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Document 62008CJ0003

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 1 de Outubro de 2009.
    Ketty Leyman contra Institut national d'assurance maladie-invalidité (INAMI).
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal du travail de Nivelles - Bélgica.
    Pedido de decisão prejudicial - Regimes de segurança social - Prestações de invalidez - Regulamento (CEE) 1408/71 - Artigo 40.º, n.º 3 - Regimes de subsídio distintos consoante os Estados-Membros - Desvantagens dos trabalhadores migrantes - Cotizações sem contraprestação.
    Processo C-3/08.

    Colectânea de Jurisprudência 2009 I-09085

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:595

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    1 de Outubro de 2009 ( *1 )

    «Pedido de decisão prejudicial — Regimes de segurança social — Prestações de invalidez — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Artigo 40.o, n.o 3 — Regimes de subsídio distintos consoante os Estados-Membros — Desvantagens dos trabalhadores migrantes — Cotizações sem contraprestação»

    No processo C-3/08,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo tribunal du travail de Nivelles (Bélgica), por decisão de 18 de Dezembro de 2007, entrada no Tribunal de Justiça em 8 de Janeiro de 2008, no processo

    Ketty Leyman

    contra

    Institut national d’assurance maladie-invalidité (INAMI),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, T. von Danwitz, R. Silva de Lapuerta (relatora), G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

    advogado-geral: M. Poiares Maduro,

    secretário: M.-A. Gaudissart, chefe de unidade,

    vistos os autos e após a audiência de 17 de Dezembro de 2008,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de K. Leyman, por E. Piret, avocat,

    em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck, na qualidade de agente,

    em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e M. Noort, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo do Reino Unido, por V. Jackson, na qualidade de agente, assistida por T. Ward, barrister,

    em representação do Conselho da União Europeia, por M. Veiga e D. Canga Fano, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. van Hoof e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 19 de Fevereiro de 2009,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O presente pedido prejudicial tem por objecto o artigo 40.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1408/71,de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento n.o 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 647/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Abril de 2005 (JO L 117, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1408/71 »), e ainda a compatibilidade com o direito comunitário de certos aspectos da legislação belga em matéria de prestações de invalidez.

    2

    Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio entre K. Leyman, de nacionalidade belga, e o Institut national d’assurance maladie-invalidité (INAMI) a respeito da data a partir da qual aquela tem direito a receber um subsídio por invalidez.

    Quadro jurídico

    Regulamentação comunitária

    3

    O artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71 estabelece:

    «1.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.oC e 14.oF, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado-Membro. Esta legislação é determinada de acordo com as disposições do presente título;

    2.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.o a 17.o:

    a)

    A pessoa que exerça uma actividade assalariada no território de um Estado-Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado-Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado-Membro;

    […]»

    4

    O artigo 37.o do Regulamento n.o 1408/71 estabelece:

    «1.   O trabalhador que esteve sujeito sucessiva ou alternadamente às legislações de dois ou mais Estados-Membros e que cumpriu períodos de seguro exclusivamente ao abrigo de legislações nos termos dos quais o montante das prestações de invalidez não depende da duração dos períodos de seguro, beneficia das prestações nos termos do artigo 39°. Este artigo não se aplica às melhorias ou aos suplementos de pensão em relação a descendentes, que são concedidos nos termos do Capítulo VIII.

    2.   O Anexo [IV parte A] menciona, em relação a cada Estado-Membro interessado, as legislações em vigor no respectivo território que são do tipo referido no n.o 1.»

    5

    O artigo 40.o do Regulamento n.o 1408/71 estabelece o seguinte:

    «1.   O trabalhador assalariado ou não assalariado que esteve sujeito sucessiva ou alternadamente a legislações de dois ou mais Estados-Membros, das quais pelo menos uma não é do tipo referido no n.o 1 do artigo 37.o, beneficia das prestações em conformidade com as disposições do Capítulo III, que são aplicáveis por analogia, tendo em conta o disposto no n.o 4.

    2.   Todavia, o interessado que sofra de uma incapacidade para o trabalho seguida de invalidez enquanto estiver sujeito a uma legislação mencionada no Anexo IV, parte A, beneficiará das prestações em conformidade com o disposto no n.o 1 do artigo 37.o, nas seguintes condições:

    preencher as condições exigidas por essa legislação ou outras do mesmo tipo, tendo em conta, se for caso disso, o disposto no artigo 38.o, mas sem que haja necessidade de recorrer a períodos de seguro cumpridos ao abrigo das legislações não mencionadas no Anexo IV, parte A,

    e

    não preencher as condições exigidas para aquisição do direito a prestações de invalidez nos termos de uma legislação não mencionada no Anexo IV, parte A,

    e

    não invocar eventuais direitos a prestações de velhice, tendo em conta o disposto no n.o 2, segunda frase, do artigo 44.o

    a)

    Para determinar o direito às prestações por força da legislação de um Estado-Membro, referida no Anexo IV, parte A, que faça depender a concessão das prestações de invalidez da condição de, durante um determinado período, o interessado ter beneficiado de prestações pecuniárias de doença ou ter estado incapacitado para o trabalho, quando um trabalhador assalariado ou não assalariado que esteve sujeito a essa legislação for atingido por uma incapacidade de trabalho seguida de invalidez enquanto sujeito à legislação de outro Estado-Membro tomar-se-á em conta, sem prejuízo do n.o 1 do artigo 37.o:

    i)

    Qualquer período durante o qual, nos termos da legislação do segundo Estado-Membro, o trabalhador beneficiou, relativamente à mesma incapacidade para o trabalho, de prestações pecuniárias de doença ou, em vez destas, da manutenção do seu salário;

    ii)

    Qualquer período durante o qual o trabalhador beneficiou, nos termos da legislação do segundo Estado-Membro, de prestações na acepção dos Capítulos II e III, relativamente à invalidez que se seguiu àquela incapacidade de trabalho, como se se tratasse de um período durante o qual as prestações pecuniárias de doença lhe tivessem sido concedidas por força da legislação do primeiro Estado-Membro ou durante o qual o trabalhador esteve incapacitado para o trabalho, na acepção dessa legislação;

    b)

    O direito a prestações de invalidez é adquirido, em relação à legislação do primeiro Estado-Membro, quer pela cessação do período prévio de indemnização por doença, estabelecido por essa legislação, quer ao cessar o período prévio de incapacidade de trabalho, estabelecido por essa legislação, e o mais cedo:

    i)

    na data de aquisição do direito às prestações referidas na alínea a), subalínea ii), por força da legislação do segundo Estado-Membro,

    ou

    ii)

    no dia seguinte ao último dia em que o interessado tiver direito às prestações pecuniárias de doença, por força da legislação do segundo Estado-Membro.

    4.   A decisão tomada pela instituição de um Estado-Membro em relação ao estado de invalidez do requerente vincula a instituição de qualquer outro Estado-Membro interessado, desde que seja reconhecida no Anexo V a concordância das condições relativas ao estado de invalidez entre as legislações dos Estados-Membros em causa.»

    6

    O Anexo A, parte A, do Regulamento n.o 1408/71 menciona o regime geral de invalidez belga entre as legislações em vigor do tipo das mencionadas no artigo 37.o, n.o 1, do referido regulamento, mas não refere o regime luxemburguês.

    7

    O Anexo V do mesmo regulamento reconhece a concordância entre o regime geral de invalidez belga e o regime de invalidez de operários e empregados do Grão-Ducado do Luxemburgo no que se refere às condições relativas à situação de invalidez.

    Legislação belga e luxemburguesa

    8

    Nos termos do artigo 87.o da Lei belga de 14 de Julho de 1994, relativa ao seguro obrigatório de cuidados de saúde e indemnizações (a seguir «lei de 1994»):

    «O titular […] em estado de incapacidade para o trabalho […] recebe por cada dia útil do período de um ano a contar da data de início da sua incapacidade para o trabalho […] um subsídio designado ‘subsídio de incapacidade primária’.»

    9

    Nos termos do artigo 93.o da Lei de 1994:

    «Quando a incapacidade para o trabalho se prolongar para além do período de incapacidade primária, será pago por cada dia útil de incapacidade para o trabalho […] um subsídio designado ‘subsídio por invalidez’»

    10

    Em direito belga, a pensão de invalidez é independente da duração do período de seguro.

    11

    Em direito luxemburguês, quando a invalidez é reconhecida como definitiva ou permanente, o direito à pensão de invalidez é adquirido a partir do primeiro dia de cessação da actividade profissional. O montante da pensão de invalidez está ligado à duração do período de seguro.

    12

    A Convenção belgo-luxemburguesa relativa à segurança social dos trabalhadores transfronteiriços e o protocolo final, assinados em Arlon em 24 de Março de 1994 e aprovados pela Lei de 28 de Abril de 1995 (Moniteur belge de 7 de Junho de 1995, p. 16139), prevê, relativamente aos trabalhadores transfronteiriços, o pagamento da indemnização por invalidez belga antes do fim do período de incapacidade primária.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    13

    K. Leyman exerceu uma actividade por conta de outrem na Bélgica de 1971 a 2003. Reside no Luxemburgo desde 1999 e ficou abrangida pelo sistema luxemburguês da segurança social a partir de Agosto de 2003.

    14

    Em 8 de Julho de 2005, as autoridades luxemburguesas competentes declararam K. Leyman incapaz para o trabalho no período de 8 de Julho de 2005 a 29 de Fevereiro de 2012, data em que passará à reforma. Foi-lhe assim concedido um subsídio por invalidez relativo aos períodos de seguro cumpridos no Luxemburgo. O montante mensal da pensão que lhe foi atribuída pela instituição luxemburguesa é de 322,83 euros.

    15

    Em resposta a um pedido de atribuição de um subsídio por invalidez que lhe foi apresentado por K. Leyman relativamente aos períodos de seguro cumpridos na Bélgica, o INAMI, por decisão de 23 de Junho de 2006, concedeu-lhe o subsídio requerido no montante de 737,10 euros por mês, a contar de 8 de Julho de 2006, em conformidade, segundo o referido instituto, com o artigo 40.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71 e com o artigo 93.o da Lei de 1994.

    16

    K. Leyman interpôs no tribunal de reenvio um recurso de anulação da referida decisão da INAMI, pedindo que o subsídio por invalidez que lhe foi concedido lhe fosse pago a contar de 8 de Julho de 2005.

    17

    Foi neste quadro que o Tribunal do Trabalho de Nivelles decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O artigo 40.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71 e o artigo 93.o [da Lei de 14 de Julho de 1994], são contrários ao artigo 18.o CE na medida em que, no caso de um trabalhador que reside e trabalha num país de tipo A (no caso em apreço, a Bélgica) e que se vai instalar num país de tipo B (no caso em apreço, o Grão-Ducado do Luxemburgo), não permitem, durante o primeiro ano de incapacidade para o trabalho, a concessão de um subsídio que leve em conta o período de trabalho e de pagamento de contribuições no país de tipo A (a Bélgica)?

    2)

    O artigo 40.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71 e o artigo 93.o da Lei de 14 de Julho de 1994, são contrários ao artigo 18.o CE na medida em que, no caso de um trabalhador que reside e trabalha num país de tipo A (no caso em apreço, a Bélgica) e que se vai instalar num país de tipo B (no caso em apreço, o Grão Ducado do Luxemburgo), criam uma discriminação em detrimento do trabalhador que exerce o seu direito de livre circulação pelo facto de não lhe permitirem obter, durante o primeiro ano de incapacidade para o trabalho, a concessão de um subsídio que leve em conta o período de trabalho e de pagamento de contribuições no país de tipo A (a Bélgica)?»

    Quanto às questões prejudiciais

    18

    A título liminar, há que notar que, embora as questões colocadas pelo tribunal de reenvio se refiram ao artigo 18.o CE, uma situação como a que é objecto do processo principal entra no âmbito dos artigos 39.o CE e 42.o CE.

    19

    Com efeito, resulta quer da decisão de reenvio quer das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que K. Leyman se instalou no Luxemburgo para aí exercer una actividade por conta de outrem.

    20

    Ora, é jurisprudência assente que o artigo 18.o CE, que enuncia de modo genérico o direito de qualquer cidadão da União circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, tem uma expressão específica no artigo 39.o CE no que respeita à livre circulação de trabalhadores (v. acórdãos de 26 de Abril de 2007, Alevizos, C-392/05, Colect., p. I-3505, n.o 66, e de 11 de Setembro de 2007, Hendrix, C-287/05, Colect., p. I-6969, n.o 61).

    21

    Nestas condições, as questões colocadas deve ser entendidas no sentido de que, em substância, com elas se pretende saber se os artigos 39.o CE e 42.o CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma condição como a prevista no artigo 93.o da Lei de 1994, estabelecida em conformidade com o artigo 40.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, uma vez que essa condição conduz a que uma pessoa como K. Leyman, que, depois de ter trabalhado e residido no território do Reino da Bélgica — cuja legislação é do tipo A — se instalou noutro Estado-Membro — cuja legislação é do tipo B — seja privada de qualquer subsídio por parte da instituição competente do primeiro Estado-Membro durante o primeiro ano de incapacidade para o trabalho e porque a mesma condição cria uma discriminação em detrimento do trabalhador que exerce o seu direito de livre circulação.

    22

    A este respeito, recorde-se, desde logo, que o Regulamento n.o 1408/71, tendo em vista a coordenação dos regimes de seguro de invalidez dos Estados-Membros, estabelece uma distinção entre os trabalhadores que estiveram exclusivamente abrangidos por legislações segundo as quais o montante das prestações é independente da duração dos períodos de seguro (legislações ditas de «tipo A») — situação objecto dos artigos 37.o a 39.o do regulamento — e os trabalhadores que estiveram abrangidos quer exclusivamente a legislações segundo as quais o montante das prestações depende da mencionada duração (legislações ditas de «tipo B»), quer a legislações dos dois tipos, situação que é objecto do artigo 40.o do regulamento.

    23

    Os trabalhadores que se encontram na situação prevista no artigo 40.o do Regulamento n.o 1408/71 beneficiam das prestações de invalidez em conformidade com as disposições do regulamento relativas às situações de velhice e de morte, aplicáveis por analogia.

    24

    Embora o sistema previsto para os trabalhadores que se encontram na situação referida nos artigos 37.o a 39.o do Regulamento n.o 1408/71 implique, no que toca ao presente processo, que um só Estado-Membro determine, em conformidade com a sua ordem jurídica, o direito às prestações de invalidez e as pague, o sistema previsto para os trabalhadores que se encontram na situação prevista no artigo 40.o do regulamento implica, em princípio, que as operações de liquidação das prestações de invalidez devem ser efectuadas nos termos de todas as legislações a que o trabalhador esteve sujeito, e que, eventualmente, o trabalhador receba de todos os Estados-Membros em causa uma prestação de invalidez calculada, nos termos das regras enunciadas no artigo 46.o do mesmo regulamento, em função dos períodos de seguro cumpridos ao abrigo da sua legislação.

    25

    No processo principal, como a recorrente esteve sujeita a uma legislação do tipo A, ou seja, ao regime de seguro de invalidez belga, e a uma legislação do tipo B, ou seja, ao regime de seguro de invalidez luxemburguês, foram efectuadas operações de cálculo e de liquidação pelas autoridades belgas e luxemburguesas competentes em conformidade com o artigo 46.o do Regulamento n.o 1408/71, que determinaram o montante mensal da prestação de invalidez por elas respectivamente devido, montante esse que nem sequer é discutido pelas partes no processo principal.

    26

    Contudo, as partes não estão de acordo no tocante à data a partir da qual a prestação de invalidez devida na Bélgica deveria ter sido paga.

    Quanto ao sistema de seguro de invalidez belga e ao subsídio de incapacidade primária

    27

    Resulta da decisão de reenvio e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, designadamente pelo Governo belga, que o sistema em vigor na Bélgica organiza o seguro de doença e o seguro de invalidez num único conjunto, de forma que o trabalhador incapacitado para o trabalho fica num primeiro momento abrangido por um regime relativo às incapacidades transitórias, só após um certo período sendo abrangido por um regime destinado a cobrir as incapacidades totais ou parciais de longa duração ou definitivas.

    28

    Em particular, na Bélgica, um trabalhador que se encontre numa situação de incapacidade para o trabalho fica abrangido, num primeiro momento, por um regime de seguro de doença pelo período de um ano, no decurso do qual recebe um subsídio dito de «incapacidade primária». Num segundo momento, i.e., após o termo do referido período, se continuar incapacitado para o trabalho, passa a ser abrangido por um regime de seguro de invalidez, recebendo um subsídio por invalidez.

    29

    O referido sistema não opera portanto uma distinção, do ponto de vista da situação do trabalhador, entre incapacidade temporária, como a resultante da doença, e incapacidade definitiva, como a invalidez. A incapacidade temporária e a invalidez apenas se distinguem pelo facto de a invalidez constituir um prolongamento para além de um ano da situação de incapacidade do trabalhador.

    30

    Em contrapartida, o sistema luxemburguês distingue o seguro de doença e o seguro de invalidez, de forma que se o trabalhador for considerado em situação de incapacidade temporária fica abrangido pelo regime do seguro de doença, que confere o direito de receber subsídios por doença, ao passo que se for considerado em situação de incapacidade definitiva ou permanente fica abrangido pelo regime de seguro de invalidez, que dá lugar ao pagamento de subsídios por invalidez.

    31

    Daqui resulta que, nos sistemas em que o seguro de doença e o seguro de invalidez são combinados, como o sistema belga, não se prevê a declaração de invalidez sem um período prévio de incapacidade, e, por conseguinte, o reconhecimento de uma situação de invalidez noutro Estado-Membro, como o Grão-Ducado do Luxemburgo, coloca dificuldades de coordenação dos sistemas de segurança social no caso de, como no processo principal, ser necessário proceder a operações de liquidação em vários sistemas, por aplicação das regras dos artigos 40.o e 46.o do Regulamento n.o 1408/71.

    32

    Com efeito, enquanto de acordo com a legislação luxemburguesa o direito ao subsídio por invalidez se constitui a partir do primeiro dia de incapacidade para o trabalho, segundo a legislação belga esse subsídio só começa a ser pago após o termo do período de um ano durante o qual o trabalhador residente na Bélgica que se encontra em situação de incapacidade para o trabalho recebe o subsídio de incapacidade primária.

    33

    Ora, nestas situações, as autoridades belgas competentes consideram que o artigo 40.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que o direito à prestação de invalidez belga se constitui no termo do período de incapacidade primária de um ano. Além disso, as referidas autoridades não atribuem ao trabalhador um subsídio relativo à incapacidade primária.

    Quanto ao artigo 40.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71

    34

    Importa sublinhar que o artigo 40.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71 se refere ao caso de um trabalhador que esteve abrangido num Estado-Membro por uma legislação do tipo A, que subordina a concessão de prestações de invalidez à condição de o interessado ter beneficiado, durante um período determinado, de prestações pecuniárias por doença ou ter estado incapacitado para o trabalho, quando o referido trabalhador for vítima de incapacidade de trabalho seguida de invalidez estando sujeito à legislação de outro Estado-Membro.

    35

    A coordenação prevista pela referida disposição prevê, em primeiro lugar, que se tenha em conta todo o período durante o qual o trabalhador tenha beneficiado, ao abrigo da legislação do segundo Estado-Membro, quer de prestações pecuniárias de doença ou da manutenção do seu salário por incapacidade para o trabalho, quer de prestações a título da invalidez que se tenha seguido a essa incapacidade para o trabalho, como se se tratasse de um período durante o qual as prestações pecuniárias por invalidez lhe tivessem sido pagas ao abrigo da legislação do primeiro Estado-Membro ou durante o qual esteve incapacitado para o trabalho no sentido dessa disposição (artigo 40.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71).

    36

    Em segundo lugar, prevê-se que o direito às prestações de invalidez se constitui ao abrigo da legislação do primeiro Estado-Membro no termo do período prévio de pagamento de subsídio de doença ou no termo do período prévio de incapacidade para o trabalho previsto por essa legislação, e o mais cedo na data da constituição do direito às prestações de invalidez que se tenha seguido à incapacidade para o trabalho, ao abrigo da legislação do segundo Estado-Membro, ou no dia seguinte ao último dia em que o interessado tiver direito às prestações pecuniárias de doença por força da legislação do segundo Estado-Membro (artigo 40.o, n.o 3, alínea b) do mesmo regulamento).

    37

    Trata-se portanto de dois tipos diferentes de regras de coordenação.

    38

    Por um lado, a regra prevista no artigo 40.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 equipara e totaliza os factos ocorridos durante os períodos cumpridos ao abrigo da legislação do segundo Estado-Membro, para o efeito de verificar se estão preenchidas as condições exigidas pela legislação do primeiro Estado para constituição do direito às prestações de invalidez.

    39

    Por outro lado, a regra enunciada no artigo 40.o, n.o 3, alínea b) do Regulamento n.o 1408/71 fixa um limite temporal para a constituição do direito às prestações de invalidez no primeiro Estado-Membro, concedendo-lhe, nomeadamente, a possibilidade de subordinar a concessão dessas prestações à expiração de um período prévio durante o qual o interessado tenha estado incapacitado para o trabalho ou tenha beneficiado de prestações pecuniárias de doença, possibilidade de que o legislador belga fez uso ao estabelecer, no artigo 93.o da Lei de 1994, o decurso de um período de incapacidade primária de um ano antes da constituição do direito a essas prestações.

    Quanto à livre circulação de trabalhadores

    40

    No que respeita à livre circulação de trabalhadores, importa recordar que o artigo 42.o CE deixa subsistir diferenças entre os regimes de segurança social de cada Estado-Membro e, por conseguinte, entre os direitos das pessoas que neles trabalham. As diferenças de fundo e de processo entre os regimes de segurança social dos Estados-Membros não são por isso afectadas pelo artigo 42.o CE (v. acórdãos de 7 de Fevereiro de 1991, Rönfeldt, C-227/89, Colect., p. I-323, n.o 12, e de 5 de Outubro de 1994, van Munster, C-165/91, Colect. p. I-4661, n.o 18).

    41

    Contudo, é pacífico que a finalidade do artigo 39.o CE não seria atingida se, na sequência do exercício do seu direito de livre circulação, os trabalhadores migrantes tivessem de perder benefícios de segurança social que a legislação de um Estado-Membro lhes assegura. Com efeito, essa consequência poderia dissuadir o trabalhador comunitário de exercer o seu direito à livre circulação e constituiria, por isso, um entrave a essa liberdade (v. acórdãos de 4 de Outubro de 1991, Paraschi, C-349/87, Colect., p. I-4501, n.o 22, e van Munster, já referido, n.o 27).

    42

    Ora, no caso em apreço, há que referir que, embora os artigos 87.o e 93.o da Lei de 1994 não operem uma distinção entre os trabalhadores que exerceram a sua liberdade de circulação e os que não exerceram, a aplicação destes artigos conduz, durante o primeiro ano, a uma desvantagem dos trabalhadores que se encontrem numa situação como a da recorrente no processo principal, em comparação com os trabalhadores que estavam igualmente em situação de incapacidade definitiva ou permanente mas que não exerceram o seu direito de livre circulação.

    43

    Com efeito, enquanto os trabalhadores mencionados em último lugar têm direito ao subsídio de incapacidade primária na Bélgica, K. Leyman não tem direito a esse subsídio nem a um subsídio análogo no Luxemburgo, uma vez que recebe já uma prestação de invalidez neste Estado-Membro.

    44

    Além disso, na medida em que o pagamento do subsídio por invalidez relativamente aos períodos de trabalho e de cotização cumpridos na Bélgica só começa a ser efectuado após o decurso do período de incapacidade primária de um ano, a aplicação dos artigos 87.o e 93.o da Lei de 1994 preconizada pelas autoridades belgas competentes conduz a que os trabalhadores que se encontram numa situação como a de K. Leyman tenham pago cotizações sociais sem contraprestação relativamente ao primeiro ano de incapacidade.

    45

    A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o Tratado CE não garante a um trabalhador que a extensão das suas actividades em mais de um Estado-Membro ou a sua transferência para outro Estado-Membro sejam neutras em matéria de segurança social. Tendo em conta as disparidades entre as legislações de segurança social dos Estados-Membros, essa extensão ou essa transferência podem, conforme o caso, ser mais ou menos vantajosas para o trabalhador, no plano da protecção social. Daqui resulta que, mesmo quando a sua aplicação seja menos favorável, essa legislação é conforme com as disposições dos artigos 39.o CE e 43.o CE se não colocar em desvantagem o trabalhador em causa relativamente aos que exercem todas as suas actividades no Estado-Membro onde ela se aplica, ou relativamente aos que antes já aí estavam sujeitos, e se não conduzir pura e simplesmente ao pagamento de contribuições para a segurança social sem qualquer contraprestação (v. acórdãos de 19 de Março de 2002, Hervein e o., C-393/99 e C-394/99, Colect., p. I-2829, n.o 51, e de 9 de Março de 2006, Piatkowski, C-493/04, Colect., p. I-2369, n.o 34).

    46

    Ora, numa situação como a do processo principal, se a aplicação dos artigos 87.o e 93.o da Lei de 1994 preconizada pelas autoridades belgas competentes conduzir à não atribuição de qualquer prestação ao trabalhador que tenha exercido o seu direito de livre circulação durante o primeiro ano de incapacidade, haverá que concluir que essa aplicação é contrária ao direito comunitário, dado que, por um lado, prejudica esse trabalhador relativamente aos que se encontram na mesma situação de incapacidade definitiva mas não exerceram essa liberdade e, por outro lado, leva a que sejam pagas cotizações sociais sem qualquer contraprestação.

    47

    Há ainda que salientar que, na medida em que, em conformidade com o artigo 40.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1408/71, a concordância das condições relativas à situação de invalidez entre o regime geral de invalidez belga e o regime luxemburguês é reconhecida no anexo V do Regulamento n.o 1408/71, a decisão tomada pelas autoridades luxemburguesas competentes a respeito da referida situação de invalidez impõe-se às autoridades belgas competentes.

    48

    No caso em apreço, a aplicação da legislação nacional em causa no processo principal ao trabalhador migrante, efectuada da mesma forma que ao trabalhador não migrante, tem repercussões imprevistas e pouco compatíveis com a finalidade do artigo 39.o do Tratado, relacionadas com o facto de o direito às prestações de invalidez do trabalhador migrante se reger por duas legislações diferentes, como resulta dos n.os 28 a 33 do presente acórdão (v., por analogia, acórdão van Munster, já referido, n.o 30).

    49

    Perante essa divergência de legislações, o princípio da cooperação leal enunciado no artigo 10.o CE obriga as autoridades competentes dos Estados-Membros a pôr em prática todos os meios de que dispõem para realizar o objectivo do artigo 39.o CE (v. acórdão van Munster, já referido, n.o 32).

    50

    Atento quanto precede, há que responder às questões colocadas que o artigo 39.o CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades competentes de um Estado-Membro apliquem uma legislação nacional que, nos termos do artigo 40.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, faz depender a constituição do direito às prestações de invalidez do decurso de um período de incapacidade primária de um ano, quando essa aplicação tem como consequência que um trabalhador migrante tenha pago ao regime de segurança social desse Estado-Membro cotizações sem nenhuma contraprestação e tenha assim ficado em desvantagem relativamente a um trabalhador não migrante.

    Quanto às despesas

    51

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    O artigo 39.o CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades competentes de um Estado-Membro apliquem uma legislação nacional que, nos termos do artigo 40.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 647/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Abril de 2005, faz depender a constituição do direito às prestações de invalidez do decurso de um período de incapacidade primária de um ano, quando essa aplicação tem como consequência que um trabalhador migrante tenha pago ao regime de segurança social desse Estado Membro cotizações sem nenhuma contraprestação e tenha assim ficado em desvantagem relativamente a um trabalhador não migrante.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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