas» do direito da UE. Abordarei sumariamente esta distinção mais adiante (20).

     Primeira questão

    40.      Nas suas primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se é possível atribuir efeito directo ao artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus.

    41.      A primeira questão, como fizeram notar algumas das partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, suscita indirectamente questões de competência e jurisdição na interpretação de acordos mistos. Com efeito, a Comissão e os Governos finlandês e sueco abordaram especificamente a questão de saber se o Tribunal de Justiça tem competência para decidir a questão que lhe é submetida no presente processo.

    42.      Estas questões de competência e jurisdição foram apreciadas pelo Tribunal de Justiça numa longa e, por vezes, intrincada série de decisões jurisprudenciais, culminando no recente acórdão Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos (21). Proponho que comecemos por analisar essa jurisprudência.

     Jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de acordos mistos

    43.      Conforme têm observado alguns autores, os acordos mistos são um tipo de instrumento normativo particularmente controverso do direito europeu (22). Inicialmente, o Tribunal de Justiça centrou‑se na repartição das competências entre a Comunidade e os Estados‑Membros. No acórdão AETR, o Tribunal de Justiça estabeleceu a regra de que a competência externa de um Estado‑Membro é limitada a partir do momento em que a Comunidade adquire competência externa exclusiva. A Comunidade pode adquirir essa competência exclusiva através de regulamentação interna (23). O princípio estabelecido pelo acórdão AETR continua a ser, no geral, o ponto de partida para qualquer análise de acordos mistos (24).

    44.      Estarão, assim, os poderes do Tribunal da Justiça para interpretar acordos mistos limitados às disposições de um acordo misto que se insiram no âmbito da competência da Comunidade?

    45.      Também numa fase inicial da jurisprudência do Tribunal de Justiça, começou a suscitar‑se a questão da sua competência para se pronunciar a título prejudicial sobre a validade e interpretação de acordos mistos. No acórdão Haegeman/Bélgica, o Tribunal de Justiça não hesitou em concluir que possuía tal competência. Fê‑lo com o fundamento de que tinha competência para se pronunciar sobre os actos das instituições comunitárias e que os acordos internacionais celebrados ao abrigo do actual artigo 300.° CE se inseriam nesse âmbito (25).

    46.      Numa fase inicial, a questão das limitações à competência jurisdicional não foi abordada directamente (26). Posteriormente, no acórdão Demirel (27), o Tribunal de Justiça examinou se tinha competência para interpretar as disposições do Acordo de Associação CEE–Turquia. Concluiu que tinha essa competência, com o fundamento de que os compromissos relativos à livre circulação, objecto do processo em questão, eram da competência da Comunidade (28). Durante algum tempo após este acórdão, o Tribunal de Justiça adoptou uma interpretação lata relativamente à sua competência para interpretar disposições dessa natureza (29).

    47.      Todavia, em 1996, a abordagem do Tribunal de Justiça sofreu uma alteração com o processo Hermès International (30), relativo à interpretação de disposições do acordo ADPIC. Nesse processo, que dizia respeito à questão de saber se uma medida nacional temporária consubstanciava uma «medida provisória» na acepção do artigo 50.° do acordo ADPIC, o Tribunal de Justiça viu a sua competência posta em causa, com o fundamento de que a Comunidade não havia tomado qualquer decisão no sentido de exercer uma competência não exclusiva no âmbito de um acordo misto (31).

    48.      O Tribunal de Justiça declarou que tinha efectivamente competência para interpretar o artigo em questão, com o fundamento de que o Regulamento n.° 40/94 (32), que estava relacionado com o artigo 50.° do acordo ADPIC (e era afectado pelo mesmo), já havia entrado em vigor à data em que o acordo havia sido assinado. Como a situação se inseria no domínio do direito nacional e do direito comunitário, o Tribunal de Justiça tinha competência principalmente devido ao facto de a sua intervenção ser necessária para impedir futuras divergências de interpretação que surgiriam caso a resolução da questão fosse deixada para os órgãos jurisdicionais nacionais (33). Para chegar a essa conclusão, o Tribunal de Justiça invocou especificamente os acórdãos Giloy (34) e Leur‑Bloem (35) (ambos os acórdãos dizem respeito à interpretação uniforme do direito comunitário e do direito nacional, sem os problemas acrescidos da partilha de competências resultante de um acordo misto).

    49.      O Tribunal de Justiça confirmou esta abordagem alguns anos mais tarde no acórdão Dior e o. (36), também ele proferido num processo relativo à interpretação do artigo 50.° do acordo ADPIC. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça alargou a sua competência interpretativa sobre o artigo 50.° a outros direitos de propriedade intelectual; porém, para efeitos do presente processo, o desenvolvimento mais interessante reside no n.° 49 do acórdão, onde o Tribunal de Justiça fez a distinção entre as marcas e os desenhos e modelos industriais, com o fundamento de que a Comunidade tinha legislado no sector das primeiras, mas não dos segundos. Assim, apesar de o Tribunal de Justiça ter afirmado que as disposições do acordo ADPIC relativas a marcas não tinham efeito directo (apesar de os órgãos jurisdicionais nacionais terem o dever de as interpretar de forma coerente), declarou que, no caso dos desenhos e modelos industriais, o direito comunitário não exigia nem proibia o efeito directo (37).

    50.      Os acórdãos Hermès International e Dior e o. deixaram um número considerável de questões por responder. A ligação entre a competência e a jurisdição, por exemplo, não ficou bem esclarecida nesses processos, à semelhança do que sucedeu com a escolha, pelo Tribunal de Justiça, dos motivos para o âmbito da competência que identificou possuir neste campo (38).

    51.      Infelizmente, o acórdão Schieving‑Nijstad não ajudou a esclarecer a questão, tendo o Tribunal de Justiça traçado a distinção entre a competência para interpretar uma disposição e os poderes para determinar as regras processuais relativas às medidas para aplicar essa disposição (39). Os acórdãos Étang de Berre e Mox Plant (40), proferidos no âmbito de acções directas intentadas ao abrigo do artigo 226.° CE, ao invés de pedidos de decisão prejudicial ao abrigo do artigo 234.° CE, restringiram a análise anteriormente desenvolvida. Nesses processos, o Tribunal de Justiça ignorou, em larga medida, a questão da jurisdição, tendo declarado apenas que os acordos mistos têm o mesmo estatuto dos acordos puramente comunitários, na medida em que as suas disposições se inserem no âmbito da competência da Comunidade (41).

    52.      Por conseguinte, antes do acórdão Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos (42), tinha‑se tornado difícil identificar as áreas em que o Tribunal de Justiça tinha competência relativamente aos acordos mistos. Esta dificuldade repercute‑se em algumas das observações apresentadas no presente processo, nomeadamente as dos Governos finlandês e sueco, que abordaram a questão da competência do Tribunal de Justiça no âmbito das suas observações sobre a interpretação substantiva da disposição em apreço.

    53.      Neste contexto, o firme acórdão Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos representou uma lufada de ar fresco. O processo em si dizia respeito à interpretação do artigo 33.° do acordo ADPIC, mas suscitava a mesma questão com que o Tribunal de Justiça se depara no presente processo: qual o órgão jurisdicional melhor colocado para examinar se determinada disposição de um acordo misto tem ou pode ter efeito directo?

    54.      O Tribunal de Justiça declarou, com firmeza, que a competência para atribuir efeito directo a uma disposição dependia de se saber se a disposição em questão pertencia a um domínio no qual a Comunidade tivesse legislado. Em caso afirmativo, o direito comunitário (conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça) seria aplicável; em caso negativo, a ordem jurídica do Estado‑Membro não estaria sujeita a qualquer obrigação ou proibição de atribuir aos particulares o direito de invocarem directamente a disposição em questão. Além disso, o Tribunal de Justiça afirmou que a apreciação da questão da repartição das competências entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros exigia uma resposta uniforme a nível comunitário que só o Tribunal de Justiça estava em condições de fornecer, e que, por isso, tinha competência para efectuar uma apreciação desta natureza (43).

    55.      Apesar do teor algo lacónico da fundamentação, parece‑me que o Tribunal de Justiça, no acórdão Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos, cortou o nó górdio e deu uma resposta clara à questão de saber se o Tribunal de Justiça tem competência para indicar qual o órgão jurisdicional melhor colocado para aferir se determinada disposição tem efeito directo. O Tribunal de Justiça declarou possuir esta competência.

    56.      Concordo respeitosamente com a conclusão a que o Tribunal de Justiça chegou no acórdão Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos. Este acórdão tem a vantagem de adoptar uma abordagem altamente pragmática a uma questão que surge frequentemente num contexto sensível em termos políticos. Como salientaram alguns autores, o acordo misto é, em si mesmo, uma criatura pragmática – um mecanismo para resolver os problemas colocados pela necessidade de acordos internacionais num sistema com vários níveis (44).

    57.      A análise que se segue reflecte de perto o acórdão Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos. Limitar‑me‑ei a acrescentar alguns detalhes sempre que entender que os mesmos possam ser úteis para o Tribunal de Justiça.

     Competência para interpretar um acordo misto

    58.      O artigo 300.°, n.° 7, CE, dispõe que os acordos celebrados pela Comunidade nos termos do Tratado são vinculativos para as instituições da Comunidade e para os Estados‑Membros. A Convenção de Aarhus é precisamente um acordo desta natureza e as suas disposições fazem hoje parte integrante do ordenamento jurídico comunitário (45). Os acordos mistos celebrados pela Comunidade, pelos seus Estados‑Membros e por países terceiros gozam do mesmo estatuto, na ordem jurídica comunitária, que os acordos puramente comunitários, na medida em que as suas disposições se inserem no âmbito da competência da Comunidade (46).

    59.      O processo Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos dizia respeito – à semelhança do que sucede no presente processo – a um acordo misto sem repartição, entre a Comunidade e os Estados‑Membros, das suas respectivas obrigações para com as restantes partes contratantes. O Tribunal de Justiça declarou que tinha competência – e estava melhor colocado – para apreciar a questão da repartição da competência entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros e para definir as obrigações que a Comunidade havia assim assumido (47).

    60.      Concordo com esta posição. Parece‑me claro que o Tribunal de Justiça é o único órgão capaz de realizar uma apreciação desta natureza (48). Impedir, de uma forma artificial, o Tribunal de Justiça de adoptar nem que seja a medida preliminar de interpretação da legislação como um todo, de modo a que todas as partes do acordo misto possam saber quais as suas responsabilidades e quais os seus poderes substantivos de interpretação, parece‑me ser uma posição errada. Tal abordagem não só conduziria desnecessariamente à especulação como também seria nociva.

    61.      Além disso, defender o contrário provocaria fragmentação na implementação da própria legislação. Isto, por sua vez, aumentaria a incerteza jurídica para a Comunidade, para os Estados‑Membros, para os Estados terceiros e para potenciais litigantes. Em acréscimo, caso fosse seguido esse caminho, existiriam grandes possibilidades de a Comunidade ficar exposta a acusações de que não estava a cumprir o seu papel enquanto parte contratante.

    62.      Por estes motivos, parece‑me razoável seguir a análise feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos: o Tribunal de Justiça tem, pelo menos, competência suficiente para decidir qual o órgão jurisdicional – ele próprio ou o órgão jurisdicional competente de um Estado‑Membro – melhor colocado para determinar se determinada disposição tem efeito directo.

     Qual é o órgão jurisdicional melhor colocado para determinar se o artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus tem efeito directo?

    63.      O critério estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos para decidir esta questão (49) consiste em saber se a Comunidade legislou no domínio em que se insere a disposição em apreço.

    64.      Este critério reflecte a distinção traçada pelo Tribunal de Justiça no acórdão AETR (50), ou seja, a questão de saber se uma disposição se insere na esfera de competência exclusiva da Comunidade depende de terem sido promulgadas ou não normas internas suficientemente abrangentes nesse domínio. Também preserva um dos aspectos positivos do acórdão Hermès International, isto é, evitar futuras divergências de interpretação em situações em que o direito Comunitário seja afectado e exista, consequentemente, a necessidade de proceder à uniformização.

    65.      O artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus é uma disposição que se insere num domínio em que a Comunidade tenha legislado?

    66.      Esta questão coloca em evidência um dos problemas do acórdão Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos. O acórdão não contém orientações para se determinar se o exercício das competências da Comunidade tem «importância suficiente» para permitir concluir que a Comunidade legislou em determinado «domínio».

     Poder‑se‑á recorrer à legislação «a jusante»?

    67.      Por legislação «a jusante» refiro‑me à legislação relativa ao objecto de uma decisão administrativa (por exemplo, a espécie protegida em questão), em vez de à legislação que regula directamente o acesso à justiça em relação à própria decisão. Um órgão jurisdicional quererá evidentemente ter em conta essa legislação na sua tomada de decisão, mas suscita‑se a seguinte questão: a existência dessa legislação é relevante no que respeita ao acesso à justiça ao abrigo da Convenção de Aarhus?

    68.      O recurso pendente no órgão jurisdicional de reenvio diz respeito ao urso pardo. Por conseguinte, suscitou‑se a questão de saber se o facto de o urso pardo estar incluído na lista de espécies protegidas pela directiva habitats é relevante para o efeito de determinar se o artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus se insere num domínio do direito comunitário.

    69.      Na minha opinião, não é.

    70.      Se essa legislação «a jusante» fosse tida em consideração, a interpretação do artigo 9.°, n.° 3, ficaria fragmentada. Dependeria dos factos concretos submetidos ao órgão jurisdicional que procedesse à interpretação. Por exemplo, no presente caso, a questão de saber se competia ao Tribunal de Justiça ou ao órgão jurisdicional nacional interpretar a Convenção de Aarhus dependeria do facto de a espécie relativamente à qual se procurava obter uma licença de caça estar ou não mencionada numa determinada lista da directiva habitats. Este critério é demasiado aleatório e arbitrário para constituir uma base satisfatória para determinar a competência.

    71.      É claro que muita legislação «a jusante» pode limitar o poder discricionário do órgão jurisdicional nacional num caso concreto. Com efeito, no presente processo, pode invocar‑se a directiva habitats, que classifica o urso pardo como espécie protegida (51). Esta directiva não tem relevância directa para as questões submetidas ao Tribunal de Justiça e não tem qualquer relevância para a questão de saber se o artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus pode ter efeito directo. Apesar disso, cabe à República Eslovaca assegurar que a directiva habitats é eficazmente implementada (52).

     Definição de «domínio»

    72.      Quão estritamente se deve definir o domínio em que a Comunidade tem de ter legislado? Existem várias possibilidades – desde o conceito lato e abstracto («legislação que afecte o ambiente») (53), ao objecto da Convenção de Aarhus, ou de parte do mesmo («acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria ambiental») (54), à questão de saber se o objecto concreto da disposição em questão foi abrangido por uma medida legislativa que transpõe essa disposição para o direito da UE.

    73.      A repartição das competências num acordo misto é simultaneamente caracterizada pelo pragmatismo e pela possibilidade de evolução. Os acordos mistos são por vezes compromissos legislativos resultantes da necessidade política de celebrar um acordo. Por conseguinte, parece inteiramente justificado que o Tribunal de Justiça defina o «domínio» relativo à implementação de uma determinada disposição de uma forma pragmática, tendo em conta tanto a convenção internacional em si mesma como o facto de ter sido ou não promulgada legislação da UE para transpor, com respeito aos Estados‑Membros, a disposição específica que está em causa.

    74.      O artigo 9.°, n.° 3, impõe às partes contratantes da Convenção de Aarhus um conjunto de obrigações distinto e particular. Embora o artigo se insira no domínio abrangente do «direito ambiental» (que foi objecto de uma série de iniciativas legislativas ao nível da Comunidade), as obrigações que estabelece são suficientemente distintas das obrigações estabelecidas nas outras partes do artigo 9.° (conforme sublinhou o Conselho na declaração) para que o Tribunal de Justiça tenha de examinar se a Comunidade legislou no domínio específico abrangido pelo artigo 9.°, n.° 3.

     A Comunidade legislou no domínio abrangido pelo artigo 9.°, n.° 3?

    75.      Como salientam os Governos polaco e finlandês, até à data, a Comunidade não legislou no domínio específico em que o artigo 9.°, n.° 3 se insere.

    76.      Apesar de a Directiva 2003/35 abranger o artigo 9.°, n.° 2, as disposições do artigo 9.°, n.° 3, ainda não passaram a fazer parte do direito da UE (55). A única transposição do artigo 9.°, n.° 3, que ocorreu diz respeito às próprias instituições da UE, através do Regulamento n.° 1367/2006. No meu entender, poderá ser aqui aplicável uma variação do princípio de common law inclusio unis est exclusio alterius. Assim, a existência de um regulamento que aplica o artigo 9.°, n.° 3, às instituições vem apenas realçar o facto de que não existe uma medida da UE que transponha as obrigações correspondentes para as ordens jurídicas internas dos Estados‑Membros (56). A proposta, apresentada pela Comissão, de uma directiva para dar efeito ao artigo 9.°, n.° 3, em relação às obrigações dos Estados‑Membros saiu gorada. As obrigações previstas no artigo 9.°, n.° 3, têm ainda de ser transpostas para o direito nacional por intermédio do direito da UE.

    77.      A meu ver, a proposta de directiva para implementar o artigo 9.°, n.° 3, à qual não foi dado seguimento, é particularmente significativa. Não creio que o Tribunal de Justiça deva ignorar a ausência de legislação comunitária relevante e atribuir a si próprio a competência para decidir se o artigo 9.°, n.° 3, tem ou não efeito directo. Se o fizer, estará a assumir o papel de legislador. Todavia, até à data, o legislador, intencionalmente, optou por nada fazer.

    78.      Além disso, a declaração indica que a Comunidade considerou que as «obrigações resultantes do n.° 3 do artigo 9.° da convenção, uma vez que estas dizem respeito a processos administrativos e judiciais para questionar actos ou omissões de privados ou de autoridades públicas que não são as instituições da Comunidade Europeia», são da competência dos Estados‑Membros; e que os Estados‑Membros eram, e continuariam a ser, responsáveis pelo cumprimento dessas obrigações, a menos que e até que a Comunidade adopte medidas. O facto de a Comunidade não ter adoptado medidas reveste‑se, a meu ver, de uma importância crucial (57).

    79.      Tanto quanto respeita às obrigações em apreço no presente processo, concluo que o artigo 9.°, n.° 3, não se insere num domínio abrangido pelo direito comunitário.

    80.      Por conseguinte, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados‑Membros determinar se o artigo 9.°, n.° 3, deve ser interpretado no sentido de que tem efeito directo na ordem jurídica de cada Estado‑Membro em particular. O direito da UE não exige nem impede essa interpretação, pelo que um órgão jurisdicional nacional pode atribuir à disposição efeito directo, nas condições previstas no direito nacional, embora o direito da UE não o exija. Pelo contrário, na medida em que o artigo 9.°, n.° 3, impõe obrigações a um Estado‑Membro, este deve cumpri‑las em conformidade com o direito internacional.

     Conclusão

    81.      Proponho, por conseguinte, que o Tribunal de Justiça declare que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar se o artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus tem efeito directo na sua própria ordem jurídica, atendendo a que a União Europeia, embora tenha aderido a esse tratado internacional em 17 de Fevereiro de 2005, não adoptou ainda legislação para transpor essa disposição específica do tratado em causa para o direito da União Europeia relativamente às obrigações que impõe aos Estados‑Membros (por oposição às instituições da União Europeia).

    82.      Se o Tribunal de Justiça não concordar com as minhas conclusões relativamente à primeira questão, será necessário apreciar a segunda e a terceira questões.

     Segunda questão

    83.      O artigo 9.°, n.° 3, tem efeito directo?

    84.      Se o Tribunal de Justiça entender ser necessário responder a esta questão, proponho que declare que o artigo 9.°, n.° 3, não tem efeito directo.

    85.      O efeito directo (ou outro) de uma disposição de um acordo internacional que vincule a UE pode ser estabelecido pelas partes contratantes no próprio acordo. Caso contrário, caberá aos órgãos jurisdicionais dessas partes apreciar se a disposição tem efeito directo. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem declarado que uma disposição de um acordo internacional celebrado pela Comunidade com um país terceiro deve ser considerada como tendo efeito directo sempre que, atendendo aos seus termos e ao objecto e natureza desse acordo, contenha uma obrigação clara e precisa que não esteja dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da adopção de qualquer medida posterior (58).

    86.      O artigo 9.°, n.° 3, dispõe que «Além disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2, cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os actos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respectivo direito interno do domínio do ambiente.»

    87.      A meu ver, o artigo 9.°, n.° 3, não contém obrigações suficientemente claras e precisas que regulem directamente a situação jurídica dos particulares, sem qualquer outro esclarecimento ou precisão.

    88.      A LZ está correcta quando alega que os membros do público, devem, em virtude do disposto no artigo 9.°, n.° 3, ter direito ao acesso a processos administrativos ou judiciais. Todavia, apenas gozam de tal direito se cumprirem os critérios fixados pelo direito nacional (59). Nem o próprio artigo 9.°, n.° 3, nem as restantes disposições da Convenção de Aarhus contêm orientações sobre quais podem ou devem ser esses critérios. Na verdade, como sublinhou com razão o Governo alemão, os trabalhos preparatórios da Convenção de Aarhus sugerem que os seus redactores pretenderam deixar essa definição para os Estados contratantes (60).

    89.      Na ausência de tais limitações expressas, o âmbito de aplicação potencial do artigo 9.°, n.° 3, seria muito amplo. Atribuir efeito directo ao artigo 9.°, n.° 3, afastando, assim, a possibilidade de os Estados‑Membros fixarem os seus critérios de aplicação, equivale a estabelecer uma actio popularis por acto judicial em vez de por acto legislativo. O facto de a proposta de directiva não ter sido ainda adoptada indica que, neste contexto particular, tal medida seria, de facto, inadequada.

    90.      Na audiência, a LZ alegou que o Tribunal de Justiça já afirmou que a necessidade de fixação de critérios pelos Estados‑Membros não impede necessariamente o efeito directo. Todavia, os acórdãos que invocou – designadamente, os acórdãos Deutscher Handballbund (61) e Simutenkov (62) – distinguem‑se pelo facto de os critérios a fixar pelos Estados‑Membros em questão nesses processos serem critérios processuais de âmbito bastante limitado, ao invés de critérios substantivos de grande abrangência.

    91.      Por último, como observa acertadamente a Comissão, a atribuição de efeito directo ao artigo 9.°, n.° 3, permitindo que (na ausência de critérios que indiquem o contrário) o mesmo possa ser invocado por qualquer membro do público, geraria uma incerteza jurídica considerável para os órgãos cujos actos ou omissões possam ser objecto de processos administrativos ou judiciais. Os órgãos podem ser tanto particulares como autoridades públicas. A meu ver, esta é mais uma razão para considerar que o artigo 9.°, n.° 3, não deve ter efeito directo.

    92.      Limitar-me-ia a acrescentar que o facto de determinada disposição de um acordo internacional não ter efeito directo não significa que não impenda sobre os órgãos jurisdicionais nacionais das partes contratantes a obrigação de a ter em consideração (63).

    93.      Por conseguinte, se o Tribunal de Justiça entender ser necessário responder à segunda questão prejudicial, sugiro que declare que o artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus não tem efeito directo no direito da UE.

     Terceira questão

    94.      Na sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o conceito de «actos de autoridades públicas», que consta do artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus, inclui uma decisão tomada por um órgão administrativo.

    95.      É evidente que o Tribunal de Justiça tem competência para interpretar o artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus relativamente às obrigações que esse artigo impõe às instituições da UE em virtude do Regulamento n.° 1367/2006. Na medida em que seja desejável – seguindo o raciocínio adoptado nos acórdãos Dzodzi (64) e Leur Bloem (65) – que um órgão jurisdicional nacional, ao aplicar essa disposição no contexto do seu direito nacional, esteja ciente do sentido que vai ser atribuído aos termos essenciais no contexto do direito da UE, o Tribunal de Justiça poderá desejar responder à terceira questão prejudicial.

    96.      Na situação em apreço, a dificuldade parece resultar de uma particularidade linguística da versão em eslovaco da Convenção de Aarhus. A palavra «akt» – o termo normalmente empregue para designar um acto administrativo no direito eslovaco – é empregue no artigo 6.° e noutras partes do artigo 9.°, mas não é empregue no artigo 9.°, n.° 3. Aí, ao invés, é empregue a palavra «ukon». Por essa razão, o Supremo Tribunal eslovaco considerou que a expressão «actos e omissões» que consta do artigo 9.°, n.° 3, deve ser interpretada no sentido de que não inclui as decisões individuais das autoridades administrativas.

    97.      Porém, outras versões linguísticas sugerem que «akt» constitui simplesmente uma descrição genérica dos actos que um órgão administrativo tem capacidade para praticar, e que serve como contraponto às «opomenutí» (omissões), que englobam tudo o que um órgão dessa natureza deveria ter feito, mas não fez (66).

    98.      O facto de a letra do artigo 9.°, n.° 3, diferir da letra do artigo 9.°, n.° 2 (que utiliza a expressão «qualquer decisão, acto ou omissão») não significa, a meu ver, que o mesmo deva ser necessariamente lido no sentido de excluir as decisões formais ou, com efeito, de excluir os actos e omissões indicados no artigo 9.°, n.° 2. Se essa tivesse sido a intenção do legislador, parece‑me mais provável que teria sido empregue uma expressão como «excluindo os previstos no artigo 9.°, n.° 2».

    99.      Uma leitura do termo «actos» do artigo 9.°, n.° 3, que inclua decisões é sustentada pela expressão «sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2». O artigo 9.°, n.° 3, é uma disposição complementar. Não deve ser interpretado restritivamente, de modo a excluir artificialmente do seu âmbito de aplicação decisões que possam ser objecto de procedimentos nos termos do artigo 9.°, n.os 1 ou 2.

    100. Proponho, por conseguinte, que o Tribunal de Justiça responda à terceira questão que o artigo 9.°, n.° 3, deve ser interpretado no sentido de que inclui no conceito de «actos de autoridades públicas» o acto que consiste na tomada de uma decisão. O direito de acesso do público a processos de recurso, com as limitações impostas pelo artigo 9.°, n.° 3, deve incluir o direito de impugnar as decisões de um órgão administrativo que, alegadamente, violem as disposições do direito nacional de um Estado‑Membro relativas ao ambiente.

     Conclusões

    101. Proponho, por conseguinte, que em resposta às questões submetidas pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky, o Tribunal de Justiça declare o seguinte:

    1.      São inadmissíveis as questões prejudiciais, excepto na medida em que digam respeito ao artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus.

    2.      Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar se o artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus tem efeito directo na sua própria ordem jurídica, atendendo a que a União Europeia, embora tenha aderido a esse tratado internacional em 17 de Fevereiro de 2005, não adoptou ainda legislação para transpor essa disposição específica do tratado em causa para o direito da União Europeia relativamente às obrigações que impõe aos Estados‑Membros.

    3.      O artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus deve ser interpretado no sentido de que inclui no conceito de «actos de autoridades públicas» o acto que consiste na tomada de uma decisão. O direito de acesso do público a processos de recurso, com as limitações impostas pelo artigo 9.°, n.° 3, inclui o direito de impugnar as decisões de um órgão administrativo que, alegadamente, violem as disposições do direito nacional de um Estado‑Membro relativas ao ambiente.

    Se o Tribunal de Justiça entender que tem competência para se pronunciar sobre o efeito directo do artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus:

    4.      O artigo 9.°, n.° 3, da Convenção de Aarhus não tem efeito directo no direito da UE.


    1 – Língua original: inglês.


    2 – A Convenção de Aarhus foi celebrada em 25 de Junho de 1998 e entrou em vigor em 30 de Outubro de 2001. Em 22 de Novembro de 2009, a convenção tinha 44 partes contratantes, incluindo a República Eslovaca (que aderiu à convenção em 5 de Dezembro de 2005) e a União Europeia (a seguir «UE») (que aderiu em 17 de Fevereiro de 2005).


    3 – O artigo 17.° define «organizações de integração económica regional» como organizações «constituídas por Estados soberanos que sejam membros da Comissão Económica para a Europa e que lhe tenham transferido competência nas matérias reguladas pela presente convenção, incluindo a competência para concluir tratados relativos a estas matérias.» A União Europeia está implicitamente incluída nesta definição.


    4 – Uma vez que a referência foi feita, e todos os factos ocorreram, antes de o Tratado de Lisboa ter entrado em vigor, farei referência ao direito e à estrutura da UE que existiam antes desse momento. Não obstante, uma vez que as questões suscitadas no processo continuam a ter importância, também aludirei ao direito da União Europeia actualmente em vigor como «direito da UE».


    5 – Actual artigo 191.° TFUE.


    6 – Actual artigo 192.° TFUE.


    7 – As disposições do artigo 300.° foram substituídas pelo artigo 218.° TFUE.


    8Directiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Directivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho (JO L 156, p. 17).


    9 –      Directiva, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9; a seguir «Directiva 85/337» ou «directiva AIA»).


    10 –      Directiva, de 24 de Setembro de 1996, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição (JO L 257, p. 26; a seguir «Directiva 96/61» ou «directiva PCIP»).


    11 – Decisão, de 17 de Fevereiro de 2005, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (JO 2005 L 124, p. 1; a seguir «Decisão 2005/370»). O texto da Convenção de Aarhus é reproduzido na p. 4 e segs. do referido número do Jornal Oficial.


    12 – A seguir «declaração».


    13Regulamento (CE) n.° 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários (JO 2006 L 264, p. 13).


    14 – COM (2003) 624 final.


    15 – Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7; a seguir «directiva habitats»).


    16 – A categoria de «decisão, acto ou omissão» passível de impugnação pode ser alargada pelo direito nacional.


    17 – V, como exemplo recente, acórdão de 19 de Novembro de 2009, Filipiak e o. (C‑314/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 40 a 42 e jurisprudência aí referida).


    18 – Pode questionar‑se se o processo instaurado pela LZ se insere no âmbito de aplicação do artigo 6.° (e, por conseguinte, do artigo 9.°, n.° 2) da Convenção de Aarhus. O processo diz respeito a uma decisão que permite excepções às condições de protecção do urso pardo enquanto espécie. Ainda que dissesse respeito a uma decisão que pudesse afectar o habitat do urso pardo, tal decisão não estaria, no meu entender, abrangida pelo anexo I da directiva AIA. E nem a directiva habitats parece conter disposições que abordem os efeitos significativos que determinados projectos podem produzir no ambiente. Porém, é ao órgão jurisdicional nacional que compete apreciar todas estas questões.


    19 – O termo «efeito directo» indica que uma pessoa pode invocar uma disposição perante um órgão jurisdicional nacional, enquanto o termo «aplicabilidade directa» indica que um acordo tem carácter «self‑executing» sem que seja necessária legislação da União Europeia ou legislação nacional para o implementar.


    20 – V. n.° 85 infra.


    21 – Acórdão de 11 de Setembro de 2007, Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos (C–431/05, Colect., p. I–7001). O advogado‑geral D. Ruíz‑Jarabo Colomer inclui, nas suas conclusões apresentadas nesse processo, uma exposição cuidada da jurisprudência relevante. Contudo, uma vez que a questão foi reaberta no presente processo, voltarei a analisar essa jurisprudência.


    22 – V., para uma perspectiva geral, capítulo introdutório em Heliskoski, J., Mixed Agreements as a Technique for Organizing the International Relations of the European Community and its Member States (Kluwer Law International, Haia, 2001).


    23 – Acórdão de 31 de Março de 1971, Comissão/Conselho, dito «AETR» (22/70, Colect. p. 69, n.os 17 a 19).


    24 – V., por exemplo, Decisão 1/78, de 14 de Novembro de 1978, relativa ao projecto de convenção da Agência Internacional de Energia Atómica sobre a protecção dos materiais, instalações e transportes nucleares (Colect., p. 711, n.os 31 a 35), mas também subsequentemente o parecer 1/94, de 15 de Novembro de 1994 (Colect., p. I‑5267, n.° 77). O princípio estabelecido no acórdão AETR está igualmente consagrado no Protocolo 25 ao Tratado de Lisboa, que desenvolve o artigo 2.°, n.° 2, TFUE no que respeita à competência partilhada.


    25 – Acórdão de 30 de Abril de 1974, Haegeman/Bélgica (181/73, Colect. p. 251, n.os 4 a 6).


    26 – V., por exemplo, acórdão de 24 de Novembro de 1977, Razanatsimba (65/77, Colect., p. 819).


    27 – Acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel (12/86, Colect., p. 3719).


    28 – N.os 6 a 12 do acórdão. Porém, conforme fez notar Eeckhout, no acórdão Demirel, o Tribunal de Justiça declarou que a questão de saber se tinha competência para interpretar uma disposição contendo um compromisso de um único Estado‑Membro não se colocava. Na verdade, limitou‑se a confirmar que existia uma ligação entre a competência da Comunidade e a sua (External Relations of the European Union, Oxford University Press, 2004, p. 236).


    29 – Esse acórdão constituiu a base de uma extensa linha jurisprudencial sobre o Acordo de Associação CEE‑Turquia, desde o acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince (C‑192/89, Colect., p. I‑3461) e o acórdão de 16 de Dezembro de 1992, Kus (C‑237/91, Colect., p. I‑6781) em diante.


    30 – Acórdão de 16 de Junho de 1998, Hermès International (C‑53/96, Colect., p. I‑3603).


    31 – No n.° 52 das suas conclusões no processo Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos, o advogado‑geral D. Ruíz‑Jarabo Colomer reiterou a observação de Eeckhout (op. cit., p. 237) de que o processo Hermès havia exposto o problema da utilização da competência da Comunidade como critério para a competência jurisdicional, ou seja, que a última fica refém da complexidade da primeira. Concordo também com essa ideia.


    32 – Regulamento n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994 L 11, p. 1).


    33 – N.os 22 a 33 do acórdão. Esta passagem tem sido objecto de interpretação lata, no sentido de conferir competência interpretativa nas áreas de competência partilhada entre a Comunidade e os Estados‑Membros, por comentadores como Dashwood (v., por exemplo, «Preliminary Rulings on the Interpretation of Mixed Agreements» em O’Keeffe, e Bavasso (eds.) Judicial Review in European Union Law: Liber Amicorum in Honour of Lord Slynn of Hadley (Kluwer Law International, Haia, 2000, p. 173). Todavia, Heliskoski critica esta interpretação lata em Mixed Agreements as a Technique for Organizing the International Relations of the European Community and its Member States, (op. cit. pp. 59‑60). O acórdão Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos parece pôr um fim à abordagem lata, apesar de a ideia de impedir futuras divergências de interpretação continuar a ser um motivo válido para apoiar a decisão proferida nesse processo.


    34 – Acórdão de 17 de Julho de 1997, Giloy (C‑130/95, Colect., p. I‑4291).


    35 – Acórdão de 17 de Julho de 1997, Leur‑Bloem (C‑28/95, Colect., p. I‑4161).


    36 – Acórdão de 14 de Dezembro de 2000, Dior e o., C‑300/98 e C‑392/98, Colect., p. I‑11307.


    37 – Esta abordagem foi criticada pela sua falta de clareza pelo advogado‑geral F. Jacobs no n.° 40 das suas conclusões no processo Schieving‑Nijstad (acórdão de 13 de Setembro de 2001, C‑89/99, Colect., p. I‑5851). Eeckhout concorda com esta crítica, questionando se «o actual [2004] turbilhão de competência e efeito jurídico contribui para uma implementação e aplicação eficaz e exequível do direito da OMC a nível judicial» (op. cit., p. 243).


    38 – Eeckhout apresenta quatro diferentes possíveis razões para a competência do Tribunal de Justiça: o âmbito das obrigações da Comunidade; a relação com o direito comunitário harmonizado; a abordagem aos pedidos de decisão prejudicial do órgão jurisdicional nacional e ao dever de cooperação. No seguimento do acórdão Dior e o., surgiram, de alguns quadrantes, pedidos de maior clareza na fundamentação: v. por exemplo, Koutrakos, P., «The Interpretation of Mixed Agreements under the Preliminary Reference Procedure» (2002) 7 EFA, p. 25 e Heliskoski, J., «The Jurisdiction of the European Court to Give Preliminary Rulings on the Interpretation of Mixed Agreements» (2000) 69 Nordic Journal of International Law, p. 395.


    39 – Nos n.os 30 a 38 do acórdão. Eeckhout critica este aspecto em particular, sustentando que a primeira é uma questão relativa ao efeito jurídico de uma disposição, e que a interpretação do efeito jurídico de uma disposição faz parte integrante da interpretação dessa disposição.


    40 – Acórdão de 7 de Outubro de 2004, Comissão/França (C‑239/03, Colect., p. I‑9325, a seguir «Étang de Berre») e acórdão de 30 de Maio de 2006, Comissão/Irlanda (C‑459/03, Colect., p. I‑4635, a seguir «Mox Plant»), respectivamente.


    41 – Acórdão Étang de Berre, n.° 25. O Tribunal de Justiça abordou sumariamente a questão da definição do âmbito da competência da Comunidade, declarando que a inexistência de disposições comunitárias que regulassem o problema ambiental específico numa determinada área (protecção ambiental) que estava, em termos gerais, abrangida por legislação comunitária não punha em causa a competência da Comunidade (n.os 27 a 31).


    42 – Já referido na nota 21.


    43 – N.os 33 a 38.


    44 – V., em particular, De Baere, G. Constitutional Principles of EU External Relations (Oxford University Press, 2008), p. 264.


    45 – V. acórdão Mox Plant, n.os 82 e 84 e jurisprudência aí referida. Trata‑se de jurisprudência há muito assente: v. acórdão Demirel, n.° 6 e jurisprudência aí referida.


    46 – V. acórdão Étang de Berre, n.° 25 e jurisprudência aí referida. Isto abrange não apenas as disposições da competência exclusiva da Comunidade, mas também disposições cuja competência seja partilhada. Poderá revelar‑se útil pensar que a Comunidade adquire competência externa exclusiva aquando do exercício de um poder latente. O advogado‑geral G. Cosmas, no n.° 43 das suas conclusões no processo Dior e o., traçou a distinção entre competência potencial e efectiva da Comunidade, sugerindo que a primeira se converte na segunda quanto a Comunidade adopta medidas legislativas em determinado sector. Eeckhout reconhece esta análise (op. cit., p. 271) e eu também a subscrevo como forma de conceptualizar o problema.


    47 – N.os 31 a 33 do acórdão.


    48 – No entanto, no processo Dior e o., o advogado‑geral G. Cosmas contestou acerrimamente a atribuição ao Tribunal de Justiça de competência para interpretar todas as disposições de um acordo misto, afirmando que tal constituiria uma invasão da competência das autoridades nacionais e que o papel institucional do Tribunal de Justiça não inclui a iniciativa de legislar com vista à harmonização das legislações nacionais (v. n.os 42 e 48).


    49 – E também a questão conexa, relativa à própria disposição, de saber se o direito comunitário se opõe a que seja reconhecido efeito directo a uma disposição de um acordo misto.


    50 – Para efeitos de traçar uma divisão a posteriori das competências num acordo misto.


    51 – V. n.° 16 supra.


    52 – Por exemplo, apesar de a directiva habitats não prever, ela própria, a legitimidade activa de uma parte para impugnar um procedimento administrativo, o órgão jurisdicional de reenvio pode, num litígio que lhe tenha sido submetido, estar obrigado a declarar oficiosamente que a decisão substantiva contraria as obrigações que impendem sobre a República Eslovaca nos termos do direito da UE. Em alternativa, pode estar obrigado a proporcionar o acesso a um órgão jurisdicional por força dos artigos 3.°, n.° 1, alínea b), 12.° e 13.°, da Directiva 2004/35 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais (JO L 143, p. 56), se os danos causados a uma espécie animal (o urso pardo) tiverem sido causados por uma «actividade ocupacional» na acepção do artigo 2.°, n.° 7, dessa directiva, e se as pessoas em questão tiverem um «interesse suficiente» nos termos da lei eslovaca, conforme previsto no artigo 12.°, n.° 1, terceiro parágrafo.


    53 – Implícito no acórdão Étang de Berre, n.° 28, apesar de, conforme já foi acima referido, esse processo dizer respeito à competência do Tribunal numa acção por incumprimento.


    54 – Parece ter sido este o caso no acórdão Dior e o.: v. n.° 32 das conclusões do advogado‑geral G. Cosmas. Todavia, o advogado‑geral parece sugerir no n.° 33 que o critério deveria ser o de saber se a Comunidade «exerceu a sua competência (potencial)» nesse sector. O advogado‑geral sugeriu também examinar se no n.° 35 qualquer «disposição de direito comunitário [foi] afectada pela interpretação ou aplicação do artigo em questão».


    55 – O âmbito aparentemente lato do acórdão Étang de Berre distingue‑se a este respeito. Como observa o Governo polaco, nesse processo o Tribunal de Justiça afastou as objecções à sua competência com o fundamento de que já se encontrava em vigor legislação de carácter geral – o que faltava era legislação que tratasse do problema específico submetido ao Tribunal de Justiça. No presente processo, o artigo 9.°, n.° 3, é uma disposição independente: não é, ela própria, um subconjunto da parte do artigo 9.° (artigo 9.°, n.° 2) que já foi transposta para o direito da UE.


    56 – V. acórdão de 1 de Julho de 2008, Região autónoma dos Açores/Conselho (T‑37/04, Colect., p. II‑103, n.° 93), no qual o Tribunal de Primeira Instância declarou que os efeitos jurídicos do Regulamento n.° 1367/2006 se limitavam às instituições da Comunidade.


    57 – Isto diferencia ainda mais os factos do presente processo dos factos subjacentes ao acórdão Étang de Berre.


    58 – V., por exemplo, acórdão de 13 de Dezembro de 2007, Asda Stores (C‑372/06, Colect., p. I‑11223, n.° 82 e jurisprudência aí referida). V. também acórdão Demirel, já referido na nota 27, n.° 14, e acórdão de 3 de Junho de 2008, Intertanko e o. (C‑308/06, Colect., p. I‑4057, n.° 39). São apresentadas formulações ligeiramente diferentes no acórdão Dior e o., n.° 42, e nas conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro nos processos FIAMM e FIAMM Technologies/Conselho e Comissão (acórdão de 9 de Setembro de 2008, C‑120/06 P e C‑121/06 P, Colect., p. I–6513), nas quais, no n.° 26, critica a utilização do termo «efeito directo» como sendo um termo técnico aplicável a duas normas jurídicas distintas.


    59 – A questão de saber se a LZ o faz é, obviamente, uma questão da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais.


    60 – Os trabalhos preparatórios podem ser consultados em ECE/MP.PP/2005/3/Add.3 8 de Junho de 2005; www.unece.org/env/pp/mop2/mop2.doc.htm. O artigo 31.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (a seguir «CVDT») indica que o direito internacional se esforça por tornar efectivo o sentido natural e comum das disposições de um tratado. Contudo, tanto o artigo 32.° da CVDT como os princípios gerais de direito internacional prevêem a possibilidade de recorrer aos trabalhos preparatórios de um tratado, com vista a determinar o sentido de um termo, quando a interpretação baseada no sentido comum de uma disposição, à luz do seu objecto e fim, conduza a um resultado ambíguo ou obscuro. V. Sinclair, The Vienna Convention on the Law of Treaties, 2.ª edição, Manchester University Press, 1984, p. 141 e segs.


    61 – Acórdão de 8 de Maio de 2003, Deutscher Handballbund (C‑438/00, Colect., p. I‑4135, n.° 29).


    62 – Acórdão de 12 de Abril de 2005, Simutenkov (C‑265/03, Colect., p. I‑2579, n.os 24 e 25).


    63 – V., por analogia, n.° 80 das conclusões do advogado‑geral G. Cosmas no processo Dior e o., já referido na nota 36.


    64 – Acórdão de 18 de Outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, Colect., p. I‑3763).


    65 – Já referido na nota 35.


    66 – Por exemplo, a versão inglesa utiliza a expressão «act or omission», a versão francesa «les actes ou omissions»; e a versão alemã «vorgenommenen Handlungen und begangenen Unterlassungen».

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