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Document 62008CJ0533

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 4 de Maio de 2010.
    TNT Express Nederland BV contra AXA Versicherung AG.
    Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad der Nederlanden - Países Baixos.
    Cooperação judiciária em matéria civil e comercial - Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões - Regulamento (CE) n.º 44/2001 - Artigo 71.º - Convenções em matérias especiais celebradas pelos Estados-Membros - Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR).
    Processo C-533/08.

    Colectânea de Jurisprudência 2010 I-04107

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:243

    Processo C‑533/08

    TNT Express Nederland BV

    contra

    AXA Versicherung AG

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden)

    «Cooperação judiciária em matéria civil e comercial – Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões – Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Artigo 71.° – Convenções em matérias especiais celebradas pelos Estados‑Membros – Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR)»

    Sumário do acórdão

    1.        Cooperação judiciária em matéria civil – Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial – Regulamento n.° 44/2001 – Relações com as convenções relativas a matérias específicas – Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada

    (Regulamento n.° 44/2001 do Conselho, sexto, décimo primeiro, décimo segundo e décimo quinto a décimo sétimo e artigo 71.°)

    2.        Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça – Limites – Convenção internacional que não vincula a Comunidade – Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada

    (Artigo 267.° CE; Regulamento n.° 44/2001 do Conselho, artigo 71.°)

    1.        O artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, num caso como o do processo principal, as regras de competência judiciária, de reconhecimento e de execução previstas numa convenção relativa a uma matéria especial, tal como a regra de litispendência enunciada no artigo 31.°, n.° 2, da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, assinada em Genebra, em 19 de Maio de 1956, conforme alterada pelo protocolo assinado em Genebra, em 5 de Julho de 1978, e a regra relativa à executoriedade prevista no seu artigo 31.°, n.° 3, são aplicáveis desde que ofereçam um elevado nível de certeza jurídica, facilitem a boa administração da justiça e permitam reduzir ao mínimo o risco de processos concorrentes, e assegurem, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, a livre circulação das decisões em matéria civil e comercial e a confiança recíproca na administração da justiça no seio da União (favor executionis).

    Parece, assim, que o artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 visa fazer respeitar as regras que foram aprovadas em consideração das especificidades de uma matéria especial, não é menos verdade que a aplicação dessas regras não pode violar os princípios basilares da cooperação judiciária em matéria civil e comercial no seio da União, e cujo respeito é necessário ao bom funcionamento do mercado interno, que constitui, como decorre do primeiro considerando do Regulamento n.° 44/2001, a ratiolegis do Regulamento n.° 44/2001. Com efeito, o artigo 71.° deste regulamento não pode ter um alcance que esteja em conflito com os princípios basilares da legislação de que faz parte. Consequentemente, num domínio abrangido pelo referido regulamento, como o transporte de mercadorias por estrada, uma convenção especial, como a CMR, possa levar a resultados menos favoráveis para o bom funcionamento do mercado interno do que os alcançados pelas disposições do referido regulamento.

    (cf. n.os 48‑51, 56, disp. 1)

    2.        O Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o artigo 31.° da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), assinada em Genebra, em 19 de Maio de 1956, conforme alterada pelo protocolo assinado em Genebra, em 5 de Julho de 1978. Com efeito, apenas se e quando a União tiver assumido as competências anteriormente exercidas pelos Estados‑Membros no âmbito da aplicação de uma convenção internacional não celebrada pela União, passando as suas disposições, consequentemente, a ser vinculativas para a União é que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar essa convenção. Contudo, no caso em apreço, não se pode afirmar que as regras de competência judiciária, de reconhecimento e de execução previstas na CMR vinculem a União. Muito pelo contrário, resulta da interpretação do artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 apresentada no presente acórdão que essas regras previstas na CMR só podem ser aplicadas na União no respeito dos princípios basilares do referido regulamento.

    (cf. n.os 62‑63, disp. 2)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    4 de Maio de 2010 (*)

    «Cooperação judiciária em matéria civil e comercial – Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões – Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Artigo 71.° – Convenções em matérias especiais celebradas pelos Estados‑Membros – Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR)»

    No processo C‑533/08,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos dos artigos 68.° CE e 234.° CE, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 28 de Novembro de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 3 de Dezembro de 2008, no processo

    TNT Express Nederland BV

    contra

    AXA Versicherung AG,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, R. Silva de Lapuerta e C. Toader, presidentes de secção, K. Schiemann, P. Kūris, E. Juhász, M. Ilešič (relator), J.‑J. Kasel e M. Safjan, juízes,

    advogada‑geral: J. Kokott,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 17 de Novembro de 2009,

    vistas as observações apresentadas:

    –        em representação da TNT Express Nederland BV, por J. H. J. Teunissen, advocaat,

    –        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e Y. de Vries, na qualidade de agentes,

    –        em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

    –        em representação do Governo alemão, por M. Lumma e J. Kemper, na qualidade de agentes,

    –        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e R. Troosters, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 28 de Janeiro de 2010,

    profere o presente

    Acórdão

    1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 71.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), e do artigo 31.° da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, assinada em Genebra, em 19 de Maio de 1956, conforme alterada pelo protocolo assinado em Genebra, em 5 de Julho de 1978 (a seguir «CMR»).

    2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a TNT Express Nederland BV (a seguir «TNT») à AXA Versicherung AG (a seguir «AXA»), relativamente à execução, nos Países Baixos, de decisões de um tribunal alemão que condena a TNT no pagamento de uma indemnização pela perda de mercadorias durante um transporte rodoviário internacional.

     Quadro jurídico

     Regulamento n.° 44/2001

    3        O primeiro considerando do Regulamento n.° 44/2001 enuncia:

    «A Comunidade atribuiu‑se como objectivo a manutenção e o desenvolvimento de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça em que seja assegurada a livre circulação das pessoas. Para criar progressivamente tal espaço, a Comunidade deve adoptar, entre outras, as medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que sejam necessárias para o bom funcionamento do mercado interno.»

    4        Nos termos do sexto considerando deste regulamento:

    «Para alcançar o objectivo da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, é necessário e adequado que as regras relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões sejam determinadas por um instrumento jurídico comunitário vinculativo e directamente aplicável.»

    5        O décimo primeiro, décimo segundo e décimo quinto considerandos do Regulamento n.° 44/2001 precisam:

    «(11) As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados […].

    (12)      O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.

    […]

    (15)      O funcionamento harmonioso da justiça a nível comunitário obriga a minimizar a possibilidade de instaurar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados‑Membros competentes. […]»

    6        O décimo sexto e décimo sétimo considerandos deste regulamento enunciam:

    «(16) A confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade justifica que as decisões judiciais proferidas num Estado‑Membro sejam automaticamente reconhecidas, sem necessidade de recorrer a qualquer procedimento, excepto em caso de impugnação.

    (17)      A mesma confiança recíproca implica a eficácia e a rapidez do procedimento para tornar executória num Estado‑Membro uma decisão proferida noutro Estado‑Membro. […]»

    7        Nos termos do vigésimo quinto considerando do referido regulamento:

    «O respeito dos compromissos internacionais subscritos pelos Estados‑Membros implica que o presente regulamento não afecte as convenções em que são parte os Estados‑Membros e que incidam sobre matérias especiais.»

    8        Nos termos do artigo 1.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 44/2001:

    «1.      O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.

    2.      São excluídos da sua aplicação:

    a)      O estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes matrimoniais, os testamentos e as sucessões;

    b)      As falências, as concordatas e os processos análogos;

    c)      A segurança social;

    d)       A arbitragem.»

    9        O artigo 27.° do Regulamento n.° 44/2001, incluído na secção 9, sob a epígrafe «Litispendência e conexão», do capítulo II, sob a epígrafe «Competência», desse regulamento, dispõe:

    «1.      Quando acções com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal a que a acção foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância, até que seja estabelecida a competência do tribunal a que a acção foi submetida em primeiro lugar.

    2.      Quando estiver estabelecida a competência do tribunal a que a acção foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal declara‑se incompetente em favor daquele.»

    10      O artigo 34.° do Regulamento n.° 44/2001, incluído na secção 1, intitulada «Reconhecimento», do capítulo III, sob a epígrafe «Reconhecimento e execução», desse regulamento, dispõe:

    «Uma decisão não será reconhecida:

    1)       Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido;

    […]»

    11      O artigo 35.° do referido regulamento, incluído na mesma secção, tem a seguinte redacção:

    «1.       As decisões não serão igualmente reconhecidas se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções 3, 4 e 6 do capítulo II ou no caso previsto no artigo 72.°

    2.      Na apreciação das competências referidas no parágrafo anterior, a autoridade requerida estará vinculada às decisões sobre a matéria de facto com base nas quais o tribunal do Estado‑Membro de origem tiver fundamentado a sua competência.

    3.      Sem prejuízo do disposto no primeiro e segundo parágrafos, não pode proceder‑se ao controlo da competência dos tribunais do Estado‑Membro de origem. As regras relativas à competência não dizem respeito à ordem pública a que se refere o ponto 1 do artigo 34.°»

    12      Nos termos do artigo 36.° do mesmo regulamento, incluído também na secção 1 do capítulo III, «[a]s decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito».

    13      O artigo 38.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, incluído na secção 2, sob a epígrafe «Execução», do capítulo III desse regulamento, dispõe:

    «As decisões proferidas num Estado‑Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.»

    14      O artigo 43.°, n.° 1, do referido regulamento acrescenta que «[q]ualquer das partes pode interpor recurso da decisão sobre o pedido de declaração de executoriedade».

    15      O artigo 45.° do mesmo regulamento precisa:

    «1.      O tribunal onde foi interposto o recurso ao abrigo dos artigos 43.° […] apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34.° e 35.° […]

    2.      As decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito.»

    16      O artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001, incluído no seu capítulo VII, intitulado «Relações com os outros instrumentos», dispõe:

    «1.      O presente regulamento não prejudica as convenções em que os Estados‑Membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões.

    2.       Para assegurar a sua interpretação uniforme, o n.° 1 será aplicado do seguinte modo:

    a)       O presente regulamento não impede que um tribunal de um Estado‑Membro que seja parte numa convenção relativa a uma matéria especial se declare competente, em conformidade com tal convenção, mesmo que o requerido tenha domicílio no território de um Estado‑Membro que não seja parte nessa convenção. Em qualquer caso, o tribunal chamado a pronunciar‑se aplicará o artigo 26.° do presente regulamento;

    b)       As decisões proferidas num Estado‑Membro por um tribunal cuja competência se funde numa convenção relativa a uma matéria especial serão reconhecidas e executadas nos outros Estados‑Membros, nos termos do presente regulamento.

    Se uma convenção relativa a uma matéria especial, de que sejam partes o Estado‑Membro de origem e o Estado‑Membro requerido, tiver estabelecido as condições para o reconhecimento e execução de decisões, tais condições devem ser respeitadas. Em qualquer caso, pode aplicar‑se o disposto no presente regulamento, no que respeita ao processo de reconhecimento e execução de decisões.»

     A CMR

    17      Em conformidade com o seu artigo 1.°, a CMR aplica‑se «todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto […] estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes».

    18      A CMR foi negociada no âmbito da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa. Mais de 50 Estados, entre os quais todos os Estados‑Membros da União Europeia, aderiram à CMR.

    19      O artigo 23.° da CMR enuncia:

    «1.      Quando for debitada ao transportador uma indemnização por perda total ou parcial da mercadoria, em virtude das disposições da presente Convenção, essa indemnização será calculada segundo o valor da mercadoria no lugar e época em que for aceite para transporte.

    […]

    3.      A indemnização não poderá, porém, ultrapassar 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta.

    4.      Além disso, serão reembolsados os preços do transporte, os direitos aduaneiros e as outras despesas provenientes do transporte da mercadoria, na totalidade no caso de perda total e em proporção no caso de perda parcial; não serão devidas outras indemnizações de perdas e danos.

    […]

    7.      A unidade de conta referida na presente Convenção é o direito de saque especial, tal como definido pelo Fundo Monetário Internacional. O montante a que se refere o n.° 3 do presente artigo é convertido na moeda nacional do Estado onde se situe o tribunal encarregado da resolução do litígio […]

    […]»

    20      Nos termos do artigo 31.° da CMR:

    «1.      Para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados de comum acordo pelas partes, para a jurisdição do país no território do qual:

    a)       O réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou

    b)       Estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a entrega,

    e só poderá recorrer a essas jurisdições.

    2.       Quando num litígio previsto no parágrafo 1 do presente artigo estiver em instância uma acção numa jurisdição competente nos termos desse parágrafo, ou quando tal jurisdição pronunciar sentença em tal litígio, não poderá ser intentada mais nenhuma acção pela mesma causa entre as mesmas partes, a não ser que a decisão da jurisdição perante a qual foi intentada a primeira acção não possa ser executada no país onde é intentada a nova acção.

    3.       Quando num litígio previsto no parágrafo 1 do presente artigo uma sentença pronunciada por uma jurisdição de um país contratante se tornou executória nesse país, torna‑se também executória em cada um dos outros países contratantes imediatamente após o cumprimento das formalidades prescritas para esse efeito no país interessado. Essas formalidades não podem comportar nenhuma revisão do caso.

    4.       As disposições do parágrafo 3 do presente artigo aplicam‑se às sentenças contraditórias, às sentenças omissas e às transacções judiciais, mas não se aplicam às sentenças somente executórias por provisão nem às condenações em perdas e danos que venham a ser impostas além das despesas contra um queixoso em virtude da rejeição total ou parcial da sua queixa.

    […]»

     Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    21      Em Abril de 2001, a Siemens Nederland NV (a seguir «Siemens») e a TNT celebraram um contrato para o transporte rodoviário de mercadorias no valor de 103 540 DEM (52 939 euros) e com um peso de 12 kg, entre Zoetermeer (Países Baixos) e Unterschleissheim (Alemanha).

    22      Contudo, estas mercadorias não foram entregues no seu local de destino.

    23      Em Maio de 2002, a TNT intentou contra a AXA, seguradora da Siemens, no Rechtbank te Rotterdam (Países Baixos), uma acção destinada a obter a declaração de que a TNT não era responsável perante a AXA por quaisquer danos resultantes da perda das referidas mercadorias, com excepção do montante de 11,50 euros por quilo, no total de 138 euros, nos termos do artigo 23.° da CMR, disposição que fixa as regras aplicáveis ao montante das indemnizações que podem ser pedidas. O Rechtbank te Rotterdam julgou a acção improcedente, por decisão de 4 de Maio de 2005. A TNT interpôs recurso desta decisão para o Gerechtshof te ’s Gravenhage (Países Baixos).

    24      Em Agosto de 2004, a AXA intentou contra a TNT, no Landgericht München (Alemanha), uma acção de indemnização pelos danos sofridos pela Siemens em consequência da perda das mesmas mercadorias. Uma vez que já estava pendente, nos Países Baixos, uma acção entre as mesmas partes, relativamente ao mesmo transporte, a TNT alegou que, de acordo com a regra de litispendência prevista no artigo 31.°, n.° 2, da CMR, o Landgericht München não podia conhecer da acção da AXA.

    25      Por decisões de 4 de Abril e 7 de Setembro de 2006 (a seguir «decisões do Landgericht München»), o Landgericht München rejeitou a argumentação da TNT baseada no artigo 31.°, n.° 2, da CMR e condenou esta empresa no pagamento de uma indemnização.

    26      Em 6 de Março de 2007, a AXA pediu no Rechtbank te Utrecht (Países Baixos) a declaração de executoriedade, nos Países Baixos, das decisões do Landgericht München, nos termos do Regulamento n.° 44/2001. Depois de o juiz das medidas provisórias do Rechtbank te Utrecht ter deferido esse pedido por providência cautelar de 28 de Março de 2007, a TNT pediu ao Rechtbank te Utrecht, em 4 de Maio de 2007, a revogação dessa providência e a recusa da execução das referidas decisões ou, pelo menos, a suspensão da instância no que se refere à sua execução, até que o Gerechtshof te ’s Gravenhage decida o recurso interposto da decisão de 4 de Maio de 2005 do Rechtbank te Rotterdam.

    27      A TNT baseou o seu recurso para o Rechtbank te Utrecht no fundamento de que o reconhecimento das decisões do Landgericht München era manifestamente contrário à ordem pública neerlandesa. Afirmou que, por força da regra de litispendência prevista no artigo 31.°, n.° 2 da CMR, o Landgericht München não era competente para conhecer da acção da AXA.

    28      Em contrapartida, a AXA considerava que, por força do artigo 35.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, o juiz neerlandês não podia controlar a competência do juiz alemão, porque o critério da ordem pública referido no artigo 34.°, n.° 1, desse regulamento não podia ser aplicado às regras de competência.

    29      Por decisão de 18 de Julho de 2007, o Rechtbank te Utrecht negou provimento ao recurso da TNT. Nessa data, o Gerechtshof te ’s‑Gravenhage ainda não tinha decidido o recurso interposto pela TNT.

    30      O Rechtbank te Utrecht considerou que a TNT não podia invocar o motivo de recusa de reconhecimento previsto no artigo 34.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, para contestar a competência do juiz alemão, uma vez que as regras de competência não dizem respeito à ordem pública a que se refere essa disposição, como precisa o artigo 35.°, n.° 3, desse regulamento.

    31      A TNT recorreu em cassação da decisão do Rechtbank te Utrecht de 18 de Julho de 2007. Na sua opinião, este órgão jurisdicional ignorou o facto de o artigo 31.° da CMR derrogar, por força do artigo 71.°, n.° 2, alínea b), segundo parágrafo, do Regulamento n.° 44/2001, a proibição do controlo da competência dos tribunais do Estado‑Membro de origem, enunciada no artigo 35.°, n.° 3, do referido regulamento.

    32      Neste contexto, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      O artigo 71.°, n.° 2, proémio e alínea b), segundo parágrafo, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido

    a)      de que o regime de reconhecimento e de execução do Regulamento (CE) n.° 44/2001 só deve ceder perante o mesmo regime previsto na convenção especial, se este for de aplicação exclusiva, ou

    b)      de que, no caso de serem simultaneamente aplicáveis as condições para o reconhecimento e a execução da convenção especial e as do Regulamento (CE) n.° 44/2001, as condições da convenção especial devem ser sempre aplicadas e as do Regulamento (CE) n.° 44/2001 afastadas, mesmo que a convenção especial não seja de aplicação exclusiva relativamente a outras normas internacionais em matéria de reconhecimento e execução?

    2)      Para evitar decisões divergentes sobre o concurso de normas referido na primeira questão, o Tribunal de Justiça é competente para a interpretação, vinculativa para os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros da [CMR], no que diz respeito à matéria regulada no artigo 31.° dessa convenção?

    3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão e também à primeira questão, alínea a), o regime de reconhecimento e de execução previsto no artigo 31.°, n.os 3 e 4, da CMR deve ser interpretado no sentido de que não é de aplicação exclusiva e permite a aplicação de outras normas de execução internacionais que possibilitam o reconhecimento ou a execução, tal como o Regulamento (CE) n.° 44/2001?

    Em caso de resposta afirmativa pelo Tribunal de Justiça à primeira questão, alínea b), assim como à segunda questão, […] o Hoge Raad submete ainda as seguintes três questões:

    4)      No caso de um pedido de declaração de executoriedade, o artigo 31.°, n.os 3 e 4, da [CMR] permite ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro requerido verificar se o órgão jurisdicional do Estado de origem dispunha de competência internacional para conhecer do litígio?

    5)      O artigo 71.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de concurso do regime da litispendência da CMR com o do Regulamento (CE) n.° 44/2001, o regime da litispendência previsto na CMR prevalece sobre o regime da litispendência do Regulamento (CE) n.° 44/2001?

    6)      A declaração solicitada no presente processo, nos Países Baixos, e a acção de indemnização intentada na Alemanha referem‑se à ‘mesma causa’ na acepção do artigo 31.°, n.° 2, da CMR?»

     Quanto às questões prejudiciais

     Considerações preliminares

    33      Há que observar, desde logo, que o litígio que opõe a TNT à AXA é abrangido tanto pelo âmbito de aplicação da CMR como pelo do Regulamento n.° 44/2001.

    34      Com efeito, por um lado, este litígio tem por objecto um contrato de transporte de mercadorias por estrada, que define um endereço nos Países Baixos, como local de recolha das mercadorias, e um endereço na Alemanha, como local previsto para a sua entrega. Os critérios de aplicação da CMR, enunciados no seu artigo 1.°, estão assim preenchidos.

    35      Por outro lado, os litígios relacionados com o transporte de mercadorias por estrada entre Estados‑Membros são abrangidos pela «matéria civil e comercial», na acepção do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001. Além disso, o transporte de mercadorias por estrada não faz parte dos domínios, taxativamente enumerados no referido artigo, que são excluídos do âmbito de aplicação deste regulamento.

    36      Ainda a título preliminar, há que recordar que, uma vez que o Regulamento n.° 44/2001 substitui a Convenção de Bruxelas de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pelas sucessivas convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a essa Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»), a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições dessa Convenção é válida igualmente para as do referido regulamento, quando as disposições desses instrumentos possam ser qualificadas de equivalentes (acórdãos de 14 de Maio de 2009, Ilsinger, C‑180/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41, e de 16 de Julho de 2009, Zuid‑Chemie, C‑189/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 18).

    37      O artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001, cuja interpretação é pedida no caso vertente, substitui o artigo 57.° da Convenção de Bruxelas, que dispunha, a respeito das convenções relativas a matérias especiais (a seguir «convenções especiais»):

    «1.      A presente Convenção não prejudica as convenções de que os Estados Contratantes sejam ou venham a ser parte e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões.

    2.      Para assegurar a sua interpretação uniforme, o n.° 1 será aplicado do seguinte modo:

    a)       A presente Convenção não impede que um tribunal de um Estado Contratante que seja parte numa convenção relativa a uma matéria especial se declare competente, em conformidade com uma tal convenção, mesmo que o requerido tenha domicílio no território de um Estado Contratante que não seja parte nessa convenção […];

    b)       As decisões proferidas num Estado Contratante por um tribunal cuja competência se fundamente numa convenção relativa a uma matéria especial serão reconhecidas e executadas nos outros Estados Contratantes, nos termos da presente Convenção.

    Se uma convenção relativa a uma matéria especial, de que sejam parte o Estado de origem e o Estado requerido, estabeleceu as condições para o reconhecimento e execução de decisões, tais condições devem ser respeitadas. […]

    […]»

    38      Com a expressão «ou venham a ser», o artigo 57.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas precisava que as regras contidas nessa Convenção não se opunham à aplicação de regras diferentes que os Estados Contratantes viessem a subscrever no futuro através da celebração de convenções especiais. Esta expressão não foi transposta para o artigo 71.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001. Assim, este artigo não confere aos Estados‑Membros a possibilidade de introduzirem, através da celebração de novas convenções especiais ou da alteração de convenções já em vigor, regras que prevaleçam sobre as do Regulamento n.° 44/2001. Esta conclusão é confirmada pela jurisprudência segundo a qual, à medida que se vão criando regras comuns, os Estados‑Membros deixam de ter direito de celebrar acordos internacionais que afectem essas regras (v., nomeadamente, acórdãos de 31 de Março de 1971, Comissão/Conselho, dito «AETR», 22/70, Colect., p. 69, n.os 17 a 19, e de 5 de Novembro de 2002, Comissão/Dinamarca, dito «céu aberto», C‑467/98, Colect., p. I‑9519, n.° 77).

    39      Em contrapartida, no que diz respeito a disposições como as do artigo 31.° da CMR, às quais os Estados‑Membros estavam já vinculados quando da entrada em vigor do Regulamento n.° 44/2001, o artigo 71.° deste mesmo regulamento tem a mesma sistemática do artigo 57.° da Convenção de Bruxelas e está redigido em termos quase idênticos. Consequentemente, há que ter em conta a interpretação já dada pelo Tribunal de Justiça no âmbito da Convenção de Bruxelas.

    40      À luz destas considerações preliminares e tendo em conta a conexão entre as diferentes questões submetidas, a primeira e quinta, relativas à interpretação do artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001, serão examinadas em conjunto e em primeiro lugar. As questões sobre a interpretação da CMR serão abordadas em seguida.

     Quanto à interpretação do artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001

    41      Com a sua primeira e quinta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se, num processo como o do processo principal, o artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que as regras de competência judiciária, de reconhecimento e de execução previstas numa convenção especial, como a regra de litispendência enunciada no artigo 31.°, n.° 2, da CMR e a relativa à executoriedade enunciada no n.° 3 do mesmo artigo, são aplicáveis.

    42      Como referido na decisão de reenvio, esta questão coloca‑se, por um lado, pelo facto de as regras de litispendência previstas na CMR e no Regulamento n.° 44/2001, ainda que formuladas em termos semelhantes, poderem ter um alcance diferente consoante seja aplicada ou a convenção e a jurisprudência nacional com ela relacionada ou o regulamento e a jurisprudência do Tribunal de Justiça que lhe diz respeito e, por outro, devido à necessidade de o juiz neerlandês, a quem foi submetida a acção da AXA destinada a declarar executórias as decisões do Landgericht München, saber se pode controlar a competência deste tribunal para decidir a acção de indemnização intentada pela AXA.

    43      A este respeito, a TNT sustenta que o artigo 31.°, n.° 3, da CMR permite esse controlo, ao passo que a AXA considera que o artigo 35.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 exclui um controlo da competência do Landgericht München. Em apoio desta argumentação, a AXA alegou nos tribunais neerlandeses que o reconhecimento e a execução de decisões em matéria de transporte internacional de mercadorias por estrada são regulados pelo Regulamento n.° 44/2001, e não pela CMR.

    44      Segundo jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição de direito da União, deve atender‑se não apenas aos seus termos mas também ao seu contexto e aos objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (v., designadamente, acórdãos de 18 de Maio de 2000, KVS International, C‑301/98, Colect., p. I‑3583, n.° 21; de 16 de Outubro de 2008, Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände, C‑298/07, Colect., p. I‑7841, n.° 15; e de 23 de Dezembro de 2009, Detiček, C‑403/09 PPU, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33). Para responder à primeira e quinta questões prejudiciais, há então que ter em conta tanto a redacção do artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 e o objectivo preciso desse artigo como o contexto dessa disposição e os objectivos prosseguidos pelo referido regulamento.

    45      De acordo com a letra do artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001, quando o litígio é abrangido pelo âmbito de aplicação de uma convenção especial, devem‑se aplicar, em princípio, as regras previstas nessa convenção, e não as do Regulamento n.° 44/2001.

    46      Com efeito, como alegam os Governos neerlandês e checo, resulta dos termos do artigo 71.°, n.° 1, do referido regulamento, segundo os quais este «não prejudica» as convenções especiais, que o legislador previu, em caso de concurso de normas, a aplicação dessas convenções.

    47      Esta interpretação é corroborada pelo n.° 2 deste artigo 71.°, que enuncia que, quando a convenção especial de que sejam partes o Estado‑Membro de origem e o Estado‑Membro requerido tiver estabelecido as condições para o reconhecimento e a execução de decisões, tais condições devem ser respeitadas. O dito n.° 2 refere‑se expressamente a situações confinadas ao interior da União. Daqui resulta que, não obstante a explicação dada no vigésimo quinto considerando do Regulamento n.° 44/2001, de que as convenções especiais não são afectadas de modo a permitir aos Estados‑Membros respeitarem os seus compromissos internacionais perante Estados terceiros, o legislador também quis impor, através do artigo 71.° desse regulamento, a aplicação das referidas convenções no próprio seio da União.

    48      Parece, assim, que o artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 visa fazer respeitar as regras que foram aprovadas em consideração das especificidades de uma matéria especial (v., relativamente ao artigo 57.° da Convenção de Bruxelas, acórdãos de 6 de Dezembro de 1994 Tatry, C‑406/92, Colect., p. I‑5439, n.° 24, e de 28 de Outubro de 2004, Nürnberger Allgemeine Versicherung, C‑148/03, Colect., p. I‑10327, n.° 14). Face a este objectivo, o Tribunal de Justiça declarou que as regras enunciadas nessas convenções especiais tinham o efeito de afastar a aplicação das disposições da Convenção de Bruxelas relativas à mesma questão (v., neste sentido, acórdão Tatry, já referido, n.° 25).

    49      Sendo certo que das considerações precedentes decorre que o artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 prevê a aplicação das convenções especiais nas matérias por elas reguladas, não é menos verdade que tal aplicação não pode violar os princípios basilares da cooperação judiciária em matéria civil e comercial no seio da União, tal como os invocados no sexto, décimo primeiro, décimo segundo e décimo quinto a décimo sétimo considerandos do Regulamento n.° 44/2001, relativos à livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, à certeza jurídica dos tribunais competentes e, consequentemente, à segurança jurídica dos cidadãos, à boa administração da justiça, a minimizar o risco de processos concorrentes, bem como à confiança recíproca na administração da justiça no seio da União.

    50      O respeito de cada um desses princípios é necessário ao bom funcionamento do mercado interno, que constitui, como decorre do primeiro considerando do Regulamento n.° 44/2001, a ratiolegis deste regulamento.

    51      O artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 não pode ter um alcance que esteja em conflito com os princípios basilares da legislação de que faz parte. Consequentemente, este artigo não pode ser interpretado no sentido de que, num domínio abrangido por esse regulamento, como o transporte de mercadorias por estrada, uma convenção especial, como a CMR, possa levar a resultados menos favoráveis para o bom funcionamento do mercado interno do que os alcançados pelas disposições do referido regulamento.

    52      Esta constatação é conforme com a jurisprudência constante, segundo a qual as convenções celebradas por Estados‑Membros com Estados terceiros não podem, nas relações entre os Estados‑Membros, ser aplicadas em detrimento dos objectivos do direito da União (v., neste sentido, acórdãos de 22 de Setembro de 1988, Deserbais, 286/86, Colect., p. 4907, n.° 18; de 6 de Abril de 1995, RTE e ITP/Comissão, C‑241/91 P e C‑242/91 P, Colect., p. I‑743, n.° 84; e de 22 de Outubro de 2009, Bogiatzi, C‑301/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 19).

    53      Daqui resulta que as regras de competência judiciária, incluindo as regras de litispendência, previstas nas convenções especiais referidas no artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001, só podem ser aplicadas na União, se oferecerem, como exigido no décimo primeiro, décimo segundo e décimo quinto considerandos do referido regulamento, um elevado nível de certeza jurídica, facilitarem a boa administração da justiça e permitirem reduzir ao mínimo o risco de processos concorrentes.

    54      Relativamente ao reconhecimento e à execução das decisões, os princípios pertinentes são os enunciados no sexto, décimo sexto e décimo sétimo considerandos do Regulamento n.° 44/2001, isto é, o da livre circulação das decisões e da confiança recíproca na administração da justiça (favor executionis) (v., designadamente, acórdãos de 14 de Dezembro de 2006, ASML, C‑283/05, Colect., p. I‑12041, n.° 23; de 10 de Fevereiro de 2009, Allianz e Generali Assicurazioni Generali, C‑185/07, Colect., p. I‑663, n.° 24; e de 28 de Abril de 2009, Apostolides, C‑420/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 73). As regras de reconhecimento e de execução previstas nas convenções especiais referidas no artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 só podem ser aplicadas no seio da União, se esses princípios forem respeitados.

    55      Tendo em conta o referido princípio da confiança recíproca, o Tribunal de Justiça precisou que o tribunal do Estado requerido nunca está mais bem colocado que o tribunal do Estado de origem, para se pronunciar sobre a competência deste. Assim, o Regulamento n.° 44/2001, para além de algumas excepções limitadas, não permite o controlo da competência de um tribunal de um Estado‑Membro pelo tribunal de outro Estado‑Membro (acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali, já referido, n.° 29 e jurisprudência aí referida). Consequentemente, o artigo 31.°, n.° 3, da CMR só pode ser aplicado na União, se permitir atingir os objectivos da livre circulação de decisões em matéria civil e comercial e da confiança recíproca na administração da justiça no seio da União, em condições pelo menos tão favoráveis como as que resultam da aplicação do Regulamento n.° 44/2001.

    56      Face ao exposto, há que responder à primeira e à quinta questão que o artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, num caso como o do processo principal, as regras de competência judiciária, de reconhecimento e de execução previstas numa convenção especial, tal como a regra de litispendência enunciada no artigo 31.°, n.° 2, da CMR e a regra relativa à executoriedade prevista no seu artigo 31.°, n.° 3, são aplicáveis desde que ofereçam um elevado nível de certeza jurídica, facilitem a boa administração da justiça e permitam reduzir ao mínimo o risco de processos concorrentes, e assegurem, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, a livre circulação das decisões em matéria civil e comercial e a confiança recíproca na administração da justiça no seio da União (favor executionis).

     Quanto à interpretação do artigo 31.° da CMR

    57      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o Tribunal de Justiça é competente para interpretar o artigo 31.° da CMR. Na hipótese de resposta afirmativa a esta questão, o referido órgão jurisdicional solicita, com a sua terceira, quarta e sexta questões, interpretações concretas desse artigo.

     Quanto à segunda questão

    58      Tendo em conta o facto de a CMR não conter nenhuma cláusula atributiva de competência ao Tribunal de Justiça, este só pode dar as interpretações solicitadas do artigo 31.° da CMR, se essa atribuição de funções decorrer do artigo 267.° TFUE.

    59      Ora, é jurisprudência constante que o poder de interpretar a título prejudicial, tal como decorre dessa disposição, só abrange as normas que fazem parte do direito da União (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 17 de Julho de 1997, Giloy, C‑130/95, Colect., p. I‑4291, n.° 21; de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, Colect., p. I‑289, n.° 63; e de 1 de Junho de 2006, innoventif, C‑453/04, Colect., p. I‑4929, n.° 29).

    60      Relativamente a acordos internacionais, está assente que os que são celebrados pela União fazem parte integrante da ordem jurídica da União e podem, portanto, ser objecto de um pedido de decisão prejudicial (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 30 de Abril de 1974, Haegeman, 181/73, Colect., p. 251, n.os 3 a 6, Recueil, p. 449; de 30 de Setembro de 1987, Demirel, 12/86, Colect., p. 3719, n.° 7; e de 11 de Setembro de 2007, Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos, C‑431/05, Colect., p. I‑7001, n.° 31).

    61      Em contrapartida, o Tribunal de Justiça, em princípio, não é competente para interpretar, no âmbito de um processo prejudicial, acordos internacionais celebrados entre os Estados‑Membros e Estados terceiros (v., neste sentido, acórdão de 27 de Novembro de 1973, Vandeweghe e o., 130/73, Recueil, p. 1329, n.° 2; despacho de 12 de Novembro de 1998, Hartmann, C‑162/98, Colect., p. I‑7083, n.° 9; e acórdão Bogiatzi, já referido, n.° 24).

    62      Apenas se e quando a União tiver assumido as competências anteriormente exercidas pelos Estados‑Membros no âmbito da aplicação de uma convenção internacional não celebrada pela União, passando as suas disposições, consequentemente, a ser vinculativas para a União é que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar essa convenção (v., entre outros, acórdãos de 12 de Dezembro de 1972, International Fruit Company e o., 21/72 a 24/72, Colect., p. 407, n.° 18; de 3 de Junho de 2008, Intertanko e o., C‑308/06, Colect., p. I‑4057, n.° 48; e Bogiatzi, já referido, n.° 25). Contudo, no caso em apreço, não se pode afirmar que as regras de competência judiciária, de reconhecimento e de execução previstas na CMR vinculem a União. Muito pelo contrário, resulta da interpretação do artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 apresentada no presente acórdão que essas regras previstas na CMR só podem ser aplicadas na União no respeito dos princípios basilares do referido regulamento.

    63      Face ao exposto, há que responder à segunda questão que o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o artigo 31.° da CMR.

     Quanto à terceira, quarta e sexta questões

    64      Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, o Tribunal de Justiça não tem de responder à terceira, quarta e sexta questões.

     Quanto às despesas

    65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

    1)      O artigo 71.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, num caso como o do processo principal, as regras de competência judiciária, de reconhecimento e de execução previstas numa convenção relativa a uma matéria especial, tal como a regra de litispendência enunciada no artigo 31.°, n.° 2, da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, assinada em Genebra, em 19 de Maio de 1956, conforme alterada pelo protocolo assinado em Genebra, em 5 de Julho de 1978, e a regra relativa à executoriedade prevista no seu artigo 31.°, n.° 3, são aplicáveis desde que ofereçam um elevado nível de certeza jurídica, facilitem a boa administração da justiça e permitam reduzir ao mínimo o risco de processos concorrentes, e assegurem, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, a livre circulação das decisões em matéria civil e comercial e a confiança recíproca na administração da justiça no seio da União (favor executionis).

    2)      O Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o artigo 31.° da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada.

    Assinaturas


    * Língua do processo: neerlandês.

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