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Document 62008CJ0061

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 24 de Maio de 2011.
    Comissão Europeia contra República Helénica.
    Incumprimento de Estado - Artigo 43.º CE - Liberdade de estabelecimento - Notários - Requisito de nacionalidade - Artigo 45.º CE - Actividades ligadas ao exercício da autoridade pública -Directiva 89/48/CEE.
    Processo C-61/08.

    Colectânea de Jurisprudência 2011 I-04399

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:340

    Processo C‑61/08

    Comissão Europeia

    contra

    República Helénica

    «Incumprimento de Estado – Artigo 43.° CE – Liberdade de estabelecimento – Notários – Requisito da nacionalidade – Artigo 45.° CE – Actividades ligadas ao exercício da autoridade pública – Directiva 89/48/CEE»

    Sumário do acórdão

    1.        Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Livre prestação de serviços – Derrogações – Actividades que fazem parte do exercício da autoridade pública – Actividades notariais – Exclusão – Requisito da nacionalidade para acesso à profissão de notário – Inadmissibilidade

    (Artigos 43.° CE e 45.°, primeiro parágrafo, CE)

    2.        Acção por incumprimento – Exame do mérito pelo Tribunal de Justiça – Situação a tomar em consideração – Situação no termo do prazo fixado no parecer fundamentado – Situação de incerteza resultante de circunstâncias especiais ocorridas aquando do processo legislativo Inexistência de incumprimento

    (Artigos 43.° CE, 45.°, primeiro parágrafo, CE e 226.° CE; Directiva 2005/36 do Parlamento Europeu e do Conselho)

    1.        Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 43.º CE um Estado‑Membro cuja legislação impõe um requisito de nacionalidade para o acesso à profissão de notário, se as actividades confiadas aos notários na ordem jurídica desse Estado‑Membro não fizerem parte do exercício da autoridade pública na acepção do artigo 45.º, primeiro parágrafo, CE. A este respeito, o artigo 45.º, primeiro parágrafo, CE constitui uma derrogação à regra fundamental da liberdade de estabelecimento que deve ser objecto de uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que esta disposição permite aos Estados‑Membros proteger. Além disso, a derrogação deve restringir‑se apenas às actividades que, consideradas em si mesmas, apresentem uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública.

    Para verificar se as actividades atribuídas aos notários comportam uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública, há que tomar em consideração a natureza das actividades exercidas pelos notários. A este respeito, uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública na acepção do artigo 45.º, primeiro parágrafo, CE não comporta as diferentes actividades exercidas pelos notários, não obstante os efeitos jurídicos importantes conferidos aos seus actos, na medida em que um acordo de vontade entre as partes, a supervisão ou a decisão do juiz revestem uma importância especial.

    Com efeito, por um lado, no que diz respeito aos actos autênticos, só são objecto de autenticação os actos ou as convenções a que as partes livremente aderiram, não podendo assim o notário alterar unilateralmente a convenção que é chamado a autenticar sem ter previamente obtido o consentimento das partes. Além disso, embora seja certo que a obrigação de verificação que incumbe ao notário prossegue um objectivo de interesse geral, contudo, a mera prossecução desse objectivo não pode justificar que as prerrogativas necessárias para esse fim estejam reservadas apenas aos notários nacionais do Estado‑Membro em causa nem ser suficiente para que se considere que uma determinada actividade está directa e especificamente ligada ao exercício da autoridade pública.

    Por outro lado, no que respeita à força executória, embora a aposição pelo notário da fórmula executória no acto autêntico confira a este último força executória, esta assenta na vontade de as partes celebrarem um acto ou uma convenção, depois de o notário verificar a respectiva conformidade com a lei, e de lhes conferir a referida força executória. Do mesmo modo, a força probatória de que goza um acto notarial decorre do regime probatório e não tem, por conseguinte, incidência directa na questão de saber se a actividade ao abrigo da qual esse acto é lavrado, considerada em si mesma, tem uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública, tanto mais que o acto notarial não vincula incondicionalmente o juiz no exercício do seu poder de apreciação, tomando este a sua decisão de acordo com a sua convicção pessoal.

    Sucede o mesmo com outras funções confiadas ao notário no âmbito da execução coerciva, no âmbito da qual lhe incumbe principalmente efectuar a venda em hasta pública e, em caso de adjudicação, elaborar o caderno de encargos, da liquidação especial de empresas em dificuldade, da intervenção do notário no caso de ser recusado o aceite ou o pagamento de letras ou de cheques, das transacções e dos actos, como a constituição e a transferência de direitos reais sobre imóveis, a doação de imóveis, o reconhecimento voluntário da paternidade e os legados, dos actos de constituição das sociedades e das fundações.

    Por último, no que respeita ao estatuto específico dos notários, em primeiro lugar, resulta que a qualidade dos serviços fornecidos pode variar de um notário para outro, em função, nomeadamente, das aptidões profissionais das pessoas em causa que, nos limites das respectivas competências territoriais, os notários exercem a sua profissão em condições de concorrência, o que não constitui uma característica do exercício da autoridade pública. Em segundo lugar, os notários são directa e pessoalmente responsáveis, perante os seus clientes, pelos danos resultantes dos erros cometidos no exercício das suas actividades profissionais.

    (cf. n.os 74, 76‑77, 79‑84, 86‑88, 91‑97, 99‑100, 102‑107, 110)

    2.        Quando, no decurso do processo legislativo, circunstâncias específicas como a não tomada de posição clara do legislador ou a não precisão clara relativamente à determinação do âmbito de aplicação de uma disposição do Direito da União, dêem origem a uma situação de incerteza, não é possível constatar que existia, no termo do prazo concedido no parecer fundamentado, uma obrigação suficientemente clara de os Estados‑Membros transporem uma directiva.

    (cf. n.os 130‑132)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    24 de Maio de 2011 (*)

    «Incumprimento de Estado – Artigo 43.° CE – Liberdade de estabelecimento – Notários – Requisito da nacionalidade – Artigo 45.° CE – Actividades ligadas ao exercício da autoridade pública – Directiva 89/48/CEE»

    No processo C‑61/08,

    que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 13 de Fevereiro de 2008,

    Comissão Europeia, representada por G. Zavvos e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    apoiada por:

    Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por S. Ossowski, na qualidade de agente,

    interveniente,

    contra

    República Helénica, representada por V. Christianos, E.‑M. Mamouna e A. Samoni‑Rantou, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandada,

    apoiada por:

    República Checa, representada por M. Smolek, na qualidade de agente,

    República Francesa, representada por G. de Bergues e B. Messmer, na qualidade de agentes,

    República da Lituânia, representada por D. Kriaučiūnas e E. Matulionytė, na qualidade de agentes,

    República da Eslovénia, representada por V. Klemenc e Ž. Cilenšek Bončina, na qualidade de agentes,

    República Eslovaca, representada por J. Čorba e B. Ricziová, na qualidade de agentes,

    intervenientes,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev (relator) e J‑J. Kasel, presidentes de secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász, G. Arestis, M. Ilešič, C. Toader e M. Safjan, juízes,

    advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

    secretário: M.‑A. Gaudissart, chefe de unidade,

    vistos os autos e após a audiência de 27 de Abril de 2010,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de Setembro de 2010,

    profere o presente

    Acórdão

    1        Através da sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao impor um requisito de nacionalidade para o acesso à profissão de notário e ao não ter transposto, relativamente a esta profissão, a Directiva 89/48/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos (JO 1989, L 19, p. 16), conforme alterada pela Directiva 2001/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Maio de 2001 (JO L 206, p. 1, a seguir «Directiva 89/48»), a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 45.° CE e por força da Directiva 89/48.

     Quadro jurídico

     Direito da União

    2        O considerando 12 da Directiva 89/48 enunciava que «o sistema geral de reconhecimento de diplomas do ensino superior em nada prejudica a aplicação do artigo [45.° CE]».

    3        O artigo 2.° da Directiva 89/48 tinha a seguinte redacção:

    «A presente directiva aplica‑se aos nacionais de um Estado‑Membro que desejem exercer, como independentes ou assalariados, uma profissão regulamentada num Estado‑Membro de acolhimento.

    A presente directiva não se aplica às profissões que sejam objecto de uma directiva específica que institua o reconhecimento mútuo de diplomas entre os Estado‑Membros.»

    4        A profissão de notário não foi objecto de regulamentação do tipo da visada no referido artigo 2.°, segundo parágrafo.

    5        A Directiva 89/48 previa um prazo de transposição que expirava, em conformidade com o disposto no seu artigo 12.°, em 4 de Janeiro de 1991.

    6        A Directiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO L 255, p. 22), revogou, nos termos do seu artigo 62.°, a Directiva 89/48, com efeitos a partir de 20 de Outubro de 2007.

    7        O considerando 41 da Directiva 2005/36 enuncia que esta «não prejudica a aplicação do n.° 4 do artigo 39.° [CE] e do artigo 45.° [CE], designadamente no que diz respeito aos notários».

     Legislação nacional

     Organização geral da profissão de notário

    8        Na ordem jurídica grega, os notários exercem as suas funções no âmbito de uma profissão liberal. A organização desta profissão é regulada pela Lei 2830/2000, de 16 de Março de 2000 (FEK A’ 96/16.3.2000, a seguir «Código dos Notários»).

    9        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do referido código, o notário tem por função, nomeadamente, redigir e conservar documentos constitutivos ou que sirvam de provas para certos actos jurídicos, apor a fórmula executória nesses documentos, apor vistos em documentos privados para que adquiram uma data certa e reconhecer assinaturas de qualquer pessoa interessada.

    10      A mesma disposição define o notário como um «agente público não remunerado», no sentido de que é remunerado não pelo Estado mas pelos seus clientes. Cada parte é livre de escolher um notário.

    11      O número de notários, a sua colocação e a sua residência são determinados em conformidade, nomeadamente, com os artigos 2.° e 17.° do Código dos Notários. Esta primeira disposição prevê que os notários exercem as suas funções em toda a área da circunscrição judicial da sua residência.

    12      Em conformidade com o artigo 40.° do Código dos Notários, os honorários dos notários, que comportam uma parte fixa e uma parte que varia em função do valor indicado no acto notarial em causa, são fixados por decisão interministerial dos Ministros da Economia e das Finanças, por um lado, e da Justiça, por outro, sendo a Decisão 100692(1)/2009 a mais recente.

    13      Nos termos do artigo 153.° do Código dos Notários, dois ou vários notários titulares, cuja residência se situe na mesma circunscrição judicial, podem exercer as suas funções através de uma sociedade de direito civil.

    14      Para poder ser nomeado candidato a notário na Grécia, o interessado deve, em conformidade com o artigo 19.° do Código dos Notários, designadamente, ser grego.

     Actividades notariais

    15      No que respeita às diferentes actividades do notário na ordem jurídica grega, é ponto assente que a sua principal função consiste em lavrar actos autênticos. A intervenção do notário pode, assim, ser obrigatória ou facultativa, em função do acto que seja chamado a autenticar. Quando intervém, o notário verifica se estão reunidos todos os requisitos legalmente exigidos para a realização do acto em causa assim como a capacidade jurídica e a capacidade para agir das partes em causa.

    16      Decorre do artigo 438.° do Código de Processo Civil, que figura no capítulo VIII, intitulado «Dos documentos», que o acto autêntico é um documento público lavrado por um agente público e que faz prova plena, oponível a todos, de tudo o que é comprovado como tendo sido efectuado pelo agente ou perante ele.

    17      Os actos notariais gozam de força executória nos termos do artigo 904.°, n.° 2, do Código de Processo Civil. Além disso, esta disposição confere essa força, nomeadamente, às intimações e aos actos reconhecidos por lei como títulos executivos. Para os actos notariais terem força executória, nos termos do artigo 918.° deste mesmo código, o notário deve apor nos mesmos a fórmula executória.

    18      Em conformidade com o artigo 1.°, n.° 2, da Lei 2318/1995, de 19 de Junho de 1995, que aprova o Código relativo à Profissão de dikastikos epimelitos (FEK A´ 126/19.6.1995), o dikastikos epimelitos [funcionário judicial com atribuições específicas na ordem jurídica grega] tem competência, salvo disposição em contrário, para dar execução às decisões judiciais e aos actos ou títulos que revistam a fórmula executória.

    19      Além disso, resulta dos artigos 933.° e seguintes do Código de Processo Civil que todas as impugnações respeitantes aos processos de execução devem ser apresentadas ao juiz.

    20      O papel do notário no âmbito da execução coerciva consiste, em substância, em realizar a venda em hasta pública, em conformidade com os artigos 959.° a 981.°, 988.° e 998.° a 1021.° do Código de Processo Civil.

    21      Segundo as disposições pertinentes do referido código, o título executivo é inicialmente posto em execução por um dikastikos epimelitos, que emite uma intimação para pagamento contra o devedor. Este último tem um prazo para lhe dar execução. Finalmente, no termo deste prazo, e caso o devedor não tenha entretanto cumprido, os bens imóveis em causa são objecto de penhora através de acto do dikastikos epimelitos, que é seguida da transcrição deste acto no serviço das hipotecas. Depois, o dikastikos epimelitos fixa o dia da venda em hasta pública, se a ela houver lugar, nomeia um notário e encarrega‑o de proceder à referida venda. Por último, o notário efectua a venda em hasta pública e, em caso de adjudicação, elabora o caderno de encargos, que contém o valor dos bens que reverte a favor dos credores, e procede, se for caso disso, à graduação dos credores. Em caso de impugnação da validade do título executivo, do processo de execução coerciva ou do crédito, a impugnação é apresentada ao juiz, em conformidade com os artigos 933.° e seguintes do referido código.

    22      Além disso, certas transacções devem ser celebradas através de acto notarial, sob pena de nulidade. Trata‑se, nomeadamente, da constituição e da transferência de direitos reais sobre imóveis. Nos termos do artigo 1033.° do Código Civil, para transferir a propriedade de um imóvel, é necessário haver acordo entre o proprietário e o adquirente, a propósito da transferência da propriedade para este último por uma causa legítima, devendo este acordo ser certificado mediante acto notarial. Existem outros actos cuja validade está sujeita a autenticação notarial, ou seja, nomeadamente, o reconhecimento voluntário da paternidade, a doação de imóveis e os legados.

    23      O notário também intervém em matéria de direito das sociedades. Assim, a título de exemplo, os actos de constituição das sociedades anónimas e das sociedades de responsabilidade limitada assim como certos actos de transformação e de fusão dessas sociedades devem revestir, em conformidade com as disposições pertinentes da Lei 2190/1920, relativa às sociedades anónimas (FEK A’ 37/30.3.1963), e da Lei 3190/1955, relativa às sociedades de responsabilidade limitada (FEK A’ 91/16.4.1955), a forma notarial, sob pena de nulidade. Além disso, a constituição das referidas sociedades está sujeita à aprovação, respectivamente, do Ministro do Desenvolvimento ou do tribunal competente. A sua personalidade jurídica é adquirida através da publicação dos seus estatutos, dos actos de constituição e da decisão administrativa que aprova os estatutos, no registo das sociedades anónimas ou no registo das sociedades de responsabilidade limitada, bem como no Jornal Oficial. De igual modo, a constituição de uma fundação, que deve ser feita através de acto notarial nos termos do artigo 109.° do Código Civil, está sujeita à aprovação da autoridade competente, em conformidade com o artigo 112.° deste código.

     Procedimento pré‑contencioso

    24      Foi apresentada à Comissão uma queixa relativa ao requisito de nacionalidade para o acesso à profissão de notário na Grécia. Depois de ter examinado esta queixa, a Comissão, por carta de 14 de Novembro de 2000, enviou à República Helénica uma notificação para cumprir, para que esta, no prazo de dois meses, lhe apresentasse as suas observações a propósito, por um lado, da conformidade do referido requisito de nacionalidade com o artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE e, por outro, da não transposição da Directiva 89/48, no que respeita à profissão de notário.

    25      Por carta de 27 de Fevereiro de 2001, a República Helénica respondeu à referida notificação para cumprir.

    26      Em 12 de Julho de 2002, a Comissão enviou a este Estado‑Membro uma notificação para cumprir complementar, na qual o acusava de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 45.°, primeiro parágrafo, CE e da Directiva 89/48.

    27      O referido Estado‑Membro respondeu a esta notificação para cumprir complementar, por carta de 8 de Outubro de 2002.

    28      Não tendo ficado convencida com os argumentos invocados pela República Helénica, a Comissão, em 18 de Outubro de 2006, enviou a este Estado‑Membro um parecer fundamentado, no qual concluiu que este não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 43.° CE e 45.°, primeiro parágrafo, CE e da Directiva 89/48. Esta instituição convidou a República Helénica a adoptar as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da sua recepção.

    29      Por carta de 22 de Dezembro de 2006, a República Helénica apresentou os motivos pelos quais considerava que a posição defendida pela Comissão não era procedente.

    30      Foi nestas condições que a Comissão decidiu intentar a presente acção.

     Quanto à acção

     Quanto à admissibilidade da intervenção do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte

    31      A República Helénica considera que o articulado de intervenção do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte é inadmissível porque não contém, em violação das disposições do artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 93.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, conclusões que sustentem as conclusões da Comissão. O referido articulado é também inadmissível porque o Reino Unido se referiu, por um lado, apenas à Directiva 2005/36, quando a presente acção tem por objecto a Directiva 89/48, e, por outro, ao artigo 39.°, n.° 4, CE, embora esta disposição seja alheia ao objecto do litígio.

    32      A este respeito, importa recordar que, segundo o artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, as conclusões do pedido de intervenção se devem limitar a sustentar as conclusões de uma das partes.

    33      Do mesmo modo, o artigo 93.°, n.° 4, do Regulamento de Processo dispõe que o interveniente aceita o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção.

    34      A conclusão a que chega o Reino Unido no seu articulado de intervenção está formulada do seguinte modo:

    «[A] profissão de notário é abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva [2005/36]. Certas actividades exercidas pelos notários só podem ser excluídas do âmbito de aplicação [desta] directiva se o Tribunal de Justiça concluir que estas actividades são abrangidas pela excepção mencionada no considerando 41 da [referida] directiva, nos termos dos artigos 39.°, n.° 4, CE e/ou 45.° CE.»

    35      Há que reconhecer que, na sua acção, a Comissão não conclui pedindo que o Tribunal de Justiça declare que a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 39.°, n.° 4, CE e da Directiva 2005/36.

    36      Contudo, ainda que, literalmente, o objecto da intervenção do Reino Unido assim descrito pareça diferente daquele que pode validamente constar de um articulado de intervenção, resulta de uma leitura global do articulado de intervenção em causa e do contexto em que este último se insere que os argumentos que o Reino Unido apresentou são susceptíveis de contribuir, fornecendo ao litígio esclarecimentos complementares, para o sucesso da acção intentada pela Comissão.

    37      Esta análise não é posta em causa pelas duas objecções formuladas pela República Helénica. Com efeito, quanto às referências feitas à Directiva 2005/36 no referido articulado de intervenção, há que reconhecer que, segundo o Reino Unido, esta directiva reafirma, no essencial, as disposições da Directiva 89/48, que veio substituir.

    38      Foi por este motivo que, nas suas considerações, o referido Estado‑Membro optou por se referir à Directiva 2005/36, deixando subentender que estas são igualmente válidas para a Directiva 89/48.

    39      Além disso, relativamente às referências feitas ao artigo 39.°, n.° 4, CE nesse mesmo articulado de intervenção, há que salientar que o Reino Unido reconhece expressamente que esta disposição não é aplicável ao presente caso, mas sustenta que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a este artigo deve, em contrapartida, ser aplicada por analogia no contexto do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE.

    40      Há assim que considerar que o articulado de intervenção do Reino Unido é admissível.

     Quanto ao primeiro fundamento

     Argumentos das partes

    41      Através do seu primeiro fundamento, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao reservar o acesso à profissão de notário unicamente aos seus próprios nacionais, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 45.°, primeiro parágrafo, CE. Esta instituição precisa que, através do referido fundamento, acusa a República Helénica de ter violado o artigo 43.° CE, uma vez que esta infracção não é justificada pela derrogação prevista no artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE.

    42      A Comissão, a título preliminar, alega que o acesso à profissão de notário não está sujeito a nenhum requisito de nacionalidade em certos Estado‑Membros e que este requisito foi eliminado por outros Estados‑Membros, como o Reino de Espanha, a República Italiana e a República Portuguesa.

    43      Em primeiro lugar, esta instituição recorda que o artigo 43.° CE constitui uma das disposições fundamentais do direito da União que visa garantir o direito ao tratamento nacional a todos os nacionais de um Estado‑Membro que se estabeleçam noutro Estado‑Membro, mesmo que a título secundário, para aí exercerem uma actividade não assalariada, e proíbe qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

    44      A referida instituição e o Reino Unido alegam que o artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE deve ser objecto de uma interpretação autónoma e uniforme (acórdão de 15 de Março de 1988, Comissão/Grécia, 147/86, Colect., p. 1637, n.° 8). Na parte em que prevê uma excepção à liberdade de estabelecimento para as actividades que estão ligadas ao exercício da autoridade pública, este artigo deve, além disso, ser interpretado de forma estrita (acórdão de 21 de Junho de 1974, Reyners, 2/74, Colect., p. 325, n.° 43).

    45      A excepção prevista no artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE deve assim ser restringida às actividades que, em si próprias, constituem a participação directa e específica no exercício do poder público (acórdão Reyners, já referido, n.os 44 e 45). Segundo a Comissão, o conceito de poder público decorre de um poder de decisão que extravase do direito comum, que se traduz na capacidade de agir independentemente da vontade de outros sujeitos ou mesmo contra essa vontade. Em especial, a autoridade pública manifesta‑se, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, através do exercício de poderes para impor obrigações (acórdão de 29 de Outubro de 1998, Comissão/Espanha, C‑114/97, Colect., p. I‑6717, n.° 37).

    46      A Comissão e o Reino Unido são de opinião de que as actividades que estão ligadas ao exercício da autoridade pública devem ser distinguidas das que são exercidas no interesse geral. Com efeito, são atribuídas a diversas profissões competências específicas no interesse geral, que não são suficientes para conferir à sua actividade a natureza de exercício da autoridade pública.

    47      Também ficam excluídas do âmbito de aplicação do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE as actividades que constituem uma assistência ou uma colaboração no funcionamento da autoridade pública (v., neste sentido, acórdão de 13 de Julho de 1993, Thijssen, C‑42/92, Colect., p. I‑4047, n.° 22).

    48      Além disso, a Comissão e o Reino Unido recordam que o artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE visa, em princípio, actividades determinadas, e não uma profissão na sua totalidade, a menos que as actividades em causa não sejam destacáveis do conjunto das que são exercidas no âmbito da referida profissão.

    49      A Comissão procede, em segundo lugar, ao exame das diferentes actividades exercidas pelo notário na ordem jurídica grega.

    50      No que respeita, primeiro, à autenticação dos actos e das convenções, a Comissão alega que o notário se limita a testemunhar a vontade das partes, depois de as ter aconselhado, e a conferir efeitos jurídicos a essa vontade. No exercício desta actividade, o notário não dispõe de poder decisório relativamente às partes. Assim, a autenticação efectuada pelo notário mais não é do que a confirmação de um acordo prévio entre estas últimas. O facto de certos actos deverem obrigatoriamente ser autenticados não é relevante, uma vez que vários procedimentos têm carácter obrigatório, sem, no entanto, constituírem a manifestação do exercício da autoridade pública.

    51      Sucede o mesmo com as especificidades do regime da prova respeitante aos actos notariais, sendo também conferida força probatória comparável a outros actos que não estão abrangidos pelo exercício da autoridade pública, como os autos redigidos pelos guardas‑florestais ajuramentados. O facto de o notário se responsabilizar no momento em que são lavrados os actos notariais também não é pertinente. Com efeito, é o que acontece com a maioria dos profissionais independentes, como os advogados, os arquitectos ou os médicos.

    52      Quanto à força executória dos actos autênticos, a Comissão considera que a aposição da fórmula executória antecede a execução propriamente dita, sem dela fazer parte. Deste modo, esta força executória não confere aos notários o poder para impor obrigações. Por outro lado, as eventuais impugnações são decididas não pelo notário mas pelo juiz.

    53      Segundo, no que respeita às funções notariais em matéria de direito das sociedades e das associações, a Comissão considera que o notário mais não faz do que executar certos requisitos processuais previstos por lei para efeitos da constituição de uma pessoa colectiva. Além disso, estas funções também podem ser exercidas pelos consultores jurídicos e pelos advogados.

    54      Terceiro, as funções notariais em matéria de constituição e de transferência de direitos reais sobre imóveis não implicam o exercício de um poder decisório que extravase do direito comum. Sucede o mesmo com as funções notariais relativas à realização de certos actos, como, nomeadamente, as doações, os reconhecimentos voluntários da paternidade e os legados.

    55      Quarto, a participação do notário na execução coerciva também não traduz um exercício da autoridade pública, estando o seu papel próximo do de um director de vendas em hasta pública.

    56      Por último, a Comissão e o Reino Unido acrescentam que o processo que deu origem ao acórdão de 30 de Setembro de 2003, Colegio de Oficiales de la Marina Mercante Española (C‑405/01, Colect., p. I‑10391), ao qual vários Estados‑Membros se referem nas suas observações escritas, dizia respeito ao exercício, por parte dos capitães e dos imediatos de navios mercantes, de um vasto conjunto de funções de manutenção da segurança, de poderes de polícia, bem como de competências em matéria notarial e de registo civil. Deste modo, o Tribunal de Justiça não teve a ocasião de examinar em pormenor as diferentes actividades exercidas pelos notários, à luz do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE. Por conseguinte, este acórdão não é suficiente para se concluir pela aplicação desta disposição aos notários.

    57      A título preliminar, a República Helénica alega que o presente fundamento improcede na parte em que tem por objecto uma alegada violação conjugada dos artigos 43.° CE e 45.° CE, quando a aplicação de uma destas duas disposições exclui a aplicação da outra.

    58      No que respeita ao conceito de actividades ligadas ao exercício da autoridade pública na acepção do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE, este Estado‑Membro considera que este conceito deve ser interpretado no sentido de que estão abrangidas pela excepção prevista nesta disposição as actividades que comportam a utilização de prerrogativas que escapam ao direito comum. Ora, o Tribunal de Justiça confirmou, no seu acórdão Colegio de Oficiales la Marina Mercante Española, já referido, que a actividade de notário está ligada ao exercício da autoridade pública.

    59      No que respeita à natureza directa e específica da ligação do notário ao exercício da autoridade pública, a República Helénica considera que esta ligação deve ser apreciada a partir de um conjunto de critérios, a saber: em primeiro lugar, a natureza substancial e principal, e não auxiliar ou secundária, das actividades notariais; em segundo lugar, o exercício dessas actividades, de forma regular e habitual, e não esporádica ou excepcional; em terceiro lugar, o referido exercício deve ter por objecto uma parte significativa de todas as actividades em causa; e, em quarto lugar, deve afectar a apreciação da autoridade judiciária (v. acórdão Reyners, já referido, n.° 53, e acórdão de 10 de Dezembro de 1991, Comissão/Grécia, C‑306/89, Colect., p. I‑5863, n.° 7). Ora, estes critérios estão preenchidos relativamente às actividades exercidas pelo notário na ordem jurídica grega. O papel do notário não pode, assim, ser apreciado unicamente por referência ao exercício de um poder decisório, como sugere a Comissão.

    60      A intervenção obrigatória do notário, nomeadamente, na constituição de pessoas colectivas e na transformação da personalidade jurídica destas, na constituição e na transferência de direitos reais sobre bens imóveis e na fiscalização da execução coerciva prova que a actividade do notário está ligada directa e especificamente ao exercício da autoridade pública.

    61      A este respeito, a República Helénica observa, em primeiro lugar, que o notário intervém no acto de constituição de uma fundação, de uma sociedade anónima, de uma sociedade anónima europeia e de uma sociedade de responsabilidade limitada. Além disso, qualquer alteração da personalidade jurídica destas últimas exige a intervenção do notário, sob pena de nulidade. A atribuição de personalidade jurídica a estas, bem como as alterações introduzidas na forma da referida personalidade são prerrogativas da autoridade pública.

    62      Em segundo lugar, a intervenção do notário também é obrigatória para a constituição e a transferência de direitos reais sobre imóveis. Sem acto notarial, não pode haver aquisição do direito de propriedade ou de outros direitos reais. Sucede o mesmo com o reconhecimento voluntário da paternidade, a doação de imóveis entre vivos e os legados.

    63      Em terceiro lugar, o notário intervém obrigatoriamente no processo de execução coerciva, mais concretamente, no âmbito das vendas em hasta pública de bens móveis ou imóveis, de navios e de aeronaves. O notário está assim habilitado, nomeadamente, a proceder à graduação dos credores e à partilha dos fundos entre estes, em caso de penhora. Foram confiadas missões análogas ao notário no âmbito da liquidação especial de empresas em dificuldade. Nessas hipóteses, o notário dispõe, segundo a República Helénica, do poder para impor obrigações.

    64      Em quarto lugar, este Estado‑Membro sublinha que os actos notariais constituem títulos executivos, sem que seja necessária a intervenção prévia do juiz. Para este efeito, deve ser aposta a fórmula executória nos referidos actos. Do mesmo modo, o notário é competente para elaborar a declaração formal de que o devedor recusa aceitar ou pagar letras ou cheques. Estas actividades constituem, segundo a República Helénica, a fase preparatória de uma execução coerciva ou de um recurso aos tribunais.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    –       Considerações preliminares

    65      Através do seu primeiro fundamento, a Comissão acusa a República Helénica de criar obstáculos ao estabelecimento, com vista ao exercício da profissão de notário, dos nacionais dos outros Estados‑Membros no seu território, reservando o acesso a esta profissão aos seus próprios nacionais, em violação do artigo 43.° CE.

    66      Este fundamento tem assim por objecto apenas o requisito de nacionalidade, exigido pela legislação grega em causa, para o acesso à referida profissão, à luz do artigo 43.° CE.

    67      Por conseguinte, há que precisar que o referido fundamento não tem por objecto o estatuto e a organização do notariado na ordem jurídica grega nem os requisitos de acesso, para além do que se refere à nacionalidade, à profissão de notário neste Estado‑Membro.

    68      De resto, importa sublinhar, como a Comissão indicou na audiência, que o primeiro fundamento também não se refere à aplicação das disposições do Tratado CE relativas à livre prestação de serviços. Do mesmo modo, o referido fundamento também não tem por objecto a aplicação das disposições do Tratado relativas à livre circulação dos trabalhadores.

    –       Quanto ao mérito

    69      Há que recordar, em primeiro lugar, que o artigo 43.° CE constitui uma das disposições fundamentais do direito da União (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão Reyners, já referido, n.° 43).

    70      O conceito de estabelecimento, na acepção desta disposição, é um conceito muito amplo, que implica a possibilidade de um nacional da União participar, de modo estável e contínuo, na vida económica de um Estado‑Membro diferente do seu Estado‑Membro de origem, e de dela tirar proveito, favorecendo assim a interpenetração económica e social no interior da União Europeia no domínio das actividades não assalariadas (v., nomeadamente, acórdão de 22 de Dezembro de 2008, Comissão/Áustria, C‑161/07, Colect., p. I‑10671, n.° 24).

    71      A liberdade de estabelecimento reconhecida aos nacionais de um Estado‑Membro no território de outro Estado‑Membro comporta, nomeadamente, o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício nas mesmas condições que as definidas pela legislação do Estado‑Membro de estabelecimento para os seus próprios nacionais (v., nomeadamente, acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, Colect., p. 273, n.° 13, e, neste sentido, acórdão Comissão/Áustria, já referido, n.° 27). Por outras palavras, o artigo 43.° CE proíbe que cada Estado‑Membro preveja na sua legislação, para as pessoas que exercem a liberdade de nele se estabelecer, requisitos para o exercício das suas actividades diferentes dos definidos para os seus próprios nacionais (acórdão Comissão/Áustria, já referido, n.° 28).

    72      O artigo 43.° CE visa, assim, garantir o direito ao tratamento nacional a todos os nacionais de um Estado‑Membro que se estabeleçam noutro Estado‑Membro para aí exercerem uma actividade não assalariada e proíbe qualquer discriminação em razão da nacionalidade, resultante das legislações nacionais, enquanto restrição à liberdade de estabelecimento (acórdão Comissão/França, já referido, n.° 14).

    73      Ora, no presente caso, a legislação nacional controvertida reserva o acesso à profissão de notário aos cidadãos gregos, consagrando assim uma diferença de tratamento em razão da nacionalidade, proibida, em princípio, pelo artigo 43.° CE.

    74      A República Helénica alega, no entanto, que as actividades notariais não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 43.° CE, porque estão ligadas ao exercício da autoridade pública na acepção do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE. Assim, num primeiro momento, há que examinar o alcance do conceito de exercício da autoridade pública na acepção desta última disposição e, num segundo momento, verificar se as actividades confiadas aos notários na ordem jurídica grega são abrangidas por este conceito.

    75      Relativamente ao conceito de «exercício da autoridade pública» na acepção do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE, importa sublinhar que a apreciação deste deve tomar em consideração, segundo jurisprudência constante, o carácter, próprio ao direito da União, dos limites impostos por esta disposição às excepções permitidas ao princípio da liberdade de estabelecimento, para evitar que o efeito útil do Tratado em matéria de liberdade de estabelecimento seja neutralizado por disposições unilaterais adoptadas pelos Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Reyners, n.° 50, e de 15 de Março de 1988, Comissão/Grécia, n.° 8; e acórdão de 22 de Outubro de 2009, Comissão/Portugal, C‑438/08, Colect., p. I‑10219, n.° 35).

    76      É também jurisprudência constante que o artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE constitui uma derrogação à regra fundamental da liberdade de estabelecimento. Como tal, esta derrogação deve ser objecto de uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que esta disposição permite aos Estados‑Membros proteger (acórdãos, já referidos, de 15 de Março de 1988, Comissão/Grécia, n.° 7, e Comissão/Espanha, n.° 34; acórdão de 30 de Março de 2006, Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, C‑451/03, Colect., p. I‑2941, n.° 45; acórdãos de 29 de Novembro de 2007, Comissão/Áustria, C‑393/05, Colect., p. I‑10195, n.° 35, e Comissão/Alemanha, C‑404/05, Colect., p. I‑10239, n.os 37 e 46; e acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.° 34).

    77      Além disso, o Tribunal de Justiça já sublinhou repetidamente que a derrogação prevista no artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE se deve restringir apenas às actividades que, consideradas em si mesmas, apresentem uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública (acórdãos, já referidos, Reyners, n.° 45; Thijssen, n.° 8; Comissão/Espanha, n.° 35; Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, n.° 46; Comissão/Alemanha, n.° 38; e Comissão/Portugal, n.° 36).

    78      A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de considerar que estão excluídas da derrogação prevista no artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE certas actividades que são auxiliares ou preparatórias relativamente ao exercício da autoridade pública (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Thijssen, n.° 22; Comissão/Espanha, n.° 38; Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, n.° 47; Comissão/Alemanha, n.° 38; e Comissão/Portugal, n.° 36), ou certas actividades cujo exercício, embora comporte contactos, ainda que regulares e orgânicos, com autoridades administrativas ou judiciárias, ou uma contribuição, mesmo que obrigatória, para o seu funcionamento, deixe intactos os poderes de apreciação e de decisão das referidas autoridades (v., neste sentido, acórdão Reyners, já referido, n.os 51 e 53), ou ainda certas actividades que não comportam o exercício de poderes decisórios (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Thijssen, n.os 21 e 22; de 29 de Novembro de 2007, Comissão/Áustria, n.os 36 e 42; Comissão/Alemanha, n.os 38 e 44; e Comissão/Portugal, n.os 36 e 41), de poderes para impor obrigações (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão Comissão/Espanha, já referido, n.° 37) ou de poderes de coerção (v., neste sentido, acórdão de 30 de Setembro de 2003, Anker e o., C‑47/02, Colect., p. I‑10447, n.° 61, e acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.° 44).

    79      Há que verificar, à luz das considerações precedentes, se as actividades confiadas aos notários na ordem jurídica grega têm uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública.

    80      Para este efeito, há que tomar em consideração a natureza das actividades exercidas pelos membros da profissão em causa (v., neste sentido, acórdão Thijssen, já referido, n.° 9).

    81      A República Helénica e a Comissão estão de acordo sobre o facto de que a actividade principal dos notários na ordem jurídica grega consiste em lavrar, com as formalidades exigidas, actos autênticos. Para tal, o notário deve verificar, nomeadamente, se estão reunidos todos os requisitos legalmente exigidos para a realização do acto. Além disso, o acto autêntico goza de força probatória e de força executória.

    82      A este respeito, há que sublinhar que são objecto de autenticação, por força da legislação grega, os actos ou as convenções a que as partes livremente aderiram. Com efeito, são estas que decidem, dentro dos limites impostos por lei, do alcance dos respectivos direitos e obrigações e escolhem livremente as estipulações a que se querem submeter quando apresentam para autenticação ao notário um acto ou uma convenção. A intervenção deste pressupõe, assim, a existência prévia de um consentimento ou de um acordo de vontade entre as partes.

    83      Além disso, o notário não pode alterar unilateralmente a convenção que é chamado a autenticar, sem ter previamente obtido o consentimento das partes.

    84      Assim, a actividade de autenticação confiada aos notários não está, em si mesma, directa e especificamente ligada ao exercício da autoridade pública na acepção do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE.

    85      O facto de certos actos ou certas convenções deverem obrigatoriamente ser objecto de autenticação, sob pena de nulidade, não é susceptível de pôr em causa esta conclusão. Com efeito, é frequente que a validade dos actos mais diversos seja submetida, nas ordens jurídicas nacionais e segundo as modalidades previstas, a requisitos formais ou ainda a procedimentos obrigatórios de validação. Esta circunstância não é, assim, suficiente para sustentar a tese defendida pela República Helénica.

    86      A obrigação de os notários verificarem, antes de procederem à autenticação de um acto ou de uma convenção, que estão reunidos todos os requisitos legalmente exigidos para a realização desse acto ou dessa convenção e, se tal não suceder, de recusarem proceder a essa autenticação também não é susceptível de pôr em causa a conclusão acima exposta.

    87      É certo que o notário exerce essa verificação, prosseguindo um objectivo de interesse geral, isto é, garantir a legalidade e a segurança jurídica dos actos celebrados entre particulares. No entanto, a mera prossecução desse objectivo não pode justificar que as prerrogativas necessárias para esse fim estejam reservadas apenas aos notários nacionais do Estado‑Membro em causa.

    88      O facto de agir prosseguindo um objectivo de interesse geral não basta, por si só, para que se considere que uma determinada actividade está directa e especificamente ligada ao exercício da autoridade pública. Com efeito, é ponto assente que as actividades exercidas no âmbito de diversas profissões regulamentadas implicam frequentemente, nas ordens jurídicas nacionais, para as pessoas que as exercem, a obrigação de prosseguirem esse objectivo, sem que essas actividades façam parte, no entanto, do exercício dessa autoridade.

    89      Contudo, o facto de as actividades notariais prosseguirem objectivos de interesse geral, que visam, nomeadamente, garantir a legalidade e a segurança jurídica dos actos celebrados entre particulares, constitui uma razão imperiosa de interesse geral que permite justificar eventuais restrições ao artigo 43.° CE, decorrentes das especificidades próprias da actividade notarial, como sejam o enquadramento de que os notários são objecto através dos processos de recrutamento que lhes são aplicáveis, a limitação do seu número e das suas competências territoriais ou ainda o seu regime de remuneração, de independência, de incompatibilidades e de inamovibilidade, desde que essas restrições permitam alcançar os referidos objectivos e sejam necessárias para esse efeito.

    90      Também é verdade que o notário deve recusar autenticar um acto ou uma convenção que não preencha os requisitos legalmente exigidos, fazendo‑o independentemente da vontade das partes. No entanto, na sequência dessa recusa, estas são livres de corrigir a ilegalidade constatada, de alterar as estipulações do acto ou da convenção em causa, ou ainda de renunciar a esse acto ou a essa convenção.

    91      Relativamente à força probatória e à força executória de que o acto notarial beneficia, não se pode contestar que estas conferem aos referidos actos efeitos jurídicos importantes. No entanto, o facto de uma determinada actividade comportar a elaboração de actos dotados de tais efeitos não basta para que se considere que essa actividade está directa e especificamente ligada ao exercício da autoridade pública na acepção do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE.

    92      Com efeito, no que respeita, em especial, à força probatória de que goza um acto notarial, há que precisar que esta decorre do regime probatório consagrado por lei na ordem jurídica em causa. A força probatória conferida por lei a um determinado acto não tem, portanto, incidência directa na questão de saber se a actividade no âmbito da qual esse acto é lavrado, considerada em si mesma, tem uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública, como exigido pela jurisprudência (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Thijssen, n.° 8, e Comissão/Espanha, n.° 35).

    93      Além disso, não se pode alegar que o acto notarial, devido à sua força probatória, vincula incondicionalmente o juiz, no exercício do seu poder de apreciação, uma vez que está assente que este toma a sua decisão de acordo com a sua convicção pessoal, tomando em consideração todos os factos e provas recolhidos durante o processo judicial.

    94      No que respeita à força executória do acto autêntico, há que indicar, como alega a República Helénica, que permite que a obrigação contida nesse acto seja executada sem a intervenção prévia do juiz.

    95      No entanto, a força executória do acto autêntico não se traduz, para o notário, em poderes que têm uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública. Com efeito, embora a aposição, pelo notário, da fórmula executória no acto autêntico confira a este força executória, esta assenta na vontade de as partes celebrarem um acto ou uma convenção, depois de o notário verificar a respectiva conformidade com a lei, e de lhes conferirem a referida força executória.

    96      Há que verificar igualmente se as outras actividades confiadas ao notário na ordem jurídica grega e às quais a República Helénica se refere estão directa e especificamente ligadas ao exercício da autoridade pública.

    97      No que se refere, em primeiro lugar, às funções confiadas ao notário no âmbito da execução coerciva, há que salientar que lhe incumbe principalmente efectuar a venda em hasta pública e, em caso de adjudicação, elaborar o caderno de encargos, que contém a parte do preço que reverte a favor dos credores, e proceder, se for caso disso, à graduação dos credores.

    98      Contudo, há que constatar, por um lado, que o próprio notário não é competente para proceder à penhora do bem que é objecto da execução coerciva. Por outro lado, as impugnações relativas à validade do título executivo, o processo da execução coerciva ou o crédito devem ser submetidos à apreciação do juiz, em conformidade com os artigos 933.° e seguintes do Código de Processo Civil.

    99      As funções confiadas aos notários no âmbito da execução coerciva são assim exercidas sob a fiscalização do juiz, ao qual o notário deve remeter as eventuais impugnações e que, além disso, decide em última instância. Por conseguinte, não se pode considerar que estas funções estejam ligadas, enquanto tais, directa e especificamente ao exercício da autoridade pública (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Thijssen, n.° 21; de 29 de Novembro de 2007, Comissão/Áustria, n.os 41 e 42; Comissão/Alemanha, n.os 43 e 44; e Comissão/Portugal, n.os 37 e 41).

    100    De resto, impõe‑se a mesma conclusão no que respeita às actividades exercidas pelo notário no âmbito da liquidação especial de empresas em dificuldade, actividades que são análogas, como a própria República Helénica admite, às actividades que são exercidas pelo notário no âmbito das vendas em hasta pública.

    101    Além disso, há que precisar, no que respeita às actividades notariais mencionadas nos n.os 97 a 100 do presente acórdão, que, como foi recordado no n.° 78 deste acórdão, prestações profissionais que impliquem uma contribuição, mesmo que obrigatória, para o funcionamento dos órgãos jurisdicionais não estão, contudo, ligadas ao exercício da autoridade pública (acórdão Reyners, já referido, n.° 51).

    102    No que respeita, em segundo lugar, à intervenção do notário no caso de ser recusado o aceite ou o pagamento de letras ou de cheques, há que salientar, como reconhece expressamente a República Helénica, que esta intervenção, que consiste em redigir um protesto, constitui a fase preparatória de uma execução coerciva ou de um recurso aos tribunais. Ora, as actividades preparatórias relativamente ao exercício da autoridade pública estão, segundo jurisprudência constante, excluídas da derrogação prevista no artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Thijssen, n.° 22; Comissão/Espanha, n.° 38; Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, n.° 47; Comissão/Alemanha, n.° 38; e Comissão/Portugal, n.° 36).

    103    No que respeita, em terceiro lugar, às transacções e aos actos, como a constituição e a transferência de direitos reais sobre imóveis, a doação de imóveis, o reconhecimento voluntário da paternidade e os legados, que devem ser celebrados através de acto notarial, sob pena de nulidade, remete‑se para as considerações que figuram nos n.os 82 a 95 do presente acórdão.

    104    Impõem‑se as mesmas considerações no que respeita, em quarto lugar, aos actos de constituição das sociedades e das fundações, que devem ser lavrados, sob pena de nulidade, através de acto autêntico. Ademais, há que precisar a este propósito que, por um lado, a constituição das referidas entidades está sujeita à aprovação da autoridade competente e que, por outro, estas adquirem personalidade jurídica através da inscrição no respectivo registo, e através da publicação, no Jornal Oficial, dos seus estatutos, dos actos fundadores e da decisão que aprova os estatutos.

    105    No que se refere ao estatuto específico dos notários na ordem jurídica grega, basta recordar, como resulta dos n.os 77 e 80 do presente acórdão, que é à luz da natureza das actividades em causa, consideradas em si mesmas, e não à luz desse estatuto enquanto tal, que há que verificar se essas actividades são abrangidas pela derrogação prevista no artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE.

    106    Impõem‑se, no entanto, duas precisões a este respeito. Primeiro, é ponto assente que, exceptuados os casos em que a designação de um notário é feita por lei, as partes são livres de escolher o notário. Embora seja verdade que os honorários dos notários são fixados por lei, não deixa de ser verdade que a qualidade dos serviços fornecidos pode variar de um notário para outro, em função, nomeadamente, das aptidões profissionais das pessoas em causa. Daqui resulta que, dentro dos limites das respectivas competências territoriais, os notários exercem a sua profissão, como salientou o advogado‑geral no n.° 18 das suas conclusões, em condições de concorrência, o que não constitui uma característica do exercício da autoridade pública.

    107    Segundo, há que salientar, como alega a Comissão, sem ser contradita neste ponto pela República Helénica, que os notários são directa e pessoalmente responsáveis, perante os seus clientes, pelos danos resultantes dos erros cometidos no exercício das suas actividades.

    108    No que respeita ao argumento que a República Helénica retira do acórdão Colegio de Oficiales de la Marina Mercante Española, já referido, há que precisar que o processo que deu origem a esse acórdão tinha por objecto a interpretação do artigo 39.°, n.° 4, CE, e não do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE. Além disso, resulta do n.° 42 do referido acórdão que, quando declarou que as funções confiadas aos capitães e aos imediatos de navios constituem uma actividade ligada ao exercício de prerrogativas de poder público, o Tribunal de Justiça tinha em vista todas as funções exercidas por estes. O Tribunal de Justiça não examinou assim a única atribuição em matéria notarial confiada aos capitães e aos imediatos de navios, ou seja, a recepção, o depósito e a entrega de testamentos, separadamente das suas outras competências, como, por exemplo, os poderes de coerção ou de sanção de que estão investidos.

    109    Quanto ao mais, há que afastar a objecção formulada pela República Helénica a propósito de uma pretensa contradição que afecta o presente fundamento pelo facto de a Comissão a acusar de ter violado simultaneamente o artigo 43.° CE e o artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE. A este respeito, há que constatar que resulta da petição inicial, considerada globalmente e no seu contexto, que a Comissão acusa o Estado‑Membro demandado de ter violado o artigo 43.° CE, sem que esta infracção possa ser justificada à luz do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE. Com efeito, estas duas disposições do Tratado devem ser objecto de um exame conjunto, como decorre de todas as considerações precedentes, uma vez que o artigo 43.° CE constitui a regra à qual o artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE prevê uma derrogação.

    110    Nestas condições, há que concluir que as actividades notariais, conforme definidas no estado actual da ordem jurídica grega, não estão ligadas ao exercício da autoridade pública na acepção do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE.

    111    Por conseguinte, há que declarar que o requisito de nacionalidade exigido pela legislação grega para o acesso à profissão de notário constitui uma discriminação baseada na nacionalidade, proibida pelo artigo 43.° CE.

    112    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que julgar o primeiro fundamento procedente.

     Quanto ao segundo fundamento

     Argumentos das partes

    113    A Comissão acusa a República Helénica de não ter transposto a Directiva 89/48, no que respeita à profissão de notário. Segundo a Comissão, esta profissão não pode ficar excluída do âmbito de aplicação da referida directiva, uma vez que a actividade de notário não está ligada directa e especificamente ao exercício da autoridade pública.

    114    Esta instituição recorda que a Directiva 89/48 permite que os Estados‑Membros prevejam um teste de aptidão ou um estágio de adaptação que sejam susceptíveis de assegurar o elevado nível de qualificação exigido aos notários. Além disso, a aplicação desta directiva não tem por efeito impedir o recrutamento de notários através de concurso, mas apenas permitir o acesso a esse concurso aos nacionais dos outros Estados‑Membros. Tal aplicação também não tem incidência no processo de nomeação dos notários.

    115    Além disso, o facto de a questão da aplicação da referida directiva à profissão de notário nunca ter sido discutida aquando da elaboração desta mesma directiva e de não ter sido adoptada uma directiva sectorial aplicável a esta profissão não constitui um argumento juridicamente válido.

    116    Do mesmo modo, o facto de o legislador da União ter excluído certas actividades do âmbito de aplicação de um acto da União não pode implicar, em si mesmo, a não aplicação da Directiva 89/48 às actividades em questão. Com efeito, tanto o artigo 1.°, n.° 5, alínea d), da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico») (JO L 178, p. 1), como o considerando 41 da Directiva 2005/36 só excluem dos respectivos âmbitos de aplicação as actividades notariais na parte em que tenham uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública. Trata‑se, assim, de uma simples reserva que não tem nenhuma incidência na interpretação do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE. Quanto ao artigo 2.°, n.° 2, alínea l), da Directiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO L 376, p. 36), que exclui as actividades notariais do âmbito de aplicação desta directiva, a Comissão sublinha que o facto de o legislador ter optado por excluir uma determinada actividade do âmbito de aplicação da referida directiva não significa que o artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE seja aplicável a essa actividade.

    117    As Directivas 77/249/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados (JO L 78, p. 17; EE 06 F1 p. 224), e 98/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, tendente a facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional (JO L 77, p. 36), também não são pertinentes porque excluem do seu âmbito de aplicação as actividades notariais, para permitir a certos Estados‑Membros que tenham uma tradição jurídica diferente, como o Reino Unido, recusarem aos advogados provenientes de outros Estados‑Membros o exercício das actividades tipicamente notariais, embora estas sejam exercidas, no Reino Unido, por uma categoria específica de advogados, a saber, os «solicitors».

    118    Por seu turno, a Resolução do Parlamento Europeu de 23 de Março de 2006 sobre as profissões jurídicas e o interesse geral no funcionamento da ordem jurídica (JO C 292E, p. 105, a seguir «Resolução de 2006») constitui um acto puramente político, cujo conteúdo é ambíguo porque, por um lado, no n.° 17 desta resolução, o Parlamento Europeu afirmou que o artigo 45.° CE se deve aplicar à profissão de notário, quando, por outro, no seu n.° 2, confirmou a posição formulada na sua Resolução de 18 de Janeiro de 1994 sobre a situação e organização do notariado nos doze Estados‑Membros da Comunidade (JO C 44, p. 36, a seguir «Resolução de 1994»), na qual manifestava o desejo de que o requisito da nacionalidade para o acesso à profissão de notário, previsto na regulamentação de vários Estados‑Membros, fosse eliminado.

    119    A República Helénica observa, a título preliminar, que a presente acção se refere apenas à Directiva 89/48, e não à Directiva 2005/36, embora esta última tenha revogado a primeira antes de ser intentada a presente acção.

    120    Este Estado‑Membro considera, em primeiro lugar, que a Directiva 89/48 não é aplicável à profissão de notário, como decorre do seu considerando 12. Quanto ao mais, a eventual aplicação desta directiva a esta profissão nunca foi discutida durante a elaboração da referida directiva. Ademais, não existe uma directiva sectorial aplicável à referida profissão, embora outras profissões sejam objecto de tais directivas. Esta interpretação é confirmada por uma série de actos de direito derivado, como os citados nos n.os 116 e 117 do presente acórdão, que excluem a profissão de notário do seu âmbito de aplicação. Além disso, as Resoluções de 1994 e de 2006 comprovam que o legislador da União considera que esta profissão é abrangida pelo artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE.

    121    Em segundo lugar, a República Helénica acusa a Comissão de não ter exposto, de forma clara e exaustiva, todos os elementos de facto e de direito em que assenta a pretensa violação da Directiva 89/48.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    –       Quanto à admissibilidade

    122    É jurisprudência constante que a existência de um incumprimento, no âmbito de uma acção intentada ao abrigo do artigo 226.° CE, deve ser apreciada à luz da legislação da União em vigor no termo do prazo que a Comissão concedeu ao Estado‑Membro em causa para dar cumprimento ao seu parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdãos de 9 de Novembro de 1999, Comissão/Itália, C‑365/97, Colect., p. I‑7773, n.° 32; de 5 de Outubro de 2006, Comissão/Bélgica, C‑275/04, Colect., p. I‑9883, n.° 34; e de 19 de Março de 2009, Comissão/Alemanha, C‑270/07, Colect., p. I‑1983, n.° 49).

    123    No presente caso, o referido prazo terminou em 18 de Dezembro de 2006. Ora, nessa data, a Directiva 89/48 ainda estava em vigor, uma vez que a Directiva 2005/36 só a revogou a partir de 20 de Outubro de 2007. Por conseguinte, uma acção assente na não transposição da Directiva 89/48 não está desprovida de objecto (v., por analogia, acórdão de 11 de Junho de 2009, Comissão/França, C‑327/08, n.° 23).

    124    A objecção formulada pela República Helénica deve, por conseguinte, ser afastada.

    –       Quanto ao mérito

    125    A Comissão acusa a República Helénica de não ter transposto a Directiva 89/48, no que respeita à profissão de notário. Por conseguinte, há que examinar se a referida directiva é aplicável a esta profissão.

    126    A este respeito, há que tomar em consideração o contexto legislativo em que esta se inscreve.

    127    Importa assim salientar que o legislador previu expressamente, no considerando 12 da Directiva 89/48, que o sistema geral de reconhecimento de diplomas do ensino superior, criado por esta, «em nada prejudica a aplicação do artigo [45.° CE]». A reserva assim emitida traduz a vontade do legislador de deixar as actividades abrangidas pelo artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE fora do âmbito de aplicação desta directiva.

    128    Ora, no momento em que a Directiva 89/48 foi adoptada, o Tribunal de Justiça ainda não tinha tido a oportunidade de se pronunciar sobre a questão de saber se as actividades notariais são ou não abrangidas pelo artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE.

    129    Ademais, nos anos que se seguiram à adopção da Directiva 89/48, o Parlamento, nas suas Resoluções de 1994 e de 2006, mencionadas no n.° 118 do presente acórdão, afirmou, por um lado, que o artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE se devia aplicar integralmente à profissão de notário enquanto tal, ao passo que, por outro, manifestou o desejo de que o requisito da nacionalidade para o acesso a esta profissão fosse eliminado.

    130    Além disso, no momento da adopção da Directiva 2005/36, que substituiu a Directiva 89/48, o legislador da União teve o cuidado de precisar, no considerando 41 da primeira destas directivas, que esta não prejudica a aplicação do artigo 45.° CE, «designadamente no que diz respeito aos notários». Ora, ao emitir esta reserva, o legislador da União não tomou posição sobre a aplicabilidade do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE, e, por conseguinte, da Directiva 2005/36, às actividades notariais.

    131    Este facto é, nomeadamente, comprovado pelos trabalhos preparatórios desta última directiva. Com efeito, o Parlamento tinha proposto, na sua Resolução legislativa sobre uma proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO 2004, C 97E, p. 230), adoptada em primeira leitura, em 11 de Fevereiro de 2004, que fosse expressamente indicado no texto da Directiva 2005/36 que esta não se aplica aos notários. Se esta posição não foi incluída na Proposta alterada de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais [COM(2004) 317 final], nem na Posição Comum (CE) n.° 10/2005, de 21 de Dezembro de 2004, adoptada pelo Conselho, deliberando nos termos do procedimento previsto no artigo 251.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tendo em vista a adopção de uma directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO 2005, C 58E, p. 1), não foi pelo facto de a directiva em causa se dever aplicar à profissão de notário, mas, nomeadamente, por «[o] artigo 45.°[, primeiro parágrafo,] do Tratado […] prev[er] uma derrogação ao princípio da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços para as actividades que impliquem uma participação directa e específica no exercício da autoridade pública».

    132    A este respeito, atendendo a todas as circunstâncias específicas que caracterizaram o processo legislativo e a situação de incerteza que dele resultou, como decorre do contexto legislativo acima recordado, não é possível constatar que existia, no termo do prazo concedido no parecer fundamentado, uma obrigação suficientemente clara de os Estados‑Membros transporem a Directiva 89/48, no que respeita à profissão de notário.

    133    Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

    134    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que declarar que, ao impor um requisito de nacionalidade para o acesso à profissão de notário, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 43.° CE e julgar a acção improcedente quanto ao restante.

     Quanto às despesas

    135    Nos termos do artigo 69.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Na medida em que a acção da Comissão só parcialmente foi julgada procedente, cada parte suportará as suas próprias despesas.

    136    Nos termos do disposto no artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, deste mesmo regulamento, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, a República Checa, a República Francesa, a República da Lituânia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca e o Reino Unido suportarão as suas próprias despesas.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

    1)      Ao impor um requisito de nacionalidade para o acesso à profissão de notário, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 43.° CE.

    2)      A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

    3)      A Comissão Europeia, a República Helénica, a República Checa, a República Francesa, a República da Lituânia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportam as suas próprias despesas.

    Assinaturas


    * Língua do processo: grego.

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