Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62008CC0399

    Conclusões do advogado-geral Jääskinen apresentadas em 24 de Março de 2010.
    Comissão Europeia contra Deutsche Post AG.
    Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Artigo 87.º CE - Auxílios concedidos pelos Estados-Membros - Medidas adoptadas pela República Federal da Alemanha a favor da Deutsche Post AG - Artigo 86.º CE - Serviços de interesse económico geral - Compensação de custos adicionais originados por uma política de venda com prejuízo no sector dos serviços do transporte de encomendas porta-a-porta - Existência de uma vantagem - Método de verificação utilizado pela Comissão - Ónus da prova - Artigo 230.º CE - Âmbito da fiscalização jurisdicional do Tribunal de Primeira Instância.
    Processo C-399/08 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2010 I-07831

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:160

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    NIILO JÄÄSKINEN

    apresentadas em 24 de Março de 2010 1(1)

    Processo C‑399/08 P

    Comissão Europeia

    contra

    Deutsche Post AG

    «Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Artigo 87.°, n.° 1, CE – Auxílios de Estado – Serviço de interesse económico geral – Ónus da prova – Método de verificação adoptado pela Comissão para analisar a existência de uma vantagem – Poder de fiscalização do Tribunal»





    1.        Através do seu recurso, a Comissão das Comunidades Europeias vem pedir a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 1 de Julho de 2008, Deutsche Post/Comissão (T‑266/02, Colect., p. II‑1233, a seguir «acórdão recorrido»), por meio do qual este anulou a Decisão 2002/753/CE da Comissão, de 19 de Junho de 2002, relativa a medidas adoptadas pela República Federal Alemã a favor da Deutsche Post AG (2).

    2.        Na decisão controvertida, a Comissão considerou que, no âmbito do processo de reestruturação da antiga administração dos correios e telecomunicações alemã, a Deutsche Post AG recebeu pagamentos compensatórios consideráveis provenientes de recursos estatais. Tendo em conta, por um lado, a política de venda com prejuízo no sector do mercado das encomendas postais, sancionada pela Comissão numa decisão de 20 de Março de 2001 (3) que constatou que havia um abuso da posição dominante por parte da Deutsche Post AG, e, por outro, o défice registado pela Deutsche Post AG durante o período analisado, a Comissão considerou que a política agressiva de preços só pode ter sido financiada através dos recursos que a Deutsche Post AG recebeu a título de compensação pela prestação de serviços de interesse económico geral. Por conseguinte, a Comissão concluiu pela existência de um auxílio de Estado ilegal.

    3.        O Tribunal de Primeira Instância declarou que ao considerar que as transferências estatais tinham conferido uma vantagem à Deutsche Post AG, a Comissão violou o artigo 87.° n.° 1, CE (4).

    4.        A principal questão que se coloca no âmbito do presente recurso consiste então em saber qual o método que permite determinar se uma empresa responsável por assegurar funções de serviço de interesse económico geral obteve uma compensação que excedeu o custo adicional decorrente da prestação do referido serviço, que é susceptível de constituir uma vantagem na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Esta questão insere‑se num debate mais vasto relativo à definição da natureza jurídica da compensação dos custos decorrentes da prestação de um serviço de interesse económico geral.

    I –    Factos, procedimento e acórdão recorrido

    5.        A Deutsche Post AG é uma grande empresa que opera tanto no sector do transporte de correio, no âmbito do qual se encontra numa situação de monopólio, como em dois outros sectores postais, a saber, o do transporte de encomendas e o do transporte de publicações periódicas e de jornais, ambos abertos à concorrência.

    6.        No sector do transporte de encomendas, a Deutsche Post AG assegura, por um lado, serviços de transporte de encomendas entregues directamente nos balcões das estações de correio e, por outro, serviços de transporte de maiores quantidades de encomendas que não são directamente processadas nos balcões das estações de correio (a seguir «sector de encomendas porta–a‑porta»).

    7.        No que respeita ao sector de encomendas porta‑a‑porta, a Deutsche Post AG assegura dois serviços principais, a saber, por um lado, o transporte de encomendas porta‑a‑porta destinado a clientes profissionais que procedem à triagem a montante ou entregam uma quantidade reduzida de encomendas (a seguir «segmento de clientes profissionais»), e, por outro, o transporte de encomendas prestado a empresas de vendas por catálogo que expedem mercadorias encomendadas por catálogo ou por via electrónica (a seguir «segmento das VPC»).

    8.        No âmbito do processo da liberalização e da reestruturação da administração postal, executado nos termos da Lei relativa à organização dos serviços postais (Postverfassungsgesetz), a Deutsche Post AG recebeu transferências efectuadas pela Deutsche Bundepost Telekom (a seguir «DB‑Telekom») para compensar as suas perdas registadas entre 1990 e 1995 (a seguir «transferências efectuadas pela DB‑Telekom»).

    9.        Em 20 de Março de 2001, a Comissão adoptou a Decisão 2001/354 na qual concluiu, em substância, que a Deutsche Post AG violou o artigo 82.° CE por ter abusado da sua posição dominante apenas no segmento das VPC, nomeadamente por ter praticado uma política de venda com prejuízo ao propor preços que eram inferiores aos seus custos suplementares específicos.

    10.      Não tendo sido interposto nenhum recurso, a decisão tornou‑se definitiva. No entanto, o facto de ter praticado preços predatórios e a questão da obtenção de um auxílio de Estado ilegal constituem duas questões distintas.

    11.      Em 19 de Junho de 2002, a Comissão adoptou a decisão controvertida, através da qual analisou, nomeadamente, a ajuda financeira do Estado à Deutsche Post AG. A Comissão considerou que o auxílio público, no montante de 572 milhões de euros (ou seja, 1 118,7 milhões de DEM), concedido à Deutsche Post AG era incompatível com o mercado comum. Por conseguinte, a Comissão ordenou a recuperação do auxílio ilegalmente concedido.

    12.      Tendo a Deutsche Post AG interposto recurso de anulação, o Tribunal de Primeira Instância julgou procedente a acusação da Deutsche Post AG segundo a qual a Comissão não demonstrou que a Deutsche Post AG beneficiou de uma vantagem através das transferências efectuadas pela DB‑Telekom. Por outro lado, depois de declarar que a Comissão violou o artigo 87.°, n.° 1, CE, o Tribunal de Primeira Instância pronunciou‑se, a título exaustivo, sobre a acusação segundo a qual a Comissão concluiu erradamente, em todo o caso, que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom lhe permitiram cobrir os custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo. Depois de analisar os dados quantificados relativos aos referidos custos líquidos adicionais, o Tribunal acolheu julgou igualmente procedente esta acusação.

    II – Quanto ao recurso

    13.      Em apoio do seu recurso, a Comissão invoca os seguintes fundamentos.

    14.      A Comissão alega que o acórdão recorrido violou os artigos 87.°, n.° 1, CE, e 86.°, n.° 2, CE. Considera que estas disposições foram incorrectamente interpretadas pelo Tribunal de Primeira Instância na parte em que declarou que estas excluem a utilização de um método, que aliás não foi contestado no acórdão, que permita, através de uma argumentação lógica e pertinente, concluir pela existência de um auxílio de Estado. Para mais, a Comissão suscita a questão da incompetência do Tribunal de Primeira Instância e alega que o artigo 230.° CE, foi violado, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância excedeu os limites da sua competência e do poder de fiscalização previstos no artigo 230.° CE. A Comissão invoca igualmente que foi violado o artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, por o Tribunal de Primeira Instância não ter fundamentado a sua decisão relativa ao carácter inadequado do método adoptado na decisão controvertida.

    15.      Por outro lado, por carta recebida no Tribunal de Justiça em 9 de Dezembro de 2008, o Bundesverband Internationaler Express‑ und Kurierdienste eV (a seguir «BIEK») entregou uma resposta em apoio da recorrente no presente recurso. Por carta de 4 de Dezembro de 2008, a UPS Deutschland Inc. e a UPS Europa NV (a seguir «UPS») apresentaram conjuntamente uma resposta e um recurso subordinado.

    16.      Atendendo à questão principal suscitada, isto é, ao método que a Comissão podia aplicar no caso vertente, esta última propõe que o Tribunal de Justiça aprecie todos os fundamentos em conjunto.

    17.      No entanto, considero que é oportuno separar os fundamentos consoante tenham por objecto a fundamentação jurídica principal do acórdão recorrido ou a fundamentação deste apresentada a título exaustivo.

    III – Observações preliminares sobre o âmbito da fiscalização jurisdicional dos actos da Comissão em matéria de auxílios de Estado

    18.      Antes de mais, há que recordar que a interpretação do conceito de auxílio de Estado, tal como definido no Tratado, se deve basear em elementos objectivos. Por esta razão, o órgão jurisdicional comunitário deve, em princípio, tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio que lhe é submetido como o carácter técnico ou complexo das considerações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização jurisdicional exaustiva no que respeita à questão de saber se uma medida está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE (5).

    19.      Como realçou o advogado‑geral G. Cosmas nas suas conclusões no processo que deu origem ao acórdão França/Ladbroke Racing e Comissão (6), tanto o Tribunal de Justiça como o Tribunal de Primeira Instância e o juiz nacional, quando chamados a examinar em que medida se justifica ou não qualificar uma medida nacional de auxílio de Estado na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.° 1, CE), devem exercer – por princípio e na medida do possível – uma fiscalização exaustiva em sede de mérito. Esta regra só pode ser afastada se o juiz verificar que estão reunidas condições específicas que excluem uma fiscalização jurisdicional extensiva. Segundo o advogado‑geral G. Cosmas, não se pode afirmar que, quando ocorre uma questão de interpretação e de aplicação do artigo 92.º, n.º 1, do Tratado, estas condições especiais, que limitam as possibilidades de intervenção jurisdicional quanto ao mérito da questão, estejam apriori reunidas.

    20.      Resulta assim do exposto que, no âmbito da fiscalização jurisdicional de medidas, ao abrigo do artigo 87.°, n.° 1, CE, a fiscalização integral constitui a regra, ao passo que a fiscalização restrita constitui uma excepção (7).

    21.      Em segundo lugar, tratando‑se de uma apreciação económica complexa, decorre da jurisprudência que a fiscalização jurisdicional de um acto da Comissão que envolva uma apreciação desse tipo deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e da fundamentação, da exactidão da matéria de facto em que se baseou a opção contestada, da inexistência de erro manifesto na apreciação da matéria de facto e da inexistência de desvio de poder  (8).

    22.      No entanto, importa recordar que, embora o Tribunal de Justiça reconheça à Comissão uma margem de apreciação em matéria económica, tal não implica que o órgão jurisdicional comunitário se deva abster de fiscalizar a interpretação que a Comissão faz de dados de natureza económica (9).

    23.      Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o tribunal comunitário deve não somente verificar a exactidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são susceptíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram (10). Em minha opinião, estes elementos incluem também os métodos aplicados.

    24.      É certo, contudo, que não cabe ao órgão jurisdicional substituir a apreciação da Comissão, no plano económico, pela sua (11).

    25.      É assim à luz destes princípios que convirá analisar os fundamentos invocados no âmbito do presente recurso.

    IV – Quanto ao primeiro fundamento do recurso principal

    A –    Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

    1.      Argumentos das partes

    26.      Por meio da primeira parte do seu primeiro fundamento, a Comissão, apoiada pelo BIEK e pela UPS, alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito na medida em que o acórdão recorrido não se refere a nenhuma insuficiência do método utilizado na decisão controvertida.

    27.      Segundo a Comissão, esta decisão não se baseia numa simples «hipótese». Trata‑se, pelo contrário, de uma conclusão fundamentada, o que significa que a referida decisão chegou a uma conclusão a partir de factos que foram conhecidos através de um raciocínio lógico. Em sua opinião, tratou‑se de um processo de dedução, que permitiu que dos factos A e B se chegasse à conclusão C, processo esse que existe em todas as suas decisões deste tipo. Para ilustrar o seu raciocínio, a Comissão baseia‑se num exemplo, segundo o qual, se for provado que um comboio partiu da estação A sobre uma linha única e que chega como previsto à estação B, pode deduzir‑se que passou pela estação C, situada nessa linha única que liga a estação A e a estação B.

    28.      A Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter qualificado tal dedução de «pressuposto» e de ter anulado a sua decisão sem indicar os erros existentes no acto em causa. Ora, a dedução factual da Comissão baseou‑se na premissa segundo a qual «o dinheiro tem efectivamente de provir de algum lado».

    29.      A este respeito, a Comissão salienta que, na medida em que foi provado, por um lado, que o serviço de encomendas era uma operação realizada com prejuízo e, por outro, que a empresa que presta o serviço de transporte de encomendas não obtinha outros saldos positivos que pudesse imputar ao serviço de encomendas, a única conclusão que se impõe, no entender da Comissão, consiste em considerar que a política desleal de preços da Deutsche Post AG foi financiada através do auxílio de Estado que recebeu.

    30.      A Deutsche Post AG alega, em resposta aos argumentos da Comissão, que o Tribunal de Primeira Instância não está obrigado a indicar as razões pelas quais o método escolhido pela Comissão não é adequado, uma vez que o conceito de auxílio de Estado é um conceito objectivo. Na realidade, a Deutsche Post AG defende que a Comissão não tem poder de apreciação para determinar se uma medida constitui ou não um auxílio de Estado no âmbito da aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE.

    31.      Segundo o Governo alemão, interveniente em apoio da Deutsche Post AG, não se trata de uma simples querela, relativa ao método, que conduz ao mesmo resultado. Na verdade, o método adoptado pela Comissão diferencia‑se do ponto de vista do seu resultado do outro método, que permite apreciar directamente, ou seja, sem efectuar nenhuma dedução pretensamente obrigatória, se existe ou não uma vantagem na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

    32.      Referindo‑se ao acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (12), o Governo alemão salienta, num primeiro momento, que os custos líquidos adicionais originados pelo cumprimento das obrigações de interesse geral que incumbem aos serviços postais devem ser quantificados à luz de determinados parâmetros, e que, num segundo momento, devem ser comparados com os recursos transferidos a título da compensação.

    33.      Por último, o Governo alemão considera que não se trata de um caso de apreciação de relatórios económicos complexos.

    2.      Apreciação

    a)      Qualificação da compensação financeira no âmbito de um serviço de interesse económico geral

    34.      No que respeita à identificação da natureza jurídica da compensação financeira, defrontam‑se, há muitos anos, na jurisprudência duas correntes jurídicas. Trata‑se, por um lado, da abordagem dita «auxílios de Estado» e, por outro, da abordagem dita «compensatória» (13).

    35.      Segundo a abordagem «auxílios de Estado», qualquer financiamento público de uma obrigação de serviço público constitui um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

    36.      Este tipo de financiamento pode, no entanto, ser declarado compatível com o mercado comum, na sequência de um exame efectuado pela Comissão, que se pode basear tanto no artigo 87.°, n.os 2 e 3, CE, como na disposição constante do artigo 86.°, n.° 2, CE. Esta abordagem é ilustrada, nomeadamente, pelos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância FFSA e o./Comissão (14) e SIC/Comissão (15). Depois de ter considerado que uma compensação financeira concedida sob a forma de uma vantagem fiscal constitui um auxílio de Estado, o Tribunal de Primeira Instância julgou, no referido acórdão FFSA e o./Comissão, que a concessão de um auxílio de Estado é susceptível, nos termos do artigo 86.°, n.° 2, CE, de escapar à proibição do seu artigo 87.° CE, quando o auxílio em questão vise apenas compensar os custos adicionais originados pelo cumprimento da missão especial que incumbe à empresa responsável pela gestão de um serviço de interesse económico geral e a sua concessão seja necessária para que a empresa possa garantir as suas obrigações de serviço público em condições de equilíbrio económico (16).

    37.      Segundo a abordagem compensatória que encontra a sua génese nos acórdãos ABDHU (17) e, sobretudo, Ferring (18), as compensações de obrigações de serviço público não constituem auxílios de Estado.

    38.      Só quando a compensação excede os custos adicionais originados pela missão de serviço de público é que o auxílio de Estado é identificado. No referido processo ADBHU, o advogado‑geral C. O. Lenz considerou que, desde que as compensações não ultrapassem os custos anuais das empresas não cobertos e efectivamente verificados, tendo em conta um lucro razoável, não existe uma vantagem na acepção do Tratado (19). O Tribunal de Justiça seguiu o entendimento do advogado‑geral, sublinhando que «não se [tratava], no caso em apreço, de auxílios na acepção do artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE), mas de preços que representam a contrapartida pelas prestações efectuadas pela empresa de recolha ou de eliminação» (20).

    39.      Como observou o advogado‑geral A. Tizzano no processo Ferring, já referido, se o Estado impõe determinadas obrigações de serviço público a uma empresa, a cobertura dos custos adicionais originados pelo cumprimento dessas obrigações não confere nenhuma vantagem à empresa em questão, mas serve para evitar uma injustificada situação de desvantagem em relação aos seus concorrentes (21).

    40.      Uma alteração das normais condições de concorrência só será assim possível, segundo o advogado‑geral A. Tizzano, nos casos em que as compensações excedam o custo líquido adicional originado pelo cumprimento das obrigações de serviço público (22). Quando o financiamento do Estado se limite a compensar uma desvantagem objectiva imposta pelo Estado ao beneficiário, não existe uma vantagem económica susceptível provocar distorções de concorrência (23).

    41.      A abordagem compensatória seguida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Ferring, já referido, foi criticada pelo advogado‑geral P. Léger nas suas conclusões apresentadas no processo Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (24). Em sua opinião, a abordagem compensatória contribui para perturbar as disposições derrogatórias em matéria de auxílios de Estado, porquanto equivale a examinar a compatibilidade do auxílio no âmbito do artigo 87.°, n.° 1, CE (25).

    42.      No entanto, o Tribunal de Justiça, no acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, declarou que, na medida em que as subvenções públicas concedidas a empresas expressamente encarregadas de obrigações de serviço público a fim de compensarem os custos ocasionados pelo cumprimento destas obrigações preencham as quatro condições indicadas no acórdão, tais subvenções não caem sob a alçada do artigo 87.°, n.° 1, CE. Segundo o Tribunal de Justiça, a compensação da obrigação de serviço público não constitui uma vantagem quando não tem «por efeito colocar [as] empresas numa posição concorrencial mais favorável em relação às empresas que lhes fazem concorrência». Ao invés, a intervenção de Estado que não preencha uma ou várias das referidas condições deve ser considerada um auxílio de Estado na acepção desta disposição (26).

    43.      Por último, nas suas conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão GEMO, já referido, o advogado‑geral F. Jacobs propôs que se aplicasse a análise do financiamento estatal dos serviços de interesse geral que depende, por um lado, da natureza da conexão entre o financiamento concedido e os deveres de interesse geral impostos e, por outro, da clareza da definição desses deveres(27). Sublinhou, sobretudo, que a escolha entre a abordagem «auxílios de Estado» e a abordagem compensatória não constitui uma mera questão teórica, mas uma questão que reveste assim consequências processuais importantes (28).

    44.      É certo que, para efeitos do presente processo, a questão crucial continua a ser a de saber se o método escolhido pela Comissão é adequado para identificar uma situação na qual a compensação excede o necessário para remunerar adequadamente os custos adicionais originados pelas obrigações de interesse geral e, por conseguinte, uma eventual vantagem para a empresa.

    45.      Todavia, considero que a escolha do método está indissociavelmente ligada à escolha efectuada pelo Tribunal de Justiça no que respeita à qualificação de uma compensação pelo cumprimento de um serviço público. De facto, em minha opinião, exigir que se identifique um custo líquido adicional contraria a abordagem defendida pela Comissão segundo a qual é possível evitar o cálculo in concreto e basear‑se numa presunção. As observações que se seguem são disso exemplo.

    b)      Dificuldades em identificar os custos de um serviço de interesse económico geral

    46.      Recordo que, no acórdão SFEI e o., o Tribunal de Justiça, a propósito da prestação de serviços de interesse económico geral, considerou que para apreciar se existe uma vantagem económica é necessário determinar qual a remuneração normal das prestações em causa. Uma apreciação desse tipo pressupõe uma análise económica que tenha em conta todos os factores que uma empresa, que actue em condições normais de mercado, deveria ter tido em consideração ao fixar a remuneração dos serviços prestados. A vantagem existe quando uma empresa recebe uma medida estatal que não teria obtido em condições normais de mercado (29).

    47.      O Tribunal de Primeira Instância deparou‑se com dificuldades na identificação dos custos no âmbito do processo FFSA e o./Comissão, já referido, quando se pronunciou sobre a necessidade de criar um sistema de contabilidade analítica para as empresas encarregues de missões de serviço público e que desempenhem simultaneamente actividades de sectores concorrenciais (30).

    48.      No processo FFSA e o./Comissão, foi afastada a hipótese de uma subvenção cruzada, na medida em que o montante do auxílio em causa era inferior aos custos adicionais originados pelo cumprimento da missão de um serviço de interesse económico geral. Por conseguinte, o método utilizado pela Comissão foi considerado adequado para aferir, de forma bastante, que a concessão do auxílio de Estado não teve origem numa subvenção cruzada contrária ao direito comunitário (31).

    49.      Observo que, no processo Chronopost e o./Ufex e o., o Tribunal de Justiça se referiu, em seguida, à análise dos elementos objectivos e verificáveis disponíveis (32), esclarecendo que a identificação de um auxílio de Estado a favor da SFMI‑Chronopost «pode ser excluída se, por um lado, se comprovar que a contrapartida exigida cobre devidamente todos os custos variáveis suplementares ocasionados pelo fornecimento de assistência logística e comercial, uma contribuição adequada aos custos fixos consecutivos à utilização da rede postal e uma remuneração apropriada dos capitais próprios, na medida em que sejam afectados à actividade concorrencial da SFMI Chronopost, e se, por outro, nenhum indício levar a pensar que esses elementos foram subestimados ou fixados de modo arbitrário» (33).

    50.      Ademais, tanto a abordagem compensatória do acórdão Ferring, já referido(34), como os detalhes relativos à compensação constantes na terceira e na quarta condições do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, pugnam a favor da exigência de um cálculo preciso e de uma fiscalização da imputação dos custos (35). A jurisprudência posterior ao referido acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg tem em vista esclarecer as condições acima mencionadas (36).

    51.      Recordo que, na sua Decisão 2005/842/CE, de 28 de Novembro de 2005, relativa à aplicação do n.º 2 do artigo 86.º do Tratado CE aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral (37), a Comissão indicou que o montante da compensação não excedia o necessário para cobrir os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas e o lucro razoável sobre os capitais próprios necessários para executar essas obrigações. Segundo a Comissão, a compensação deve ser efectivamente utilizada para assegurar o funcionamento do serviço de interesse económico geral em causa, sem prejuízo da possibilidade de a empresa ter um lucro razoável (38). Resulta igualmente desta decisão que os custos a tomar em consideração devem incluir todos os custos ocasionados pela gestão do serviço de interesse económico geral (39).

    52.      No que respeita ao método de cálculo a aplicar ao presente caso, resulta do n.º 69 da decisão controvertida que o Governo alemão propôs que os encargos adicionais específicos inerentes ao cumprimento de obrigações de serviço público sejam definidos e calculados como a diferença entre os custos específicos incorridos pela Deutsche Post AG, enquanto antiga empresa pública, com a prestação desses serviços, e os custos habituais resultantes da prestação de serviços comparáveis propostos num contexto concorrencial. Esta proposta remete para o cálculo in concreto e parece aceitável.

    53.      Todavia, segundo determinados autores, essa abordagem pode conduzir a um abuso do conceito de «custo líquido adicional», na acepção do acórdão Ferring, já referido, na medida em que os custos decorrentes de uma falta de eficiência da empresa em questão poderiam ser assumidos pelo Estado‑Membro (40).

    54.      A esse respeito, saliento que a questão da ineficiência, tal como foi colocada, se inscreve no quadro de um debate mais vasto relativo aos sistemas de regulamentação dos preços baseados no princípio da compensação dos custos. De facto, uma ineficiência de um determinado grau é inerente a qualquer sistema desse tipo quando a empresa não seja suficientemente incentivada para minimizar os custos em relação aos quais pretende obter uma compensação (41).

    55.      A solução poderia advir da introdução de um objectivo de aumento da eficiência no âmbito da compensação dos custos de um serviço de interesse económico geral. Constato que a interpretação da quarta condição do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, conduz à tomada em consideração de um critério de eficiência e de optimização dos custos. Em minha opinião, este critério inscreve‑se na lógica do apoio a uma concorrência sã no mercado da União.

    c)      Cálculo efectuado pela Comissão no presente caso

    56.      Há que constatar desde já que, na decisão controvertida, a Comissão não procedeu a um cálculo efectivo dos custos. Aliás, a Comissão justifica a sua abordagem com a racionalização do procedimento. Segundo esta instituição, quando uma boa prática administrativa interna privilegia um método que lhe permite tratar de forma rápida e eficaz as objecções apresentadas pelos queixosos, não cabe ao Tribunal de Primeira Instância decidir, em seu lugar, qual a escolha do método que deve ser aplicado.

    57.      A Comissão concluiu, em resumo, pela existência de um auxílio de Estado, depois de ter verificado a existência de transferências por parte da DB‑Telekom e custos líquidos adicionais originados no sector aberto à concorrência dos serviços de encomendas porta‑a‑porta, e do défice registado pela Deutsche Post AG. Deste modo, a Comissão não procurou determinar a diferença entre os montantes de que a Deutsche Post AG beneficiou e os custos reais suportados pela Deutsche Post AG no âmbito da prestação de um serviço de interesse económico geral, para identificar o custo líquido adicional que constituiria assim uma vantagem.

    58.      No que respeita aos pormenores do cálculo efectuado pela Comissão, considero que foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância declarou que é duvidoso o vínculo entre a política agressiva de preços e a obtenção de transferências estatais.

    59.      Com efeito, a Comissão não provou de modo nenhum a afectação dos montantes em questão ao sector que gerou os prejuízos. Embora, segundo os documentos de que a Comissão dispunha, a antiga Bundespost temesse uma estagnação do volume dos seus envios e uma perda de quotas de mercado e considerasse que a sua posição de líder de mercado estava ameaçada, essas circunstâncias, não provam, em si mesmas, de modo nenhum que as transferências em causa tenham sido utilizadas para financiar a política agressiva de preços.

    60.      Em minha opinião, não se pode excluir que a Deutsche Post AG possa ter tido acesso aos benefícios nos sectores não abertos à concorrência, tais como o monopólio do transporte de correio, para financiar essa política de descontos, que, aliás, é sancionada pela Comissão. Também nada prova que não tenha podido aumentar o seu endividamento.

    61.      Além disso, nas suas alegações, a Deutsche Post AG alega que no período entre 1990 e 1994 tinha direito ao reembolso dos custos líquidos de um serviço de interesse económico geral, independentemente da questão de saber se, depois de 1994, obteve lucros ou prejuízos. Indica igualmente que já consumiu os recursos decorrentes das transferências estatais de 1 de Janeiro de 1995, pelo que os prejuízos que sofreu entre 1995 e 1998 não podem de modo nenhum ser cobertos através de uma compensação.

    62.      A fragilidade do método aplicado pela Comissão é, a este respeito, particularmente impressionante. Com efeito, o cálculo que efectuou devia ter um limite temporal e definir o período durante o qual seria analisada a atribuição da compensação. Idealmente, seria conveniente proceder a um cálculo distinto sobre a rentabilidade de um aspecto escolhido de entre as actividades visadas no balanço da empresa.

    63.      O método escolhido pela Comissão não explica o motivo pelo qual há que presumir, apesar de a situação da Deutsche Post AG se caracterizar simultaneamente, por um lado, por um custo líquido adicional originado por um serviço de interesse económico geral e, por outro, por um défice resultante de uma política agressiva de preços, que os recursos estatais em causa financiaram o défice, quando a sua qualidade de auxílio depende da sua afectação ao referido serviço de interesse económico geral e da sua correlação com os custos desse serviço.

    64.      Além disso, não obstante o défice global da recorrente que a Comissão imputa aos anos abrangidos pelo seu método de cálculo, importa constatar que é inegável que a Deutsche Post AG obteve receitas, embora tenham sido inferiores às despesas.

    65.      Tal como realçado pelo Governo alemão, as despesas incluem tanto os custos líquidos adicionais justificados por obrigações de interesse geral que incumbem aos serviços postais, e que, a esse título, podem ser compensados pelo Estado, como outros custos que, por seu lado, não podem ser objecto de nenhuma compensação.

    66.      Ora, aplicada a outros custos da Deutsche Post AG, a tese de Comissão segundo a qual a política de venda com prejuízo foi necessariamente financiada pelas transferências públicas conduz a um resultado paradoxal. Como o Governo alemão sublinhou, caso se seguisse este raciocínio, nenhuma despesa poderia ser coberta por outras receitas próprias da Deutsche Post AG, porquanto esta registou prejuízos durante o período em questão. Deste modo, todas as despesas deveriam ser financiadas por recursos públicos.

    67.      Por outro lado, como defendido pela Deutsche Post AG nas suas alegações, a Comissão não tomou em consideração o facto de que, na realidade económica, quando não podem ser compensados pelos recursos próprios, os prejuízos imputados a um ano são registados como perdas e imputados no balanço do ano seguinte. Assim, a Comissão não podia considerar que o défice do serviço de encaminhamento de encomendas de porta‑a‑porta era «forçosamente» financiado pelas transferências efectuadas pela DB‑Telekom (42).

    68.      No mesmo sentido, partilho da posição do Tribunal de Primeira Instância na parte em que considerou insuficiente a abordagem da Comissão no que respeita aos encargos herdados do passado da Deutsche Post AG. Atenta a dimensão das actividades da Deutsche Post AG, nomeadamente o seu papel de empresa incumbida do cumprimento de um serviço de interesse económico geral, não se deve a priori negligenciar o impacto desses encargos herdados do passado. Ora, como resulta do n.° 84 do acórdão recorrido, não obstante as informações fornecidas pelo Governo alemão, a Comissão não extraiu conclusões a este respeito.

    69.      Por último, no que respeita às incontestadas dificuldades com que a Comissão se pôde deparar durante a fiscalização do financiamento de um serviço de interesse económico geral, constato que existe uma diferença, por um lado, entre as dificuldades relativas aos dados económicos e a sua apreciação, e, por outro, as dificuldades de ordem administrativa.

    70.      Tratando‑se das dificuldades relacionadas com os dados económicos, não se pode excluir que, em determinadas circunstâncias, o Estado‑Membro em causa não consiga fornecer à Comissão informações precisas referentes, por exemplo, à afectação interna dos custos gerais ou à remuneração adequada dos capitais próprios, na medida em que são afectados às diferentes actividades. Nesse caso, sou da opinião que é possível recorrer à presunção baseada na experiência ou no bom senso.

    71.      No que respeita às dificuldades administrativas, como recordado pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 75 do acórdão recorrido, a Comissão tem poderes para intimar o Estado Membro a fornecer, num determinado prazo, todos os documentos, informações e dados necessários para analisar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum (43). Só se o Estado‑Membro não fornecer as informações requeridas, apesar de ter sido intimado a fazê‑lo pela Comissão, é que esta pode pôr termo ao processo e adoptar uma decisão que declara a compatibilidade ou a incompatibilidade do auxílio com o mercado comum, baseando‑se nos elementos de que dispõe (44).

    72.      Por conseguinte, na falta de intimação, a Comissão não está autorizada a pôr termo ao processo e a adoptar a decisão com base nos elementos de que dispõe.

    d)      Quanto à fundamentação do Tribunal de Primeira Instância

    73.      Em resposta à acusação segundo a qual a Comissão não demonstrou que a Deutsche Post AG beneficiou de uma vantagem, o Tribunal de Primeira Instância recordou, no n.° 78 do acórdão recorrido, as diferentes etapas do raciocínio da Comissão constantes da decisão controvertida. O Tribunal de Primeira Instância recordou igualmente, no mesmo ponto, a posição da Comissão, expressa na audiência (45).

    74.      Ao contrário do a Comissão alega no seu recurso, sou da opinião que, no âmbito do raciocínio que conduziu o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 88 do acórdão recorrido, a concluir que a Comissão não demonstrou a existência de uma vantagem, o Tribunal de Primeira Instância não privilegiou o seu próprio método de cálculo. Na realidade, sublinhou que existiam insuficiências relacionadas com a problemática do alcance do ónus da prova pertencente à Comissão no âmbito do exame dos auxílios de Estado.

    75.      O Tribunal de Primeira Instância analisou o procedimento seguido pela Comissão no presente caso e constatou que esta não verificou se o montante das transferências efectuadas pela DB‑Telekom excedia o montante dos custos líquidos adicionais da Deutsche Post AG que haviam sido identificados.

    76.      Assim sendo, o Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça (46), expôs os motivos pelos quais considerou que a decisão da Comissão padecia de insuficiência e de inexactidão.

    77.      Para mais, no que respeita ao âmbito da fiscalização que pode ser efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, deve notar‑se, à luz da jurisprudência referida nos n.os 18 a 24 das presentes conclusões, que o Tribunal de Primeira Instância recordou, acertadamente, no n.° 90 do acórdão recorrido, que qualificar uma medida de auxílio de Estado, não pode, em princípio, justificar o reconhecimento de um amplo poder de apreciação à Comissão, quando não existam circunstâncias específicas relativas nomeadamente à natureza complexa da intervenção estatal em causa.

    78.      No n.° 91 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância observou, acertadamente, que, embora a jurisprudência tenha reconhecido à Comissão uma certa margem de apreciação quanto à adopção do método mais adequado a fim de se assegurar que não existe uma subvenção cruzada em proveito de actividades concorrenciais, não deixa de ser verdade que a Comissão, em conformidade com o acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, não podia ter qualificado de auxílio de Estado recursos estatais atribuídos como compensação de custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um serviço de interesse económico geral.

    79.      Assim, resulta claramente da primeira frase do n.° 91 do acórdão recorrido que a crítica do Tribunal de Primeira Instância tem por objecto a qualificação jurídica, e não a análise dos factos, feita pela Comissão.

    80.      O Tribunal de Primeira Instância não teve assim de se pronunciar sobre o âmbito do poder de apreciação da Comissão e, por conseguinte, sobre o âmbito do poder de fiscalização do órgão jurisdicional da União à luz das constatações de facto em causa. Pelo contrário, sem se ter pronunciado explicitamente sobre a questão de saber se, no caso concreto, estavam ou não em causa avaliações económicas complexas, o Tribunal de Primeira Instância censurou a Comissão, na segunda frase do n.° 91 do acórdão recorrido, por se ter baseado numa presunção no que respeita à identificação da existência de uma vantagem na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

    81.      Assim sendo, a fundamentação do Tribunal de Primeira Instância mantém‑se dentro dos limites do poder de fiscalização jurisdicional de que este dispõe no âmbito da fiscalização de legalidade.

    82.      Por conseguinte, atentos os elementos que precedem, considero que o Tribunal de Primeira Instância não violou de modo nenhum as disposições dos artigos 87.°, n.° 1, CE, 86.°, n.° 2, CE, e 230.° CE. A questão da violação do artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça também não se coloca. Proponho assim que o Tribunal de Justiça julgue este fundamento improcedente.

    B –    Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

    1.      Argumentos das partes

    83.      No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, a Comissão, apoiada pela UPS, alega que foi sem razão que o Tribunal de Primeira Instância a acusou de não ter analisado todos os elementos de prova. A Comissão impugna assim os n.os 78, 85, 86, 87 e 88 do acórdão recorrido.

    84.      A Comissão aborda, nesse contexto, a questão do ónus da prova. Alega que cabia à recorrente em primeira instância, no âmbito do processo que correu no Tribunal de Primeira Instância, provar a ilegalidade do método utilizado pela Comissão, e que ela própria não está obrigada a provar que o método adoptado pelo Tribunal de Primeira Instância era «impossível».

    2.      Apreciação

    85.      Com esta parte do primeiro fundamento, a Comissão limita‑se a reiterar a sua argumentação relativa à procedência do método que aplicou para constatar a existência de um auxílio ilegal.

    86.      Consequentemente, atendendo à resposta dada à primeira parte do primeiro fundamento, considero que a argumentação da Comissão poderia ser afastada desde já.

    87.      De todo o modo, os pedidos da Comissão formulados no âmbito da segunda parte do fundamento suscitam as seguintes observações da minha parte.

    88.      Antes de mais, recordo que, segundo um princípio geral de direito, cabe a quem alega um direito em juízo fazer prova dos factos que lhe servem de fundamento, regra esta muitas vezes expressa por meio do conhecido brocado latino «ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat» (47).

    89.      Por conseguinte, ao considerar que cabia à Comissão provar que as medidas em questão constituíam um auxílio de Estado ilegal, o Tribunal de Primeira Instância aplicou correctamente as regras que regulam o ónus da prova.

    90.      Quanto ao demais, sublinho que o Tribunal de Primeira Instância julgou, face aos elementos constantes dos autos, que a Comissão não verificou se o montante total das transferências efectuadas pela DB‑Telekom era inferior ao montante total dos custos líquidos adicionais originados por um serviço de interesse económico geral.

    91.      Ao fazê‑lo, o Tribunal de Primeira Instância procedeu a uma apreciação dos factos que o conduziu a concluir que não ficou provada a existência de um auxílio de Estado ilegal. Essa apreciação não constitui, sob reserva de desvirtuação dos elementos de prova nele apresentados, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (48).

    92.      Ora, não tendo a Comissão invocado nenhuma desvirtuação, proponho ao Tribunal de Justiça que a segunda parte do primeiro fundamento seja julgada improcedente.

    C –    Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

    1.      Argumentos das partes

    93.      Depois de ter indicado que o raciocínio seguido pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido é errado, uma vez que não explica em que medida a decisão controvertida é deficiente, a Comissão alega que a argumentação do Tribunal de Primeira Instância não se baseia nem nas acusações apresentadas nem na decisão controvertida. Em sua opinião, a análise do Tribunal de Primeira Instância está viciada por um erro de metodologia, como ilustrado pelo facto de o Tribunal de Primeira Instância ter baseado o seu raciocínio numa afirmação proferida pelo agente da Comissão na audiência. Invoca que o facto de o vocábulo «Consequentemente» figurar no n.° 79 do acórdão recorrido demonstra que o Tribunal de Primeira Instância atribui uma importância determinante a esta afirmação.

    94.      Além disso, a Comissão, apoiada pelo BIEK e pela UPS, observa, por um lado, que o Tribunal de Primeira Instância procedeu a constatações que contrariam o constante dos autos. Segundo a Comissão, «contrariamente à afirmação efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 82 do acórdão recorrido, a decisão constata claramente que ‘as informações que lhe foram fornecidas pela República Federal da Alemanha, segundo as quais o sector das encomendas porta‑a‑porta constitui um serviço de interesse económico geral, não eram fundamentadas’». Ora, a Comissão sublinha que constatou, no n.° 76 da decisão controvertida, que os serviços de encomendas porta‑a‑porta não estavam cobertos pela obrigação de encaminhamento e, consequentemente, pela missão de serviço público.

    95.      Por outro lado, segundo a Comissão, o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância na segunda parte do n.° 82 do acórdão recorrido é errado, na medida em que constata que a Comissão reconheceu, pelo menos implicitamente, que a Deutsche Post AG registou igualmente, à margem dos custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo, custos líquidos adicionais que estavam ligados ao cumprimento de um serviço de interesse económico geral.

    2.      Apreciação

    96.      No que respeita à alegação preliminar da Comissão segundo a qual o Tribunal de Primeira Instância atribuiu, no n.° 78 in fine do acórdão recorrido, uma importância determinante à posição defendida na audiência por um agente da Comissão, basta verificar que o Tribunal de Primeira Instância utilizou esta posição para confirmar a fundamentação da decisão controvertida, constante do início desse mesmo número do acórdão recorrido. De todo o modo, a Comissão não alegou que aquela afirmação é errada.

    97.      Com a terceira parte do primeiro fundamento, a Comissão acusa nomeadamente o Tribunal de Primeira Instância de ter desvirtuado elementos dos autos no âmbito do recurso de anulação, o que constitui uma questão de direito submetida, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça. Convém, assim, analisá‑la.

    98.      Em primeiro lugar, para se poder pronunciar sobre a questão de saber se o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou os dados constantes dos autos, é conveniente comparar o texto do n.° 82 do acórdão recorrido com o da passagem pertinente da decisão controvertida.

    99.      Antes de mais, decorre dos autos que o sector das encomendas de porta‑a‑porta se divide em duas partes, a saber, no segmento de clientes profissionais, que faz a triagem a montante ou entrega uma quantidade reduzida de encomendas, e no da VPC.

    100. No n.° 76 da decisão controvertida, a Comissão explica que o artigo 2.°, n.° 2, ponto 3, do Regulamento sobre as prestações obrigatórias (Postdienst‑Pflichtleistungsverordnung) isenta as pequenas encomendas da obrigação geral de encaminhamento, relativamente às quais foram adoptadas disposições especiais no quadro de acordos específicos com determinados clientes que usam o sistema de auto‑franquia ou que celebraram contratos de cooperação (49).

    101. Ainda que se pudesse admitir que a Comissão constata dessa forma que determinadas prestações pertencentes à primeira parte do sector de encomendas porta‑a‑porta ficam excluídas do âmbito de aplicação de um serviço de interesse económico geral, considero que o Tribunal de Primeira Instância se limita a considerar, na primeira parte do n.° 82 do acórdão recorrido, que a Comissão não criticou as informações fornecidas pelo Governo alemão (50).

    102. Consequentemente, ao contrário do que é defendido pela Comissão, o Tribunal de Primeira Instância não desvirtuou de modo nenhum a posição expressa pela Comissão na decisão controvertida.

    103. Em segundo lugar, no que diz respeito à segunda parte do n.° 82 do acórdão recorrido, a formulação empregue pelo Tribunal de Primeira Instância pode efectivamente parecer imprecisa.

    104. No entanto, resulta claramente do raciocínio do Tribunal de Primeira Instância que a constatação criticada se refere à citação do n.° 73 da decisão controvertida (51), na qual a Comissão observou que existia uma parte mínima de custos líquidos adicionais da Deutsche Post AG que não estava relacionada com as obrigações de serviço público.

    105. O Tribunal de Primeira Instância pôde por conseguinte deduzir que a Comissão não excluiu o facto de que a Deutsche Post AG suportava custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um serviço de interesse económico geral. À luz do que precede, proponho que o Tribunal de Justiça julgue igualmente improcedente esta parte do primeiro fundamento.

    V –    Quanto ao segundo fundamento invocado pela Comissão

    1.      Argumentos das partes

    106. Com este fundamento, a Comissão, apoiada pelo BIEK e pela UPS, acusa o Tribunal de Primeira Instância de, em substância, a ter substituído, efectuando, no seu lugar, um exame a que ela em nenhum momento procedeu. Em sua opinião, o Tribunal de Primeira Instância examinou, nos n.os 97 a 109 do acórdão recorrido, informações que não foram objecto de nenhum exame na decisão controvertida e cuja exactidão não foi confirmada.

    107. A Comissão, acompanhada neste ponto especialmente pelo BIEK, acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter comparado os resultados contabilísticos com os pagamentos compensatórios públicos e com os pagamentos remuneratórios. Baseando‑se nessa comparação, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que os preços predatórios não podem ter sido financiados por recursos públicos, na medida em que as compensações financeiras que ascendem a 11 081 milhões de DEM são inferiores à soma das perdas contabilísticas, no montante de 4 945 milhões de DEM, e dos pagamentos remuneratórios, que ascendem a 10 104 milhões de DEM.

    108. Segundo a Comissão, esta argumentação é errada por diversos motivos.

    109. Antes de mais, segundo a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não provou que a Deutsche Post AG podia sobreviver financeiramente sem compensações financeiras. Ora, para considerar que a Deutsche Post AG tinha capacidade para financiar os custos dos preços predatórios com os seus próprios recursos, sem contribuições de fundos públicos, era indispensável que se fizesse essa prova.

    110. Seguidamente, a análise da contabilidade financeira realizada pelo Tribunal de Primeira Instância não permite responder a essa questão. Com efeito, segundo a Comissão, para determinar a forma de financiamento dos preços predatórios, convém analisar, num primeiro momento, o nível das disponibilidades. A questão consiste assim em saber não se os pagamentos compensatórios eram superiores ou inferiores às perdas contabilísticas, mas se os pagamentos compensatórios forneceram à Deutsche Post AG liquidez suficiente para dispor de um fluxo de caixa que lhe permitia financiar a sua política desleal de preços.

    111. Além disso, tendo indicado que a análise do fluxo de caixa devia ser feita para além de 1995, a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância somou os pagamentos remuneratórios e os custos, situação que faz aumentar as perdas contabilísticas. Ora, em sua opinião, os pagamentos remuneratórios não podem ser considerados custos ordinários porque desempenham uma dupla função substituindo impostos e dividendos (52).

    112. Por último, a Comissão realça a necessidade de actualizar as receitas e as despesas com base no mesmo ano, de forma a comparar produtos ou fluxos de caixa durante vários anos.

    2.      Apreciação

    113. No âmbito do segundo fundamento, o qual, atento o seu objecto, deve ser considerado um fundamento separado, a Comissão critica a fundamentação desenvolvida pelo Tribunal de Primeira Instância a título exaustivo na parte em que este examinou a questão de saber se as transferências efectuadas pela DB‑Telekom permitiram à Deutsche Post AG, tendo em conta os prejuízos que registou entre 1990 e 1995, cobrir os pretensos custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo entre 1994 e 1999.

    114. A este respeito, recordo que um fundamento de recurso que tenha por objecto uma fundamentação exaustiva deve ser qualificado de inoperante, porquanto não pode conduzir à anulação do acórdão (53). Os fundamentos de recurso que visam questionar a fundamentação adicional que não constituam uma base necessária da decisão devem igualmente ser rejeitados (54).

    115. Contudo, caso o Tribunal de Justiça venha a considerar que não é claro se este elemento da fundamentação do Tribunal de Primeira Instância tem um carácter exaustivo, não obstante a afirmação feita nesse sentido no n.° 97 do acórdão recorrido, proponho que se adopte um raciocínio alternativo.

    116. No presente processo, o Tribunal de Primeira Instância ultrapassou os seus limites de fiscalização da decisão controvertida quando utilizou dados de ordem económica constantes dos autos para apresentar os seus próprios cálculos.

    117. Considero que, em princípio, não compete ao órgão jurisdicional da União efectuar este tipo de exercício no âmbito do contencioso de legalidade. Parece‑me que tal situação comporta um risco particularmente elevado de o Tribunal de Primeira Instância poder substituir a apreciação da Comissão pela sua e, consequentemente, usurpar de forma ilegal a margem de apreciação daquela (55).

    118. Consequentemente, deve notar‑se que, ao analisar, nos n.os 103 a 108 do acórdão recorrido, os dados financeiros relativos à capacidade das transferências efectuadas pela DB‑Telekom para cobrir os custos adicionais originados pela política de venda com prejuízo conduzida pela Deutsche Post AG entre 1994 e 1999, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito que consiste em substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação.

    119. Contudo, considero que a fundamentação que precede o n.° 97 do acórdão recorrido constitui um fundamento jurídico autónomo e determinante no qual se baseia, acertadamente, a anulação da decisão controvertida.

    120. Por conseguinte, embora este fundamento seja procedente, não pode no entanto conduzir a pôr em causa o acórdão recorrido na parte em que este anulou a decisão controvertida, uma vez que essa anulação se baseia na análise segundo a qual a Comissão não demonstrou de modo juridicamente bastante que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom conferiram uma vantagem, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, à Deutsche Post AG (56).

    VI – Fundamentos invocados pelas outras partes no processo

    A –    Respostas das intervenientes em apoio da Comissão

    121. Para além da sua intervenção em apoio da Comissão, tanto o BIEK como a UPS, apresentam argumentação própria, ainda que maioritariamente coincidente com os fundamentos apresentados pela Comissão.

    122. Essa argumentação está ligada essencialmente à pretensa violação pelo Tribunal de Primeira Instância dos princípios decorrentes da jurisprudência Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, por este não ter declarado que não está preenchida nenhuma das exigências previstas neste último acórdão para poder subtrair as compensações recebidas pela prestação de um serviço de interesse económico geral às regras em matéria de auxílios de Estado. O BIEK acusa igualmente o Tribunal de Primeira Instância de ter violado as condições previstas no acórdão BUPA e o./Comissão, já referido.

    123. Mais concretamente, o BIEK alega que o Tribunal de Primeira Instância violou as regras que regulam o ónus da prova quando, no n.° 86 do acórdão recorrido, censurou a Comissão por esta não se ter certificado de que o montante das transferências efectuadas não excedia os custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um serviço de interesse económico geral.

    124. A UPS, por seu lado, alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito por ter considerado que o apoio conferido à Deutsche Post AG constitui uma «compensação» por um serviço de interesse económico geral (n.° 73 do acórdão recorrido), sem, no entanto, ter verificado se essas prestações de serviços eram efectivamente prestações de serviço de interesse económico geral. A UPS alega igualmente que o Tribunal de Primeira Instância não recorreu às condições previstas no acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg quando concluiu que a Comissão não demonstrou de modo juridicamente bastante que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom conferiram uma vantagem à Deutsche Post AG (n.° 88 do acórdão recorrido).

    B –    Apreciação

    125. Antes de mais, no que respeita à pretensa violação da jurisprudência Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, noto que, nos n.os 68 a 74 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância recordou acertadamente a jurisprudência aplicável, relativa à qualificação do conceito de auxílio de Estado, e, em seguida, a relativa à problemática da compensação que visa financiar obrigações de serviço público. Citou, nomeadamente, as condições definidas no referido acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg.

    126. Importa, no entanto, referir que a análise do Tribunal de Primeira Instância tem por objecto a legalidade da decisão controvertida.

    127. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância recordou, no n.° 94 do acórdão recorrido, que a Comissão se limitou a declarar, na decisão controvertida, que os custos líquidos adicionais originados pela política de venda com prejuízo da Deutsche Post AG não podiam ser objecto de compensação. Em contrapartida, não verificou nem provou que a Deutsche Post AG não registou outros custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um serviço de interesse económico geral, em relação aos quais tinha direito a requerer uma compensação através da totalidade das transferências efectuadas pela DB‑Telekom, nas condições previstas no acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido.

    128. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância declarou, acertadamente, no n.° 95 do acórdão recorrido, que, na medida em que a Comissão não efectuou nenhuma análise nem nenhuma apreciação a este respeito, não compete ao órgão jurisdicional da União substituir‑se à Comissão, efectuando em seu lugar um exame ao qual esta nunca procedeu e tecendo suposições sobre as conclusões a que teria chegado se o tivesse efectuado.

    129. Por último, no que respeita à problemática da violação das regras que regulam o ónus da prova e à não determinação pelo Tribunal de Primeira Instância da natureza das prestações dos serviços prestados pela Deutsche Post AG, estes fundamentos confundem‑se com a segunda parte e com a terceira parte do primeiro fundamento da Comissão. Assim sendo, não há que reexaminá‑los.

    VII – Observações finais

    130. Em minha opinião, a aplicação de uma abordagem compensatória no âmbito do financiamento de um serviço público de interesse geral, como a que foi seguida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, afasta todos os métodos de acordo com os quais não há que proceder a um cálculo que permita identificar os custos do serviço e compará‑los com os montantes pagos a título compensatório. Contudo, se o Tribunal de Justiça vier a optar por uma ou outra variante da abordagem dita «auxílios de Estado», atendendo ao comportamento anti‑concorrencial da empresa beneficiária, não se pode afastar que o auxílio em causa seja considerado incompatível com o mercado interno. No entanto, penso que a abordagem de tipo compensatória já está bem assente na jurisprudência e, no seguimento do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, se justifica mais do que aquelas alternativas.

    131. Atendendo ao exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue o recurso da Comissão bem como o recurso subordinado improcedente no seu conjunto e condene a Comissão nas despesas.

    VIII – Conclusão

    132. Em conclusão, sugiro ao Tribunal de Justiça que:

    –        julgue o recurso da Comissão Europeia e o recurso subordinado improcedente no seu conjunto,

    –        condene a Comissão Europeia nas despesas.



    1 – Língua original: francês.


    2 – JO L 247, p. 27, a seguir «decisão controvertida».


    3 – Decisão 2001/354/CE da Comissão, de 20 de Março de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (Processo COMP/35.141 – Deutsche Post AG) (JO L 125, p. 27).


    4 – Uma vez que o acórdão recorrido foi proferido em 1 de Julho de 2008, as referências às disposições do Tratado CE seguem a numeração aplicável antes da entrada em vigor do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.


    5 – V., neste sentido, acórdãos de 16 de Maio de 2000, França/Ladbroke Racing Ltd e Comissão (C‑83/98 P, Colect., p. I‑3271, n.° 25), e de 1 de Julho de 2008, Chronopost/UFEX e o. (C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colect., p. I 4777, n.° 141, a seguir «Chronopost II»).


    6 – V. n.° 15 das referidas conclusões.


    7 – É uma situação distinta da que prevalece quando é aplicado o artigo 87.°, n.° 3, CE, isto é, quando a Comissão é chamada a pronunciar‑se sobre a compatibilidade de uma medida constitutiva de um auxílio de Estado. V. acórdão de 11 de Setembro de 2008, Alemanha/Kronofrance (C‑75/05 P e C‑80/05 P, Colect., p. I‑6619, n.° 59 assim como a jurisprudência referida).


    8 – V. acórdão Chronopost II (n.° 143).


    9 – Em matéria de concentrações, v. acórdãos de 15 de Fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval (C‑12/03 P, Colect., p. I‑987, n.° 39), e de 22 de Novembro de 2007, Espanha/Lenzing (C‑525/04 P, Colect., p. I‑9947, n.° 56). V. von Danwitz, T., Europäisches Verwaltungsrecht, Springer, Berlin, 2008, p. 361. Segundo o autor, o direito da União Europeia, ao contrário do direito alemão, não distingue, em princípio, por um lado, a margem de apreciação relativa à qualificação dos factos («Beurteilungsspielraum auf Tatbestandsseite») e, por outro, o poder discricionário respeitante às consequências jurídicas («Ermessen auf Rechtsfolgenseite»).


    10 – V., neste sentido, acórdãos de 25 de Janeiro de 1979, Racke (98/78, Colect., p. 53, n.° 5); de 22 de Outubro 1991, Nölle (C‑16/90, Colect., p. I‑5163, n.° 12); Comissão/Tetra Laval, já referido (n.° 39), e de 18 de Julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés/Comissão (C‑326/05 P, Colect., p. I‑ 6557, n.° 76).


    11 – Despacho de 25 de Abril de 2002, DSG/Comissão (C‑323/00 P, Colect., p. I‑3919, n.° 43) e acórdão Espanha/Lenzing, já referido (n.° 57).


    12 – Acórdão de 24 de Julho de 2003 (C‑280/00, Colect., p. I‑7747).


    13 – Nettesheim, M., «Europäische Beihilfeaufsicht und mitgliedstaatliche Daseinsvorsorge», Europäisches Wirtschafts‑ und Steuerrecht, 2002, Heft 6, p. 253. O autor distingue, por um lado, um método que intervém ao nível do exame dos elementos constitutivos do conceito de auxílio de Estado («Tatbestandslösung»), no âmbito do qual as prestações compensatórias não são consideradas auxílios de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, e, por outro, dois outros métodos no âmbito dos quais todas as prestações compensatórias estatais são, a nível conceptual, qualificadas de auxílio, podendo a sua compatibilidade basear‑se no artigo 86.° CE («Spezialitätslösung») ou no artigo 87.º CE («Rechtfertigungslösung»): Quigley, C., European State aid law and policy, Hart, Oxford, 2009, p. 158 e ss. V., igualmente, as conclusões do advogado‑geral F. Jacobs apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 20 de Novembro de 2003, GEMO (C‑126/01, Colect., p. I‑13769, n.os 94 e 95).


    14 – Acórdão de 27 de Fevereiro de 1997 (T‑106/95, Colect., p. II‑229).


    15 – Acórdão de 10 de Maio de 2000 (T‑46/97, Colect., p. II‑2125, n.° 82). O acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España (C‑387/92, Colect., p. I‑877) pode igualmente associar‑se a esta abordagem. V. conclusões no processo GEMO, acima referidas (n.° 99).


    16 – N.º 178.


    17 – Acórdão de 7 de Fevereiro de 1985 (240/83, Recueil, p. 531).


    18 – Acórdão de 22 de Novembro de 2001 (C‑53/00, Colect., p. I‑9067).


    19 – V. as conclusões apresentadas em 22 de Novembro.


    20 – Acórdão ADBHU, já referido (n.° 18).


    21 – V. n.° 61 das conclusões.


    22 – Ibidem (n.° 62).


    23 – Ibidem (n.° 63). No acórdão Ferring, o Tribunal de Justiça afastou a análise do conceito de vantagem seguida pelo Tribunal de Primeira Instância no processo FFSA e o./Comissão, já referido.


    24 – Tal como o advogado‑geral P. Léger defendeu nas suas segundas conclusões de 14 de Janeiro de 2003 no processo Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, a concepção da vantagem que decorre dos Tratados é uma concepção «bruta» do auxílio ou uma teoria da vantagem «aparente». de acordo com essa abordagem, as vantagens conferidas pelas autoridades públicas e a contrapartida disponibilizada ao beneficiário devem ser examinadas separadamente. A existência dessa contrapartida não é importante para determinar se a medida de Estado constitui um auxílio na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Só intervém numa fase posterior da análise, para apreciar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum (v. n.os 33 e 34).


    25 – Segundas conclusões no processo Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (n.° 46).


    26 – Acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido (n.os 87 e 94). Para todos os fins úteis, recordarei que, segundo as condições do referido acórdão: 1) a empresa beneficiária deve efectivamente ser incumbida do cumprimento de obrigações de serviço público e essas obrigações devem estar claramente definidas; 2) os parâmetros com base nos quais será calculada a compensação devem ser previamente estabelecidos de forma objectiva e transparente; 3) a compensação não pode ultrapassar o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como um lucro razoável pela execução destas obrigações e 4) quando a escolha da empresa a encarregar do cumprimento de obrigações de serviço público não seja efectuada através de um processo de concurso público, o nível da compensação necessária deve ser determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas, teria suportado para cumprir estas obrigações, tendo em conta as respectivas receitas assim como um lucro razoável relativo à execução destas obrigações.


    27 – N.° 118. V. igualmente as conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 27 de Novembro de 2003, Enirisorse (C‑34/01 a C‑38/01, Colect., p. I‑14243), nas quais a advogada‑geral C. Stix‑Hackl expressou dúvidas sobre a possibilidade de aplicar a solução Ferring se as obrigações de serviço público não estiverem claramente definidas.


    28 – Conclusões apresentadas no processo GEMO, acima referidas (n.os 110 a 114).


    29 – Acórdão de 11 de Julho de 1996 (C‑39/94, Colect. I‑3547, n.os 60 e 61).


    30 – N.º 186. Noto, a este propósito, que o diploma aplicável ao caso era a Directiva 80/723/CE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35; EE 08 F 2 p. 75).


    31 – Despacho de 25 de Março de 1998, FFSA e o./Comissão (C‑174/97 P, Colect. I‑1303, n.° 33).


    32 – Acórdão de 3 de Julho de 2003 (C‑83/01 P, C‑93/01 P e C‑94/01 P, Colect. I‑6993, a seguir «Chronopost I»). No n.° 38 deste acórdão, o Tribunal de Justiça precisou que, «na ausência de qualquer possibilidade de comparar a situação d[a] La Poste com a de um grupo privado de empresas que não operasse num sector reservado, as ‘condições normais de mercado’, que são necessariamente hipotéticas, devem ser apreciadas por referência aos elementos objectivos e verificáveis que estão disponíveis».


    33 – Ibidem (n.º 40).


    34 – N.° 33.


    35 – Para recordar as condições Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, v. nota de pé de página n.º 26.


    36 – V. acórdãos Enirisorse, já referido, e do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão (T‑289/03, Colect. II‑81, n.° 160), no qual o Tribunal de Primeira Instância declarou que é necessário aplicar de forma flexível o acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, referindo‑se ao espírito e à finalidade das condições que nele figuram.


    37 – JO L 312, p. 67.


    38 – «O montante da compensação deve incluir todas as vantagens concedidas pelo Estado ou através de recursos estatais, independentemente da forma que assumam. O lucro razoável deve tomar em conta a totalidade ou parte dos ganhos de produtividade realizados pelas empresas em causa durante um período estabelecido e limitado, sem diminuir o nível de qualidade dos serviços confiados à empresa pelo Estado.» (Artigo 5.º da decisão).


    39 – A proposta de cálculo com base nos princípios de contabilidade analítica consta da referida decisão.


    40 – V., Nettesheim, M., op. cit.; Bartosch, A., «The ‘Net Additional Costs’ of Discharging Public Service Obligations: The Commission’s Deutsche Post Decision of 19 June 2002», European State Aid Law Quarterly, vol. 1, 2002, n.° 2, p. 189.


    41 – Na doutrina económica fala‑se de «allocative efficiency», v., Netz, J.S., Price regulation, a non technical overview, 1999; v. igualmente, Spulber, D. F., Regulation and markets, MIT, 1989, p. 134.


    42 – Assim, em minha opinião, o exemplo de uma linha de caminho de ferro única referido pela Comissão não é pertinente, porquanto o sistema de financiamento da empresa não constitui um sistema fechado, mas um sistema aberto alimentado por várias fontes de financiamento, entre as quais as dívidas.


    43 – Acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão (C‑301/87, Colect., p. I‑307, n.os 19 e 20, a seguir «acórdão Boussac»). Tal como referido pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 75 do acórdão recorrido, estas exigências foram retomadas no Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO L 83, p. 1).


    44 – V. acórdãos Boussac (n.° 22) e do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Março de 2007, Scott/Comissão (T‑366/00, Colect., p. II‑797, n.° 144).


    45 – Segundo esta posição, não tendo a recorrente provado que cobriu os seus alegados custos líquidos adicionais gerados pela sua política de vendas com prejuízo com outros recursos que não as transferências efectuadas pela DB‑Telekom, a Comissão podia ter presumido com razão que a Deutsche Post AG beneficiou de um auxílio de Estado no montante de 1 118,7 milhões de DEM.


    46 – Aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 53.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.


    47 – Conclusões do advogado‑geral A. Tizzano apresentadas no processo Laboratoires Boiron (acórdão de 7 de Setembro de 2006, C‑526/04, Colect., p. I‑7529, n.° 68). Para um reconhecimento expresso da validade deste princípio, igualmente no contencioso comunitário, v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Maio de 1990, Sens/Comissão (T‑117/89, Colect., p. II‑185, n.° 20). V., igualmente, acórdãos de 28 de Junho de 1988, Comissão/Itália (3/86, Colect., p. 3369, n.° 13), e de 5 de Outubro de 1989, Comissão/Países Baixos (290/87, Colect., p. 3083, n.os 11 e 20).


    48 – V., nomeadamente, acórdão de 11 de Novembro de 2004, Ramondín e o./Comissão (C‑186/02 P e C‑188/02 P, Colect., p. I‑10653, n.° 46).


    49 – N.° 76: «De acordo com a exposição de motivos do PPfLV, o n.° 2, ponto 3, do seu artigo 2.º, isenta as pequenas encomendas da obrigação geral de encaminhamento, relativamente às quais foram adoptadas disposições especiais no quadro de acordos específicos com determinados clientes [‑] por exemplo, empresas que usam o sistema de auto‑franquia ou que celebraram contratos de cooperação. Segundo a exposição de motivos, estes clientes profissionais poderão ser isentados do serviço de transporte obrigatório, dado que este sector está aberto à concorrência, o que torna supérflua a obrigação de encaminhamento».


    50 – N.° 82: «Há que referir, consequentemente, que, como a Comissão aliás confirmou nos seus articulados, por um lado, a mesma não declarou na decisão [controvertida] que as informações que lhe foram fornecidas pela República Federal da Alemanha de que o sector de encomendas porta‑a‑porta constituía um [serviço de interesse económico geral] não tinham fundamento e, por outro, que reconheceu, pelo menos implicitamente, que a [Deutsche Post AG] tinha igualmente registado, à margem dos custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo, custos líquidos adicionais que não estavam ligados ao cumprimento de um [serviço de interesse económico geral] (a seguir ‘custos líquidos adicionais não contestados’)».


    51 – Citação que consta do n.° 81 do acórdão recorrido.


    52 – Observo, a este respeito, que, no âmbito do presente processo, a Comissão se baseou na existência de um défice constante durante o período em causa. Ora, os impostos exigíveis, bem como os dividendos, são normalmente pagos através dos lucros do exercício corrente.


    53 – Acórdãos de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 148), e de 13 de Setembro de 2007, Common Market Fertilizers/Comissão (C‑443/05 P, Colect., p. I‑7209, n.° 137). V. igualmente, no respeita à suficiência de um dos fundamentos para justificar o dispositivo do acórdão recorrido, acórdão de 28 de Outubro de 2004, G. van den Berg/Conselho e Comissão (C‑164/01 P, Colect., p. I‑10225, n.° 60), e despachos de 28 de Setembro de 2006, Unilever Bestfoods/Comissão (C‑552/03 P, Colect., p. I‑9091, n.° 148), e de 13 de Março de 2007, Arizona Chemical e o./Comissão (C‑150/06 P, n.° 47).


    54 – Acórdão de 2 de Junho de 1994, de Compte/Parlamento (C‑326/91 P, Colect., p. I‑2091, n.os 107 e 123).


    55 – V., a este respeito, n.os 89 e 90 das conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas em 17 de Setembro de 2009, no processo Comissão/Alrosa (C‑441/07 P), pendente no Tribunal de Justiça.


    56 – V., neste sentido, acórdão Comissão/Tetra Laval, já referido (n.° 89).

    Top