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Document 62008CO0062

    Despacho do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de Fevereiro de 2009.
    UDV North America Inc. contra Brandtraders NV.
    Pedido de decisão prejudicial: Hof van Cassatie - Bélgica.
    Artigo 104.º, n.º 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo - Marca comunitária - Regulamento (CE) n.º 40/94 - Artigo 9.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea d) - Direito de o titular de uma marca registada se opor à utilização por um terceiro de um sinal idêntico à marca - Conceito de 'utilização' - Utilização de um sinal idêntico à marca por um mediador comercial nos seus documentos comerciais - Mediador comercial que actua em nome próprio mas por conta de um vendedor.
    Processo C-62/08.

    Colectânea de Jurisprudência 2009 I-01279

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:111

    DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    19 de Fevereiro de 2009 ( *1 )

    No processo C-62/08,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Hof van Cassatie (Bélgica), por decisão de 7 de Fevereiro de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 18 de Fevereiro de 2008, no processo

    UDV North America Inc.

    contra

    Brandtraders NV,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: C. W. A. Timmermans (relator), presidente de secção, J.-C. Bonichot, K. Schiemann, P. Kūris e L. Bay Larsen, juízes,

    advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

    secretário: R. Grass,

    tendo o órgão jurisdicional de reenvio sido informado de que o Tribunal de Justiça se propõe decidir por meio de despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 104.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo,

    tendo os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça sido convidados a apresentar as suas observações a este respeito,

    ouvido o advogado-geral,

    profere o presente

    Despacho

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 9.o, n.os 1, alínea a), e 2, alínea d), do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a UDV North America Inc. (a seguir «UDV»), sociedade com sede em Stamford (Estados Unidos), e a Brandtraders NV (a seguir «Brandtraders»), sociedade com sede em Zeebrugge (Bélgica), a respeito do uso, por esta última, da marca comunitária Smirnoff Ice, da qual a UDV é titular.

    Quadro jurídico

    3

    Nos termos do sétimo considerando do Regulamento n.o 40/94:

    «[…] a protecção conferida pela marca comunitária, cujo objectivo consiste nomeadamente em garantir a função de origem da marca, é absoluta em caso de identidade entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços; […] a protecção pode também ser invocada em caso de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços; […] há que interpretar a noção de semelhança em função do risco de confusão; […] o risco de confusão, cuja avaliação depende de numerosos factores e nomeadamente do conhecimento da marca no mercado, da associação que pode ser estabelecida com o sinal utilizado ou registado, do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos e os serviços designados, constitui uma condição específica da protecção».

    4

    O artigo 9.o do Regulamento n.o 40/94, intitulado «Direito conferido pela marca comunitária», prevê:

    «1.   A marca comunitária confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:

    a)

    Um sinal idêntico à marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada;

    b)

    Um sinal que, pela sua identidade ou semelhança com a marca comunitária e pela identidade ou semelhança dos produtos ou serviços abrangidos pela marca comunitária e pelo sinal, provoque o risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

    c)

    Um sinal idêntico ou similar à marca comunitária, para produtos ou serviços que não sejam similares àqueles para os quais a marca comunitária foi registada, sempre que esta goze de prestígio na Comunidade e que o uso do sinal sem justo motivo tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca comunitária ou lhe cause prejuízo.

    2.   Pode, nomeadamente, ser proibido, se estiverem preenchidas as condições enunciadas no n.o 1:

    a)

    Apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;

    b)

    Oferecer os produtos, colocá-los no comércio ou possuí-los para esses fins, ou oferecer ou prestar serviços sob esse sinal;

    c)

    Importar ou exportar produtos sob esse sinal;

    d)

    Utilizar o sinal em documentos comerciais e na publicidade.

    […]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    5

    A UDV é titular da marca comunitária Smirnoff Ice. Esta marca foi registada sob o n.o 001540913, com efeitos a partir de 6 de Março de 2000, para produtos incluídos na classe 33 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado, classe essa que corresponde à descrição «Bebidas alcoólicas, nomeadamente bebidas espirituosas destiladas e licores».

    6

    A Brandtraders gere um sítio Internet (a seguir «sítio Internet»), onde as sociedades membros podem pôr anúncios, de modo anónimo, tanto na qualidade de vendedores como de compradores, e onde podem, igualmente de modo anónimo, negociar as suas transacções e, eventualmente, chegar a acordos nos termos das condições gerais constantes desse sítio.

    7

    Os não membros podem também visitar o sítio Internet e aí consultar as ofertas e os pedidos, mas não lhes é fornecida nenhuma informação sobre a localização dos produtos nem sobre o preço destes.

    8

    De acordo com as condições gerais, assim que é informada de um acordo, a Brandtraders celebra um contrato de compra e venda com o comprador, em contrapartida de uma comissão, na qualidade de comissária do vendedor, ou seja, em nome próprio, mas por conta do vendedor.

    9

    Em 11 de Dezembro de 2001, um vendedor colocou no sítio Internet uma oferta de produtos denominados «Smirnoff Ice/24 btl/30 cl/5%», com a indicação da quantidade disponível e de que se tratava de produtos com o estatuto aduaneiro «T 1», ou seja, de produtos em regime de trânsito comunitário externo.

    10

    Em 13 de Dezembro de 2001, a pedido da UDV, um oficial de justiça elaborou um auto que inclui uma cópia integral do sítio Internet e, consequentemente, da oferta respeitante ao produto em causa, tal como está acessível a um não membro.

    11

    Em 19 de Dezembro de 2001, na sequência de um requerimento inibitório unilateral apresentado pela UDV, o voorzitter van de rechtbank van koophandel te Brussel (Bélgica) proferiu um despacho no qual ordenou à Brandtraders que conservasse os produtos em causa, no estado em que se encontravam, e fez acompanhar esta proibição de uma sanção pecuniária compulsória de 500 euros por cada artigo que fosse deslocado. Deste despacho constava, igualmente, a designação de um perito para efectuar uma descrição mais pormenorizada da alegada infracção.

    12

    Tendo em conta, nomeadamente, o relatório do perito, foram, posteriormente, dados como assentes, no processo principal, os seguintes factos, tal como resulta da decisão de reenvio prejudicial e dos autos.

    13

    Na sequência da oferta que colocou no sítio Internet, a Hillyard Trading Ltd (a seguir «Hillyard»), sociedade com sede em Gibraltar, chegou a acordo com a Checkprice UK Ltd (a seguir «Checkprice»), sociedade com sede em Norwich (Reino Unido), para a venda a esta última de 3040 caixas de 24 garrafas de Smirnoff Ice provenientes da Cidade do Cabo (África do Sul).

    14

    Em 3 de Setembro de 2001, a Brandtraders celebrou, em nome próprio, mas por conta da Hillyard, um contrato de compra e venda com a Checkprice, reproduzindo as condições de compra e venda sobre as quais a Hillyard e a Checkprice tinham chegado a acordo, e enviou, igualmente, à Hillyard, uma carta a confirmar a celebração do contrato. O nome da marca Smirnoff Ice figurava nesta carta de confirmação, mas não no contrato de compra e venda. Da referida carta constava, igualmente, a indicação de que a Brandtraders actuava em nome próprio, mas por conta do vendedor.

    15

    Em 15 de Outubro de 2001, a Brandtraders enviou à Checkprice uma factura relativa a 2846 caixas de mercadoria não desalfandegada, 194 das quais ficaram danificadas quando da descarga. Desta factura constava o preço de venda, acrescido da comissão da Brandtraders, bem como a indicação da marca Smirnoff Ice.

    16

    Na sequência do pagamento desta factura em 22 de Outubro de 2001, a mercadoria, descarregada no porto de Felixstowe (Reino Unido), foi posta à disposição da Checkprice. Subsequentemente, foi colocada em livre prática.

    17

    Em 30 de Outubro de 2001, após recepção de uma nota de crédito emitida em 29 de Outubro de 2001 pela Hillyard, relativa às caixas danificadas, a Brandtraders pagou a factura que a Hillyard lhe tinha enviado em 18 de Setembro de 2001, relativa aos produtos em causa. Nesta factura, vinha indicado o nome da marca Smirnoff Ice.

    18

    Em 28 de Dezembro de 2001, a UDV requereu a citação da Brandtraders no quadro de uma providência cautelar apresentada ao voorzitter van de rechtbank van koophandel te Brussel, agindo na qualidade de juiz do procedimento cautelar.

    19

    Por despacho de 19 de Abril de 2002, esta providência foi declarada admissível e procedente.

    20

    De acordo com este despacho, proferido em processo contraditório, a Brandtraders infringiu o artigo 9.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 40/94, porquanto, em primeiro lugar, em 3 de Setembro de 2001, comprou à Hillyard um lote de garrafas Smirnoff Ice que revendeu à Checkprice, em segundo lugar, fez previamente publicidade a esta transacção no sítio Internet e, por último, fez nova publicidade a essa transacção, em 13 de Dezembro de 2001, nesse mesmo sítio. Além disso, foi ordenado à Brandtraders que não reincidisse na prática destas infracções, sob pena de pagar uma sanção pecuniária compulsória de 100 euros por infracção cometida.

    21

    Chamado a decidir o recurso do referido despacho, o Hof van beroep te Brussel (Bélgica) anulou-o por acórdão de 23 de Setembro de 2003 e julgou improcedente a providência cautelar requerida pela UDV.

    22

    Esse órgão jurisdicional decidiu, em primeiro lugar, que a descarga da mercadoria no porto de Felixstowe, pelo parceiro logístico da Brandtraders, não pode de maneira nenhuma ser considerada um uso da marca Smirnoff Ice por esta última.

    23

    Em segundo lugar, de acordo com o Hof van beroep te Brussel, uma vez que as indicações constantes do sítio Internet não são introduzidas pela Brandtraders e que, além disso, esta sociedade não controla minimamente as ofertas apresentadas nesse sítio, a oferta dos produtos da marca Smirnoff Ice em causa no processo principal não pode ser atribuída a esta sociedade. Este órgão jurisdicional concluiu que, no caso presente, não existe uso na acepção do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 40/94.

    24

    Em terceiro lugar, quanto à indicação da marca Smirnoff Ice nos documentos comerciais da Brandtraders, em especial na carta de confirmação e nas facturas, o Hof van beroep te Brussel decidiu que constitui um uso na vida comercial, que é feito, além do mais, no território da Comunidade, ainda que, eventualmente, a mercadoria não se encontre aí.

    25

    Contudo, de acordo com o referido órgão jurisdicional, uma vez que a Brandtraders não utilizou o sinal idêntico a uma marca em causa no processo principal, enquanto parte interessada numa venda de produtos em que, ela própria, era parte contratante, dado que actuou por conta de um terceiro, neste caso, o vendedor, esta sociedade não usou esse sinal na acepção do artigo 9.o, n.os 1, alínea a), e 2, alínea d), do Regulamento n.o 40/94.

    26

    A UDV recorreu do acórdão de 23 de Setembro de 2003 para o Hof van Cassatie (Bélgica), alegando que, contrariamente ao que decidiu o Hof van beroep te Brussel, não se exige, para efeitos de aplicação do artigo 9.o, n.os 1, alínea a), e 2, alínea d), do Regulamento n.o 40/94, que o terceiro em causa, no caso presente, a Brandtraders agindo na qualidade de mediador comercial, actue por conta própria e/ou utilize o sinal em causa como parte interessada numa venda de produtos em que, ele próprio, é parte contratante, para que se possa considerar que usa esse sinal na acepção daquelas disposições.

    27

    Nestas circunstâncias, o Hof van Cassatie decidiu suspender a instância e pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Para que se possa considerar que o sinal é [usado] na acepção do artigo 9.o, n.os 1, alínea a), e 2, alínea d), do Regulamento […] n.o 40/94 […], exige-se que o terceiro, mencionado no artigo 9.o, n.o 1, alínea a), do regulamento:

    a)

    [use] o sinal por conta própria?

    b)

    [use] o sinal enquanto [parte] interessad[a] numa [venda] de produtos em que [,ele próprio,] é parte contratante?

    2)

    Um mediador comercial, que actue em nome próprio, mas não por conta própria, pode ser qualificado de terceiro que [usa] o sinal na acepção das disposições acima referidas?»

    Quanto às questões prejudiciais

    28

    Considerando que a resposta às questões submetidas não suscita nenhuma dúvida razoável, o Tribunal de Justiça informou o órgão jurisdicional de reenvio, em conformidade com o disposto no artigo 104.o, n.o 3, segundo parágrafo, do seu Regulamento de Processo, de que se propunha decidir por meio de despacho fundamentado e convidou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça a apresentarem as suas eventuais observações a este respeito.

    29

    Na sua resposta ao convite do Tribunal de Justiça, a UDV não manifestou objecções à intenção do Tribunal de Justiça de decidir por meio de despacho fundamentado. O Governo do Reino Unido respondeu a este convite, referindo que não pretendia apresentar observações a esse respeito.

    30

    Através das suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, essencialmente, se o conceito de «uso», na acepção do artigo 9.o, n.os 1, alínea a), e 2, alínea d), do Regulamento n.o 40/94, abrange uma situação, como a que está em causa no processo principal, na qual um mediador comercial que actua em nome próprio, mas por conta do vendedor, e não é, portanto, parte interessada numa venda de mercadorias em que, ele próprio, figure como parte contratante, utiliza, nos seus documentos comerciais, um sinal idêntico a uma marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta marca foi registada.

    31

    A título preliminar, há que referir, em primeiro lugar, que uma das infracções imputadas à Brandtraders, sobre a qual o Hof van beroep te Brussel decidiu no sentido de que a indicação da marca Smirnoff Ice no sítio Internet, tal como consta da oferta em causa no processo principal, não pode ser atribuída à Brandtraders e não constitui, portanto, um «uso», na acepção do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 40/94, não é objecto do recurso da UDV para o Hof van Cassatie nem, consequentemente, do pedido de decisão prejudicial.

    32

    Em consequência, não há que analisar os argumentos aduzidos pela Brandtraders, nas suas observações escritas, na medida em que respeitem a esta alegada infracção.

    33

    Em segundo lugar, também não há que analisar os argumentos suscitados pela Brandtraders, nas suas observações escritas, relativos aos princípios que decorrem da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente, do acórdão de 18 de Outubro de 2005, Class International (C-405/03, Colect., p. I-8735), em matéria de mercadorias colocadas sob regime aduaneiro de trânsito externo e respeitante a factos que consistiam em oferecer ou importar produtos sob um sinal idêntico ou semelhante a uma marca registada, como os que são visados no artigo 9.o, n.o 2, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 40/94.

    34

    Com efeito, a infracção alegada no processo principal diz respeito a factos relativos à utilização de tal sinal em documentos comerciais, como os que são visados no artigo 9.o, n.o 2, alínea d), do Regulamento n.o 40/94, que, de acordo com o Hof van beroep te Brussel e tal como foi dito no n.o 24 do presente despacho, ocorrem no território da Comunidade, ainda que, eventualmente, os produtos não se encontrem aí.

    35

    Ora, dado que o acórdão do Hof van beroep te Brussel não foi objecto de recurso para o órgão jurisdicional de reenvio relativamente a este aspecto, a questão jurídica tratada por este primeiro órgão jurisdicional não está abrangida pelo presente pedido de decisão prejudicial.

    36

    Resulta da decisão de reenvio que as questões prejudiciais têm origem na tese, defendida pela Brandtraders no Hof van beroep te Brussel e acolhida por esse órgão jurisdicional, segundo a qual a indicação da marca Smirnoff Ice nos documentos comerciais desta sociedade, em especial na carta de confirmação e nas facturas, não constitui um uso de um sinal idêntico a uma marca registada, na acepção do artigo 9.o, n.os 1, alínea a), e 2, alínea d), do Regulamento n.o 40/94, uma vez que a Brandtraders não utilizou este sinal como parte interessada numa venda de produtos em que, ela própria, é parte contratante, dado que actuou por conta de um terceiro, neste caso, o vendedor.

    37

    Nas suas observações escritas, a Brandtraders fundamentou esta tese na argumentação seguinte, que retoma a que foi apresentada no Hof van beroep te Brussel.

    38

    No direito belga, um comissário como o que está em causa no processo principal age em nome próprio, mas por conta de um terceiro, o comitente, neste caso, o vendedor. Assim, se intervier num contrato de compra e venda por conta de um vendedor, o comissário não adquire a propriedade das mercadorias.

    39

    Ora, porque considera que, por analogia, pode retirar um argumento da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Benelux, a Brandtraders alega que, para que o uso, por um terceiro, de um sinal idêntico a uma marca registada possa ser proibido pelo titular dessa marca ao abrigo do seu direito exclusivo, tal uso deve dizer respeito a produtos próprios desse terceiro.

    40

    Uma vez que, no caso presente, a utilização do referido sinal pelo comissário não diz respeito, por definição, aos seus próprios produtos, o titular da marca em causa não se lhe pode opor com base no seu direito exclusivo.

    41

    Esta argumentação só pode ser rejeitada.

    42

    De facto, à luz da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, relativa ao conceito de «uso» na acepção do artigo 5.o, n.o 1, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1) [v., nomeadamente, acórdãos de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club, C-206/01, Colect., p. I-10273; de 16 de Novembro de 2004, Anheuser-Busch, C-245/02, Colect., p. I-10989; de 25 de Janeiro de 2007, Adam Opel, C-48/05, Colect., p. I-17; de 11 de Setembro de 2007, Céline, C-17/06, Colect., p. I-7041; e de 12 de Junho de 2008, O2 Holdings & O2 (UK), C-533/06, Colect., p. I-4231, n.o 57], que é uma disposição idêntica à do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 40/94 e deve ser interpretada da mesma forma, para que o titular de uma marca possa invocar o seu direito exclusivo, numa situação como a que está em causa no processo principal, que é abrangida pelos referidos artigos 5.o e 9.o, n.o 1, alínea a), ou seja, a utilização, por um terceiro, de um sinal idêntico a essa marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada, basta que, cumulativamente, estejam reunidas as quatro condições seguintes:

    o referido uso seja feito sem o consentimento do titular,

    tenha lugar na vida comercial,

    seja feito para produtos ou serviços,

    o terceiro utilize esse sinal como marca, ou seja, o uso desse sinal pelo terceiro prejudique ou seja susceptível de prejudicar as funções da marca, nomeadamente a sua função essencial de garantir aos consumidores a proveniência dos produtos ou dos serviços.

    43

    Tendo em conta estas condições de aplicação, a circunstância de o terceiro em causa utilizar um sinal idêntico a uma marca registada para produtos que não são os seus próprios produtos, no sentido de que não é seu proprietário, é irrelevante e não pode, por si só, significar que essa utilização não se enquadra no conceito de «uso», na acepção do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 40/94.

    44

    Antes de mais, o Tribunal de Justiça declarou que, para se considerar que é feito na vida comercial, o referido uso deve situar-se no contexto de uma actividade comercial que visa um proveito económico, e não no domínio privado (acórdão Arsenal Football Club, já referido, n.o 40).

    45

    No caso presente, o uso em causa no processo principal, por parte de um operador como a Brandtraders, é, manifestamente, feito no contexto de uma actividade comercial que visa um proveito económico.

    46

    Com efeito, é pacífico que, no processo principal, a Brandtraders participou num contrato de compra e venda e recebeu uma remuneração por essa participação. O facto de, neste contexto, o comissário ter agido por conta do vendedor não tem relevância para o caso.

    47

    Por outro lado, é evidente que o uso em causa no processo principal é feito para produtos, uma vez que, mesmo não se tratando de um caso de aposição de um sinal idêntico a uma marca registada nos produtos do terceiro, há um uso «para produtos ou serviços», na acepção do artigo 9.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94, sempre que o terceiro utilize esse sinal de tal modo que se estabelece um nexo entre o referido sinal e os produtos comercializados ou os serviços prestados pelo terceiro, que, no processo principal, acontece sob a forma de utilização do sinal em causa em documentos comerciais (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Arsenal Football Club, n.o 41, e Céline, n.os 22 e 23).

    48

    Uma vez que esse nexo está estabelecido, é de resto irrelevante que o terceiro utilize um sinal idêntico a uma marca registada para a comercialização de produtos que não são os seus próprios produtos, no sentido de que não adquire a sua propriedade no decurso da transacção em que intervém.

    49

    Além disso, não se pode contestar que o uso do referido sinal pelo terceiro, numa situação como a que está em causa no processo principal, é susceptível de ser interpretado pelo público visado como designando ou pretendendo designar o terceiro como a empresa de proveniência dos produtos e, por isso, é susceptível de fazer acreditar na existência de um nexo material, na vida comercial, entre esses produtos e a empresa de proveniência dos mesmos (v., neste sentido, acórdão Anheuser-Busch, já referido, n.o 60).

    50

    Com efeito, através desse uso, o terceiro arroga-se, de facto, a prerrogativa essencial que uma marca confere ao seu titular, ou seja, o poder exclusivo de utilizar o sinal em causa para distinguir produtos.

    51

    Em tal caso, trata-se, manifestamente, de um uso da marca como marca. A este respeito, não tem importância, por outro lado, que este uso seja feito pelo terceiro, no quadro da comercialização de produtos por conta de outro operador que é o único proprietário desses produtos.

    52

    Por último, é pacífico que a utilização pela Brandtraders do sinal em causa no processo principal não foi autorizada pela UDV.

    53

    Daqui decorre que a utilização, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, por um terceiro, de um sinal idêntico a uma marca registada se enquadra no conceito de «uso», na acepção do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 40/94, uma vez que todas as condições de aplicação previstas nesta disposição relativamente a este conceito estão claramente preenchidas.

    54

    À luz das considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o conceito de «uso», na acepção do artigo 9.o, n.os 1, alínea a), e 2, alínea d), do Regulamento n.o 40/94, visa uma situação, como a que está em causa no processo principal, na qual um mediador comercial, que actua em nome próprio, mas por conta do vendedor, e não é, portanto, parte interessada numa venda de produtos em que, ele próprio, figura como parte contratante, utiliza, nos seus documentos comerciais, um sinal idêntico a uma marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta marca foi registada.

    Quanto às despesas

    55

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

     

    O conceito de «uso», na acepção do artigo 9.o, n.os 1, alínea a), e 2, alínea d), do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, visa uma situação como a que está em causa no processo principal, na qual um mediador comercial, que actua em nome próprio, mas por conta do vendedor, e não é, portanto, parte interessada numa venda de produtos em que, ele próprio, figura como parte contratante, utiliza, nos seus documentos comerciais, um sinal idêntico a uma marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta marca foi registada.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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