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Document 62008CC0382
Opinion of Mr Advocate General Mengozzi delivered on 7 September 2010. # Michael Neukirchinger v Bezirkshauptmannschaft Grieskirchen. # Reference for a preliminary ruling: Unabhängiger Verwaltungssenat des Landes Oberösterreich - Austria. # Air transport - Licence for the organisation of commercial balloon flights - Article 12 EC - Condition of residence or company seat - Administrative sanctions. # Case C-382/08.
Conclusões do advogado-geral Mengozzi apresentadas em 7 de Septembro de 2010.
Michael Neukirchinger contra Bezirkshauptmannschaft Grieskirchen.
Pedido de decisão prejudicial: Unabhängiger Verwaltungssenat des Landes Oberösterreich - Áustria.
Transporte aéreo - Licença para a operação de voos comerciais de balão - Artigo 12.º CE - Requisito de residência ou sede social - Sanções administrativas.
Processo C-382/08.
Conclusões do advogado-geral Mengozzi apresentadas em 7 de Septembro de 2010.
Michael Neukirchinger contra Bezirkshauptmannschaft Grieskirchen.
Pedido de decisão prejudicial: Unabhängiger Verwaltungssenat des Landes Oberösterreich - Áustria.
Transporte aéreo - Licença para a operação de voos comerciais de balão - Artigo 12.º CE - Requisito de residência ou sede social - Sanções administrativas.
Processo C-382/08.
Colectânea de Jurisprudência 2011 I-00139
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:498
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
PAOLO MENGOZZI
apresentadas em 7 de Setembro de 2010 1(1)
Processo C‑382/08
Michael Neukirchinger
contra
Bezirkshauptmannschaft Grieskirchen
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Unabhängiger Verwaltungssenat des Landes Oberösterreich (Áustria)]
«Transporte aéreo – Livre prestação de serviços – Regulamento (CEE) n.° 2407/92 – Artigos 12.° CE, 49.° CE, 51.° CE e 54.° CE – Licença para a operação de voos comerciais em balão de ar quente – Requisito de residência ou sede social – Sanções administrativas – Princípio da não discriminação em razão da nacionalidade»
I – Introdução
1. O presente pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 49.° CE e seguintes, no âmbito de um recurso interposto por um nacional alemão de uma decisão de uma autoridade austríaca que lhe aplica uma sanção administrativa com fundamento na violação, por este, da legislação nacional relativa à operação de voos comerciais em balão de ar quente na Áustria.
2. O interesse do presente processo, que levou o Tribunal de Justiça a reatribuí‑lo à Grande Secção, pronunciando‑se com apoio nas conclusões do advogado‑geral, bem como a reabrir a fase oral, prende‑se com a questão de determinar à luz de que normas de direito primário ou de direito derivado da União deve ser analisada a prestação desses serviços de transporte.
II – Quadro jurídico
A – Direito austríaco
3. O § 102 da Luftfahrtgesetz (lei dos transportes aéreos), conforme alterada (a seguir «LFG») (2) subordina, designadamente, o transporte comercial de passageiros, de correio e/ou de carga através de aeronaves não motorizadas à obtenção, por um lado, de uma licença de transporte, como prevista no § 104 e seguintes da LFG, e, por outro, de uma licença de exploração, nos termos do § 108 da referida lei, atribuídas pelas autoridades austríacas competentes.
4. Nos termos do § 106 da LFG, a licença de transporte é atribuída:
a) se o requerente é um nacional de um Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (3), reside na Áustria, é digno de confiança e profissionalmente competente;
b) se está garantida a segurança da exploração e feita prova da capacidade financeira da empresa; e
c) se foi apresentada prova de que foram contratados os seguros previstos no § 164 da LFG ou no Regulamento (CE) n.° 785/2004 (4).
5. O § 106 da LFG especifica também que, caso o operador não seja uma pessoa singular, a empresa deve ter a sua sede na Áustria e o capital social deve ser maioritariamente detido por nacionais de um Estado que seja parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.
6. Nos termos do § 108 da LFG, é atribuída uma licença de exploração quando a empresa de transporte aéreo for titular de uma licença de transporte e a segurança do tráfego estiver garantida.
7. Além disso, de acordo com o § 169 da LFG, o exercício da actividade de transporte aéreo comercial de passageiros sem as licenças impostas pelo § 102 da LFG é punido com uma coima de, no mínimo, 3 630 euros.
B – Direito alemão
8. O § 20, n.° 1, ponto 2, da Luftverkehrgesetz (lei do tráfego aéreo) (5) exige uma licença de exploração para poder ser exercida a actividade de transporte aéreo comercial de passageiros e de carga por balão. Quanto às condições de atribuição, destaca‑se a fiabilidade exigida dos responsáveis pelo transporte.
9. Nos termos do § 20, n.° 2, da referida lei, a licença pode estar sujeita a disposições acessórias. Deve ser recusada quando existam factos que justifiquem o receio de que seja posta em causa a segurança pública ou a ordem pública, em especial se o requerente ou outras pessoas responsáveis pelo transporte não forem dignas de confiança. A licença deve ser recusada se não for feita prova da existência de meios financeiros ou de garantias equivalentes necessários a uma exploração comercial conforme às exigências em matéria de segurança. Pode também ser recusada a licença se estiver prevista a utilização de aeronaves que não se encontrem inscritas no registo alemão de aeronaves ou que não sejam da exclusiva propriedade do requerente. São equiparados ao registo alemão de aeronaves os registos dos Estados regulados pelo direito aéreo da Comunidade Europeia.
III – Litígio no processo principal e questões prejudiciais
10. M. Neukirchinger, residente em Passau (Alemanha), explora na Alemanha uma empresa de voos de balão de ar quente. Em 2 de Março de 1999, as autoridades alemãs concederam ao recorrente autorização de descolagem fora do aeródromo para efectuar voos de balão tripulados a partir de locais não previamente determinados, situados fora de zonas densamente habitadas. Esta autorização estabelece obrigações detalhadas relativas à realização das viagens de balão e às características do aparelho. Posteriormente, M. Neukirchinger tornou‑se gerente da Bayernhimmel Ballonfahrt GmbH, sociedade com sede na Alemanha e que, em 15 de Abril de 2003, obteve uma autorização de exploração emitida pelas autoridades alemãs.
11. No dia 19 de Junho de 2007, M. Neukirchinger efectuou, a partir de Wies (Áustria), um voo de balão com um baptismo de voo.
12. Em 22 de Janeiro de 2008, a Bezirkshauptmannschaft Grieskirchen (autoridade administrativa de primeira instância de Grieskierchen) adoptou em relação a M. Neukirchinger uma decisão administrativa condenatória («Straferkenntnis») com uma coima no montante de 3 630 euros e, em caso de não pagamento, uma pena subsidiária de 181 dias de prisão. A Bezirkshauptmannschaft Grieskirchen considerou como constitutivo de infracção, nos termos do § 169 da LFG, o voo comercial realizado em 19 de Junho de 2007, que foi efectuado sem as licenças previstas no § 102 da LFG.
13. No recurso que interpôs desta decisão para o Unabhängiger Verwaltungssenat des Landes Oberösterreich (Áustria), M. Neukirchinger alegou, designadamente, que o facto de subordinar a actividade de voos de balão à obtenção de licenças de transporte e de exploração viola as liberdades fundamentais estabelecidas pelo Tratado CE e que uma empresa austríaca de voos de balão não teria, pelo seu lado, qualquer necessidade de obter novamente essas licenças na Alemanha se já dispusesse das emitidas na Áustria.
14. Considerando que os voos de balão de ar quente não constituem prestações de serviços de transportes e entendendo que a exploração de aeronaves não motorizadas não está harmonizada ao nível comunitário, o Unabhängiger Verwaltungssenat des Landes Oberösterreich suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as três questões prejudiciais seguintes:
«1) Os artigos 49.° CE e seguintes devem ser interpretados no sentido de que obstam à aplicação de uma norma de direito nacional que exige, a uma pessoa estabelecida noutro Estado‑Membro e titular de uma [licença], atribuída nos termos do ordenamento jurídico desse Estado‑Membro, para a [operação de voos comerciais] de balão [na Alemanha], que aquela, para [operar voos] de balão na Áustria, tenha sede ou residência no território nacional [...]?
2) Os artigos 49.° CE e segs. devem ser interpretados no sentido de que obstam à aplicação de uma norma de direito nacional nos termos da qual uma pessoa estabelecida num Estado‑Membro e titular de uma [licença] para a [operação de voos comerciais] de balão, atribuída nos termos do ordenamento jurídico desse Estado‑Membro, tem de obter, para poder [operar voos] de balão noutro Estado‑Membro, uma [licença] adicional cujos requisitos são, no final, substantivamente idênticos aos da [licença] já atribuída no Estado de origem, acrescidos porém do requisito adicional de o requerente ter sede ou residência no território nacional (neste caso, na Áustria)?
3) O regime jurídico consagrado no § 102, em conjugação com o § 104, e no § 106, todos da [LFG], é incompatível com o artigo 49.° CE, quando o titular de uma [licença] atribuída na Alemanha, no exercício da actividade autorizada, é arguido num processo de contra‑ordenação na Áustria, sendo‑lhe consequentemente vedado o acesso ao mercado? Tenha‑se em conta que, nos termos do § 106, n.° 1, da [LFG] não se pode obter na Áustria uma [licença] desse tipo nem uma [licença] de início de actividade sem se ter um estabelecimento específico e/ou residência e sem se proceder, na Áustria, à alteração do registo de um balão de ar quente já registado na Alemanha».
IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça
15. Em conformidade com o disposto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas pela República da Áustria, pela República da Polónia e pela Comissão das Comunidades Europeias.
16. Por decisão de 1 de Setembro de 2009, o Tribunal de Justiça atribuiu o processo à Segunda Secção. Dado que nenhum dos interessados referidos no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça requereu a apresentação de alegações orais, o Tribunal decidiu pronunciar‑se sem audiência de alegações. Além disso, decidiu julgar a causa sem apresentação de conclusões do advogado‑geral.
17. Em 4 de Fevereiro de 2010, a Segunda Secção decidiu, nos termos do artigo 44.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, remeter o processo ao Tribunal de Justiça, que o reatribuiu à Grande Secção e decidiu que haveria lugar à apresentação de conclusões do advogado‑geral.
18. Em 21 de Abril de 2010, a Grande Secção ordenou a reabertura da fase oral, convidando os interessados referidos no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça a pronunciarem‑se sobre a questão de saber, tendo em conta o disposto no artigo 51.°, n.° 1, CE, qual a norma de direito primário ou derivado da União eventualmente aplicável à livre prestação de um serviço que consiste no transporte aéreo comercial de passageiros em balão de ar quente.
19. M. Neukirchinger, a República da Áustria, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Comissão Europeia apresentaram observações sobre esta questão na audiência realizada em 15 de Junho de 2010.
V – Análise
20. Recordo que, essencialmente, a LFG subordina o transporte de passageiros e/ou de carga efectuado por balão de ar quente por um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro à condição de este ser titular de licenças de transporte e de exploração austríacas, cuja emissão depende, em concreto, de o prestador dispor de residência ou, no caso de uma pessoa colectiva, de sede social na Áustria.
21. A principal dificuldade deste processo reside na questão de determinar se voos comerciais de passageiros em balão de ar quente são abrangidos pelas disposições do Tratado CE relativas à livre prestação de serviços (artigos 49.° CE e seguintes) ou se esta actividade recai no âmbito de aplicação das normas do referido Tratado relativas à política comum de transportes (artigos 70.° CE a 80.° CE).
22. Atendendo a uma definição geral do transporte, que consiste em transportar uma ou várias pessoas e/ou mercadorias de um local para outro com o auxílio de veículos, poderiam surgir algumas dúvidas quanto à inclusão de balões de ar quente ou balões de fogo na categoria de meios de transporte. Em particular, é notório que, devido à sua dependência dos ventos, e apesar dos progressos técnicos, estes meios permitem apenas de forma aproximada a chegada ao local de destino programado (6).
23. Segundo a mesma ordem de ideias, poder‑se‑ia igualmente sugerir que, devido ao carácter totalmente marginal da actividade de voo de balão, esta última se aproxima mais da prestação de serviços turísticos do que do mercado de transportes comerciais de passageiros e/ou carga. A este respeito, sublinhe‑se que, no recente acórdão Presidente del Consiglio dei Ministri (7), o Tribunal de Justiça analisou, à luz apenas dos artigos 49.° CE e 50.° CE, o carácter discriminatório de um imposto regional sobre as escalas turísticas das aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como das embarcações de recreio, que onera unicamente os operadores com domicílio fiscal fora do território regional, recordando a sua jurisprudência segundo a qual estes artigos compreendem igualmente a liberdade de os destinatários, nomeadamente os turistas, beneficiarem da prestação de serviços (8). No presente processo, há que observar que o voo na origem do processo principal, efectuado a partir de uma pradaria localizada numa povoação austríaca, incluiu um baptismo de voo qualificado de «tradicional» pelo órgão jurisdicional de reenvio. Não é, pois, de excluir que se considere a prestação oferecida como sendo essencialmente destinada a responder a necessidades recreativas, o que poderia integrá‑la no âmbito de aplicação dos artigos 49.° CE e 50.° CE.
24. Embora a decisão de reenvio não seja fundamentado nesse sentido, as considerações acima formuladas podem também explicar a razão pela qual o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 49.° CE.
25. No entanto, três razões me levam a considerar que as prestações em causa o processo principal se integram no domínio dos transportes aéreos.
26. Antes de mais, como referiram, respectivamente, M. Neukirchinger ao órgão jurisdicional de reenvio e o Órgão de Fiscalização da EFTA na audiência no Tribunal de Justiça, os balões de ar quente pertencem à categoria das aeronaves contemplada na Convenção sobre a Aviação Civil Internacional, assinada em Chicago a 7 de Dezembro de 1944 (9). Além disso, é também ponto assente que, como referiu a Comissão nas observações escritas, no período em que ocorreram os factos objecto do processo principal, estas aeronaves estavam também sujeitas às disposições técnicas e às normas de segurança estabelecidas pelo Regulamento (CE) n.° 1592/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho de 2002, relativo a regras comuns no domínio da aviação civil e que cria a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (10), bem como às condições previstas no Regulamento (CE) n.° 785/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativo aos requisitos de seguro para transportadoras aéreas e operadores de aeronaves (11), cujos respectivos preâmbulos fazem referência expressa ao artigo 80.°, n.° 2, CE, que permite ao Conselho da União Europeia adoptar medidas adequadas para os transportes aéreos, no âmbito do capítulo do Tratado relativo aos transportes.
27. Assim, em minha opinião, seria incoerente considerar que os voos comerciais em balão de ar quente são, em parte, objecto dos transportes aéreos, sendo, portanto, abrangidos pelo âmbito de aplicação das disposições do Tratado relativas à política comum de transportes, enquanto que, por outro lado, são abrangidos pelas disposições gerais do Tratado relativas à livre prestação de serviços.
28. Em seguida, como evidencia a leitura da decisão de reenvio, a actividade do recorrente no processo principal, qualificada pelo órgão jurisdicional de reenvio como «transporte aéreo comercial de passageiros em balão de ar quente», é regulada, tanto na Alemanha como na Áustria, pelas legislações destes Estados‑Membros relativas ao tráfego aéreo, bem como pelas autoridades aeronáuticas nacionais competentes.
29. Finalmente, as circunstâncias do processo principal distinguem‑se das que deram lugar ao acórdão Presidente del Consiglio dei Ministri, já referido. Com efeito, enquanto, neste último processo, o imposto regional sobre as escalas onerava apenas os operadores de meios de transporte e não as próprias prestações de transporte (12), o que permite explicar as razões pelas quais o Tribunal de Justiça foi levado a examinar as relações existentes entre este imposto e as disposições gerais do Tratado relativas à livre prestação de serviços (13), as exigências estabelecidas pela LFG dizem efectivamente respeito à prestação de serviços de transporte aéreo efectuado por balão de ar quente.
30. Considero, portanto, que os voos comerciais em balão de ar quente, como os realizados pelo recorrente no processo principal, recaem no âmbito dos transportes aéreos.
31. Ora, de acordo com o disposto no artigo 51.°, n.° 1, CE, a livre prestação de serviços em matéria de transportes é regulada pelas disposições constantes do título do Tratado CE relativo aos transportes, das quais faz parte o artigo 80.°, n.° 2, CE.
32. Da leitura conjugada destas disposições, o Tribunal de Justiça deduziu que, no sector dos transportes, o objectivo inicial de eliminação progressiva das restrições à livre prestação de serviços deveria ter sido alcançado no âmbito da política comum dos transportes (14).
33. No que respeita aos serviços de transporte aéreo, a última etapa da sua liberalização na Comunidade foi transposta com a adopção de três regulamentos do Conselho, de 23 de Julho de 1992, habitualmente denominados «terceiro pacote aéreo», fundados no artigo 84.°, n.° 2, do Tratado CEE (posteriormente, artigo 84.°, n.° 2, do Tratado CE, que passou, após alteração, a artigo 80.°, n.° 2, CE) (15). Estes actos deram seguimento ao primeiro e segundo «pacotes aéreos», adoptados respectivamente em Dezembro de 1987 e em Junho de 1990.
34. Cabe, no entanto, sublinhar que, segundo o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2407/92, relativo à concessão de licenças às transportadoras aéreas – que faz parte integrante do terceiro pacote aéreo e que estava em vigor à época dos factos objecto do processo principal –, as disposições do regulamento não se aplicam ao transporte aéreo de passageiros, correio e/ou carga efectuado por aeronaves sem motor. Este mesmo artigo acrescenta que às referidas «operações aplicar‑se‑á, caso exista, a legislação nacional relativa às licenças de exploração, bem como a legislação nacional e comunitária respeitante ao certificado de operador aéreo (COA)» (16).
35. Os serviços prestados com o auxílio dessas aeronaves, à semelhança dos prestados pelo recorrente no processo principal, não estão pois abrangidos pelo terceiro pacote aéreo, salvo no que diz respeito, em parte, à atribuição do certificado de operador aéreo.
36. Parece ser essa a razão pela qual a Comissão propõe que se responda às questões apresentadas na perspectiva do artigo 54.° CE, ou mesmo das disposições gerais do Tratado, inspirando‑se no n.° 26 do acórdão Comissão/Grécia (17).
37. Com efeito, neste ponto do referido acórdão – relativo à compatibilidade com o Regulamento (CEE) n.° 3577/92 do Conselho, de 7 de Dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados‑Membros (cabotagem marítima) (18) de uma regulamentação nacional que permite que apenas os navios que arvorem pavilhão grego prestem serviços de reboque em alto mar – o Tribunal de Justiça decidiu que «decorre da interpretação combinada dos artigos 51.°, n.° 1, CE e 80.°, n.° 2, CE que os serviços que são abrangidos pelo sector dos transportes marítimos, mas que não entram no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 3577/92 ou de outras normas adoptadas na base do artigo 80.°, n.° 2, CE, continuam a reger‑se pela legislação dos Estados‑Membros, nos termos do artigo 54.° CE e de outras disposições gerais do Tratado» (19).
38. Nesta fase da análise, podia ser tentador apenas aplicar os ensinamentos deste acórdão ao presente processo e, portanto, verificar se as condições impostas pela LFG respeitam o artigo 54.° CE e/ou as outras disposições gerais do Tratado, no caso, o artigo 12.°, que proíbe as discriminações em razão da nacionalidade.
39. Cumpre, no entanto, analisar previamente a objecção suscitada na audiência pela República da Áustria segundo a qual o artigo 54.° CE não é aplicável em matéria de transportes, dado que esta disposição, tal como o artigo 49.° CE, se integra na parte III, título III, capítulo 3, do Tratado CE, que, de acordo com o artigo 51.°, n.° 1, CE, não regula a livre prestação de serviços nessa matéria.
40. Recorde‑se que, nos termos do artigo 54.° CE, «[e]nquanto não forem suprimidas as restrições à livre prestação de serviços, cada Estado‑Membro aplicá‑las‑á, sem qualquer distinção em razão da nacionalidade ou da residência, a todos os prestadores de serviços referidos no primeiro parágrafo do artigo 49.° [CE]».
41. O lugar ocupado pelo artigo 54.° CE na economia do Tratado CE milita no sentido da tese apresentada pela República da Áustria segundo a qual esta disposição não regula os serviços abrangidos pelos domínios dos transportes marítimos ou aéreos, tal como as outras disposições que constituem o título III, capítulo 3, da parte III do Tratado CE.
42. No entanto, há dois aspectos que me levam a dever matizar fortemente esta apreciação.
43. Por um lado, como já salientei, no acórdão Comissão/Grécia, já referido, o Tribunal de Justiça subordinou o exercício da competência residual dos Estados‑Membros num domínio objecto dos transportes marítimos, não abrangido pelas disposições do direito derivado da União, ao respeito do artigo 54.° CE e de outras disposições gerais do Tratado, o que, segundo parece, implica que este artigo tenha carácter geral, não circunscrito aos serviços abrangidos pela parte III, título III, capítulo 3, do Tratado CE.
44. Por outro lado, como a Comissão recordou na audiência, dado que, contrariamente a outras disposições de carácter provisório, o artigo 54.° CE não foi revogado no momento da revisão do Tratado CE, e que o conteúdo inalterado deste artigo figura actualmente no artigo 61.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), esta disposição deve poder conservar um efeito útil. Ora, embora seja claro que, a partir do termo do período transitório, as restrições à livre circulação de serviços tenham sido abolidas e que, consequentemente, o artigo 54.° CE tenha perdido interesse para os serviços abrangidos pela parte III, título III, capítulo 3, do Tratado CE (20), este pode, em contrapartida, conservar uma função residual em matéria de transportes. De facto, dado que a realização plena e completa da livre prestação de serviços deve, nesta matéria, ser feita através de uma acção legislativa ao nível da União executada no âmbito do capítulo sobre os transportes, enquanto essa acção não tiver sido adoptada ou o tiver sido apenas parcialmente, as restrições à livre prestação de serviços em matéria de transportes não estão ainda suprimidas. A obrigação expressa no artigo 54.° CE pode, portanto, manter o seu efeito útil.
45. Esta disposição parece ter um duplo significado, que envolve simultaneamente o princípio do tratamento nacional e a cláusula da nação mais favorecida (21). Com efeito, ao permitir unicamente a aplicação das restrições «não discriminatórias», o artigo 54.° CE proíbe assim quaisquer medidas discriminatórias baseadas na nacionalidade ou na residência. Significa também que, enquanto aguardam a supressão das outras restrições à prestação de serviços, os Estados‑Membros devem atribuir a todos os prestadores de serviços dos outros Estados‑Membros o tratamento menos restritivo eventualmente atribuído a um deles. Por outras palavras, no que respeita a estas restrições indistintamente aplicáveis, esta disposição não obriga os Estados‑Membros a atribuir aos outros prestadores de serviços o tratamento que conferem aos seus nacionais, mas, de qualquer modo, apresenta‑se como uma cláusula da nação mais favorecida.
46. Se o Tribunal de Justiça partilhasse desta análise, a resposta à primeira questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio seria fácil. Com efeito, não há qualquer dúvida de que uma legislação nacional que subordina a prestação de serviços realizada por uma pessoa colectiva estabelecida noutro Estado‑Membro à condição de esta pessoa ter uma sede social ou residir no território nacional constitui uma violação evidente do artigo 54.° CE. De resto, nas observações escritas, a República da Áustria não procura de modo algum justificar esta diferença de tratamento e sublinha que, na próxima revisão da LFG, devia ser proposta uma modificação destinada a suprimir este requisito.
47. Em contrapartida, a resposta à segunda questão parece suscitar maiores dificuldades, excepto, bem entendido, no que respeita à parte relativa ao requisito de dispor de residência ou de sede social, que deveria já ter sido objecto da resposta à primeira questão.
48. Assim delimitada, a segunda questão deve levar a que se determine se a exigência imposta por uma legislação nacional, como a LFG, a qualquer operador de voos em balão de ar quente de que seja titular tanto de uma licença de transporte como de uma licença de exploração é contrária ao artigo 54.° CE, quando este operador, no Estado‑Membro do estabelecimento, tenha obtido licenças cujas condições de emissão são idênticas ou equivalentes às exigidas no território do Estado‑Membro em que é efectuada a prestação de serviços.
49. A este propósito, é pacífico que, para além do requisito de dispor de residência ou de sede social no território nacional, a exigência, imposta aos prestadores que operam no território austríaco, de que sejam titulares das duas licenças referidas é aplicável independentemente da nacionalidade ou da residência.
50. Por conseguinte, o artigo 54.° CE não se opõe, em princípio, a essa exigência, uma vez que a eliminação das restrições dela decorrentes deve, se necessário, ser conduzida no âmbito dos actos adoptados com base nas disposições do capítulo do tratado relativo aos transportes.
51. Cabe, no entanto, perguntar se, no âmbito de um procedimento de atribuição das referidas licenças, esta apreciação não devia ser matizada.
52. Quanto à obrigação imposta pelos artigos 102.° e 106.° da LFG de titularidade de uma licença de transporte, as condições estabelecidas para a emissão dessa licença – excepto, repito, a relativa à residência ou à sede social na Áustria – que se prendem com a demonstração de competência profissional e de capacidade financeira suficientes, com o respeito das normas de segurança, bem como com a prova de que os riscos de exploração foram assegurados, parecem, pelo menos em parte, ter já sido objecto de uma aproximação das legislações dos Estados‑Membros ao nível comunitário.
53. Com efeito, recordo que, embora o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2407/92 exclua, em princípio, do seu âmbito de aplicação as actividades de transporte aéreo efectuado por aeronaves sem motor, especifica todavia que «[a] estas operações aplicar‑se‑á […] a legislação nacional e comunitária respeitante ao certificado de operador aéreo (COA)» e que o artigo 2.°, alínea d), do referido regulamento define este último como «um documento concedido pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro a uma empresa ou grupo de empresas atestando que o operador em causa possui a competência profissional e a organização necessárias para garantir a operação segura das suas aeronaves no que se refere às actividades de aviação especificadas no certificado». Além disso, como salientaram a República da Áustria e a Comissão, as normas técnicas e de segurança previstas pelo Regulamento n.° 1592/2002, incluindo as adoptadas com base nele, em particular as relativas à certificação de navegabilidade (22), são aplicáveis aos balões de ar quente. Por outro lado, quanto à prova de cobertura dos riscos de exploração, o artigo 106.° da LFG remete explicitamente para o Regulamento n.° 785/2004, relativo aos requisitos de seguro para transportadoras aéreas e operadores de aeronaves.
54. Ora, nestas circunstâncias, considero que as autoridades de um Estado‑Membro que recusem totalmente tomar em consideração a licença de transporte atribuída pelo Estado‑Membro de estabelecimento do prestador de serviços mesmo que o referido documento ateste, pelo menos em parte, que este cumpre as condições referidas no número anterior das presentes conclusões, desrespeitam o artigo 54.° CE e as disposições pertinentes dos regulamentos referidos. Com efeito, essa recusa basear‑se‑ia, definitivamente e de facto, unicamente no local da sede ou do estabelecimento do prestador, sendo, portanto, proibida pelo artigo 54.° CE (23).
55. Esta apreciação parece‑me dever também ser alargada no que respeita à obrigação de ser titular de uma licença de exploração, cuja atribuição parece inteiramente subordinada à obtenção da licença de transporte, nos termos do disposto no artigo 108.°, n.° 2, da LFG, cuja obtenção não parece depender de qualquer requisito adicional aos estabelecidos para a atribuição da licença de transporte ao titular desta última licença (24).
56. Acresce que esta perspectiva não me parece afinal muito afastada da defendida nas observações escritas da República da Áustria, visto que esta considera que, uma vez que o processo de atribuição da licença tem em conta as justificações e garantias que o requerente já deu no seu Estado‑Membro de origem, a exigência de uma licença seria justificada (25).
57. No entanto, recordo que o litígio no processo principal não diz respeito à recusa, por parte das autoridades austríacas competentes, de atribuírem as licenças de transporte e de exploração a um prestador de serviços sem tomar em consideração a(s) licença(s) obtida(s) pelo referido prestador no Estado‑Membro do seu estabelecimento, mas sim a um processo sancionatório, por violação do disposto na LFG, por exercício ilegal da actividade de exploração de voos de balão de ar quente, na ausência das duas licenças exigidas por esta lei.
58. Ora, a segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio visa, na realidade, saber se deve existir ao nível comunitário um reconhecimento mútuo completo das licenças de transporte e de exploração atribuídas nos Estados‑Membros aos operadores que exercem a actividade de transporte em balão de ar quente, uma vez que as condições estabelecidas para a atribuição das referidas licenças são consideradas como equivalentes.
59. Tendo em conta as considerações expostas, esta questão deve receber resposta negativa. Com efeito, o artigo 54.° CE não pode impor essas obrigações aos Estados‑Membros, sob pena de conduzir a uma invasão das competências das instituições políticas da União que são encarregadas de executar a livre prestação de serviços no âmbito da política comum dos transportes.
60. Em qualquer caso, a resposta a esta questão, em minha opinião, não seria diferente se o Tribunal de Justiça considerasse que se devia analisar a compatibilidade de uma legislação nacional como a LFG não com o artigo 54.° CE mas com o artigo 12.° CE, que, no âmbito de aplicação do Tratado, proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.
61. Em primeiro lugar, considero que a aplicabilidade desta última disposição a uma situação como a do processo principal não se defronta, de modo algum, com obstáculos intransponíveis.
62. Com efeito, em minha opinião, esta abordagem decorre designadamente da interpretação do n.° 26 do acórdão Comissão/Grécia, já referido.
63. Devia, no entanto, levar o Tribunal de Justiça a ir mais além da solução adoptada no acórdão Corsica Ferries (France), já referido, relativo aos serviços de transporte marítimo.
64. Recordo que, nesse processo, foi colocada ao Tribunal de Justiça a questão de saber se era contrário ao artigo 59.° do Tratado CEE (posteriormente, artigo 59.° CE do Tratado CE, que passou, após alteração, a artigo 49.°) o estabelecimento de uma taxa diferenciada, cobrada em 1981 e em 1982, consoante os navios em causa asseguravam ligações entre a Córsega e a França continental ou entre esta mesma ilha e portos situados noutro Estado‑Membro. Depois de recordar que a livre prestação de serviços em matéria de transportes era regulada pelas disposições do Título relativo aos transportes e não pelos artigos 59.° e segs. do Tratado CEE (26), e que, nos termos do artigo 84.°, n.° 2, do Tratado CEE, o Conselho podia decidir se, em que medida e por que processo, podiam ser adoptadas, para os transportes marítimos, disposições adequadas (27), o Tribunal de Justiça concluiu que, durante o período em causa no processo principal (os anos 1981 e 1982), a livre prestação de serviços no sector dos transportes marítimos ainda não estava realizada, tendo entrado em vigor unicamente em 1987 com a adopção do Regulamento (CEE) n.° 4055/86 (28), o que, consequentemente, significava que os Estados‑Membros tinham o direito de aplicar disposições do tipo das que estavam em causa no processo principal (29).
65. Ora, cabe recordar que o Tribunal de Justiça não analisou a regulamentação em causa nesse processo à luz das disposições gerais do Tratado, entre as quais, em particular, o artigo 7.° do Tratado CEE (posteriormente, artigo 6.° do Tratado CE, que passou, após alteração, a artigo 12.°, após alteração é artigo 12.° CE), tal como o advogado‑geral sugeriu (30). Com efeito, segundo este último, parecia «evidente» que não se podia invocar, no caso concreto, a proibição de discriminação em razão da nacionalidade prevista no artigo 7.° do Tratado CEE, dado que, tendo em conta a exclusão dos transportes do âmbito de aplicação das disposições gerais do Tratado relativas à livre prestação de serviços, destinadas a concretizar e a realizar esta interdição, recorrer resultaria contrário à economia destas disposições. Por outras palavras, o advogado‑geral parecia recear que a aplicação do artigo 7.° do Tratado CEE ao processo submetido ao Tribunal de Justiça correspondesse, no essencial, a um desvio à não aplicação das normas gerais de livre prestação de serviços aos transportes, tal como prevista no artigo 61.° do Tratado CEE (posteriormente, artigo 61.° do Tratado CE, que passou, após alteração, a artigo 51.° CE), na medida em que o princípio enunciado no artigo 7.° do Tratado CEE tinha sido aplicado, no domínio da prestação de serviços, pelo artigo 59.° do Tratado CEE (31).
66. Não tenho a certeza de que se deva considerar que o silêncio do acórdão Corsica Ferries (France) sobre este assunto deva ser compreendido como aquiescência com a proposta apresentada pelo advogado‑geral C. O. Lenz. Com efeito, embora seja verdade que o princípio geral de não discriminação, tal como expresso no artigo 12.° CE (32), foi efectivamente aplicado, no que respeita à livre prestação de serviços, pelo artigo 49.° CE, é notório que este não se limita à abolição das medidas discriminatórias, visando, mais amplamente, as «restrições», isto é, quaisquer medidas que perturbem ou tornem menos atractivo o exercício da livre prestação de serviços (33). A distinção entre, por um lado, as disposições gerais do Tratado, de que faz parte o artigo 12.° CE, e, por outro, o artigo 49.° CE, resulta igualmente da interpretação global que deve fazer‑se da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Assim, segundo esta jurisprudência, embora os objectivos prosseguidos pelo artigo 49.° CE devam ser aplicados, no que respeita aos transportes, no âmbito da política comum de transportes (34) e, apesar de os transportes marítimos e aéreos serem excluídos, salvo decisão em contrário do Conselho, do âmbito de aplicação das normas do Tratado relativas à política comum dos transportes, continuam, contudo, sujeitos, do mesmo modo que os outros meios de transporte, às disposições gerais do Tratado (35). É dificilmente concebível que esta jurisprudência tenha pretendido excluir uma disposição tão fundamental como o artigo 12.° CE da referência feita às disposições gerais do Tratado.
67. Assim sendo, em segundo lugar, no que respeita à interpretação do artigo 12.° CE no contexto de um processo como o principal, a proibição expressa nesta disposição opõe‑se indiscutivelmente a que um Estado‑Membro subordine a actividade de um prestador de serviços estabelecido num Estado‑Membro à condição de este prestador possuir uma sede social ou uma residência no território do primeiro Estado‑Membro (36). Por outro lado, recordo que, nas observações escritas, a República da Áustria não tentou de modo algum justificar esta discriminação.
68. Em contrapartida, o alcance da proibição de não discriminação em razão da nacionalidade, enunciada no artigo 12.° CE, não pode chegar ao ponto de impor aos Estados‑Membros o reconhecimento mútuo das licenças de transporte e de exploração atribuídas nos outros Estados‑Membros, mesmo quando essas licenças demonstrem o respeito de garantias equivalentes pelo prestador de serviços, como pergunta o órgão jurisdicional de reenvio na segunda questão prejudicial. Com efeito, uma solução diversa equivaleria a atribuir ao artigo 12.° CE um âmbito idêntico, ou mesmo mais amplo, do que o do artigo 49.° CE (37) e, portanto, a contornar a não aplicabilidade desta última disposição ao domínio dos transportes. Além disso, tal como referi no n.° 59 das presentes conclusões a propósito do artigo 54.° CE, adoptar uma interpretação do alcance do artigo 12.° CE que exceda o do artigo 49.° CE, conduziria o Tribunal de Justiça a invadir as competências das instituições políticas da União que são encarregadas de aplicar a livre prestação de serviços no âmbito dos transportes.
69. Proponho, pois, ao Tribunal de Justiça que responda respectivamente à primeira e segunda questões prejudiciais no sentido de que, por um lado, o artigo 54.° CE ou, se for o caso, o artigo 12.° CE, se opõem a que a legislação de um Estado‑Membro exija, para a operação de voos comerciais em balão de ar quente no seu território, que um prestador de serviços estabelecido num outro Estado‑Membro tenha uma sede social ou uma residência no primeiro Estado‑Membro e, por outro, salvo no que respeita ao requisito de dispor de residência ou de sede social no território nacional, nem o artigo 54.° CE nem o artigo 12.° CE se opõem a que um Estado‑Membro exija que um prestador de serviços, titular de licenças para a operação de voos comerciais em balão de ar quente emitidas no Estado‑Membro do seu estabelecimento, tenha que obter novas licenças no Estado‑Membro em cujo território as prestações de serviços são efectuadas, desde que, aquando da atribuição dessas licenças, as autoridades competentes deste Estado‑Membro tomem em consideração as garantias que o requerente já prestou no Estado‑Membro do seu estabelecimento.
70. Quanto à terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se, essencialmente (38), sobre a eventual incompatibilidade com o Tratado das sanções impostas ao prestador de serviços estabelecido num Estado‑Membro distinto que tenha exercido a sua actividade no território austríaco sem dispor das licenças de transporte e de exploração exigidas pela LFG.
71. A este propósito, recordo, antes de mais, que, segundo a letra da LFG, a exigência de uma residência ou de uma sede social na Áustria constitui um requisito para a obtenção das referidas licenças. Ora, dado que, em minha opinião, este requisito é incompatível com o artigo 54.° CE ou, se for o caso, com o artigo 12.° CE, o recorrente no processo principal, estabelecido na Alemanha, não teria nunca, em qualquer caso, podido obter essas licenças sem escolher domicílio profissional na Áustria.
72. Por conseguinte, e na medida em que não resulta dos autos que o cálculo do montante das coimas aplicadas e, a fortiori, o cálculo da pena de substituição sejam efectuados, de forma proporcionada, em função das diferentes condições de atribuição das licenças que não foram respeitadas, o órgão jurisdicional nacional deveria, segundo a jurisprudência, não aplicar uma sanção administrativa pelo não cumprimento de uma formalidade administrativa quando o cumprimento desta formalidade é tornado impossível pelo Estado‑Membro em questão em violação do direito da União (39).
73. Proponho, portanto, que se responda à terceira questão prejudicial no sentido de que não devem ser aplicadas sanções administrativas a um prestador de serviços de voos comerciais em balão de ar quente estabelecido num Estado‑Membro com o fundamento de que este prestador não é titular das licenças de transporte e de exploração exigidas pela legislação nacional do Estado‑Membro em que os serviços são prestados, a qual subordina a sua atribuição à condição de possuir sede social ou residência neste último Estado‑Membro, em violação do disposto no artigo 54.° CE ou, se for o caso, no artigo 12.° CE.
VI – Conclusão
74. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais apresentadas pelo Unabhängiger Verwaltungssenat des Landes Oberösterreich:
«1) O artigo 54.° CE ou, se for o caso, o artigo 12.° CE, opõem‑se a que a legislação de um Estado‑Membro exija, para a operação de voos comerciais em balão de ar quente no seu território, que um prestador de serviços estabelecido num outro Estado‑Membro tenha uma sede social ou uma residência no primeiro Estado‑Membro.
2) Salvo no que respeita ao requisito de dispor de residência ou de sede social no território nacional, nem o artigo 54.° CE nem o artigo 12.° CE se opõem a que um Estado‑Membro exija que um prestador de serviços, titular de licenças para a operação de voos comerciais em balão de ar quente emitidas no Estado‑Membro do seu estabelecimento, tenha que obter novas licenças no Estado‑Membro em cujo território as prestações de serviços são efectuadas, desde que, aquando da atribuição dessas licenças, as autoridades competentes deste Estado‑Membro tomem em consideração as garantias que o requerente já prestou no Estado‑Membro do seu estabelecimento.
3. Não devem ser aplicadas sanções administrativas a um prestador de serviços de voos comerciais em balão de ar quente estabelecido num Estado‑Membro com o fundamento de que este prestador não é titular das licenças de transporte e de exploração exigidas pela legislação nacional do Estado‑Membro em que os serviços são prestados, a qual subordina a sua atribuição à condição de possuir sede social ou residência neste último Estado‑Membro, em violação do disposto no artigo 54.° CE ou, se for o caso, no artigo 12.° CE.»
1 – Língua original: francês.
2 – BGBl. 253/1957 e BGBl. 83/2008, respectivamente.
3 _ JO L 1, p. 3.
4 – Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativo aos requisitos de seguro para transportadoras aéreas e operadores de aeronaves (JO L 138, p. 1).
5 – BGBl. 2007 I, p. 698.
6 – Num dos seus primeiros romances de aventuras, Cinco semanas em balão, Júlio Verne, evocando, através de um artigo do Daily Telegraph, o périplo africano que esperava um dos seus heróis, Samuel Fergusson, relatava enfaticamente: «[e]ste intrépido descobridor («discoverer») propõe‑se atravessar em balão toda a África, de leste a oeste. Se estamos bem informados, o ponto de partida desta viagem inaudita será a ilha de Zanzibar, na costa oriental. Quanto ao ponto da chegada, só a Providência é que saberá» (Verne, J., Cinq semaines en ballon, voyage de découverte en Afrique par trois anglais, Bibliothèque d’éducation et de récréation, Hetzel et Cie, Paris, 1863, p. 8).
7 – Acórdão de 17 de Novembro de 2009 (C‑169/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 20 a 28).
8 – Ibidem (n.° 25 e jurisprudência referida).
9 – Recueil des traités des Nations unies, vol. 1, p. 295. O anexo 2 desta Convenção, relativo às «Regras do Ar» especifica efectivamente que os balões integram a categoria das aeronaves. Nas observações escritas, a Comissão definiu um balão ou um balão de fogo do seguinte modo: «aeronave não movida a motor que se eleva no ar pelo efeito da força de sustentação e que é dirigida na atmosfera utilizando os ventos».
10 – JO L 240, p. 1. De referir que o Regulamento (CE) n.° 2042/2003 da Comissão, de 20 de Novembro de 2003, relativo à aeronavegabilidade permanente das aeronaves e dos produtos, peças e equipamentos aeronáuticos, bem como à certificação das entidades e do pessoal envolvidos nestas tarefas (JO L 31, p. 1), adoptado com base no Regulamento n.° 1592/2002, definia de modo amplo a aeronave como «qualquer máquina que consiga uma sustentação na atmosfera devido às reacções do ar, que não as do ar contra a superfície terrestre».
11 – JO L 138, p. 1.
12 – V. n.° 24.
13 – V. n.os 25 e 26.
14 – V. acórdão de 13 de Dezembro de 1989, Corsica Ferries (France) (C‑49/89, Colect., p. 4441, n.° 11, e jurisprudência aí referida).
15 – Ou seja, Regulamento (CEE) n.° 2407/92, relativo à concessão de licenças às transportadoras aéreas (JO L 240, p. 1), Regulamento (CEE) n.° 2408/92, relativo ao acesso das transportadoras aéreas comunitárias às rotas aéreas intracomunitárias (JO L 240, p. 8), e Regulamento (CEE) n.° 2409/92, sobre tarifas aéreas de passageiros e de carga (JO L 240, p. 15).
16 – O artigo 2.°, alínea d), do Regulamento n.° 2407/92 define o certificado de operador aéreo (COA) do seguinte modo: «um documento concedido pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro a uma empresa ou grupo de empresas atestando que o operador em causa possui a competência profissional e a organização necessárias para garantir a operação segura das suas aeronaves no que se refere às actividades de aviação especificadas no certificado».
17 – Acórdão de 11 de Janeiro de 2007 (C‑251/04, Colect., p. I‑67).
18 – JO L 364, p. 7.
19 – Sublinhado meu.
20 – Isto parece, aliás, já resultar do acórdão de 26 de Novembro de 1975, Coenen e o. (39/75, Colect., p. 531, n.° 8).
21 – Este duplo significado foi evidenciado por diversos autores. V., em particular, Draetta, U. – «Commento all’art. 65», in Quadri, R., et al., Trattato istitutivo della CEE Commentario, Giuffrè, Milão, 1965, vol. I, p. 493‑494; Truchot, L., in Léger, P., Commentaire article par article des traités UE et CE, Helbing Liechtehahn, Dalloz, Bruylant, 1ª ed., Paris, 2000, p. 477. Cumpre, no entanto, referir que parte da doutrina retira unicamente deste texto a proibição de discriminação (v., por exemplo, Van den Bogaert, S., Practical Regulation of the Mobility of Sportsmen in the EU post Bosman, Kluwer Law International, Haia, 2005, p. 122), ou a simples reafirmação da aplicação do tratamento nacional [v., designadamente, Lugato, M. – «Commento agli articoli 49‑55», in Tizzano, A., Commentario ai Trattati dell’Unione europea e della Comunità europea, Giuffrè, Milão, 2004, p. 415], enquanto, inversamente, outra corrente doutrinal considera que o artigo 54.° CE apenas contém uma cláusula da nação mais favorecida (v., designadamente, Goldman, B., et al., Droit commercial européen, Dalloz, 5ª ed., Paris, 1994, p. 273).
22 – Regulamento (CE) n.° 1702/2003 da Comissão, de 24 de Setembro de 2003, que estipula as normas de execução relativas à aeronavegabilidade e à certificação ambiental das aeronaves e dos produtos, peças e equipamentos conexos, bem como à certificação das entidades de projecto e produção (JO L 243, p. 6).
23 – Segundo a jurisprudência, as regras sobre a igualdade de tratamento entre nacionais e não nacionais proíbem não apenas as discriminações ostensivas baseadas na nacionalidade ou na sede, no que se refere às sociedades, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de distinção, conduzem, de facto, ao mesmo resultado. V., designadamente, acórdão de 27 de Outubro de 2009, ČEZ (C‑115/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 92, e jurisprudência aí referida).
24 – Nem a decisão de reenvio nem as observações da República da Áustria mencionam quaisquer condições adicionais.
25 – N.° 60 das referidas observações. Cumpre, no entanto, esclarecer que estas observações dizem respeito à interpretação do artigo 49.° CE e não à do artigo 54.° CE.
26 – Acórdão Corsica Ferries (Ferries), já referido, (n.° 11) do acórdão de 13 de Dezembro de 1989.
27 – Ibidem (n.° 12).
28 – Regulamento do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros (JO L 378, p. 1).
29 – V. acórdão Corsica Ferries (France) já referido (n.os 13 e 14).
30 – V. n.os 12 e 13 das conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz apresentadas no processo que deu lugar ao acórdão Corsica Ferries (France), já referido.
31 – V., a este respeito, designadamente, acórdãos de 28 de Outubro de 1999, Vestergaard (C‑55/98, Colect., p. I‑7641, n.° 17), e de 11 de Dezembro de 2003, AMOK (C‑289/02, Colect., p. I‑15059, n.° 26).
32 – Sobre o valor do princípio geral da proibição estabelecida no artigo 12.° CE, v. acórdão ČEZ, já referido (n.os 89 e 91).
33 – V., designadamente, acórdãos de 25 de Julho de 1991, Säger (C‑76/90, Colect., p. I‑4221, n.° 12); de 8 de Junho de 2000, Comissão/Itália (C‑264/99, Colect., p. I‑4417, n.° 9); e de 29 de Abril de 2009, Comissão/Itália (C‑518/06, Colect., p. I‑3491, n.° 62, e jurisprudência aí referida).
34 – V., designadamente, acórdãos de 22 de Maio de 1985, Parlamento/Conselho (13/83, Recueil, p. 1513, n.° 62), e de 30 de Abril de 1986, Asjes e o. (209/84 a 213/84, Colect., p. 1425, n.° 37).
35 – Acórdão de 4 de Abril de 1974, Comissão/França (167/73, Colect., p. 187, n.° 32). V., igualmente, acórdão Asjes e o., já referido (n.° 45).
36 – V., a este propósito, acórdão de 1 de Outubro de 2009, Gottwald (C‑103/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 28).
37 – Recordo que, no que respeita à compatibilidade com o artigo 49.° CE de um procedimento de autorização prévia ao exercício da prestação de serviços num Estado‑Membro, o Tribunal de Justiça considera que as condições a respeitar para obter essa autorização não podem cumular‑se com as condições legais equivalentes já preenchidas no Estado de estabelecimento. V. acórdão de 11 de Março de 2004, Comissão/França (C‑496/01, Colect., p. I‑2351, n.° 71, e jurisprudência aí referida).
38 – Na formulação da terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio evidencia uma condição que parece adicional à atribuição das licenças exigidas pela LFG, ou seja, a condição segundo a qual o prestador de serviços deve registar na Áustria o balão de ar quente utilizado para o transporte comercial de passageiros no território deste Estado‑Membro. No entanto, esta condição não parece resultar do texto das disposições nacionais em causa no processo principal nem dos elementos do litígio neste processo. Além disso, as duas questões prejudiciais anteriores não incidiram sobre esta condição, cuja compatibilidade com as disposições do Tratado também não foi apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial. Considero, pois, que não se deve proceder à análise desta condição, que, aliás, não é pedido pelo órgão jurisdicional de reenvio.
39 – V., quanto às sanções penais, acórdão de 6 de Março de 2007, Placanina e o. (C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04, Colect., p. I‑1891, n.° 69).