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Document 62009CC0213

    Conclusões da advogada-geral Trstenjak apresentadas em 24 de Junho de 2010.
    Barsoum Chabo contra Hauptzollamt Hamburg-Hafen.
    Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Hamburg - Alemanha.
    União aduaneira - Regulamento (CE) n.º 1719/2005 - Pauta aduaneira comum - Cobrança de direitos aduaneiros de importação - Importação de produtos alimentares transformados - Conservas de cogumelos - Subposição NC 2003 10 30 - Cobrança de um montante suplementar - Princípio da proporcionalidade.
    Processo C-213/09.

    Colectânea de Jurisprudência 2010 I-12109

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:372

    CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    VERICA TRSTENJAK

    apresentadas em 24 de Junho de 2010 1(1)

    Processo C‑213/09

    Barsoum Chabo

    contra

    Hauptzollamt Hamburg‑Hafen

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Hamburgo (Alemanha)]

    «Regulamento CE n.° 1719/2005 – Pauta aduaneira comum – Direito específico – Conservas de cogumelos do género Agaricus (cogumelos de Paris) – Proporcionalidade – Critério de exame no caso de ampla margem de apreciação – Objectivos de política agrícola – Objectivos de política comercial – Necessidade – OMC – Acordo agrícola – Artigo 4.° – Tarifação – Inadmissibilidade de direitos niveladores variáveis»





    1.        Através do presente pedido de decisão prejudicial, apresentado ao abrigo do artigo 234.° CE (2), o Finanzgericht Hamburg (Tribunal fiscal de Hamburgo, a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») pretende saber se a cobrança de um direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, sobre conservas de cogumelos do género Agaricus, ou seja, cogumelos de Paris (a seguir «conservas de cogumelos»), importados da República Popular da China para a Comunidade fora de um contingente previsto para o efeito, é compatível com o princípio da proporcionalidade.

    2.        O Tribunal de Justiça já teve oportunidade, no passado, de se pronunciar acerca da compatibilidade com o princípio da proporcionalidade de montantes suplementares sobre a importação de conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros (3). Contudo, os montantes suplementares aí em causa constituíam direitos niveladores agrícolas autónomos da Comunidade. O presente pedido de decisão prejudicial coloca a questão de saber se os critérios utilizados pelo Tribunal de Justiça no âmbito da apreciação de direitos niveladores agrícolas autónomos também são aplicáveis quando está em causa um direito específico, que passou a aplicar‑se em vez dos referidos montantes suplementares, mas cujo montante corresponde a uma taxa máxima, negociada e acordada no quadro da Organização Mundial do Comércio (a seguir «OMC»).

    I –    Quadro jurídico

    A –    Direito do comércio internacional

    3.        Através da Decisão n.º 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986-1994) (4), a Comunidade aderiu ao acordo OMC e a um conjunto de outros acordos multi e plurilaterais. Entre os acordos multilaterais conta‑se o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (5) (a seguir «GATT de 1994») e o Acordo sobre a Agricultura (6) (a seguir «acordo agrícola»).

    4.        O GATT de 1994 abrange também as disposições do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1947 (a seguir «GATT de 1947»), que consagra, nomeadamente, a regra do tratamento geral de nação mais favorecida, tal como prevista no artigo 1.º, n.° 1, do GATT de 1947. Segundo esta regra do tratamento geral de nação mais favorecida, qualquer vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedidos por uma parte contratante a um produto originário de outro país ou a ele destinado serão, imediata e incondicionalmente, extensivos a todos os produtos similares originários dos territórios de qualquer outra parte contratante ou a eles destinados.

    5.        O artigo 2.º do GATT de 1947 regula as listas de concessões. O seu n.° 1, alínea a), determina o seguinte:

    «Cada parte contratante concederá ao comércio das outras partes contratantes um tratamento não menos favorável que o previsto na parte apropriada da correspondente lista anexa a este Acordo».

    6.        O artigo 4.° do acordo agrícola regula o acesso aos mercados e determina o seguinte:

    «1. As concessões em matéria de acesso aos mercados incluídas nas listas dizem respeito às consolidações e reduções das pautas e aos outros compromissos em matéria de acesso aos mercados aí especificados.
    2. Os membros não manterão, não recorrerão nem retomarão medidas de tipo idêntico às que tiveram de ser convertidas em direitos aduaneiros propriamente ditos (1), com excepção do previsto no artigo 5.° e no anexo 5».

    7.        A nota 1, relativa ao conceito de «medidas» utilizado no artigo 4.°, dispõe o seguinte:

    «Estas medidas incluem as restrições quantitativas à importação, os direitos niveladores de importação variáveis, os preços mínimos de importação, os regimes de importação discricionários, as medidas não pautais aplicadas por intermédio de empresas comerciais estatais, as autolimitações das exportações e as medidas similares aplicadas nas fronteiras, com excepção dos direitos aduaneiros propriamente ditos. […]»

    8.        O artigo 5.° do acordo agrícola prevê uma cláusula de salvaguarda especial no âmbito da importação de produtos agrícolas. Um dos pressupostos do recurso a esta cláusula é o de os produtos em causa serem designados nas listas de compromissos pelo símbolo «SE». Nas listas de compromissos da Comunidade as mercadorias abrangidas pelo código NC 2003 1030 não se encontram designadas por este símbolo.

    9.        No âmbito do Uruguay Round a Comunidade obrigou‑se, em relação às mercadorias abrangidas pelo código NC 2003 1030, a cobrar, no máximo, uma taxa de 23%, no tocante a um contingente de 62 660 t. Obrigou‑se, além disso, fora deste contingente, a cobrar, no máximo, uma taxa de 18,4% e um direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido. Estes compromissos encontram‑se previstos nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC. A República Popular da China é membro da OMC desde 1 de Dezembro de 2001. A Comunidade aumentou o contingente de mercadorias abrangidas pelo código NC 2003 1030, provenientes da República Popular da China, para 23 750 t, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007 (7).

    B –    Direito comunitário (8)

    10.      O artigo 33.°, n.° 1, CE enuncia como objectivos da política agrícola comum:

    «a)      Incrementar a produtividade da agricultura, fomentando o progresso técnico, assegurando o desenvolvimento racional da produção agrícola e a utilização óptima dos factores de produção, designadamente da mão‑de‑obra;

    b)      Assegurar, deste modo, um nível de vida equitativo à população agrícola, designadamente pelo aumento do rendimento individual dos que trabalham na agricultura;

    c)      Estabilizar os mercados;

    d)      Garantir a segurança dos abastecimentos;

    e)      Assegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores.»

    11.      Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (9), na redacção do Regulamento (CE) n.° 254/2000 do Conselho, de 31 de Janeiro de 2000, que altera o Regulamento (CEE) n.° 2658/87 (10) (a seguir «Regulamento n.° 2658/87, na redacção alterada»), a Comissão cria uma nomenclatura combinada (a seguir «NC»). De acordo com o artigo 1.°, n.° 3, primeira frase, do Regulamento n.° 2658/87, na redacção alterada, a NC consta do anexo I. Nos termos da segunda frase do referido n.° 3, fixam‑se nesse anexo, designadamente, as taxas dos direitos da pauta aduaneira comum (a seguir «PAC»).

    12.      O artigo 12.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2658/87, na redacção alterada, estatui o seguinte:

    «A Comissão adoptará anualmente um regulamento com a versão completa da Nomenclatura Combinada e das taxas dos direitos em conformidade com o artigo 1.°, tal como resulta das medidas aprovadas pelo Conselho ou pela Comissão. Esse regulamento é publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias até 31 de Outubro e é aplicável a partir de 1 de Janeiro do ano seguinte».

    13.      Nos termos do artigo 9.°, n.° 2, primeiro travessão, do Regulamento n.° 2658/87, na redacção alterada, as disposições adoptadas ao abrigo do n.° 1 não podem alterar as taxas dos direitos aduaneiros.

    14.      O anexo I do Regulamento n.° 2658/87, na redacção alterada, foi substituído, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2006, nos termos do Regulamento (CE) n.° 1719/2005 da Comissão, de 27 de Outubro de 2005, que altera o anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho relativo à Nomenclatura Pautal e Estatística e à Pauta Aduaneira Comum (11).

    15.      A primeira parte do anexo I do Regulamento n.° 1719/2005 contém disposições preliminares, entre as quais se conta uma lista dos sinais, abreviaturas e símbolos utilizados. Nos termos da mesma, a abreviatura «kg/net eda» refere‑se a «Quilograma ‑ peso líquido escorrido».

    16.      A segunda parte deste mesmo anexo contém a PAC aplicável, (em virtude do tempo) ao caso em apreço. O capítulo 20 da PAC tem por objecto preparações de produtos hortícolas, de frutas ou de outras partes de plantas. Constam deste capítulo as seguintes posições:

    Código NC

    Designação das mercadorias

    Taxas dos direitos convencionais (%)

    Unidade suplementar

    1

    2

    3

    4

    2003

    Cogumelos e trufas, preparados ou conservados, excepto em vinagre ou em ácido acético

       

    2003 10

    ‑ Cogumelos do género Agaricus

       

    2003 10 20

    – Conservados provisoriamente, cozidos por inteiro

    18,4 + 191 €/100 kg/net eda (1)

    kg/net eda

    2003 10 30

    – Outros

    18,4 + 222 €/100 kg/net eda (1)

    kg/net eda


    17.      A nota 1 dispõe o seguinte:

    «O montante específico é, enquanto medida autónoma, cobrado sobre o peso líquido escorrido».

    18.      O Regulamento (CE) n.° 1864/2004 da Comissão, de 26 de Outubro de 2004, relativo à abertura e modo de gestão de contingentes pautais para a importação de conservas de cogumelos de países terceiros (12), regula os contingentes dentro dos quais se facilita o acesso ao mercado. Os primeiro, o sétimo e o décimo considerandos deste regulamento, na redacção do Regulamento (CE) n.° 1995/2005 da Comissão, de 7 de Dezembro de 2005, que altera o Regulamento (CE) n.° 1864/2004 (13) (a seguir «Regulamento n.° 1864/2004, na redacção alterada»), têm o seguinte teor:

    «(1) No âmbito do Acordo sobre a agricultura concluído no quadro das negociações comerciais multilaterais do Uruguay Round […], a Comunidade comprometeu‑se a abrir, sob determinadas condições e a partir de 1 de Julho de 1995, contingentes pautais comunitários para as conservas de cogumelos do género Agaricus spp. dos códigos NC 07119040, 20031020 e 20031030.

    […]

    (7) Sem prejuízo do resultado das negociações nos termos do artigo XXIV.6 do GATT (1994) e a fim de preservar os fluxos tradicionais de comércio, assegurando, simultaneamente, a abertura do mercado comunitário a novos países terceiros fornecedores, a quantidade de conservas de cogumelos do género Agaricus a importar para a Comunidade no âmbito do regime de contingentes pautais deve ter em conta as preferências previstas nos Acordos Europeus com a Bulgária e a Roménia. […]

    […]

    (10) Deve ser assegurada a continuidade do abastecimento dos produtos em causa, a preços estáveis, no mercado comunitário, evitando‑se perturbações desnecessárias do mercado que se traduzam em significativas flutuações dos preços com impacto negativo para os produtores comunitários. Para o efeito, deve ser fomentada a concorrência entre importadores e reduzida a carga administrativa imposta aos importadores».

    19.      O artigo 1.°, n.° 1, deste regulamento estabelece, designadamente, contingentes pautais com vista à importação de conservas de cogumelos do código NC 2003 1030. Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, primeira parte, deste regulamento, a taxa do direito aplicável é de 23 % para os produtos do código NC 2003 1030.

    20.      O Regulamento (CE) n.° 980/2005 do Conselho, de 27 de Junho de 2005, relativo à aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas (14), estabelece, no seu artigo 1.°, n.° 1, um sistema comunitário de preferências pautais generalizadas. Nos termos do n.° 2 da referida disposição, este sistema prevê um regime geral e regimes especiais. Nos termos do artigo 2.° do regulamento em apreço, os países beneficiários constam do anexo I. A China consta do anexo I como país ao qual se aplica o regime geral. Nos termos do artigo 4.° do regulamento em apreço, os produtos abrangidos pelo regime geral estão enumerados no anexo II. No anexo II encontra‑se listado o capítulo 20 da PAC, ao qual também pertence o código NC 2003 1030.

    21.      O artigo 7.°, n.° 2, primeira frase, e n.° 5, deste regulamento determina:

    «2. Os direitos ad valorem da Pauta Aduaneira Comum aplicáveis aos produtos sensíveis enumerados no Anexo II são reduzidos em 3,5 pontos percentuais. […]

    […]

    5. Sempre que os direitos da Pauta Aduaneira Comum aplicáveis aos produtos sensíveis enumerados no Anexo II compreenderem direitos ad valorem e direitos específicos, os direitos específicos não serão reduzidos».

    22.      Nos termos do anexo II, as mercadorias abrangidas pelo capítulo 20 da PAC encontram‑se enumeradas como produtos sensíveis.

    II – Matéria de facto

    23.      Em 6 de Março de 2006, a empresa de que era proprietário Barsoum Chabo (a seguir «recorrente no processo principal»), pediu a colocação em livre prática de 1 000 caixas de conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China. A mercadoria foi declarada como «cogumelos, em salmoura, conservados sem vinagre» sob o número de código NC 2003 9000 (cogumelos distintos dos do género Agaricus). O desalfandegamento foi efectuado de acordo com a declaração, aplicando‑se uma taxa de 14,9%.

    24.      A empresa do recorrente no processo principal já tinha importado, antes de 6 de Março de 2006, mercadoria declarada em termos idênticos. Em relação a uma dessas importações anteriores, procedeu‑se a uma verificação aduaneira. Resultou, de um parecer de classificação elaborado no contexto desta verificação aduaneira, que a importação em causa não tinha por objecto mercadoria abrangida pelo código NC 2003 9000. Na realidade, segundo o parecer de classificação, estavam em causa conservas de cogumelos abrangidas pelo código NC 2003 1030.

    25.      Por decisão de 27 de Fevereiro de 2007, o Hauptzollamt Hamburg‑Hafen (a seguir «recorrido no processo principal») fixou a posteriori, ao recorrente no processo principal, direitos de importação no montante total de 27 507,13 €, em relação às importações de 6 de Março de 2006. Para o efeito, o recorrido no processo principal classificou as conservas de cogumelos como abrangidas pelo código NC 2003 1030, com base no parecer de classificação, e aplicou uma taxa de 14,9%, acrescida de um direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido. O recorrente no processo principal apresentou reclamação desta liquidação em 5 de Março de 2007, a qual foi indeferida em 7 de Dezembro de 2007.

    III – Tramitação processual no órgão jurisdicional de reenvio

    26.      Em 9 de Janeiro de 2008 o recorrente no processo principal interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, no qual pede que seja anulada a liquidação de 21 de Fevereiro de 2007, nos termos em que foi confirmada pela decisão de 7 de Dezembro de 2007, que recaiu sobre a reclamação. O recorrente no processo principal alega, nomeadamente, que o direito específico no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido não é proporcionado, por equivaler a uma proibição de importações. O recorrido no processo principal pede que seja negado provimento ao recurso. Alega que o direito específico em causa não constitui uma medida de protecção, mas sim um direito aduaneiro regular, que não equivale a uma qualquer proibição de importações.

    27.      Segundo os factos julgados provados pelo órgão jurisdicional de reenvio, as conservas de cogumelos importadas encontram‑se abrangidas pelo código NC 2003 1030. Por conseguinte, aplica‑se a taxa prevista para este código NC. Porém, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à validade da taxação que resulta desta posição. O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se se o direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido pode ser considerado conforme ao princípio da proporcionalidade. Neste contexto, remete para os acórdãos do Tribunal de Justiça C‑26/90 (Wünsche) (15) e C‑296/94 (Pietsch) (16). Segundo refere, nestes acórdãos o Tribunal de Justiça decidiu que os montantes suplementares fixados a conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros, para eliminação das perturbações do mercado comunitário, não eram conformes ao princípio da proporcionalidade, em virtude do seu valor excessivo.

    28.      Ainda segundo o órgão jurisdicional de reenvio, coloca‑se assim a questão de saber se esta jurisprudência é aplicável ao direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido. A favor dessa aplicabilidade releva o facto de o direito específico, tal como sucede com os montantes suplementares, constituir uma medida de protecção em benefício dos produtores comunitários. O direito específico, que recai sobre a importação de conservas de cogumelos fora do contingente aberto pelo Regulamento n.° 1864/2004, destina‑se a compensar as vantagens em termos de custos das conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China. De resto, o direito específico ultrapassa largamente o nível necessário para que a medida de protecção seja eficaz. Por isso, o direito específico equivale, em termos práticos, a uma proibição de importações e a uma penalização económica dos importadores. A situação manter‑se‑ia igual ainda que se atendesse a flutuações dos preços decorrentes de diferenças de qualidade.

    29.      O órgão jurisdicional de reenvio refere, ainda, neste contexto, que no período em causa o preço a pagar pelo distribuidor de conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China era de 0,93 € por quilograma. Em contrapartida, em Junho de 2007, o preço para conservas de cogumelos, de primeira categoria, provenientes de França, ascendia a 2,70 € por kg. Em Junho de 2006, as conservas de cogumelos laminados, de segunda categoria, provenientes da Comunidade, custavam 2,70 € por kg. O direito específico corresponde a 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, ou seja, a 2,22 € por kg.

    30.      O órgão jurisdicional de reenvio faz notar que o direito específico ascende a mais de 200% do preço de importação das conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China. Além disso, ultrapassa em regra a diferença entre o preço de custo na Comunidade e o preço das importações da República Popular da China. Por fim, o direito específico também não procede a uma diferenciação em função da categoria de qualidade da mercadoria.

    IV – Questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

    31.      O órgão jurisdicional de reenvio, atentas as dúvidas que mantém relativas à compatibilidade do direito específico com o princípio da proporcionalidade, submeteu, por decisão de reenvio prejudicial proferida em 13 de Maio de 2009, que deu entrada na secretaria do Tribunal de Justiça no dia 15 de Junho de 2009, a seguinte questão prejudicial:

    O montante suplementar de 222 € por 100 kg líquidos de produto, resultante da taxa para países terceiros e da taxa preferencial, que é cobrado sobre importações de cogumelos conservados do género Agaricus (posição 2003 1030 da NC), é inválido por violar o princípio da proporcionalidade?

    32.      O recorrente no processo principal, o Conselho e a Comissão apresentaram observações escritas dentro do prazo previsto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

    33.      Realizou‑se audiência no dia 29 de Abril de 2010, na qual participaram os mandatários judiciais do recorrente no processo principal, do Governo italiano, do Conselho e da Comissão.

    V –    Principais argumentos das partes

    34.      O recorrente no processo principal entende que o direito específico que recai sobre mercadorias do código NC 2003 1030, no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, é desproporcionado.

    35.      Segundo o recorrente no processo principal, um direito aduaneiro deste montante impede a colocação no mercado da Comunidade de cogumelos de Paris provenientes da República Popular da China. Do ponto de vista dos consumidores, os cogumelos de Paris chineses dispõem de uma qualidade manifestamente inferior à dos cogumelos de Paris provenientes da Comunidade. Os cogumelos de Paris chineses só podem ser colocados no mercado da Comunidade se os seus preços forem nitidamente inferiores aos dos cogumelos de Paris provenientes da Comunidade, o que não é possível se àqueles for aplicado um direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido. Além disso, é possível proceder‑se, sem dificuldade de maior, a uma diferenciação de conservas de cogumelos em função da categoria de qualidade. Acresce que se pode considerar, como meio menos gravoso, a atribuição de subvenções aos produtores comunitários, para que se possa reduzir o preço dos cogumelos produzidos na Comunidade. A aplicação de um direito aduaneiro mais reduzido estaria também em harmonia com o objectivo da política agrícola comum, de abastecimento dos consumidores a preços razoáveis.

    36.      Ainda segundo o recorrente no processo principal, resulta dos elementos apresentados pela Comissão que o direito específico, em conjugação com os direitos ad valorem e com a previsão de contingentes, já cumpriu a sua missão. Actualmente já não é de recear uma perturbação séria do mercado dos cogumelos de Paris, na Comunidade. Importa também ter em conta que a aplicação do direito aduaneiro em causa está em contradição com o objectivo da política agrícola comum, de se incrementar a produtividade e de se assegurar a utilização óptima dos factores de produção.

    37.      O Governo italiano entende que o direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, aplicável a mercadorias abrangidas pelo código NC 2003 1030, é compatível com o princípio da proporcionalidade.

    38.      O objectivo do direito específico é o de proteger os produtores comunitários de cogumelos de Paris. A sua aplicação impede que os respectivos preços se reduzam excessivamente, em virtude de importações da República Popular da China. Neste sentido, é adequado à prossecução do objectivo. A aplicação do direito específico também é necessária. Não é possível subdividir os cogumelos de Paris em categorias de qualidade. Uma vez que, do ponto de vista dos adquirentes, a mercadoria em causa constitui, simplesmente, conservas de cogumelos, importa tomar como referência o nível de qualidade mais elevado. É que a redução dos preços dos produtos de nível de qualidade mais baixa implicaria que os consumidores preferissem estes produtos. O direito específico não constitui uma proibição de importações, em termos práticos. Em primeiro lugar, o direito específico tem, precisamente, como objectivo, obstar a um excesso de importações de países terceiros. Em segundo lugar, o que na realidade se confirma é que têm sido importados para a Comunidade cogumelos de Paris provenientes da República Popular da China, mesmo fora dos contingentes previstos. Portanto, o direito específico não produziu, na prática, os efeitos de uma proibição de importações.

    39.      O Conselho entende que o direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, aplicável a mercadorias abrangidas pelo código NC 2003 1030, é compatível com o princípio da proporcionalidade.

    40.      Ainda segundo o Conselho, os acórdãos referidos pelo recorrente no processo principal incidiam sobre direitos niveladores agrícolas autónomos. Tratava‑se de medidas de protecção unilaterais da Comunidade, destinadas a estabilizar os preços dos produtos comunitários. Atendendo a este objectivo, era possível e mesmo necessário, no caso dos direitos niveladores agrícolas autónomos, fixar‑se o valor dos montantes suplementares tendo em efectiva consideração os preços no Estado terceiro e as várias categorias de qualidade.

    41.      Já o direito específico tem uma natureza diferente, está sujeito a outras condições de enquadramento e prossegue objectivos distintos. Por isso, não é possível aplicar‑se a jurisprudência que recaiu sobre medidas de protecção autónomas a uma taxa de direito específico. O direito específico prossegue não apenas objectivos de política agrícola mas também objectivos de política comercial. Do ponto de vista da política agrícola, o direito aduaneiro em causa visa assegurar que os produtores comunitários consigam colocar os seus produtos no mercado a preços que lhes garantam um nível de vida adequado. Simultaneamente, pretende‑se assegurar um abastecimento suficiente, nos termos do qual se conceda aos produtos provenientes de países terceiros um acesso controlado e razoável. Se apenas fosse prosseguido o objectivo de protecção dos produtores comunitários, também poderiam ser adoptadas outras medidas. Mas a Comunidade, através do direito específico, prossegue também objectivos de política comercial. Ao tê‑los em consideração, a Comunidade limitou consideravelmente a sua margem de actuação. Os direitos niveladores agrícolas variáveis foram conscientemente eliminados, por causa da sua natureza pouco transparente. Além disso, não é possível aplicar direitos aduaneiros para além das taxas máximas previstas nas listas de compromissos da Comunidade.

    42.      O Conselho prossegue referindo que o direito específico para as conservas de cogumelos foi acordado de modo a ter um nível que fosse, de facto, equivalente ao status quo até então em vigor e que foi fixado pelo Conselho, no início dos anos 80. Esse nível é bastante elevado, mas não desproporcionado. Importa, antes de mais, ter em conta que o Conselho não tem a obrigação de tratar de modo igual os produtores da Comunidade e os de Estados terceiros, nem de permitir a estes últimos o acesso ao mercado comunitário em condições nas quais possam concorrer com os produtores comunitários. Além disso, os produtores dos Estados terceiros também não são prejudicados para além do que é necessário para se poder atingir os objectivos de política agrícola e comercial da Comunidade. O nível do direito específico tem de produzir um efeito desincentivador. De resto, é necessário ter em consideração a lógica que está por trás do sistema de negociações, no quadro da OMC, e que é marcada pela ideia de do ut des no tocante ao acesso aos mercados mutuamente concedido. As taxas máximas acordadas, aplicáveis às importações de todos os Estados‑Membros da OMC e válidas por tempo indeterminado, não podem ser ultrapassadas. Uma renegociação das taxas acordadas é muito complicada e dispendiosa. Os preços flutuam muito fortemente e, concomitantemente, as diferenças entre os preços de mercadoria proveniente da Comunidade e os preços de mercadoria proveniente da República Popular da China também variam muito. É por isso que se negociou um direito específico de um nível tal que se destina a permitir que o seu efeito não seja neutralizado logo passado pouco tempo, em virtude da flutuação dos preços.

    43.      Em suma, importa constatar que o sistema geral relativo à importação de conservas de cogumelos atingiu o seu objectivo. Neste contexto, não se pode deixar de ter em conta que existe um contingente pautal, no âmbito do qual se possibilita um mais fácil acesso ao mercado. À luz da regressão (ainda que controlada) da produção comunitária, poder‑se‑ia mesmo colocar a questão de saber se a taxa máxima acordada para o direito específico não é demasiado baixa, face aos objectivos da política agrícola.

    44.      O Conselho refere ainda que o direito específico também não é desproporcionado pelo facto de não distinguir entre categorias de qualidade. É que entre as várias categorias de qualidade existe um efeito de substituição. Além disso, uma diferenciação entre categorias de qualidade poderia ainda implicar uma violação dos princípios da segurança jurídica e da aplicação uniforme do direito comunitário. De resto, uma tal distinção com o objectivo de se obter um nivelamento das diferenças de preços também não é compatível com os compromissos assumidos pela Comunidade, em termos de direito do comércio internacional. Seja como for, uma diferenciação entre categorias de qualidade implicaria uma excessiva sobrecarga para as autoridades aduaneiras e para os demais intervenientes nas operações aduaneiras.

    45.      Por último, o Conselho salienta que se o Tribunal de Justiça vier a decidir que o direito específico viola o princípio da proporcionalidade, a posição da Comunidade, no âmbito da OMC, ficará enfraquecida. As taxas dos direitos previstas nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC, tiveram por base negociações e, consequentemente, concessões mútuas, multilaterais, por parte dos vários Estados‑Membros da OMC. Caso se exigisse agora à Comunidade que esta passasse a prever unilateralmente condições mais favoráveis no acesso ao mercado comunitário, para conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros, do que as condições que ficaram acordadas multilateralmente, no âmbito das negociações realizadas, dificilmente se conseguiria obter a respectiva compensação ao nível do acesso dos produtos comunitários ao mercado dos Estados terceiros em causa.

    46.      Também a Comissão entende que o direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, aplicável a mercadorias abrangidas pelo código NC 2003 1030, é compatível com o princípio da proporcionalidade.

    47.      A Comissão começa por fazer notar que a jurisprudência mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio se referia a medidas de protecção autónomas adoptadas pela Comunidade antes da constituição da OMC e da vigência do acordo agrícola. Antes da vigência do acordo agrícola, a Comunidade podia adaptar os direitos aduaneiros para proteger a indústria comunitária e adoptar medidas de natureza não tarifária. Contudo, a jurisprudência em causa não pode ser aplicada ao direito específico.

    48.      O direito específico é apenas parte de um sistema global destinado a regular a importação de conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros. Através deste sistema global prosseguem‑se, por um lado, objectivos de política agrícola, relacionados com a organização do mercado comum respectivo. Um dos objectivos de política agrícola é o de, através da abertura de um contingente, assegurar uma oferta adequada de conservas de cogumelos no mercado comunitário. Um outro objectivo de política agrícola é o de configurar essa oferta adequada segundo as exigências do mercado no que toca a oferta e procura. Por fim, prossegue‑se ainda o objectivo de política agrícola que consiste em se evitar os efeitos negativos para a produção comunitária que podem resultar da importação para a Comunidade de conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros fora do contingente previsto.

    49.      Por outro lado, prosseguem‑se também objectivos de política comercial. No âmbito do Uruguay Round aboliram‑se os direitos niveladores agrícolas e estabeleceram‑se direitos aduaneiros consolidados para produtos agrícolas. Além disso, quis‑se também reduzir os direitos de importação sobre produtos agrícolas. A Comunidade, através da configuração do sistema global, deu também cumprimento a estas obrigações.

    50.      A Comissão salienta ainda que as instituições comunitárias têm de tomar decisões de índole política, económica e social nos domínios da política agrícola comum e da política comercial comum. Nos referidos domínios dispõem, assim, de uma ampla margem de apreciação. Por esta razão, ao examinar a proporcionalidade do direito específico, só importa apreciar se o mesmo é manifestamente inadequado para atingir os objectivos prosseguidos. Esta limitação do controlo jurisdicional impõe‑se, desde logo, porque o legislador comunitário, na concretização dos mencionados objectivos, tem de estabelecer um equilíbrio entre os objectivos de política agrícola e os objectivos de política comercial.

    51.      A aplicação do direito específico não é manifestamente inadequada para atingir os referidos objectivos, pois tem como efeito reduzir o interesse económico na importação de conservas de cogumelos fora do contingente previsto para o efeito. A importação de conservas de cogumelos fora do contingente previsto só é economicamente interessante se a procura dentro da Comunidade for tão elevada que permita ao importador obter uma margem de lucro satisfatória, apesar da carga fiscal.

    52.      No contexto das negociações no quadro do Uruguay Round, que acabaram por conduzir à adopção da taxa máxima acordada, a Comissão teve como referência o valor previsto no Regulamento (CEE) n.° 1796/81 do Conselho, de 30 de Junho de 1981, relativo às medidas aplicáveis à importação de conservas de cogumelos de cultura (17). Neste caso, procedeu‑se à conversão da medida peso líquido para a medida peso líquido escorrido, donde resultou o valor de 278 € por 100 kg de peso líquido escorrido. Tendo em conta o acordo de redução em 20% dos direitos aduaneiros existentes, no período de cinco anos, acabou por resultar o valor de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido. A Comissão, no âmbito das negociações relativas ao montante do direito específico, tomou em consideração possíveis importações de todos os Estados‑Membros da OMC. Neste contexto, importa ter em conta, em primeiro lugar, que o direito específico se aplica a importações provenientes de todos os Estados‑Membros da OMC. Além disso, há que considerar que os preços das conservas de cogumelos estão sujeitos a flutuações significativas. Contudo, o direito específico é fixo e, portanto, não pode ser adaptado em alta no caso de flutuações dos preços.

    53.      Quanto ao mais, a Comissão considera que um direito específico deste montante é também necessário. Importa impedir que a produção comunitária sufoque sob a pressão das importações chinesas. Os dados relativos ao desenvolvimento do comércio das conservas de cogumelos revelam que a aplicação do direito específico não produziu efeitos comparáveis a uma proibição de importação. As importações para a Comunidade de conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China ultrapassaram sempre as quantidades previstas no contingente. Por isso, a aplicação de um direito específico no valor de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido não impede os agentes económicos de importarem conservas de cogumelos fora do contingente previsto. Deste modo, não se pode afirmar que a aplicação do direito específico torna a sua importação sistematicamente não atractiva, de um ponto de vista económico.

    54.      Os dados relativos ao desenvolvimento do comércio das conservas de cogumelos revelam também que o direito específico no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, enquanto parte do sistema global relativo à importação de conservas de cogumelos, permitiu que se atingissem o objectivo de uma certa estabilização dos preços e o objectivo da travagem da tendência regressiva na produção comunitária, sem que se tenha posto em causa a existência de uma oferta adequada de conservas de cogumelos no mercado comunitário. Constata‑se existir uma relação entre as flutuações dos preços e o desenvolvimento das quantidades importadas, sendo contudo que a mesma se manifesta com algum atraso, em virtude dos transportes. Pelo facto de o direito específico se aplicar a importações de conservas de cogumelos fora do contingente previsto, consegue‑se um nivelamento da oferta e, desta forma, indirectamente, uma certa estabilidade dos preços dentro da Comunidade. Além de tudo, o recorrente no processo principal dispôs da oportunidade de obter um certificado de importação. Procedeu‑se a um aumento do contingente para importações provenientes da República Popular da China, a partir de 2007.

    55.      A Comissão refere, ainda, que para se cumprir os objectivos prosseguidos também se justificam medidas que possam prejudicar economicamente, de modo significativo, determinados agentes económicos. Em abstracto, a Comunidade disporia de medidas consideravelmente mais drásticas, tais como o aumento do direito específico, a redução ou eliminação do contingente ou até mesmo a adopção de uma proibição de importação. Contudo, por via do acordo agrícola as medidas de que a Comunidade dispõe, para regular o acesso ao mercado comunitário, cingem‑se aos direitos aduaneiros. Do ponto de vista do direito do comércio internacional é admissível que, caso se ultrapasse o contingente previsto, se aplique um direito específico cujo montante se encontra previsto nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC. O facto de os direitos aduaneiros e de as quantidades dos contingentes coincidirem com as taxas previstas nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC, prende‑se com a circunstância de o desenvolvimento do comércio de conservas de cogumelos estar em sintonia com as intenções da Comunidade, quando acordou as referidas taxas.

    56.      A Comissão considera, por último, que atenta a obrigação de direito internacional público, assumida pela Comunidade, de manter uma taxa fixa, não é possível distinguir dentro do código NC por classe de qualidade.

    VI – Apreciação jurídica

    57.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas acerca da proporcionalidade do direito específico no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido que, de acordo com a PAC, se aplica a mercadorias do código NC 2003 1030, ou seja, a conservas de cogumelos, quando importadas para a Comunidade fora do contingente aberto pelo Regulamento n.° 1864/2004, na redacção alterada. Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio invoca a jurisprudência do Tribunal de Justiça, relativa à proporcionalidade de direitos niveladores agrícolas, começarei por examiná-la (A). De seguida, analisarei, à luz da mencionada jurisprudência, se o direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido pode ser considerado compatível com o princípio da proporcionalidade (B).

    A –    Quanto à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a direitos niveladores agrícolas

    58.      O Tribunal de Justiça analisou, numa série de acórdãos (18), a validade de regulamentos da Comissão e do Conselho, através dos quais se adoptavam medidas, temporárias ou não, para a protecção dos produtores comunitários de cogumelos de Paris. Nos termos dos referidos regulamentos, aplicava‑se um montante suplementar sobre a importação de conservas de cogumelos provenientes de determinados Estados terceiros, desde que fossem importadas fora de um contingente previsto para o efeito.

    59.      Nos mencionados acórdãos, o Tribunal de Justiça começou por esclarecer que o montante suplementar era, em princípio, necessário, para se proteger o mercado comunitário de perturbações (19). Esclareceu, além disso, que, tendo em conta este objectivo, o valor do montante suplementar podia ser fixado a um nível que tornasse economicamente não atractiva a importação proveniente de países terceiros (20).

    60.      Contudo, o Tribunal de Justiça considerou também, nestes casos, que o valor do montante suplementar não era necessário, tendo em conta o objectivo prosseguido. Constatou, além disso, que a exigência do montante suplementar, atento o seu valor excessivamente elevado, equivalia, na prática, a uma penalização económica. Uma vez que não constituía objectivo da medida de protecção impor‑se uma proibição de importação assente em penalizações económicas, o nível do montante suplementar ia para além do que era necessário (21). O Tribunal de Justiça considerou existir um efeito prático equivalente ao de uma penalização económica num caso em que o montante suplementar exigível constituía cerca de dois terços do preço de custo na Comunidade dos cogumelos de Paris de primeira categoria (22).

    61.      Neste sentido, é possível, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, distinguir entre dois patamares na apreciação da conformidade do nível de um direito nivelador agrícola com o princípio da proporcionalidade.

    62.      Atinge‑se o primeiro patamar se o montante suplementar for tão elevado que torne não atractiva economicamente a importação de conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros fora do contingente previsto. A cobrança de um montante suplementar desse valor pode ser considerada necessária para cumprir o objectivo de impedir perturbações do mercado comunitário. O Tribunal de Justiça reconhece às instituições comunitárias uma ampla margem de apreciação no âmbito da análise da questão de saber quando se atingiu este patamar (23).

    63.      Porém, atinge‑se o segundo patamar se o montante suplementar for tão elevado que não só torne não atractiva economicamente a importação de conservas de cogumelos como também equivalha, na prática, a uma penalização económica. O Tribunal de Justiça considerou que um montante suplementar desta ordem de grandeza deixa de ser necessário, com base no raciocínio segundo o qual para se impedir perturbações do mercado comunitário causadas por importações provenientes de Estados terceiros basta tornar as importações não atractivas. Neste contexto, não é imprescindível proibir as importações e penalizar as violações dessa proibição. O Tribunal de Justiça considerou que existe uma penalização nos casos em que é aplicado um montante suplementar de um valor tão elevado que, na prática, equivale a uma penalização económica. É que a aplicação de um montante suplementar de valor excessivo produz, na prática, o efeito de uma proibição de importações, assente em sanções económicas.

    64.      Antes de passar à apreciação do direito específico e de abordar a questão de saber se a referida jurisprudência lhe pode ser aplicada, gostaria de chamar a atenção para dois aspectos importantes relativos aos montantes suplementares objecto dos mencionados acórdãos. Antes de mais, estes montantes suplementares constituíam medidas da Comunidade através das quais esta prosseguia, em primeira linha, o objectivo de política agrícola, destinado à protecção dos produtores comunitários, que consistia em impedir as perturbações do mercado comunitário que surgiram ou se receava que pudessem surgir por causa da importação excessiva de conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros. Além disso, estavam em causa medidas que foram adoptadas antes de constituição da OMC e, consequentemente, antes da entrada em vigor do acordo agrícola, ou da adesão da República Popular da China à OMC.

    B –    Quanto à proporcionalidade do direito específico

    65.      O órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça a questão de saber se a aplicação de um direito específico no valor de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido de conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China pode ser considerada proporcionada, tendo em consideração as orientações resultantes da mencionada jurisprudência relativa aos montantes suplementares.

    66.      Segundo jurisprudência constante, a proporcionalidade das medidas que imponham encargos financeiros aos operadores está sujeita à condição de que tais medidas sejam adequadas e necessárias à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa. Neste contexto, quando há possibilidade de escolha entre várias medidas adequadas, deve recorrer‑se à menos onerosa e os encargos impostos não devem ser excessivos relativamente aos objectivos em vista (24).

    67.      Tal como foi acertadamente referido pelo Governo italiano, a análise da questão de saber se a aplicação de um direito específico no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido é conforme com o princípio da proporcionalidade começa pela determinação dos objectivos prosseguidos pela mencionada medida (1). Uma vez que estão em causa objectivos dos domínios da política agrícola comum e da política comercial comum, nas quais as instituições comunitárias dispõem de uma ampla margem de apreciação, coloca‑se a questão de saber qual é o critério de exame aplicável quando existe essa referida ampla margem de apreciação (2). Uma vez que parto do princípio de que a existência de uma ampla margem de apreciação por parte das instituições comunitárias não influencia a estrutura da apreciação da proporcionalidade, limitando‑se a reduzir a densidade da apreciação de modo a que o critério a aplicar seja o do manifesto extravasamento dos seus limites, passarei a apreciar se os objectivos prosseguidos pelo direito específico são manifestamente inadmissíveis (3) e se a aplicação deste direito aduaneiro é, em face dos objectivos prosseguidos, manifestamente inadequada (4), manifestamente desnecessária (5) ou manifestamente contrária ao princípio da proporcionalidade (6).

    1.      Os objectivos prosseguidos pela medida

    68.      A Comissão refere, com razão, que o direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, aplicável a mercadorias abrangidas pelo código CN 2003 1030, constitui apenas parte de um sistema global destinado a regular a importação de conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros. Importa ter em consideração, ao determinar os objectivos prosseguidos, a relação estreita que existe entre o direito específico e as demais partes desse sistema global.

    69.      O sistema global aplicável ao caso em apreço, em razão do tempo, é composto, no essencial,

    –      pelos direitos aduaneiros previstos na PAC para a importação de mercadorias abrangidas pelo código NC 2003 1030;

    –      pelo Regulamento n.° 1864/2004, relativo à abertura e modo de gestão de contingentes de conservas de cogumelos, na redacção alterada; e

    –      pelo sistema de preferências pautais generalizadas da Comunidade, tal como previsto no Regulamento n.° 980/2005.

    70.      Segundo o Regulamento n.° 1864/2004, na redacção alterada, aplica‑se às conservas de cogumelos, importadas no âmbito do contingente por si aberto, uma taxa de 23%. Já em relação às conservas de cogumelos, importadas fora do referido contingente, aplica‑se, por um lado, uma taxa de 18,4% ‑ a qual, no caso ora em apreço, é reduzida para 14,9%, nos termos do sistema de preferências pautais generalizadas da Comunidade (25) ‑, bem como, ainda, um direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido. Através deste sistema global prosseguem‑se não apenas objectivos de política agrícola (1) mas também objectivos de política comercial (2).

    a)      Objectivos de política agrícola

    71.      Do ponto de vista da política agrícola prossegue‑se, por um lado, o objectivo de se restringir as perturbações do mercado comunitário. A aplicação de um direito específico visa travar a importação de conservas de cogumelos de países terceiros. Pretende‑se, desta forma, evitar flutuações de preços, limitar a depreciação dos preços no mercado comunitário e assegurar aos produtores comunitários um rendimento apropriado. Porém, uma vez que também se deve assegurar a continuidade da oferta de conservas de cogumelos a preços estáveis, assegura‑se às conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros um acesso ao mercado em condições mais vantajosas, no quadro do contingente previsto pelo Regulamento n.° 1864/2004, na redacção alterada. O direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido não é cobrado sobre tais importações (26).

    b)      Objectivos de política comercial

    72.      Contudo, através do mencionado sistema global também se prosseguem objectivos de política comercial. É que a ordem de grandeza das taxas dos direitos aduaneiros e a configuração jurídica do sistema têm origem em disposições de direito do comércio internacional, em particular nas listas de compromissos depositadas pela Comunidade junto da OMC e no acordo agrícola.

    73.      O comércio mundial de produtos agrícola, antes da celebração do acordo agrícola, caracterizava‑se por uma multiplicidade de entraves ao comércio, tanto de natureza tarifária como de natureza não tarifária. Foi alvo de críticas, por causa dos seus efeitos no comércio mundial, entre outros, o instrumento dos direitos niveladores de importação variáveis, que a Comunidade aplicava para protecção dos produtores comunitários. É que do ponto de vista dos exportadores situados em países terceiros, este instrumento carecia de transparência e de previsibilidade (27).

    74.      Constitui objectivo do acordo agrícola melhorar o acesso dos membros da OMC aos mercados agrícolas. Como meio para se atingir esse objectivo, os membros da OMC acordaram, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do acordo agrícola, em tarifar, de forma abrangente, os entraves ao comércio no domínio agrícola, ou seja, em converter todos os entraves ao comércio de natureza não tarifária em direitos aduaneiros. As taxas máximas destes direitos aduaneiros foram fixadas nas listas de compromissos depositadas junto da OMC pelos respectivos membros. Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do acordo agrícola, os membros da OMC já não poderão adoptar medidas não tarifárias. Resulta da nota 1 ao referido artigo que entre as medidas proibidas se contam os direitos niveladores de importação variáveis.

    75.      Deste modo, um dos objectivos de política comercial directamente prosseguido pelo artigo 4.° do acordo agrícola consiste em se conseguir uma configuração mais transparente e previsível do acesso aos mercados agrícolas, através da proibição, que é imposta aos Estados‑Membros da OMC, de prever outros entraves ao comércio para além dos direitos aduaneiros. Uma outra vantagem resultante da utilização exclusiva dos direitos aduaneiros, do ponto de vista da política comercial, consiste no facto de ser tecnicamente mais fácil negociar a redução de direitos aduaneiros do que a redução de outros entraves ao comércio, de natureza não tarifária (28). Mas além disso, importa também considerar os objectivos de política comercial que a Comunidade prosseguiu indirectamente, através da abertura do seu mercado agrícola. É que, ao facilitar o acesso ao seu mercado agrícola, a Comunidade também pretende, em particular, em termos de política comercial, que os demais membros da OMC, em compensação, facilitem o acesso aos respectivos mercados agrícolas dos operadores económicos da Comunidade. Como bem refere o Conselho, esta ideia de do ut des, que caracteriza as negociações no quadro da OMC, tem de ser considerada na apreciação do direito específico.

    2.      Quanto ao critério de exame aplicável

    76.      Segundo a Comissão, a apreciação da proporcionalidade deve, no presente caso, cingir‑se à questão de saber se o direito específico é manifestamente inadequado para atingir o objectivo com ele prosseguido. Alega, a este propósito, que as instituições comunitárias dispõem de uma ampla margem de apreciação nos domínios da política agrícola e da política comercial e que lhes compete conseguir um equilíbrio entre interesses divergentes.

    77.      Importa começar por recordar que, no domínio da política comercial comum e da política agrícola comum, as instituições comunitárias dispõem de um amplo poder de apreciação uma vez que, nesses sectores, devem tomar decisões de natureza política, económica e social e efectuar apreciações complexas (29).

    78.      Porém, daqui não decorre que só se deva analisar se o direito específico é manifestamente inadequado.

    79.      É verdade que o Tribunal de Justiça, em jurisprudência constante ainda que não unânime, tem partido do princípio de que no âmbito da apreciação da proporcionalidade de uma medida adoptada num domínio em que a instituição comunitária em causa dispõe de uma margem de apreciação, se trata de saber não se a medida adoptada pelo legislador era a única ou a melhor possível, mas se era manifestamente inadequada (30).

    80.      Tal como já tenho referido noutras ocasiões (31), esta tese não me convence. Mesmo em domínios em que as instituições comunitárias dispõem de uma ampla margem de apreciação tem de constituir ponto de partida da aplicação do princípio da proporcionalidade que o controlo jurisdicional das medidas por elas adoptadas não fica excluído pelo facto de existir essa mesma ampla margem de apreciação. O facto de as instituições comunitárias disporem em determinados domínios de uma ampla margem de apreciação não justifica que se reduza a apreciação da proporcionalidade de certa medida à questão de saber se ela é manifestamente inadequada. É que esta tese conduziria a que os objectivos prosseguidos pela instituição comunitária em causa e os direitos individuais afectados deixassem de ser «postos em relação» e que o princípio da proporcionalidade perdesse a sua componente de protecção do indivíduo. Ainda segundo a referida tese, o princípio da proporcionalidade ficaria reduzido a um controlo objectivo do poder discricionário. A mesma tese também não pode encontrar a sua justificação no argumento segundo o qual ela se impõe por o Tribunal de Justiça tomar em consideração a margem de manobra das instituições comunitárias. É que essa tomada em consideração, que efectivamente se impõe, também pode ocorrer no âmbito de uma apreciação da proporcionalidade em três etapas. Basta, para o efeito, que, em primeiro lugar, se atenda à margem de apreciação de uma instituição comunitária na escolha e ponderação dos objectivos prosseguidos e, em segundo lugar, se reduza a densidade da apreciação da proporcionalidade à questão de saber se a medida em causa é manifestamente inadequada, manifestamente desnecessária ou manifestamente contrária ao princípio da proporcionalidade.

    81.      Para o que importa no presente processo, bastará dizer que o Tribunal de Justiça tem frequentemente acabado por não se limitar a apreciar se certa medida é manifestamente inadequada, apreciando também elementos relativos à sua necessidade e conformidade com o princípio da proporcionalidade (32). Neste contexto, é também de referir que o Tribunal de Justiça, na já referida jurisprudência acerca dos direitos niveladores agrícolas (33), não limitou o seu critério de exame ao carácter manifestamente inadequado das medidas de protecção autónomas.

    82.      Seja como for, seria de saudar, desde logo por razões de segurança jurídica, que o Tribunal de Justiça esclarecesse expressamente que, mesmo quando existe uma ampla margem de apreciação por parte das instituições comunitárias, não restringe a sua apreciação à questão de saber se uma certa medida é manifestamente inadequada, apreciando também a necessidade e a proporcionalidade da mesma, ainda que com uma densidade de controlo consideravelmente reduzida.

    3.      Inexistência de objectivos manifestamente inadmissíveis

    83.      Tal como se expôs supra (34), importa respeitar a ampla margem de apreciação das instituições comunitárias nos domínios da política agrícola comum e da política comercial comum, em especial no que toca à escolha dos objectivos prosseguidos. É por isso que a escolha e a ponderação dos objectivos prosseguidos, nestes domínios, é matéria que está sujeita a um controlo muito limitado por parte do Tribunal de Justiça. O mesmo aplica‑se à questão de saber como se encontra o equilíbrio entre objectivos contraditórios.

    84.      Por isso, não é juridicamente criticável que o Conselho e a Comissão, no quadro da configuração do sistema global relativo à regulação da importação de conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros, tenham prosseguido não só objectivos de política agrícola mas também objectivos de política comercial. Além disso, não é criticável que a Comunidade, no prosseguimento dos mencionados objectivos de política comercial (35), tenha, através da celebração do acordo agrícola, limitado, em termos de direito internacional público, a panóplia de instrumentos de política agrícola ao seu dispor (36).

    4.      Inexistência de manifesta inadequação

    85.      O direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido de mercadorias do código NC 2003 1030 não é manifestamente inadequado para se atingir os objectivos de política agrícola e de política comercial que por ele são prosseguidos.

    86.      Em primeiro lugar, ao nível do objectivo de política agrícola, a aplicação do direito específico não é manifestamente inadequada para tornar economicamente menos atractiva a importação de conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros não abrangidas pelo contingente aberto pelo Regulamento n.° 1864/2004, na redacção alterada e, consequentemente, para limitar as perturbações de mercado resultantes das excessivas importações de conservas de cogumelos provenientes de países terceiros.

    87.      Em segundo lugar, a configuração desta medida destinada à protecção dos produtores comunitários, como um direito específico de valor fixo, está de acordo com o princípio – inerente ao direito comercial internacional - da tarifação, que visa tornar o acesso aos mercados agrícolas mais transparente e previsível. Deste modo, não pode ser considerada manifestamente inadequada para atingir os objectivos de política comercial prosseguidos pela tarifação.

    5.      Inexistência de manifesta desnecessidade

    88.      Importa ainda apreciar se o direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido de mercadorias do código NC 2003 1030 é manifestamente desnecessário. Neste contexto, importa examinar se, para além da medida a analisar, se encontram ao dispor outras medidas que sejam adequadas para se atingir os objectivos prosseguidos, que sejam menos gravosas para os interessados mas que permitam atingir o objectivo prosseguido de modo igualmente eficaz. Contudo, atendendo à ampla margem de apreciação das instituições comunitárias, esta análise da questão de saber se existe uma medida alternativa menos gravosa fica restringida ao exame do carácter manifesto (37).

    89.      A medida a apreciar é a aplicação de um direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido. Este valor corresponde ao montante que ficou acordado nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC. Coloca‑se, assim, a questão de saber se os objectivos de política agrícola e de política comercial poderiam ser atingidos de modo igualmente eficaz caso se tivesse acordado um montante inferior (a). Importa ainda apreciar se não se poderá considerar que constituiria um meio menos gravoso para se atingir os objectivos de política agrícola e de política comercial a Comunidade estabelecer unilateralmente na PAC um direito específico inferior à taxa máxima que ficou prevista por acordo nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC (b). Além disso, importa apreciar se a adaptação do valor do direito específico em função das diferentes categorias de qualidade poderia constituir uma medida menos gravosa (c). Por fim, importa analisar o argumento do recorrente no processo principal, segundo o qual a atribuição de maiores subvenções aos produtores comunitários constitui uma medida menos gravosa (d).

    a)      Previsão por acordo de um direito de montante inferior a 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC

    90.      Coloca‑se primeiramente a questão de saber se a Comunidade poderia ter atingido os seus objectivos de política agrícola e de política comercial de modo igualmente eficaz caso tivesse acordado ficar previsto nas suas listas de compromissos, depositadas junto da OMC, um direito de montante inferior a 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido.

    91.      Na minha opinião, a resposta é negativa.

    92.      Em primeiro lugar, importa fazer notar que a aplicação de um direito específico em montante tal que torna economicamente não atractiva a importação de conservas de cogumelos provenientes de Estados terceiros fora de um determinado contingente, deve ser considerada necessária tendo em vista o objectivo de política agrícola que consiste em limitar as perturbações do mercado comunitário decorrentes de importações excessivas de Estados terceiros (38).

    93.      Em segundo lugar, há que ter em consideração que a determinação do montante do direito específico, a partir do qual se tornam economicamente não atractivas as importações de Estados terceiros, pressupõe uma análise complexa. Por isso, reconhece‑se às instituições comunitárias, neste domínio, uma ampla margem de apreciação (39). O que faz tanto mais sentido por não estar em causa a determinação do valor de um direito específico, mas sim o estabelecimento por acordo de uma taxa máxima nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC. Com efeito, uma tal taxa máxima não pode ser ultrapassada pela Comunidade, tem carácter duradouro (40) e aplica‑se, de acordo com a regra do tratamento geral de nação mais favorecida, prevista no artigo 1.º do GATT de 1947, a importações provenientes de todos os membros da OMC. É por isso que as instituições comunitárias competentes, nas negociações de tais taxas máximas, têm que considerar ex ante em que medida determinado direito específico, que no limite só pode atingir o valor da taxa máxima, é adequado, também em caso de flutuações de preços, para travar a importação para a Comunidade de conservas de cogumelos fora do contingente previsto.

    94.      Em terceiro lugar, recorde‑se que o Tribunal de Justiça só não considera como necessário um direito nivelador variável se este for tão elevado que, para além de produzir o efeito de tornar não atractiva economicamente a importação para a Comunidade de conservas de cogumelos, equivalha, na prática, a uma proibição de importações, assente numa penalização económica (41).

    95.      Mesmo que se devesse transpor este raciocínio para o valor da taxa máxima acordada, não se poderia, sem mais, transpor os critérios que o Tribunal de Justiça aplicou aos direitos niveladores agrícolas variáveis a uma taxa máxima acordada no quadro da OMC. Em especial, face à sua validade geral e duradoura, não se pode considerar que uma taxa máxima não é necessária por não tomar suficientemente em conta as diferenças que, num determinado momento, existem entre os preços dos produtos comunitários e os preços dos produtos importados de um determinado Estado‑Membro da OMC. Na realidade, o acordo relativo a uma tal taxa máxima só pode ser considerado manifestamente não necessário, à luz dos objectivos fixados em matéria de política agrícola, se essa taxa máxima, mesmo tendo em conta as possíveis importações de todos os Estados‑Membros da OMC e possíveis flutuações de preços, fosse muito superior ao que seria necessário para travar importações de países terceiros fora do contingente previsto, em protecção da indústria comunitária.

    96.      Tendo em consideração estes pressupostos não vislumbro, no caso em apreço, razões para se considerar que a previsão por acordo de uma taxa máxima de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC, fosse manifestamente desnecessária. A Comissão e o Conselho fazem notar que tiveram também de ter em conta as flutuações, em parte muito significativas, dos preços das conservas de cogumelos, tanto dentro como fora da Comunidade. Alegam, além disso, que a previsão por acordo de uma taxa máxima de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido se afigurou necessária para evitar que a produção comunitária sufoque sob a pressão das importações provenientes de Estados terceiros. Não retiro dos autos quaisquer indícios de que este prognóstico, efectuado no momento das negociações do Uruguay Round, fosse manifestamente errado.

    97.      Na realidade, este prognóstico das instituições comunitárias acabou por se revelar correcto, ex post. É o que resulta dos dados relativos ao mercado, apresentados pela Comissão. Neste sentido, o que se extrai da tabela relativa às tendências de preços, apresentada pela Comissão como anexo 3 às respectivas observações escritas, é que no decurso de 2004 e também de 2005 a diferença entre os preços médios das conservas de cogumelos importadas a partir da República Popular da China e os preços médios de compra para o distribuidor das conservas de cogumelos provenientes da Comunidade era em parte tão grande que a importação para a Comunidade de conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China, mesmo com aplicação do direito específico no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, não deixava de ser atractiva economicamente.

    98.      Esta apreciação é confirmada através dos dados que constam do anexo 4 às observações escritas da Comissão, segundo os quais foram importadas para a Comunidade conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China não apenas dentro do contingente previsto pelo Regulamento n.° 1864/2004, na redacção alterada, mas também, em grande medida, fora desse contingente. De acordo com estes elementos, o direito específico no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido não foi, pelo menos em determinados momentos, suficientemente elevado para tornar não atractiva a importação para a Comunidade de conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China, fora do contingente previsto. Nestas circunstâncias, não se pode certamente afirmar que o montante do direito específico atingiu o patamar a partir do qual produz efeitos equivalentes aos de uma proibição de importações, assente numa penalização económica.

    99.      Mesmo que se considere que, para se poder apreciar a legalidade de uma medida, é necessário atender ao momento em que a mesma foi adoptada, ainda assim o desenvolvimento do mercado das conservas de cogumelos constitui um argumento a favor da ideia segundo a qual as instituições comunitárias não extravasaram os limites da sua ampla margem de apreciação, ao acordarem, no quadro da OMC, uma taxa máxima comunitária de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido. Desta forma, a previsão por acordo de uma taxa de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC, não pode ser considerada manifestamente desnecessária, tendo em vista os objectivos de política agrícola por si prosseguidos, relacionados com a protecção dos produtores comunitários face às importações excessivas de conservas de cogumelos provenientes de países terceiros.

    b)      Aplicação de um direito específico de montante inferior ao da taxa máxima que ficou prevista por acordo nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC

    100. O Conselho e a Comissão confirmaram, em audiência, que o direito específico previsto na PAC foi fixado em 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido porque esta é taxa que ficou prevista por acordo nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC. Não foram tidos em conta outros critérios.

    101. Coloca‑se assim a questão de saber se a determinação de um direito específico fixo, no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, tem de ser considerada como manifestamente desnecessária por as instituições comunitárias não terem limitado o direito específico ao montante necessário, atendendo às diferenças de preços existentes entre as conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China e provenientes da Comunidade, para atingir o objectivo de política agrícola que consiste em restringir as perturbações do mercado comunitário decorrentes de importações excessivas de países terceiros.

    102. É certo que a necessidade de um direito específico no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido não pode ser justificada com o argumento de que a Comunidade, ao aplicá‑lo, se limitou a actuar de acordo com os compromissos assumidos junto da OMC. Com efeito, as taxas consagradas nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC, constituem meras taxas máximas. De acordo com o artigo 2.º, n.° 1, alínea a), do GATT de 1947, a Comunidade não pode divergir da referida taxa para mais, mas pode fazê‑lo para menos (42).

    103. Além disso, a necessidade de um direito específico do referido montante também não pode ser justificado com fundamento na circunstância de os membros da OMC não o terem contestado, no quadro das negociações do Uruguay Round. É que este facto, em si mesmo, não pode influenciar a conformidade do montante do direito específico com o princípio comunitário da proporcionalidade (43).

    104. Acresce que não se pode brandir com êxito, como argumento a favor da necessidade de um direito específico no montante em causa, o facto de a Comissão, em virtude do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2658/89, não dispor de poderes para, autonomamente, alterar as taxas dos direitos aduaneiros. Com efeito, o princípio da proporcionalidade deve ser respeitado também pelo legislador comunitário, a quem compete, se for esse o caso, atribuir às instituições comunitárias os poderes necessários para o efeito.

    105. Sucede, porém, que analisar unicamente a questão de saber qual é o montante máximo do direito específico que é necessário para se poder prosseguir os objectivos de política agrícola e, deste modo, atendendo às diferenças de preços existentes entre as conservas de cogumelos provenientes da República Popular da China e provenientes da Comunidade, não permite que se tenha suficientemente em conta que, com o direito específico, também se prosseguem objectivos de política comercial. Por isso, o direito específico só pode ser considerado como desnecessário se a medida alternativa permitisse atingir de forma igualmente eficaz todos os objectivos de política comercial (44). Ora, acontece que se a Comunidade reduzisse unilateralmente as taxas, face às taxas máximas consagradas nas suas listas de compromissos, depositadas junto da OMC, não poderia prosseguir, com igual eficácia, os seus objectivos de política comercial.

    106. Desde logo, um método alternativo nos termos do qual o montante do direito específico variável se adaptasse às diferenças de preço entre as conservas de cogumelos provenientes da Comunidade e as que provêm da República Popular da China constituiria um direito nivelador de importação variável, incompatível com o artigo 4.°, n.° 2, do acordo agrícola Não permitiria prosseguir o objectivo de política comercial que consiste em, através da proibição de direitos niveladores de importação variáveis, tornar as condições de acesso ao mercado mais transparentes e previsíveis (45).

    107. É certo que seria imaginável um método alternativo, de acordo com o qual o direito específico corresponderia, por regra, a um montante fixo, mas em que o mesmo seria, periodicamente, alterado em função das diferenças entre os preços das conservas de cogumelos provenientes da Comunidade e as que provêm de Estados terceiros. Contudo, acaba por se revelar desnecessário apurar se esse método seria ou não compatível com o artigo 4.°, n.° 2, do acordo agrícola (46), pois o mesmo não permitiria que se atingisse os objectivos de política comercial da Comunidade com igual eficácia.

    108. Em primeiro lugar, um tal método revelar‑se‑ia provavelmente bastante trabalhoso, uma vez que pressuporia que as instituições comunitárias comparassem os preços na Comunidade com os preços das importações de todos os membros da OMC, dos quais pudessem eventualmente importar‑se conservas de cogumelos para a Comunidade. Além disso, não seria admissível, de acordo com a regra do tratamento geral de nação mais favorecida, tal como prevista no artigo 1.º do GATT de 1947, fixar o direito específico em montantes distintos, para os vários membros da OMC (47). Por este motivo, não se pode, logo à partida, aceitar um método nos termos do qual o montante do direito específico tenha concretamente em consideração as diferenças de preços nos vários membros da OMC.

    109. Em segundo lugar, uma redução unilateral face à taxa máxima prevista por acordo nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC, conduziria a que a Comunidade concedesse aos agentes económicos de outros membros da OMC acesso ao mercado agrícola da Comunidade, sem que se assegurasse que, em compensação, fosse concedido aos agentes económicos da Comunidade acesso aos mercados dos outros membros da OMC. Tal como, com razão, fazem notar o Conselho e a Comissão, sempre seria difícil para a Comunidade conseguir, posteriormente, negociar a compensação equivalente, como contrapartida pela redução unilateral face às taxas máximas, levada a cabo fora de uma ronda negocial. Deste modo, uma redução unilateral poria em perigo o objectivo de política comercial da Comunidade de, por via de do ut des, negociar‑se vantagens para os agentes económicos da Comunidade, no tocante ao acesso aos mercados dos outros membros da OMC.

    110. É verdade que contra este receio sempre se poderia objectar que a situação em apreço não exige que se conceda aos agentes económicos de outros membros da OMC acesso ao mercado agrícola da Comunidade, através da redução do direito específico. O princípio da proporcionalidade apenas exige que não se aplique um direito específico em montante tal que extravase em muito aquilo que é necessário a fim de excluir a atractividade económica das importações.

    111. Contudo, esta objecção, de natureza teórico‑abstracta, acaba por não convencer, na prática. Tal como se expôs supra, o mercado das conservas de cogumelos caracteriza‑se por significativas flutuações dos preços (48). Decorre daqui que o direito específico no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido produz efeitos diferentes, consoante a diferença de preços em cada momento. Deste modo, o direito aduaneiro pode, consoante as circunstâncias, atingir ou mesmo ultrapassar o nível necessário para tornar não atractivas as importações para a Comunidade; todavia, também pode permanecer abaixo desse patamar e, assim, tornar o acesso ao mercado comunitário economicamente atractivo. Por isso, em virtude das significativas flutuações dos preços não se pode excluir que a determinação unilateral de um direito específico, que durante um determinado período de tempo fique aquém da taxa máxima de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, torne atractivo, para os agentes económicos de outros membros da OMC, o acesso ao mercado, sem que se assegure para os agentes económicos da Comunidade, como compensação, um igual acesso ao mercado dos outros membros da OMC.

    112. Concluindo, importa constatar que a aplicação unilateral de um direito específico de montante inferior ao da taxa máxima prevista por acordo nas listas de compromissos da Comunidade, depositadas junto da OMC, não pode ser considerada um meio menos gravoso. A mesma não permitiria atingir os objectivos de política comercial da Comunidade com eficácia comparável.

    c)      Adaptação do montante do direito específico segundo categorias de qualidade

    113. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio faz notar que através da taxa do direito específico não se faz qualquer distinção entre as várias categorias de qualidade dos cogumelos de Paris. Segundo o mesmo, coloca‑se assim a questão de saber se o direito específico no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido pode ser considerado manifestamente desnecessário pelo facto de não distinguir as conservas de cogumelos de acordo com categorias de qualidade individualizadas.

    114. Na minha opinião, também esta questão merece resposta negativa.

    115. Importa começar por fazer notar que um direito específico não é desproporcionado pelo simples facto de se prever uma taxa fixa para várias categorias de qualidade de um mesmo produto. Com efeito, saber se certa taxa fixa é necessária depende de um conjunto de circunstâncias, nomeadamente a de ser adequada para se atingir de modo eficaz o objectivo visado (49).

    116. No caso em apreço, a aplicação de uma taxa fixa não se afigura manifestamente desnecessária.

    117. Em primeiro lugar, o Conselho faz notar que existe um efeito de substituição entre as várias categorias de qualidade de conservas de cogumelos. Caso a Comunidade aplicasse uma taxa diferente consoante a categoria de qualidade, os importadores poder‑se‑iam sentir estimulados a indicar no momento da importação uma categoria de qualidade inferior à real, a fim de beneficiarem de uma taxa inferior. Esta situação tornaria necessário o reforço dos controlos, o que acarretaria novos encargos para as autoridades aduaneiras.

    118. Em segundo lugar, uma distinção unilateral pela Comunidade entre categorias de qualidade diferentes de conservas de cogumelos não seria adequada, em igual medida, à prossecução dos seus objectivos de política comercial. Tal como já se expôs supra (50), atendendo às significativas flutuações dos preços das conservas de cogumelos, não é de excluir a hipótese de a aplicação de um direito aduaneiro inferior a conservas de cogumelos de qualidade inferior reduzir o direito específico não só até ao nível a partir do qual a importação de conservas de cogumelos é economicamente não atractiva, mas também ter um impacto ainda maior. Neste caso, estar‑se‑ia a tornar a importação de conservas de cogumelos para a Comunidade economicamente atractiva e, assim, a melhorar‑se as condições de acesso ao mercado comunitário. Contudo, seria muito difícil para a Comunidade conseguir negociar com os demais membros da OMC a correspondente compensação por uma tal melhoria das condições de acesso ao mercado, concedida unilateralmente e fora de uma ronda negocial.

    119. Por isso, um escalonamento por categorias de qualidade não pode ser considerado manifestamente um meio menos gravoso para se atingir os objectivos de política comercial da Comunidade.

    d)      Aumento das subvenções destinadas aos produtores comunitários

    120. Por fim, é também de rejeitar o argumento do recorrente no processo principal, segundo o qual se pode considerar um meio menos gravoso o aumento das subvenções destinadas aos produtores comunitários. Independentemente da questão da compatibilidade de uma tal medida com o acordo agrícola, importa fazer notar que uma medida alternativa, que possa implicar encargos financeiros consideráveis para a Comunidade, não pode, sem mais, ser considerada uma medida menos gravosa.

    e)      Conclusão

    121. Importa assim concluir que, no caso em apreço, não se vislumbra qualquer meio que seja manifestamente menos gravoso do que a aplicação de um direito específico no montante de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido para prosseguir os objectivos de política agrícola e comercial.

    6.      Inexistência de manifesta falta de proporcionalidade

    122. Por fim, a aplicação de um direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido também não pode ser considerada manifestamente desproporcionada. É certo que a aplicação deste direito aduaneiro pode implicar encargos consideráveis para um importador. Porém, num caso como o presente não se pode considerar manifestamente desproporcionado que se dê prevalência aos objectivos de política comercial da Comunidade. É que, por um lado, relevam as vantagens, em termos de política comercial, obtidas através da tarifação dos entraves ao comércio (51). Por outro lado, não se pode deixar de ter em conta que, seja como for, um importador prudente só introduzirá mercadoria na Comunidade se isso valer economicamente a pena. Por esta razão, só serão afectados, em primeira linha, os importadores que tenham intencionalmente prestado falsas declarações relativas às mercadorias importadas ou que tenham cometido algum lapso. Mas, independentemente de estar em causa uma actuação intencional ou um lapso, não se me afigura manifestamente desproporcionado que, num caso como o presente, se atribua prevalência aos objectivos de política comercial da Comunidade.

    C –    Síntese

    123. Da presente apreciação não resultaram indícios de que a aplicação a conservas de cogumelos, importados para a Comunidade fora do contingente aberto pelo Regulamento n.° 1864/2004, na redacção alterada, de uma taxa de direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, viole o princípio da proporcionalidade.

    124. A título complementar, importa referir que o montante da taxa não é de 18,4%, tal como é pressuposto pelo órgão jurisdicional de reenvio, mas sim de 14,9% (52).

    VII – Conclusão

    125. Atentas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao pedido de decisão prejudicial nos seguintes termos:

    Feita a apreciação, à luz do princípio da proporcionalidade, do direito específico de 222 € por 100 kg de peso líquido escorrido, em vigor nos termos do Regulamento (CE) n.° 1719/2005 da Comissão, de 27 de Outubro de 2005, que altera o anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87, direito específico esse que recai sobre as importações de cogumelos conservados do género Agaricus (posição 2003-1030 da NC), ocorridas fora do contingente aberto pelo Regulamento (CE) n.° 1864/2004 da Comissão, de 26 de Outubro de 2004, relativo à abertura e modo de gestão de contingentes pautais para a importação de conservas de cogumelos de países terceiros, na redacção do Regulamento (CE) n.° 1995/2005 da Comissão, de 7 de Dezembro de 2005, que altera o Regulamento (CE) n.° 1864/2004, constata‑se não ter resultado nada que possa afectar a validade do direito específico em causa.


    1 – Língua original: alemão.


    2 – O processo prejudicial encontra‑se actualmente previsto no artigo 267.° TFUE, nos termos do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa em 13 de Dezembro de 2007 (JO C 306, p. 1).


    3 – V. acórdãos de 15 de Julho de 1982, Edeka (245/81, Recueil, p. 2745), de 12 de Abril de 1984, Wünsche (345/82, Recueil, p. 1995), de 16 de Outubro de 1991, Werner Faust (C‑24/90, Colect., p. I‑4905), de 16 de Outubro de 1991, Wünsche (C‑25/90, Colect., p. I‑4939), de 16 de Outubro de 1991, Wünsche (C‑26/90, Colect., p. I‑4961), de 4 de Julho de 1996, Hüpeden (C‑295/94, Colect., p. I‑3375), e de 4 de Julho de 1996, Pietsch (C‑296/94, Colect., p. I‑3409).


    4 – JO L 336, p. 1.


    5 – Id., p. 20.


    6 – Id., p. 22.


    7 – V. Decisão 2006/398/CE do Conselho, de 20 de Março de 2006, relativa à celebração de um Acordo sob forma de troca de cartas entre a Comunidade Europeia e a República Popular da China nos termos do n.° 6 do artigo XXIV e do artigo XXVIII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) de 1994 relativo à alteração das concessões previstas nas listas da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca no contexto da adesão destes países à União Europeia (JO L 154, p. 22).


    8 – Nas presentes conclusões utiliza‑se a expressão «direito comunitário» na medida em que ainda se aplica, ratione temporis, direito comunitário e não direito da União.


    9 – JO L 256, p. 1.


    10 – JO L 28, p. 16.


    11 – JO L 286, p. 1.


    12 – JO L 325, p. 30.


    13 – JO L 320, p. 34.


    14 – JO L 169, p. 1.


    15 – Já referido na nota 3.


    16 – Já referido na nota 3.


    17 – JO L 193, p. 1; EE 03 F22 p. 115.


    18 – Acórdãos Wünsche (345/82), Faust, Wünsche (C‑25/90), Wünsche (C‑26/90), Wünsche (C‑295/94), Hüpeden, e Pietsch (todos já referidos na nota 3).


    19 – Acórdãos Faust (já referido na nota 3, n.° 19), Wünsche (C‑25/90, já referido na nota 3, n.° 20), Wünsche (C‑26/90, já referido na nota 3, n.° 20), Hüpeden (já referido na nota 3, n.° 19), e Pietsch (já referido na nota 3, n.° 22).


    20 – Acórdão Pietsch (já referido na nota 3, n.°s 26 e seg.)


    21 – Acórdãos Faust (já referido na nota 3, n.os 23 e 28), Wünsche (C‑25/90, já referido na nota 3, n.os 24 e 29), Wünsche (C‑26/90, já referido na nota 3, n.os 24 e 29), Hüpeden (já referido na nota 3, n.° 26), e Pietsch (já referido na nota 3, n.os 29 e 34).


    22 – Acórdão Pietsch (já referido na nota 3, n.° 34).


    23 – Acórdão Pietsch (já referido na nota 3, n.° 29).


    24 – Acórdãos de 11 de Julho de 1989, Schräder (265/87, Colect., p. 2237, n.° 21), Faust (já referido na nota 3, n.° 12), Wünsche (C‑25/90, já referido na nota 3, n.° 13), Wünsche (C‑26/90, já referido na nota 3, n.° 13), Hüpeden (já referido na nota 3, n.° 14), e Pietsch (já referido na nota 3, n.° 15).


    25 – V. n.os 19 a 22 das presentes conclusões.


    26 – V. sétimo e décimo considerandos do Regulamento n.° 1864/2004, na redacção alterada.


    27 – Geboye Desta, M., The Law of International Trade in Agricultural Products, Kluwer Law International, 2002, p. 9, salienta como um dos maiores êxitos do acordo agrícola ter‑se passado a dispor de um grau suficiente de segurança, previsibilidade e juridicidade nas relações internacionais no domínio agrícola.


    28 – V. McMahon, J., The WTO Agreement on Agriculture, Oxford University Press, 2006, p. 33, que chama a atenção para o facto de a tarifação constituir provavelmente o aspecto mais importante de todo o acordo agrícola, uma vez que as medidas tarifárias são mais transparentes e mais fáceis de negociar.


    29 – Acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2007, Ikea Wholesale (C‑351/04, Colect., p. I‑7723, n.° 40), e de 14 de Maio de 2009, Azienda Agricola Disarò Antonio e o. (C‑34/08, Colect., p. I-4023, n.° 76).


    30 – V., em relação à política agrícola comum, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 2009, Agrana Zucker (C‑343/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33), de 7 de Setembro de 2006, Espanha/Conselho (C‑310/04, Colect., p. I‑7285, n.° 99), e de 12 de Julho de 2001, Jippes e o. (C‑189/01, Colect., p. I‑5689, n.° 83). Noutros domínios, v., em especial, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2010, Vodafone e o. (C-58/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 52), de 7 de Julho de 2009, S.P.C.M. e o. (C‑558/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 42), de 12 de Julho de 2005, Alliance for Natural Health e o. (C‑154/04 e C‑155/04, Colect., p. I‑6451, n.° 52), de 14 de Dezembro de 2004, Arnold André (C‑434/02, Colect., p. I‑11825, n.° 46), de 14 de Dezembro de 2004, Swedish Match (C‑210/03, Colect., p. I‑11893, n.° 48), e de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco (C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.° 123).


    31 – V. n.°s 62 e seg. das minhas conclusões apresentadas no processo Azienda Agricola Disarò Antonio (já referido na nota 29), e n.os 65 a 72 das minhas conclusões apresentadas no processo Agrana Zucker (C‑365/08, ainda não publicadas na Colectânea). V., também, Mosbrucker, A.‑L., «Contrôle du système des quotas laitiers», Europe, Revue mensuelle NexisLexis Jurisclasseur, Julho de 2009, p. 16, que concorda com a apreciação em três etapas e que critica a redução da apreciação à questão de saber se a medida é manifestamente inadequada.


    32 – Cf., por exemplo, acórdãos Vodafone (já referido na nota 30, n.°s 51 e segs.), no qual o Tribunal de Justiça examinou os elementos do carácter necessário nos n.ºs 61 a 68 e a proporcionalidade da medida no n.º 69, bem como Agrana Zucker (já referido na nota 30, n.° 42) e British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco (já referido na nota 30, n.°s 126 e segs.). Cf. igualmente, Koch, O., Der Grundsatz der Verhältnismäßigkeit in der Rechtsprechung des Gerichtshofs der Europäischen Gemeinschaften, Berlim, 2003, p. 212, que salienta que quase todos os acórdãos, em que o Tribunal de Justiça aparentemente reduziu a apreciação à questão da «inadequação», contêm considerações acerca de eventuais medidas alternativas e, em parte, incluem também detalhada exposição das razões pelas quais essas medidas não seriam preferíveis. Neste sentido, a expressão «manifesta inadequação» não é mais do que um sinónimo de uma reduzida densidade de controlo no âmbito de uma apreciação da proporcionalidade em várias etapas. V., neste mesmo sentido, Kischel, U., «Die Kontrolle der Verhältnismäßigkeit durch den Europäischen Gerichtshof», Europarecht2000, pp. 380 e 398 e segs., que refere que o Tribunal de Justiça não confere à sua própria formulação ‑ segundo a qual o controlo da proporcionalidade nos vários domínios se deveria restringir à apreciação da manifesta inadequação ‑ o sentido que a mesma aparenta ter à primeira vista. Ainda segundo o referido autor, resulta nitidamente das decisões em causa que, na verdade, a margem de apreciação do legislador comunitário não restringe a proporcionalidade à questão da manifesta inadequação, mas antes limita o controlo da proporcionalidade, em geral, a erros manifestos. V. também Zatschler, C., Finding facts, European Advocate, Spring 2010, pp. 11, 12 e seg., onde se refere que a margem de apreciação influencia apenas a densidade de controlo mas não a estrutura do controlo da proporcionalidade


    33 – V. jurisprudência referida nos n.os 58 a 64.


    34 – V. n.° 80 das presentes conclusões.


    35 – V. n.° 75 das presentes conclusões.


    36 – Questão diferente é a de saber se esta medida também se justifica atendendo aos encargos adicionais correlacionados, que oneram os agentes económicos afectados. Esta questão será examinada, em especial, no âmbito da apreciação da proporcionalidade da medida v, a este respeito, n.º 122 destas conclusões.


    37 – V. n.os 66 e 80 das presentes conclusões.


    38 – V. n.° 59 das presentes conclusões.


    39 – V. n.° 62 das presentes conclusões.


    40 – No caso em apreço não é possível a invocação da cláusula de salvaguarda consagrada no artigo 5.° do acordo agrícola, uma vez que as mercadorias abrangidas pelo código NC 2003 1030 não se encontram designadas pelo símbolo «SE».


    41 – V. n.° 63 das presentes conclusões.


    42 – V. Geboye Desta, M. (já referido na nota 27, p. 21), que refere que uma redução unilateral das taxas acordadas é admissível à luz do direito comercial internacional.


    43 – Acórdão Hüpeden (já referido na nota 3, n.° 36).


    44 – V. n.° 59 das presentes conclusões e jurisprudência aí citada.


    45 – V. n.os 232 a 234 do relatório do grémio de apelação («Appellate Body») da OMC, de 23 de Setembro de 2002, Chile ‑ Price Band System, WT/DS207/AB/R.


    46 – No n.° 232 do referido relatório salienta‑se que a simples circunstância de as taxas serem regularmente adaptadas não implica necessariamente que as mesmas devam ser qualificadas como direitos niveladores de importação variáveis, na acepção da nota 1 ao artigo 4.°, n.° 2, do acordo agrícola. Nos termos do n.° 233 desse relatório, o que se afigura determinante é que a taxa dos direitos varie automaticamente de acordo com um determinado esquema ou uma determinada fórmula.


    47 – V. Geboye Desta, M. (já referido na nota 28, p. 23), que refere que as vantagens atribuídas a um Estado‑Membro se universalizam, em virtude da regra do tratamento geral de nação mais favorecida.


    48 – V. n.°s 97 e segs. das presentes conclusões.


    49 – V. acórdão de 11 de Fevereiro de 1988, The National Dried Fruit Trade Association (77/86, Colect., p. 757, n.° 29).


    50 – N.os 109 a 112 das presentes conclusões.


    51 – V. OCDE, The Uruguay Round Agreement on Agriculture, A preliminary Evaluation of the Impacts of the Agreement on Agriculture in OECD Countries, Paris, 1995, p. 29.


    52 – V., a este propósito, as regras referidas nos n.os 19 a 22 e 70 das presentes conclusões.

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