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Document 62008CC0236

    Conclusões do advogado-geral Poiares Maduro apresentadas em 22 de Septembro de 2009.
    Google France SARL e Google Inc. contra Louis Vuitton Malletier SA (C-236/08), Google France SARL contra Viaticum SA e Luteciel SARL (C-237/08) e Google France SARL contra Centre national de recherche en relations humaines (CNRRH) SARL e outros (C-238/08).
    Pedidos de decisão prejudicial: Cour de cassation - França.
    Marcas - Internet - Motor de busca - Publicidade a partir de palavras-chave (‘keyword advertising’) - Exibição, a partir de palavras-chave que correspondem a marcas, de links para sítios de concorrentes dos titulares das referidas marcas ou para sítios nos quais são propostos produtos de imitação - Directiva 89/104/CEE - Artigo 5.º - Regulamento (CE) n.º 40/94 - Artigo 9.º - Responsabilidade do operador do motor de busca - Directiva 2000/31/CE (‘Directiva sobre o comércio electrónico’).
    Processos apensos C-236/08 a C-238/08.

    Colectânea de Jurisprudência 2010 I-02417

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:569

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    M. POIARES MADURO

    apresentadas em 22 de Setembro de 2009 1(1)

    Processos apensos C‑236/08, C‑237/08 e C‑238/08

    Google France

    Google Inc.

    contra

    Louis Vuitton Malletier



    Google France

    contra

    Viaticum

    Luteciel



    Google France

    contra

    CNRRH

    Pierre‑Alexis Thonet

    Bruno Raboin

    Tiger, franchisada da Unicis


    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (França)]





    1.        O acto de escrever uma palavra‑chave num motor de busca da Internet tornou‑se parte integrante da nossa cultura, é‑nos imediatamente familiar. Os mecanismos internos através dos quais esses resultados nos chegam, diga‑se em abono da verdade, são, a maioria das vezes, desconhecidos do público em geral. Parte‑se simplesmente do princípio de que, se pedirmos, ser‑nos‑á dado; procurai e encontrareis (2).

    2.        De facto, cada vez que se escreve uma palavra‑chave num motor de busca, isto é, por cada conjunto de palavras introduzido, aparecem normalmente dois tipos de resultados: uma série de sítios relacionados com a palavra‑chave («resultados naturais») e, ao lado destes, anúncios publicitários de alguns sítios («anúncios») (3).

    3.        Enquanto os resultados naturais têm por base critérios objectivos, definidos pelo motor de busca, o mesmo não acontece com os anúncios. Estes aparecem em resposta à pesquisa, porque os anunciantes pagam para que os seus sítios respondam a determinadas palavras‑chave; isto é possível porque o prestador do serviço do motor de busca proporciona aos anunciantes a possibilidade de seleccionarem essas palavras‑chave.

    4.        Os presentes processos têm por objecto palavras‑chave que correspondem a marcas registadas. Mais especificamente, os titulares de marcas registadas (4) estão a tentar impedir a selecção dessas palavras‑chave pelos anunciantes. Querem também impedir que os prestadores do serviço do motor de busca possibilitem a exibição de anúncios em resposta a essas palavras‑chave, uma vez que pode acontecer que produtos concorrentes ou mesmo contrafeitos apareçam ao lado dos resultados naturais correspondentes aos seus próprios sítios. A questão, tal como foi colocada ao Tribunal de Justiça, consiste em saber se a utilização de uma palavra‑chave que corresponde a uma marca registada pode ser considerada, por si só, uma utilização de uma marca registada sujeita ao consentimento do respectivo proprietário.

    5.        A resposta vai determinar até que ponto palavras‑chave que correspondem a marcas registadas podem ser usadas sem controlo dos titulares dessas marcas registadas. Por outras palavras: quando introduzimos uma palavra‑chave que corresponde a uma marca registada, que resultados podemos obter e o que é que podemos encontrar no ciberespaço?

    I –    Quadro factual e jurídico

    6.        Os presentes processos resultam da apensação de três pedidos de decisão prejudicial da Cour de cassation (França), que têm todos por objecto o sistema de publicidade da Google, denominado «AdWords».

    7.        Estão em causa marcas comunitárias e francesas, e os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação da Directiva 89/104, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (5), e o Regulamento n.° 40/94, sobre a marca comunitária (6). Também é pedida uma interpretação da Directiva 2000/31, relativa à sociedade da informação (7).

    8.        Começarei por explicar o funcionamento do «AdWords», especialmente a sua interacção com o motor de busca da Google, e o contencioso a que este sistema de publicidade deu origem em alguns Estados‑Membros. Em seguida, descreverei brevemente o contexto de cada um dos pedidos de decisão prejudicial e enunciarei as questões prejudiciais submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça. Por último, falarei das disposições legais em causa nos presentes processos.

    A –    O motor de busca da Google, o seu sistema de publicidade «AdWords» e o contencioso nos Estados‑Membros com ele relacionado

    9.        A Google Inc. e a Google France SARL (a seguir, em conjunto ou individualmente, «Google») proporcionam aos internautas o acesso gratuito ao seu motor de busca. Quando um internauta introduz palavras‑chave nesse motor de busca, é‑lhe apresentada uma lista de resultados naturais. Estes resultados naturais são seleccionados e ordenados de acordo com a sua relevância em relação às palavras‑chave. Isto é feito através dos algoritmos automáticos do programa do motor de busca, que aplicam critérios puramente objectivos.

    10.      A Google também presta um serviço de publicidade, denominado «AdWords», que permite que apareçam anúncios ao lado dos resultados naturais, em resposta à introdução das palavras‑chave. Os anúncios consistem, normalmente, numa mensagem comercial curta e num link para o sítio do anunciante; distinguem‑se dos resultados naturais através da sua apresentação, com o cabeçalho «links patrocinados», ao cimo da página, em fundo de cor amarela, ou na sua margem direita (8). Os maiores concorrentes da Google (a Microsoft e a Yahoo!) têm serviços de publicidade semelhantes (9).

    11.      Através do AdWords, a Google permite que os anunciantes seleccionem palavras‑chave, de maneira a que os seus anúncios apareçam aos internautas quando introduzem essas palavras‑chave no motor de busca da Google (10). Cada vez que um internauta clica a seguir no link do anúncio, a Google é remunerada de acordo com o preço previamente acordado («preço por clique»). Não há limite para o número de anunciantes que podem seleccionar uma palavra‑chave, e se os anúncios relativos a essa palavra-chave não puderem ser apresentados todos ao mesmo tempo, serão ordenados de acordo com o preço por clique e com o número de vezes que os internautas já tenham clicado no link.

    12.      A Google criou um processo automatizado de selecção das palavras‑chave e de criação dos anúncios: os anunciantes escrevem as palavras‑chave, escrevem a mensagem comercial e criam o link para o seu sítio. Parte deste processo automatizado inclui a prestação, pela Google, de informações opcionais sobre o número de pesquisas efectuadas no seu motor de busca pelas palavras‑chave seleccionadas e por palavras‑chave relacionadas e sobre o número de anunciantes correspondente. Os anunciantes podem então restringir a sua selecção de palavras‑chave, de maneira a maximizar a visibilidade dos seus anúncios.

    13.      A Google financia o seu motor de busca, bem como uma série de outras aplicações gratuitas, com os rendimentos do AdWords.

    14.      Os sistemas de publicidade como o AdWords têm sido objecto de um contencioso relativo a marcas registadas em vários Estados‑Membros. A questão que tem sido levantada é a da legalidade da utilização de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas. A Google tem chamado a atenção para algumas decisões judiciais que consideraram que essa utilização é legal (embora com base noutros fundamentos) na Áustria, na Bélgica, na Alemanha, em Itália, nos Países Baixos e no Reino Unido.

    15.      Nas suas observações, as partes apenas mencionam um Estado‑Membro – a França – onde a legalidade desses serviços de publicidade é posta em causa, sendo certo que os tribunais inferiores têm posições divergentes sobre o assunto. Os três pedidos de decisão prejudicial objecto dos presentes processos foram apresentados pela Cour de cassation francesa, que foi chamada a pronunciar‑se sobre o assunto.

    B –    Contexto dos litígios e questões prejudiciais

    16.      A Google declarou que, devido à incerteza que os processos principais lançaram sobre a legalidade da sua actuação em França, bloqueou a possibilidade de os anunciantes seleccionarem palavras‑chave que correspondem a algumas das marcas registadas em causa, até que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas à sua apreciação.

    a)      Processo C‑236/08 («primeiro pedido de decisão prejudicial»)

    17.      O primeiro pedido de decisão prejudicial tem origem num litígio entre a Google e a Louis Vuitton Malletier SA (a seguir «LV»). A LV é proprietária da marca registada comunitária Vuitton e das marcas registadas francesas Louis Vuitton e LV; todas estas marcas gozam de um certo prestígio.

    18.      Nesse litígio, ficou provado que a introdução das marcas registadas da LV no motor de busca da Google fazia aparecer anúncios de sítios que vendem versões contrafeitas dos produtos da LV. Também foi provado que a Google dava aos anunciantes a possibilidade de seleccionarem, para esse efeito, não só palavras‑chave correspondentes às marcas registadas da LV mas também estas palavras‑chave conjugadas com expressões relacionadas com a contrafacção, como «imitação», «réplica» e «cópia» (11).

    19.      Os factos acima descritos levaram à condenação da Google por infracção ao regime das marcas registadas, decisão que foi confirmada em sede de recurso. A Google interpôs então recurso sobre questões de direito para a Cour de cassation, que submeteu à apreciação do Tribunal de Justiça três questões prejudiciais.

    20.      A primeira questão da Cour de cassation destina-se a determinar se o facto de permitir a selecção de palavras‑chave correspondentes a marcas registadas nacionais e comunitárias e de fazer publicidade a sítios que oferecem produtos contrafeitos constitui uma violação dessas marcas; a segunda questão aborda o assunto à luz da protecção especial concedida às marcas que gozam de prestígio; e a terceira questão diz respeito à possível aplicação da isenção de responsabilidade dos operadores que exercem a actividade de armazenagem em servidor:

    «1)      Devem os artigos 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [Directiva 89/104] e 9.°, n.° 1, alíneas a) e b), do [Regulamento n.° 40/94] ser interpretados no sentido de que o prestador de um serviço remunerado de [referenciamento] na Internet que põe à disposição dos anunciantes palavras‑chave que reproduzem ou imitam marcas registadas e organiza, através do contrato de [referenciamento], a criação e a exibição privilegiada, a partir dessas palavras‑chave, de [links publicitários] para sítios nos quais são oferecidos produtos contrafeitos, faz um uso destas marcas que o seu titular [pode] proibir?

    2)      [Se] as marcas gozarem de [prestígio], pode o titular opor‑se a tal uso (utilização) com base nos artigos 5.°, n.° 2, da directiva e 9.°, n.° 1, alínea c), do regulamento?

    3)      [Se] tal uso não [puder] ser proibido pelo titular da marca, em aplicação da directiva e do regulamento, pode o prestador do serviço remunerado [de referenciamento] na Internet ser considerado um fornecedor de um serviço da sociedade da informação, que consiste em armazenar informações fornecidas pelo destinatário do serviço, na acepção do artigo 14.° da Directiva 2000/31 […], de modo que [não pode incorrer em] responsabilidade […] antes de ter sido informado pelo titular da marca do uso ilícito do sinal por parte do anunciante?»

    i)      Processo C‑237/08 («segundo pedido de decisão prejudicial»)

    21.      O segundo pedido de decisão prejudicial tem origem num litígio entre a Google, por um lado, e a Viaticum SA (a seguir «Viaticum») e a Luteciel SARL (a seguir «Luteciel»), por outro. A Viaticum e a Luteciel são proprietárias das marcas registadas francesas bourse des vols, bourse des voyages e BDV.

    22.      No âmbito desse litígio, ficou provado que a introdução das marcas registadas da Viaticum e da Luteciel no motor de busca da Google fazia aparecer anúncios de sítios que vendem produtos idênticos ou semelhantes aos seus. Também ficou provado que a Google dava aos anunciantes a possibilidade de seleccionarem, para esse efeito, palavras‑chave correspondentes a essas marcas registadas. No entanto – e é aqui que os factos objecto deste pedido de decisão prejudicial se distinguem dos factos objecto do primeiro –, os produtos vendidos pelos sítios publicitados não violavam as marcas registadas em causa: ao longo do processo, os referidos produtos foram atribuídos a concorrentes da Viaticum e da Luteciel.

    23.      No entanto, não foram essas diferenças que impediram que a Google fosse igualmente condenada por violação do direito de marca e, em sede de recurso, à sua condenação por ter concorrido para a ocorrência dessa infracção. A Google interpôs então recurso sobre questões de direito para a Cour de cassation, que submeteu à apreciação do Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais.

    24.      A primeira questão da Cour de cassation destina-se a determinar se o facto de permitir a selecção de palavras‑chave correspondentes às referidas marcas e de fazer publicidade a sítios que oferecem produtos idênticos ou semelhantes constitui uma violação dessas marcas; a segunda questão é relativa à possibilidade de aplicação da isenção de responsabilidade dos operadores que exercem a actividade de armazenagem em servidor (como a terceira questão do primeiro pedido):

    «1)      Deve o artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [Directiva 89/104] ser interpretado no sentido de que o prestador de um serviço [de referenciamento] remunerado na Internet que põe à disposição dos anunciantes palavras‑chave que reproduzem ou imitam marcas registadas e organiza, através do contrato de remissão, a criação e a exibição privilegiada, a partir dessas palavras‑chave, de [links publicitários] para sítios nos quais são oferecidos produtos idênticos ou semelhantes aos cobertos pelo registo de marcas, faz um uso destas marcas que o seu titular [pode] proibir?

    2)      [Se] tal uso não [puder] ser proibido pelo titular da marca, em aplicação da directiva e do regulamento, pode o prestador do serviço [de referenciamento] remunerado na Internet ser considerado um fornecedor de um serviço da sociedade da informação, que consiste em armazenar informações fornecidas pelo destinatário do serviço, na acepção do artigo 14.° da Directiva 2000/31 […], de modo que [não pode incorrer em] responsabilidade […] antes de ter sido informado pelo titular da marca do uso ilícito do sinal por parte do anunciante?»

    ii)    Processo C‑238/08 («terceiro pedido de decisão prejudicial»)

    25.      O terceiro pedido de decisão prejudicial tem origem num litígio entre, por um lado, a Google, B. Raboin e a Tiger SARL (a seguir «Tiger») e, por outro, P.‑A. Thonet e o Centre national de recherche en relations humaines SARL (a seguir «CNRRH»). O CNRRH é detentor de uma licença relativa à marca registada francesa Eurochallenges, concedida por P.‑A. Thonet, o titular dessa marca registada.

    26.      No âmbito desse litígio, ficou provado que a introdução do termo «Eurochallenges» no motor de busca da Google fazia aparecer anúncios de sítios que vendem produtos idênticos ou semelhantes aos seus. Também ficou provado que a Google dava aos anunciantes a possibilidade de seleccionarem esse termo como palavra‑chave para esse efeito. Como no segundo pedido de decisão prejudicial, os produtos vendidos nesses sítios não infringiam essa marca registada e foram atribuídos a concorrentes.

    27.      A Google, B. Raboin e a Tiger foram condenados por violação do direito de marca, decisão que foi confirmada em sede de recurso. A Google e a Tiger interpuseram recursos separados para a Cour de cassation, que submeteu à apreciação do Tribunal de Justiça três questões prejudiciais.

    28.      A primeira questão da Cour de cassation destina-se a determinar se o facto de permitir a selecção de palavras‑chave correspondentes a uma marca registada constitui uma violação dessa marca; a segunda questão também diz respeito à possível violação de uma marca registada, mas que consiste em permitir essa selecção e em publicitar sítios que oferecem produtos idênticos ou semelhantes (como na primeira questão do segundo pedido de decisão prejudicial); a terceira questão é relativa à possibilidade de aplicação da isenção de responsabilidade dos operadores que exercem a actividade de armazenagem em servidor (como na última questão do primeiro e segundo pedidos de decisão prejudicial):

    «1)      A reserva, por um operador económico, através de um contrato de prestação de serviços [de referenciamento] remunerados na Internet, de uma palavra‑chave que [desencadeia], [se for feita uma pesquisa] que contenha esta palavra, a [exibição] de [um link que propõe] a ligação a um sítio explorado por este operador a fim de [oferecer] para venda produtos ou serviços, e que reproduz ou imita uma marca registada por um terceiro para designar produtos idênticos ou semelhantes, sem autorização do titular desta marca, constitui, por si só, uma violação do direito exclusivo garantido a este último pelo artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [Directiva 89/104]?

    2)      Deve o artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da [Directiva 89/104] ser interpretado no sentido de que o prestador de um serviço [de referenciamento] remunerado na Internet que põe à disposição dos anunciantes palavras‑chave que reproduzem ou imitam marcas registadas e organiza, através de contrato de remissão, a criação e a [exibição] privilegiada, a partir dessas palavras‑chave, de [links publicitários] para sítios nos quais são oferecidos produtos idênticos ou semelhantes aos cobertos pelos registos de marcas, faz um uso destas marcas que o seu titular [pode] proibir?

    3)      [Se] tal uso não [puder] ser proibido pelo titular da marca, em aplicação da directiva e do regulamento, pode o prestador do serviço [de referenciamento] remunerado na Internet ser considerado um fornecedor de um serviço da sociedade da informação, que consiste em armazenar informações fornecidas pelo destinatário do serviço, na acepção do artigo 14.° da Directiva 2000/31 […], de modo que [não pode incorrer em] responsabilidade […] antes de ter sido informado pelo titular da marca do uso ilícito do sinal por parte do anunciante?»

    C –    Disposições legais em causa

    29.      O sexto considerando da Directiva 89/104 dispõe:

    «[…] a presente directiva não exclui a aplicação às marcas de disposições do direito dos Estados‑Membros que não estejam abrangidas pelo direito de marcas, tais como disposições relativas à concorrência desleal, à responsabilidade civil ou à defesa dos consumidores».

    30.      O artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104, mencionado em todos os pedidos de decisão prejudicial, define o conceito de violação do direito de marca:

    «A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

    a)      De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

    b)      De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.»

    31.      O artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 trata da protecção especial que pode ser concedida às marcas registadas que gozem de prestígio:

    «Qualquer Estado‑Membro poderá também estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros façam uso, na vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, sempre que esta goze de prestígio no Estado‑Membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.»

    32.      O artigo 5.°, n.° 3, da Directiva 89/104 especifica, a título exemplificativo, algumas das utilizações que podem constituir uma violação do direito de marca:

    «Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

    […]

    d)      Utilizar o sinal nos documentos comerciais e na publicidade.»

    33.      Os n.os 1 e 2 do artigo 9.° do Regulamento n.° 40/94 são as disposições equivalentes, no que diz respeito às marcas comunitárias, ao artigo 5.°da Directiva 89/104:

    «1.      A marca comunitária confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:

    a)      Um sinal idêntico à marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada;

    b)      Um sinal que, pela sua identidade ou semelhança com a marca comunitária e pela identidade ou semelhança dos produtos ou serviços abrangidos pela marca comunitária e pelo sinal, provoque o risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

    c)      Um sinal idêntico ou similar à marca comunitária, para produtos ou serviços que não sejam similares àqueles para os quais a marca comunitária foi registada, sempre que esta goze de prestígio na Comunidade e que o uso do sinal sem justo motivo tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca comunitária ou lhe cause prejuízo.

    2.      Pode nomeadamente ser proibido, se estiverem preenchidas as condições enunciadas no n.° 1:

    […]

    d)      Utilizar o sinal em documentos comerciais e na publicidade.»

    34.      O artigo 14.° da Directiva 2000/31, outra disposição que é mencionada nos pedidos de decisão prejudicial, prevê uma isenção de responsabilidade dos operadores que exercem a actividade de armazenagem em servidor:

    «1.      Em caso de prestação de um serviço da sociedade da informação que consista no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador do serviço não possa ser invocada no que respeita à informação armazenada a pedido de um destinatário do serviço, desde que:

    a)      O prestador não tenha conhecimento efectivo da actividade ou informação ilegal e, no que se refere a uma acção de indemnização por perdas e danos, não tenha conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a actividade ou informação ilegal, ou

    b)      O prestador, a partir do momento em que tenha conhecimento da ilicitude, actue com diligência no sentido de retirar ou impossibilitar o acesso às informações.

    […]

    3.      O disposto no presente artigo não afecta a faculdade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infracção, nem afecta a faculdade de os Estados‑Membros estabelecerem disposições para a remoção ou impossibilitação do acesso à informação.»

    35.      A alínea a) do artigo 2.° da Directiva 2000/31 define os «serviços da sociedade da informação» por remissão para o artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 98/34 (12), conforme alterada pela Directiva 98/48 (13), ou seja, como:

    «qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via electrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços».

    O artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 98/34 (conforme alterada pela Directiva 98/48) dispõe ainda:

    «Para efeitos da presente definição, entende‑se por:

    –        ‘à distância’: um serviço prestado sem que as partes estejam simultaneamente presentes,

    –        ‘por via electrónica’: um serviço enviado desde a origem e recebido no destino através de instrumentos electrónicos de processamento (incluindo a compressão digital) e de armazenamento de dados, que é inteiramente transmitido, encaminhado e recebido por cabo, rádio, meios ópticos ou outros meios electromagnéticos,

    –        ‘mediante pedido individual de um destinatário de serviços’: um serviço fornecido por transmissão de dados mediante pedido individual.»

    36.      O artigo 15.° da Directiva 2000/31 dispõe que os prestadores de serviços da sociedade da informação não têm uma obrigação de vigilância da informação que transmitem ou armazenam:

    «1.      Os Estados‑Membros não imporão aos prestadores, para o fornecimento dos serviços mencionados nos artigos 12.°, 13.° e 14.°, uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que estes transmitam ou armazenem, ou uma obrigação geral de procurar activamente factos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes.

    2.      Os Estados‑Membros podem estabelecer a obrigação, relativamente aos prestadores de serviços da sociedade da informação, de que informem prontamente as autoridades públicas competentes sobre as actividades empreendidas ou informações ilícitas prestadas pelos autores aos destinatários dos serviços por eles prestados, bem como a obrigação de comunicar às autoridades competentes, a pedido destas, informações que permitam a identificação dos destinatários dos serviços com quem possuam acordos de armazenagem.»

    37.      O artigo 21.° da Directiva 2000/31 é relativo aos relatórios que devem ser apresentados à Comissão sobre a aplicação da directiva:

    «1.      Antes de 17 de Julho de 2003 e, seguidamente, de dois em dois anos, a Comissão apresentará ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social um relatório sobre a aplicação da presente directiva, acompanhado, se for caso disso, de propostas de adaptação à evolução legislativa, técnica e económica dos serviços da sociedade da informação, em especial em matéria de prevenção do crime, de protecção de menores e dos consumidores e ao adequado funcionamento do mercado interno.

    2.      O referido relatório, ao examinar a necessidade de adaptação da presente directiva, analisará, em particular, a necessidade de propostas relativas à responsabilidade dos prestadores de hiperligações e de instrumentos de localização, aos procedimentos de ‘notice and take‑down’ e à atribuição de responsabilidade após a retirada do conteúdo. O relatório analisará igualmente a necessidade de prever condições suplementares para a isenção de responsabilidades a que se referem os artigos 12.° e 13.°, à luz da evolução da técnica, e a possibilidade de aplicar os princípios do mercado interno às comunicações comerciais não solicitadas por correio electrónico».

    II – Apreciação

    38.      Os três pedidos de decisão prejudicial da Cour de cassation colocam todos a mesma questão essencial: a utilização pela Google, no seu sistema de publicidade AdWords, de palavras‑chave correspondentes a marcas registadas constitui uma violação dessas marcas? Embora os pedidos de decisão prejudicial não tenham exactamente a mesma formulação, todos têm por objecto a interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104 e são relativos, portanto, a essa questão essencial de saber se a Google infringiu o direito de marca.

    39.      A Google alega que não há utilização das marcas registadas em causa, uma vez que as palavras‑chave não constituem um sinal que as represente. Se este argumento fosse aceite, a questão da infracção nem sequer se teria levantado. Todavia, os presentes processos estão longe de serem assim tão simples. É verdade que as palavras‑chave não correspondem ao conceito clássico dos sinais: não são apostas em bens, não são utilizadas pelas empresas no exercício da sua actividade. No entanto, nenhum destes factores é decisivo para determinar se se deve considerar que certas actividades constituem uma utilização de uma marca registada.

    40.      Há utilização de uma marca registada, quando esta é representada, mais particularmente quando é utilizado um sinal idêntico ou semelhante a essa marca registada (14). Pode considerar‑se que as palavras‑chave que correspondem a marcas registadas também são uma representação dessas marcas. Por conseguinte, nos presentes processos, ao contrário do que a Google alega, há utilização das marcas registadas em causa. A questão de saber se essa utilização é relativa a bens ou serviços – outro ponto que a Google contesta – implica que se analise um dos requisitos necessários para que tal utilização constitua uma violação do direito de marca (15).

    41.      Antes de analisar esses requisitos, há que descrever as diferenças entre os três pedidos de decisão prejudicial da Cour de cassation, de maneira a definir o alcance das possíveis infracções em causa.

    42.      Todos os pedidos de decisão prejudicial são relativos à utilização, pela Google, de palavras‑chave correspondentes a marcas registadas; o terceiro pedido, porém, estende a questão da violação do direito de marca à sua utilização pelos anunciantes, perguntando se o facto de seleccionarem essas palavras‑chave constitui, em si mesmo, uma violação (primeira pergunta). Responderei a esta questão em último lugar, quando a resposta relativa à utilização feita pela Google já estiver esclarecida.

    43.      O primeiro pedido de decisão prejudicial tem algumas características específicas. Em primeiro lugar, respeita tanto a marcas nacionais como comunitárias; por conseguinte, é pedida a interpretação não só da Directiva 89/104 mas também do Regulamento n.° 40/94 (primeira pergunta). Todavia, os requisitos de que depende a violação do direito de marca são os mesmos nos termos da Directiva 89/104 e do Regulamento n.° 40/94, pelo que a minha resposta à questão de saber se houve violação será a mesma em ambos os casos (16).

    44.      No âmbito do primeiro pedido de decisão prejudicial é igualmente pedida a interpretação das disposições desses dois diplomas relativas às marcas que gozam de prestígio (segunda questão). Ao analisar a questão de saber se houve violação do direito de marca em causa, levarei igualmente em consideração, portanto, a protecção especial concedida a essas marcas.

    45.      Por último, o primeiro pedido de decisão prejudicial chama especialmente a atenção por a matéria de facto envolver «sítios de contrafacção», isto é, sítios que oferecem produtos contrafeitos (primeira questão). Os outros pedidos de decisão prejudicial, ao invés, dizem respeito a «sítios concorrentes», que propõem produtos que não violam quaisquer marcas. Os titulares das marcas em causa, apoiados pela França, salientaram a possibilidade de os sítios de contrafacção utilizarem o AdWords – como aconteceu no âmbito do primeiro pedido de decisão prejudicial – como um exemplo elucidativo da razão pela qual as palavras‑chave deviam ser sujeitas ao seu controlo. Isto leva‑me a proceder a importantes distinções.

    46.      Todos os pedidos de decisão prejudicial são relativos à utilização, pelo AdWords, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas; esta utilização, tal como foi descrita, consiste na selecção dessas palavras, de forma a que os anúncios apareçam na lista de resultados e sejam exibidos ao lado dos resultados naturais da pesquisa em que essas palavras foram usadas. Os pedidos de decisão prejudicial não dizem respeito à utilização de marcas registadas nos sítios dos anunciantes, nem aos produtos vendidos nesses sítios; também não são relativos à utilização de marcas registadas no texto dos anúncios exibidos (17). As referidas utilizações são todas independentes umas das outras e a legalidade de cada uma delas deve ser analisada autonomamente (18). Nos presentes processos, o Tribunal de Justiça é apenas chamado a pronunciar‑se sobre a legalidade da utilização das palavras‑chave.

    47.      Os titulares das marcas alegam que, embora distintas, todas essas utilizações se encontram, de um modo ou de outro, relacionadas entre si: se, por exemplo, houver uma utilização ilegal num sítio que vende bens contrafeitos, qualquer utilização feita pelo AdWords, relacionada com esse sítio, ficará afectada e poderá ser proibida pelo titular da marca. Se assim não fosse, o AdWords facilitaria, de facto, a infracção cometida nesse sítio. Como veremos, porém, as alegações dos titulares das marcas não se limitam a este exemplo, apenas lhe tendo sido dado realce na exposição do entendimento que perfilham devido ao seu poder sugestivo.

    48.      O objectivo dos titulares das marcas é ampliar o âmbito da protecção inerente ao regime das marcas, de maneira a abranger a actuação de quem possa contribuir para a violação do direito de marca por um terceiro. Esta figura é conhecida, nos Estados Unidos, por «contributory infringement» (contribuição para a violação de uma marca registada, a seguir «contribuição para a contrafacção») (19), mas, tanto quanto sei, esta teoria não é aplicada à protecção das marcas registadas na Europa, onde esta matéria é normalmente tratada no âmbito da legislação relativa à responsabilidade civil extracontratual (20).

    49.      Os titulares das marcas registadas exortam o Tribunal de Justiça a ir ainda mais longe, declarando que a mera possibilidade de um sistema – nos presentes processos, o AdWords – poder ser usado por terceiros para violar uma marca registada significa que esse sistema constitui, em si mesmo, uma violação. Com efeito, os titulares das marcas registadas não limitam as suas pretensões aos casos em que o AdWords é efectivamente utilizado por sítios que propõem bens contrafeitos; querem cortar o mal pela raiz, impedindo a Google de disponibilizar, para selecção, palavras‑chave correspondentes às suas marcas. Da existência de um risco de que o AdWords possa ser utilizado para promover esses sítios de contrafacção, os referidos titulares inferem um direito geral de proibir a utilização das suas marcas como palavras‑chave. Se, como alegam os titulares das marcas registadas, a violação consistir na utilização dessas palavras‑chave no AdWords, a violação verificar‑se‑á independentemente de os sítios exibidos em resultado da pesquisa violarem efectivamente a marca ou não.

    50.      Assim sendo, é pedido ao Tribunal de Justiça que amplie significativamente o âmbito de protecção das marcas. Esclarecerei as razões pelas quais entendo que o Tribunal não deve decidir nesse sentido. A minha análise da questão de saber se houve uma violação do direito de marca revelará, em primeiro lugar, que a utilização, no AdWords, de palavras‑chave correspondentes a marcas registadas não constitui, em si mesma, uma violação e, em segundo lugar, que a relação com outras utilizações (potencialmente ilegais) pode ser melhor analisada, como tem sido até agora, através das regras da responsabilidade civil.

    51.      Assim, há que tratar da questão subsidiária que consta de todos os pedidos de decisão prejudicial, para o caso de se considerar que não houve nenhuma violação do direito de marca: a actividade da Google no âmbito do AdWords pode ser objecto da isenção da responsabilidade por armazenagem em servidor, prevista na Directiva 2000/31?

    52.      As partes não estão de acordo quanto ao significado desta questão subsidiária, uma vez que algumas entendem que está relacionada com uma possível isenção da responsabilidade da Google pela violação do direito de marca. A Cour de cassation, no entanto, formulou expressamente a questão de maneira a que a mesma só se coloque se essa violação não se verificar. A meu ver, a Cour de cassation fê‑lo porque, se os titulares das marcas registadas puderem impedir o AdWords de utilizar palavras‑chave que correspondem às suas marcas, as questões que foram submetidas à sua apreciação estarão resolvidas. Se, porém, o Tribunal de Justiça considerar que não há violação e que o AdWords pode continuar com o seu actual modus operandi, continuará a ser necessário resolver a questão da possível responsabilidade da Google pelo conteúdo do AdWords. É por esta razão que a isenção da responsabilidade por armazenagem em servidor pode ser relevante nos presentes processos.

    53.      Por conseguinte, começarei por abordar (A) a questão básica de saber se a utilização pela Google, no AdWords, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas constitui uma violação do direito de marca; a seguir (B), tratarei da questão subsidiária de saber se a isenção de responsabilidade por armazenagem em servidor é aplicável aos conteúdos que a Google introduz no AdWords; e, por fim (C), da questão de saber se a utilização, pelos anunciantes, no AdWords, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas constitui uma violação do direito de marca.

    A –    Quanto à primeira questão do primeiro e do segundo pedido de decisão prejudicial e à segunda questão do primeiro e do terceiro pedido de decisão prejudicial, que consiste em saber se os titulares das marcas registadas podem impedir a Google de, através do AdWords, utilizar palavras‑chave que correspondem às suas marcas registadas

    54.      De acordo com jurisprudência assente, para que os titulares das marcas possam impedir a utilização das suas marcas ao abrigo do disposto no artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104 (ou, por outras palavras, para que haja uma violação do direito de marca), têm de estar preenchidos quatro requisitos. Um deles encontra‑se claramente preenchido: a utilização, pela Google, através do AdWords, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas carece manifestamente do consentimento dos titulares das marcas registadas. Resta, portanto, determinar se os restantes três requisitos se encontram preenchidos, ou seja, se essa utilização: i) é feita no âmbito do exercício de uma actividade comercial; ii) é relativa a bens ou serviços idênticos ou semelhantes aos abrangidos pelas marcas; e iii) prejudica ou é susceptível de prejudicar a função essencial da marca registada – que consiste em garantir aos consumidores a origem dos bens ou dos serviços –, por criar um risco de confusão por parte do público (21).

    55.      Antes de prosseguir a análise destes requisitos, considero que devo ser mais preciso no que diz respeito ao número de utilizações feitas pela Google. Até agora, tenho estado a referir‑me à «utilização», no AdWords, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas. Na verdade, não está em causa apenas uma, mas duas utilizações: a) quando a Google permite aos anunciantes seleccionarem as palavras‑chave (22) (sendo esta utilização, de certa forma, uma questão de funcionamento interno do AdWords), de maneira a que os anúncios dos seus sítios apareçam como resultado das pesquisas que utilizem essas palavras‑chave; e b) quando a Google exibe esses anúncios, ao lado dos resultados naturais que aparecem em resposta a essas palavras‑chave. Consequentemente, examinarei, em títulos diferentes, se cada uma destas utilizações preenche os requisitos acima referidos.

    56.      Estas duas utilizações estão intimamente, ou mesmo inextrincavelmente, ligadas: é o facto de ser permitida a selecção de certas palavras‑chave que faz com que seja possível que os anúncios surjam como resposta imediata a essas palavras‑chave. Apesar desta ligação, constituem utilizações diferentes que ocorrem em momentos diversos. A utilização a) quando os anunciantes empreendem o processo de selecção das palavras‑chave e a utilização b) quando são apresentados aos internautas os resultados das suas pesquisas. Têm alvos diferentes: o alvo da utilização a) são os anunciantes que querem usar o AdWords; o alvo da utilização b) são os internautas que usam o motor de busca da Google. Por último, são relativas a diferentes bens ou serviços: a utilização a) diz respeito ao próprio serviço da Google, o AdWords, e a utilização b) diz respeito aos bens e serviços oferecidos pelos sítios objecto dos anúncios.

    57.      Das questões colocadas emerge a existência de duas utilizações diferentes, ainda que não claramente diferenciadas. As questões da Cour de cassation relativas à Google aludem ao «prestador de um serviço [de referenciamento] remunerado na Internet que põe à disposição dos anunciantes palavras‑chave que reproduzem ou imitam marcas registadas e organiza, através do contrato de [referenciamento], a criação e a [exibição] privilegiada, a partir dessas palavras‑chave, de [links publicitários] para sítios» (o sublinhado é meu).

    58.      Se estas duas utilizações parecem estar fundidas numa única, em minha opinião, é porque a verdadeira intenção dos titulares das marcas registadas é demonstrar a existência de uma qualquer forma de «contribuição para a contrafacção». Como acima referi, os presentes processos vão fazer com que o Tribunal decida se a protecção inerente às marcas deve ser ampliada. Debruçar‑me‑ei sobre este aspecto mais detalhadamente, adiante, no título d), no qual analisarei se a possível contribuição da Google, através do AdWords, para a violação do direito de marca por terceiros constitui, em si mesmo, uma violação. Por agora, no entanto, não me afastarei da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça e analisarei separadamente cada uma dessas utilizações.

    59.      Abordarei igualmente adiante, no título c), a questão de saber se a utilização, pela Google, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas afecta outras funções da marca para além da sua função essencial de garantir a origem dos bens e dos serviços. Como já foi referido, o facto de essa função essencial ser afectada é um dos requisitos para que se verifique uma violação do direito de marca. No entanto, o Tribunal de Justiça completou essa jurisprudência assente, declarando que, mesmo que este requisito não esteja preenchido, pode haver violação para efeitos do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104, se foram afectadas outras funções da marca registada (23). Como virei a expor, essas outras funções têm um papel a desempenhar na protecção concedida tanto pelo n.° 1 como pelo n.° 2 do artigo 5.° da referida directiva. Por conseguinte, a segunda questão do primeiro pedido de decisão prejudicial, que diz respeito à protecção especial concedida às marcas que gozam de prestígio, também será analisada nesse título.

    a)      Quanto à utilização que consiste no facto de a Google permitir que os anunciantes seleccionem no AdWords palavras‑chave que correspondem a marcas registadas, de maneira a que os anúncios dos seus sítios apareçam como resultado das pesquisas que contêm essas palavras‑chave

    i)      Utilização no âmbito do exercício de uma actividade comercial

    60.      O objectivo subjacente a este requisito de que depende a existência de uma violação do direito de marca é fazer a distinção entre uma utilização privada e uma «actividade comercial destinada à obtenção de um proveito económico» (24); só esta última pode ser impedida pelo titular da marca.

    61.      Quando a Google oferece aos anunciantes, através do AdWords, a possibilidade de seleccionarem palavras‑chave que correspondem a marcas registadas, fá‑lo no exercício da sua actividade comercial: apesar de a sua remuneração ser posterior (quando os internautas clicam no link do anúncio), o serviço prestado pela Google é «destinad[o] à obtenção de um proveito económico». Assim, deve considerar‑se que este requisito se encontra preenchido.

    ii)    Utilização relativa a bens ou a serviços idênticos ou semelhantes aos abrangidos pelas marcas

    62.      Este requisito de que depende a existência de uma violação do direito de marca, ao ser formulado de modo amplo, através da expressão «utilização relativa a bens ou a serviços», significa que o titular da marca registada pode impedir muitas utilizações para além da simples aposição da marca registada ao produto. Não obstante, para que este requisito esteja preenchido, a utilização tem de implicar uma ligação aos bens ou serviços idênticos ou semelhantes aos abrangidos pela marca registada.

    63.      O artigo 5.°, n.° 3, da Directiva 89/104 contém uma lista não taxativa dos tipos de utilizações que podem ser proibidas. Os titulares das marcas registadas interpretaram a inclusão, no artigo 5.°, n.° 3, da utilização «na publicidade» como a confirmação de que têm o direito de proibir todas as actividades exercidas pela Google através do AdWords. A Google alega que as suas actividades não correspondem a uma utilização «na publicidade», uma vez que as palavras‑chave não fazem parte dos anúncios.

    64.      Em meu entender, a referência, no artigo 5.°, n.° 3, da Directiva 89/104, à utilização «na publicidade» tem por objectivo abranger as situações mais típicas, em que a marca é utilizada no próprio anúncio. Esta utilização pode efectivamente fazer‑se nos anúncios exibidos pelo AdWords, porém, como já referi, o Tribunal de Justiça não foi questionado sobre o texto desses anúncios, mas apenas sobre as palavras‑chave. A qualificação artificial de todas as actividades do AdWords da Google como utilizações «na publicidade» dissimularia o que este requisito pretende determinar: com que bens e serviços se relaciona cada utilização. Isto pode, obviamente, variar de acordo com a utilização.

    65.      O que é relevante, portanto, é o conceito de «utilização relativa a bens ou a serviços» – recorde‑se que a utilização «na publicidade» é apenas uma ilustração. O Tribunal de Justiça centrou‑se correctamente neste conceito, esclarecendo que tal requisito se encontra preenchido quando um sinal correspondente a uma marca registada é utilizado «de tal forma que se estabelece um nexo entre o sinal […] e os produtos […] comercializados ou os serviços […] prestados» (25).

    66.      O factor determinante é, portanto, o nexo que é estabelecido entre a marca registada e o bem ou serviço que está à venda. No exemplo tradicional da utilização na publicidade, o nexo é estabelecido entre a marca registada e o bem ou o serviço vendido ao público em geral. Isto acontece, por exemplo, quando o anunciante vende um bem com essa marca. Não é o que acontece no caso da utilização feita pela Google, que consiste em permitir que os anunciantes seleccionem palavras‑chave, de maneira a que os seus anúncios surjam como resultado das pesquisas. Não há nenhum bem ou serviço vendido ao público em geral. A utilização limita‑se ao processo de selecção, que é um mecanismo interno do AdWords e diz apenas respeito à Google e aos anunciantes (26). O serviço que é vendido, e ao qual está ligada a utilização das palavras‑chave que correspondem às marcas registadas, é, portanto, o próprio serviço da Google, o AdWords.

    67.      Parece evidente que o AdWords não é idêntico ou semelhante a nenhum dos bens ou serviços abrangidos pelas marcas. Assim, este requisito não se encontra preenchido e, consequentemente, a utilização que consiste em permitir aos anunciantes seleccionarem no AdWords palavras‑chave correspondentes a marcas registadas, de maneira a que sejam exibidos anúncios dos seus sítios como resultado de pesquisas em que essas palavras‑chave foram usadas não constitui uma violação do direito de marca em causa.

    iii) Utilização que afecta ou é susceptível de afectar a função essencial da marca registada, devido ao risco de confusão por parte do público

    68.      O facto de a utilização, pela Google, de marcas registadas por razões inerentes ao funcionamento do AdWords não ser relativa a bens ou serviços idênticos ou semelhantes aos abrangidos por essas marcas, e, portanto, não preencher o requisito anterior, torna desnecessário analisar em pormenor este requisito, desde logo porque devemos ter presente que os quatro requisitos de que depende a existência de uma violação do direito de marca são cumulativos (27).

    69.      Acresce que, nos casos em que o requisito anterior não se encontre preenchido, é pouco provável que a função essencial da marca registada – que consiste em garantir aos consumidores a origem dos bens ou dos serviços – tenha sido afectada ou possa vir a sê‑lo (28). Uma vez que a utilização feita pela Google não envolve bens ou serviços idênticos ou semelhantes, não pode haver, em princípio, risco de confusão por parte dos consumidores. Assim, de qualquer forma, este requisito também não se encontra preenchido.

    b)      Quanto à utilização que consiste no facto de a Google, através do AdWords, exibir anúncios ao lado dos resultados naturais de uma pesquisa que inclui palavras‑chave que correspondem a marcas registadas

    70.      Antes de analisar se esta utilização constitui uma violação do direito de marca, é importante abordar a questão das possíveis implicações dos presentes processos para o motor de busca da Google.

    71.      O que está em causa é a exibição de anúncios como resultado da utilização de palavras‑chave correspondentes a marcas registadas. No entanto, caso se venha a considerar que essa utilização constitui uma violação do direito de marca, pode ser difícil evitar que essa decisão se aplique também à utilização de palavras‑chave no motor de busca da Google. Embora as questões colocadas digam apenas respeito ao AdWords, as alegações das partes mostram que estão conscientes deste risco. Têm razão quando afirmam que a actividade actual da Google através do AdWords é distinta da sua actividade de fornecedor de um motor de busca. Posto isto, não há nenhuma diferença substancial entre a utilização que a própria Google faz das palavras‑chave no seu motor de busca e a utilização que delas faz no AdWords: apresenta determinados conteúdos em resposta a essas palavras‑chave.

    72.      É certo que, ao associar anúncios a determinadas palavras‑chave através do AdWords, a Google proporciona uma maior visibilidade aos sítios dos anunciantes. No entanto, deve recordar‑se que esses sítios, mesmo os de contrafacção, poderiam aparecer entre os resultados naturais das mesmas palavras‑chave (dependendo da sua relevância para os algoritmos automáticos do motor de busca). Deve igualmente recordar‑se que os anúncios e os resultados naturais têm características muito semelhantes: uma mensagem curta e um link. Por conseguinte, a diferença entre anúncios e resultados naturais reside não tanto no facto de os anúncios conferirem ou não visibilidade, mas no grau desta visibilidade. Duvido que, para efeitos da protecção da marca, essa diferença de grau seja suficiente para distinguir a exibição de anúncios, por um lado, da dos resultados naturais, por outro, ambos em resposta às mesmas palavras‑chave.

    73.      Em particular, parece‑me difícil basear essa distinção nos requisitos exigidos pelo Tribunal de Justiça para concluir pela existência de uma violação do direito de marca, que não dependem do tipo de actividade desde que a utilização tenha lugar no âmbito do exercício de uma actividade comercial. Não obstante, gostava de deixar claro que esta dificuldade não basta, por si só, para excluir a possibilidade da existência de uma violação nos presentes processos. Se chamo a atenção do Tribunal de Justiça para esta questão é para realçar todas as possíveis consequências dos presentes processos. Se o Tribunal de Justiça considerar que o facto de a Google permitir a apresentação de sítios em resposta a determinadas palavras‑chave constitui uma violação do direito de marca, pode ser difícil distinguir a situação da AdWords da do motor de busca da Google.

    74.      Para demonstrar o risco de «sobreposição» das duas, procederei em seguida à comparação entre a aplicação dos requisitos de que depende a existência de uma violação do direito de marca e a exibição, em resposta a palavras‑chave correspondentes a marcas registadas, respectivamente, de anúncios e de resultados naturais. Esta comparação será igualmente útil para avaliar o risco de confusão envolvido.

    i)      Utilização no âmbito do exercício de uma actividade comercial

    75.      Como referi, este requisito encontra‑se preenchido se a utilização for feita no âmbito de uma «actividade comercial destinada à obtenção de um proveito económico» (29).

    76.      É o que acontece com a exibição de anúncios pela Google: quando os internautas clicam nos links desses anúncios, a Google recebe uma remuneração dos anunciantes. Consequentemente, deve considerar‑se que este requisito se encontra preenchido.

    77.      De igual modo, a exibição de resultados naturais em resposta às mesmas palavras‑chave também se destina «à obtenção de um proveito económico». Os resultados naturais não são dados de mão beijada: são fornecidos porque, como já referi, a AdWords opera no mesmo contexto, proporcionando a determinados sítios uma maior visibilidade. O valor desta visibilidade depende da utilização do motor de busca pelos internautas. Embora a Google não receba nenhuma contrapartida directa por esta utilização, a mesma está, obviamente, na origem dos rendimentos que a Google aufere através do AdWords, que, por sua vez, permitem financiar o seu motor de busca. Nesta medida, a exibição de resultados naturais no motor de busca da Google também preenche o referido requisito.

    ii)    Utilização relativa a bens ou a serviços idênticos ou semelhantes aos abrangidos pelas marcas

    78.      Como observei, este requisito depende da possibilidade de se estabelecer uma ligação entre a utilização da marca e os bens vendidos ou os serviços prestados (30).

    79.      É o que faz a Google através do AdWords: ao exibir anúncios em resposta às palavras‑chave que correspondem a marcas registadas, estabelece uma ligação entre essas palavras‑chave e os sítios publicitados, incluindo os bens ou os serviços vendidos por intermédio desses sítios. Embora as palavras‑chave não constem dos próprios anúncios, esta utilização pode ser abrangida pelo conceito de utilização «na publicidade», prevista no artigo 5.°, n.° 3, alínea d), da Directiva 89/104: a ligação é estabelecida entre a marca registada e os bens ou os serviços publicitados. Os sítios em causa vendem bens idênticos ou semelhantes aos abrangidos pela marca registada (incluindo produtos contrafeitos). Por conseguinte, este requisito deve considerar‑se preenchido.

    80.      A mesma ligação é estabelecida entre palavras‑chave que correspondem a marcas registadas e os sítios que são apresentados nos resultados naturais. Poder‑se‑ia argumentar que a ligação é diferente porque os anúncios e os resultados naturais são apresentados de modo diverso. Todavia, não é o caso: ambos são compostos por uma mensagem curta e um link para um sítio. O AdWords emula propositadamente o motor de busca da Google, uma vez que a função do motor de busca é precisamente estabelecer uma ligação entre palavras‑chave e sítios.

    81.      Também se poderia contra‑argumentar que, uma vez que a Google não ganha nada com a exibição dos resultados naturais, ou uma vez que os proprietários dos sítios não têm influência no conteúdo da mensagem curta que aparece juntamente com esses resultados, isto não constitui uma utilização «na publicidade», na acepção do artigo 5.°, n.° 3, alínea d), da Directiva 89/104. Não há necessidade de analisar a questão (31): a ligação é estabelecida entre as palavras‑chave e os bens ou os serviços vendidos através dos sítios apresentados como resultados naturais, e isto é quanto basta para que a exibição dos resultados naturais preencha este requisito.

    iii) Utilização que afecta ou é susceptível de afectar a função essencial da marca registada, devido ao risco de confusão por parte do público

    82.      Como acima referi, este requisito implica verificar se há risco de confusão, por parte dos consumidores, quanto à origem dos bens ou serviços (32).

    83.      Vale a pena recordar que o Tribunal de Justiça apenas é questionado sobre a utilização de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas, e não sobre a utilização de marcas registadas nos anúncios ou nos produtos vendidos por intermédio dos sítios publicitados. Qualquer uma destas duas últimas utilizações por terceiros pode gerar confusão e constituir, em si mesma, uma violação. Porém, isso apenas afectaria a utilização de palavras‑chave pela Google, se fosse aplicada a doutrina da «contribuição para a contrafacção»: a utilização feita pela Google constituiria então uma violação unicamente com base na sua contribuição para a violação perpetrada por terceiros. Como referi, esta possibilidade será analisada separadamente. De momento, concentrar‑me‑ei no possível risco de confusão decorrente da utilização das palavras‑chave para a exibição dos anúncios, independentemente da natureza desses anúncios e dos sítios envolvidos.

    84.      Com observei, a exibição de anúncios estabelece um nexo entre as palavras‑chave correspondentes à marca registada e os sítios publicitados. A questão é saber se esse nexo pode levar os consumidores a confundir a origem dos produtos ou serviços propostos nesses sítios – antes ainda de o conteúdo desses sítios ser levado em conta. Para que este risco exista, é necessário que os consumidores estejam convencidos de que, pelo simples facto de determinados sítios estarem associados a essas palavras‑chave, os mesmos sítios «provêm da mesma empresa [enquanto titular da marca] ou, sendo o caso, de empresas ligadas economicamente» (33).

    85.      Este risco de confusão não se pode presumir – deve ser provado (34). A questão de determinar se há risco de confusão é deixada, em regra, ao tribunal de reenvio, uma vez que pode envolver apreciações complexas dos factos (35). Todavia, as partes pediram ao Tribunal de Justiça que avaliasse esse risco, nomeadamente que determinasse se os internautas «confundem» os anúncios com os resultados naturais (36). Mesmo que o Tribunal de Justiça estivesse em condições de proceder a esta específica apreciação dos factos, creio que isso não teria nenhuma utilidade – de facto, a própria questão é falaciosa.

    86.      Ao comparar anúncios com resultados naturais, as partes partem do princípio de que os resultados naturais são resultados «verdadeiros» – isto é, que provêm dos próprios titulares das marcas registadas. Acontece que não provêm. Como os anúncios exibidos, os resultados naturais são apenas informações que a Google, com base em certos critérios, apresenta em resposta às palavras‑chave. Muitos dos sítios apresentados não correspondem, efectivamente, aos sítios dos titulares das marcas registadas.

    87.      As partes estão influenciadas pela convicção a que me referi no início, segundo a qual quando um internauta procura alguma coisa no motor de busca da Google, encontra‑a. Todavia, não se trata de uma convicção absoluta; os internautas têm consciência de que terão de filtrar os resultados naturais das suas pesquisas, que por vezes atingem números elevados. Podem contar com o facto de alguns desses resultados naturais corresponderem ao sítio do titular da marca (ou a uma empresa ligada economicamente a esse titular), mas, seguramente, não acreditarão que é o caso de todos os resultados naturais. Além disso, às vezes, podem nem sequer estar à procura do sítio do titular da marca, mas sim de outros sítios relacionados com os bens ou os serviços comercializados sob essa marca: por exemplo, podem não estar interessados em comprar os produtos do titular da marca, mas simplesmente em ter acesso a sítios que avaliam esses bens.

    88.      O motor de busca da Google ajuda a filtrar os resultados naturais, ordenando‑os de acordo com a respectiva pertinência para as palavras‑chave usadas. Os internautas podem ter a expectativa, com base na avaliação que fazem da qualidade do motor de busca da Google, de que os resultados mais pertinentes incluam o sítio do titular da marca registada ou qualquer outro sítio de que estejam à procura. No entanto, isto não passa de uma expectativa. A confirmação só se dá quando aparece o link para o sítio, é lida a descrição e o utilizador clica no link. Muitas vezes, a expectativa será gorada, e os internautas voltarão atrás e tentarão o resultado pertinente seguinte.

    89.      O motor de busca da Google não passa de uma ferramenta: a ligação que estabelece entre palavras‑chave que correspondem a marcas registadas e resultados naturais, mesmo em relação aos sítios mais pertinentes, não é suficiente para originar confusão. Os internautas só tomam uma decisão relativamente à origem dos bens ou dos serviços propostos nos sítios, ao ler a respectiva descrição e, em última análise, saindo da Google e entrando nesses sítios.

    90.      Os internautas avaliam os anúncios da mesma maneira que avaliam os resultados naturais. Ao utilizar o AdWords, os anunciantes procuram, efectivamente, fazer com que os seus anúncios beneficiem da mesma expectativa de pertinência na pesquisa efectuada – razão pela qual são exibidos ao lado dos resultados naturais mais relevantes. Contudo, mesmo admitindo que os internautas estejam à procura do sítio do titular da marca, não há risco de confusão pelo facto de também aparecerem anúncios.

    91.      Como acontece com os resultados naturais, os internautas só farão uma avaliação da origem dos bens ou dos serviços publicitados, com base no conteúdo do anúncio e visitando os sítios publicitados; não vão fazer nenhuma avaliação unicamente com base no facto de os anúncios serem exibidos em resposta a palavras‑chave correspondentes a marcas registadas. O risco de confusão está no anúncio e nos sítios publicitados; porém, como já salientei, o Tribunal de Justiça não é questionado sobre essa utilização, feita por terceiros, mas apenas sobre a utilização, pela Google, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas.

    92.      Consequentemente, há que concluir que nem a exibição de anúncios nem a exibição de resultados naturais em resposta a palavras‑chave correspondentes a marcas registadas originam risco de confusão quanto à origem dos bens e dos serviços. Assim, nem o AdWords nem o motor de busca da Google afectam ou são susceptíveis de afectar a função essencial da marca.

    c)      Quanto à questão que consiste em determinar se as utilizações, pela Google, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas afectam outras funções da marca para além da sua função essencial, em particular, se tiram indevidamente proveito do carácter distintivo ou do prestígio das marcas, ou se os prejudicam

    93.      As marcas registadas que gozam de prestígio beneficiam de uma protecção especial em comparação com as marcas normais: a sua utilização pode ser proibida não apenas em relação a bens ou a serviços idênticos ou semelhantes mas também em relação a quaisquer bens ou serviços que tirem indevidamente proveito do seu carácter distintivo ou do seu prestígio, ou lhes causem prejuízo (37).

    94.      O Tribunal de Justiça confirmou que esta protecção especial concedida às marcas de prestígio não depende da existência de um risco de confusão por parte dos consumidores (38). Por conseguinte, a referida protecção especial é independente da função essencial da marca registada, de garantir a origem dos produtos ou dos serviços, estando relacionada com outras funções da marca.

    95.      O Tribunal de Justiça já declarou que essas outras funções da marca incluem a garantia da qualidade dos bens ou dos serviços e as de comunicação, de investimento ou de publicidade; declarou igualmente que essas funções não se limitam às marcas de prestígio, antes sendo comuns a todas as marcas registadas (39).

    96.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça fez dois esclarecimentos importantes. Em primeiro lugar, confirmou que, para além do objectivo de impedir que os consumidores sejam enganados, as marcas registadas também servem para promover a inovação e o investimento económico. Uma marca protege o investimento feito pelo respectivo titular no bem ou no serviço correspondente e, ao fazê‑lo, cria um incentivo económico para mais inovação e investimento. As outras funções da marca, referidas pelo Tribunal de Justiça, estão relacionadas com essa promoção da inovação e do investimento.

    97.      O segundo esclarecimento consiste no facto de o Tribunal de Justiça ter definido uma escala para a protecção da inovação e do investimento. Esta escala não existe no que diz respeito ao objectivo de impedir que o consumidor seja enganado: sempre que haja risco de confusão, há violação do direito de marca (40). Excepto no que diz respeito ao risco de confusão, os requisitos de que depende a existência de uma violação variam.

    98.      No topo da hierarquia está a protecção especial concedida pelo artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 às marcas que gozam de prestígio. O «esforço comercial despendido pelo titular da marca para gerar e manter a imagem dessa marca» permite impedir um vasto leque de associações, das associações negativas, que podem prejudicar a reputação ou o carácter distintivo da marca, às associações positivas, que tiram proveito do investimento do titular (41).

    99.      A meio da hierarquia está a protecção concedida pelo artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104, no que diz respeito a bens ou serviços que são idênticos aos abrangidos pela marca registada. Foi em relação a bens ou serviços idênticos que o Tribunal de Justiça declarou que o titular da marca pode proibir utilizações que afectem as funções de «garantir a qualidade desse produto ou desse serviço, ou as de comunicação, de investimento ou de publicidade (42).

    100. Na base da hierarquia está a protecção concedida pelo artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104, no que diz respeito a bens ou serviços que são semelhantes aos abrangidos pela marca registada. Esta protecção, segundo o Tribunal de Justiça, não é a mesma que a concedida pelo artigo 5.°, n.° 1, alínea a): uma vez que está em causa a mera semelhança entre bens ou serviços, «o risco de confusão constitui a condição específica da protecção» (43). Por conseguinte, as outras funções da marca só podem ser afectadas em casos muito específicos, ainda por definir pelo Tribunal de Justiça.

    101. Todos estes tipos de protecção – independentemente da respectiva posição na hierarquia – estão ligados à promoção da inovação e do investimento. Os tipos de associação que podem ser proibidos variam de acordo com o que é considerado legítimo à luz desse objectivo de promoção da inovação e do investimento: mais protecção para as marcas de prestígio do que para as marcas normais, e mais protecção para bens ou serviços idênticos do que para bens ou serviços semelhantes (44).

    102. Todavia, seja qual for a protecção concedida à inovação e ao investimento, nunca é absoluta. Deve ser sempre objecto de ponderação com outros interesses, da mesma forma que a própria protecção das marcas é objecto de ponderação com a inovação e o investimento. Creio que os presentes processos impõem que se proceda a essa ponderação em relação à liberdade de expressão e à liberdade de comércio (45).

    103. Estas liberdades são particularmente importantes neste contexto, porque a promoção da inovação e do investimento também pressupõe que haja concorrência e livre acesso às ideias, palavras e sinais. Essa promoção é sempre o resultado de um equilíbrio encontrado entre os incentivos, sob a forma de bens privados dados a quem inova e investe, e a natureza pública dos bens necessários para apoiar e sustentar a inovação e o investimento. Este equilíbrio é um aspecto fulcral da protecção das marcas. Por conseguinte, embora ligados aos interesses do titular da marca, os direitos inerentes às marcas não podem ser concebidos como direitos de propriedade clássicos, que permitem ao titular da marca excluir quaisquer outras utilizações (46). A transformação de certas expressões e sinais – bens intrinsecamente públicos – em bens privados é um efeito da lei e é limitada aos legítimos interesses que a lei considera dignos de protecção. É por esta razão que só algumas utilizações podem ser proibidas pelo titular da marca, ao passo que muitas outras têm de ser aceites (47).

    104. Uma das utilizações que deve ser aceite é a utilização com finalidades meramente descritivas. O Tribunal de Justiça já declarou que a utilização de uma marca para descrever as características de bens ou serviços não pode, se indicar claramente a origem dos bens ou serviços em causa, ser proibida pelo titular da marca (48). Ao pronunciar‑se neste sentido, o Tribunal de Justiça deixou claro que as utilizações com finalidades meramente descritivas «não ofendem nenhum dos interesses que [o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104] visa proteger» (49); isto inclui, por definição, as funções da marca relacionadas com a inovação e o investimento (50). Consequentemente, as utilizações com finalidades meramente descritivas são permitidas mesmo que estejam em causa marcas de prestígio (51).

    105. Outra situação deste tipo é a da publicidade comparativa, tal como é definida pela Directiva 84/450 (52), que permite que as empresas utilizem sinais idênticos às marcas dos seus concorrentes, com o objectivo de comparar os seus bens e serviços (53). Pela sua própria natureza, a publicidade comparativa tira vantagem das inovações e dos investimentos feitos anteriormente pelos titulares das marcas para promover produtos concorrentes. O facto de isto ser permitido demonstra a importância da liberdade de expressão e da liberdade de comércio, que estimulam a concorrência e beneficiam os consumidores (54). Assim, nem o investimento correspondente às marcas de prestígio é protegido contra esta publicidade (55).

    106. A questão levantada nos presentes processos é a de saber se a liberdade de expressão e a liberdade de comércio também devem prevalecer sobre os interesses dos titulares das marcas no contexto das utilizações, feitas pela Google, de palavras‑chave que correspondem a marcas. Estas utilizações não são de natureza puramente descritiva (56) e também não consistem em publicidade comparativa. No entanto, comparativamente com o que acontece nessas situações, o AdWords estabelece um nexo com a marca, para dar informações ao consumidor, sem que tal origine risco de confusão. Fá‑lo tanto indirectamente, quando permite a selecção de palavras‑chave, como directamente, quando exibe anúncios.

    107. As utilizações, pela Google, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas são independentes da utilização da marca nos anúncios exibidos e nos sítios publicitados pelo AdWords; limitam‑se a transmitir essa informação ao consumidor. A Google faz isto de uma maneira que pode ser considerada ainda menos intrusiva em relação aos interesses dos titulares das marcas do que as utilizações puramente descritivas ou a publicidade comparativa. Como desenvolverei em breve, este aspecto torna‑se mais claro se pensarmos no absurdo que seria permitir que os sítios utilizassem uma marca com finalidades meramente descritivas ou para efeitos de publicidade comparativa, mas não permitir que a Google apresentasse um link para esses sítios. Por conseguinte, creio que se deve aplicar o mesmo princípio: tendo em conta a inexistência de risco de confusão, os titulares das marcas não têm o direito geral de impedir estas utilizações.

    108. Temo que os titulares das marcas, se puderem proibir essas utilizações com base na protecção conferida pela marca, criem um direito absoluto de controlo da utilização das suas marcas como palavras‑chave. Tal direito de controlo absoluto abrangeria, de facto, tudo quanto pudesse ser mostrado e dito no ciberespaço relativamente aos bens e serviços associados à marca.

    109. É verdade que, nos presentes processos, os titulares das marcas registadas limitam as suas pretensões às utilizações feitas pela Google através do AdWords. Não obstante, afastado o conceito de «confusão» entre anúncios e resultados naturais, a questão passa a ser de perspectiva. Os titulares das marcas também podem tentar proibir a exibição de resultados naturais ao lado de anúncios. O direito de controlo que os titulares das marcas invocam estende‑se a todos os resultados de palavras‑chave correspondentes às suas marcas.

    110. Este direito absoluto não levaria em conta a natureza específica da Internet e o papel que as palavras‑chave aí desempenham. A Internet funciona sem nenhum controlo central, e talvez seja esta a chave do seu crescimento e do seu sucesso: depende do que nela é livremente introduzido pelos seus diversos utilizadores (57). As palavras‑chave são um dos instrumentos – se não o principal instrumento – através do qual essa informação é organizada e disponibilizada aos internautas. Assim, as palavras‑chave são, em si mesmas, de conteúdo neutro: permitem aos internautas chegar a sítios associados a tais palavras. Muitos destes sítios são perfeitamente legítimos e legais, apesar de não serem o sítio do titular da marca.

    111. Consequentemente, o acesso dos internautas à informação relativa às marcas não deve ser limitado ao titular da marca ou por ele. Esta asserção não é apenas válida para os motores de busca como o da Google; ao invocar o direito de controlar as palavras‑chave que correspondem a marcas registadas nos sistemas de publicidade como o AdWords, os titulares das marcas poderiam, de facto, impedir os internautas de ver os anúncios de outros operadores para actividades perfeitamente legítimas relacionadas com as marcas, o que afectaria, por exemplo, sítios que se dedicam à avaliação dos produtos, à comparação de preços ou à venda de produtos em segunda mão.

    112. Deve recordar‑se que essas actividades são legítimas precisamente porque os titulares das marcas não têm um direito absoluto de controlo da utilização das suas marcas. O Tribunal de Justiça desempenhou um papel determinante ao consagrar este entendimento, tendo sustentado que os interesses dos titulares das marcas não eram suficientes para impedir os consumidores de beneficiar de um mercado interno competitivo (58). Seria paradoxal que o Tribunal de Justiça limitasse agora a possibilidade de os consumidores acederem a esses benefícios, enquanto internautas, através da utilização de palavras‑chave.

    113. Por conseguinte, há que concluir que as utilizações, pela Google, no AdWords, de palavras‑chave correspondentes a marcas registadas não afectam as outras funções da marca, nomeadamente a de garantir a qualidade dos bens ou dos serviços, ou as de comunicação, de investimento ou de publicidade. As marcas de prestígio gozam de uma protecção especial por causa dessas funções, mas, mesmo assim, não se pode considerar que essas funções sejam afectadas. Assim, as utilizações feitas pela Google não podem ser proibidas mesmo que envolvam marcas de prestígio.

    d)      Quanto à questão que consiste em determinar se a possível contribuição da Google, através do AdWords, para a violação do direito de marca por terceiros constitui, em si mesma, uma violação do direito de marca

    114. Já foi observado que os argumentos dos titulares das marcas registadas parecem não fazer a distinção entre a utilização das suas marcas pela Google e a sua utilização por terceiros. Quando a Google permite a selecção de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas, ou quando exibe anúncios em resposta a essas palavras‑chave, é a possibilidade de essas marcas caírem nas «mãos erradas» de sítios de contrafacção que é salientada pelos titulares para alegar que a Google cometeu uma violação do direito de marca.

    115. Os titulares das marcas não têm nenhum problema de ordem jurídica em combater os sítios de contrafacção, na medida em que estes sítios estão claramente envolvidos em infracções ao direito de marca; no entanto, pôr isso em prática envolve dificuldades que não devem ser ignoradas. É frequentemente difícil determinar quem é o proprietário dos sítios, qual é a legislação aplicável e o tribunal competente, assim como seguir com os respectivos processos. Além disso, é evidente que os titulares das marcas estão convencidos de que outros sítios podem rapidamente substituir os sítios infractores. Por conseguinte, concentraram a sua atenção no AdWords. Para usar uma conhecida metáfora, acreditam que a maneira mais eficaz de neutralizar a mensagem é neutralizar o mensageiro.

    116. Concluí mais acima que nenhuma das utilizações feitas pela Google, através do AdWords, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas constitui uma violação do direito de marca. Tais utilizações podem ser claramente diferenciadas das utilizações feitas por terceiros nos seus sítios, nos produtos vendidos nesses sítios e no texto dos anúncios exibidos pelo AdWords. O Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se apenas sobre a utilização de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas; os titulares das marcas registadas consideram que as possíveis utilizações por terceiros devem ser um factor decisivo nessa apreciação.

    117. O princípio proposto pelo titulares das marcas registadas é o seguinte: uma vez que as utilizações feitas pela Google podem potencialmente contribuir para violações perpetradas por terceiros, essas utilizações também devem ser consideradas violações – apesar de não preencherem, em si mesmas, os requisitos de que depende a existência de uma violação. Como foi referido, isto envolveria uma extensão significativa do âmbito de aplicação da protecção da marca, no sentido da teoria que é designada, nos Estados Unidos, «contribuição para a contrafacção» (59). Esta extensão seria uma novidade para a maioria dos Estados‑Membros, que tradicionalmente tratam destas questões no âmbito das regras relativas à responsabilidade civil; seria igualmente estranha à jurisprudência do Tribunal de Justiça, que, até ao presente, tem concentrado a sua atenção nas utilizações individuais, separadas (60).

    118. A razão pela qual os titulares das marcas registadas deram especial relevância às potenciais violações perpetradas por terceiros é evidente: se fosse exigida a violação efectiva pelos sítios de contrafacção, as dificuldades práticas relativas à reacção judicial seriam, em larga medida, as mesmas (61). Todavia, mesmo que os titulares das marcas registadas não o tivessem já feito, o conceito de violação do direito de marca, baseado numa efectiva violação por terceiros, teria de ser afastado. Uma utilização não tem necessariamente de depender de uma utilização posterior. Quando a Google permite a selecção de palavras‑chave ou quando exibe anúncios em resposta a essas palavras‑chave, a utilização que faz é a mesma, quer estejam ou não envolvidos sítios de contrafacção. Como acima referi, o Tribunal de Justiça moldou correctamente a sua jurisprudência para tratar das utilizações individuais, separadas, e não vejo razão para introduzir uma mudança radical neste entendimento, o que teria consequências, em grande medida, imprevisíveis.

    119. Mas o que gostaria de salientar, sobretudo, é que não aceito a ideia de que o acto de se contribuir para um terceiro violar o direito de marca, actual ou potencial, constitua ele próprio uma violação. Os riscos que essa contribuição acarreta são inerentes à maioria dos sistemas que facilitam o acesso à informação; estes sistemas podem ser usados para finalidades boas e más.

    120. É também o que acontece com o motor de busca da Google, mas não temos necessariamente de dar apenas exemplos de natureza digital. A invenção da imprensa, por exemplo, multiplicou as possibilidades de violação dos direitos de propriedade intelectual; no entanto, seria absurdo sustentar que, por causa dessas possibilidades, os jornais, por exemplo, deviam ser proibidos ou que, pelo menos, a publicidade aí publicada ou a secção dos classificados deviam ser proibidas (62). A lógica e as consequências da teoria da «contribuição para a contrafacção» tornam‑se evidentes quando pensamos que, num dos processos mais famosos dos Estados Unidos, no âmbito do qual esta doutrina foi aplicada aos direitos de autor, se pretendia proibir o fabrico e a venda de videogravadores (63).

    121. A serem atendidas, as pretensões dos titulares das marcas registadas criariam sérios obstáculos a todos os sistemas de transmissão de informação. Quem quer que criasse ou gerisse tais sistemas teria de o mutilar à partida, de maneira a eliminar a mera possibilidade de que fossem perpetradas violações por terceiros; em consequência, tender‑se‑ia para uma protecção excessiva, para reduzir o risco de responsabilização ou mesmo de um contencioso dispendioso.

    122. Quantas palavras teria a Google de bloquear no AdWords, para ter a certeza de que nenhuma marca seria violada? E se a utilização de palavras‑chave pode contribuir para a violação do direito de marca, o que é que faltaria para que a Google tivesse de bloquear essas palavras no seu motor de busca? Não é excessivo afirmar que, se a Google tivesse de ser sujeita a tal obrigação ilimitada, a natureza da Internet e dos motores de busca, tais como os conhecemos, mudaria.

    123. Isto não significa que os receios dos titulares das marcas registadas não possam ser levados em conta, mas apenas que devem ser tratados fora do âmbito da protecção da marca. As regras da responsabilidade civil são mais adequadas, uma vez que não alteram substancialmente a natureza descentralizada da Internet, conferindo aos titulares das marcas um controlo geral – e potencialmente absoluto – da utilização, no ciberespaço, de palavras‑chave que correspondem às suas marcas. Em vez de poderem impedir, através da protecção inerente ao direito de marca, quaisquer utilizações possíveis – incluindo, como observei, as muitas utilizações que são legais e desejáveis –, os titulares das marcas terão de indicar casos específicos que façam a Google incorrer em responsabilidade no contexto dos prejuízos ilegalmente causados às suas marcas. Os referidos titulares terão de preencher os requisitos de que depende a existência de responsabilidade civil que, neste domínio, são determinados pelo direito nacional.

    124. Neste contexto da possível responsabilidade, poderão ser levados em conta determinados aspectos específicos do papel da Google – como o procedimento através do qual permite que os anunciantes seleccionem palavras‑chave no âmbito do AdWords. Por exemplo, a Google fornece aos anunciantes informações opcionais que os podem ajudar a maximizar a visibilidade dos seus anúncios. Como notaram algumas das partes, é possível que a informação sobre as palavras‑chave que correspondem a marcas registadas contenha igualmente (enquanto palavras‑chave relacionadas com as palavras‑chave seleccionadas) informações relativas a expressões conotadas com a contrafacção (64). Com base nessa informação, os anunciantes podem decidir seleccionar essas expressões como palavras‑chave, a fim de atrair os internautas. Ao actuar deste modo, a Google pode estar a contribuir para que os internautas sejam encaminhados para sítios de contrafacção.

    125. Nesta situação, a Google pode incorrer em responsabilidade, por contribuir para a violação do direito de marca. Embora esteja em causa um processo automatizado, nada impede a Google de excluir das informações que fornece aos anunciantes somente as relativas a associações com expressões claramente conotadas com a contrafacção. Os requisitos de que depende a responsabilização da Google, contudo, é matéria que cabe ao direito nacional regular. Não são abrangidos pela Directiva 89/104 nem pelo Regulamento n.° 40/94 e, por conseguinte, não são abrangidos pelo âmbito dos presentes processos.

    B –    Quanto à terceira questão do primeiro e do terceiro pedido de decisão prejudicial e à segunda questão do segundo pedido de decisão prejudicial, que consistem em determinar se a isenção de responsabilidade relativa à actividade de armazenagem em servidor é aplicável aos conteúdos inseridos pela Google no AdWords

    126. O AdWords da Google tem dois tipos de conteúdos: os textos dos anúncios e os respectivos links. Ambos são o resultado de um processo automatizado, através do qual, de acordo com determinadas instruções, os anunciantes redigem o texto e incluem o link que quiserem.

    127. Como foi observado, a Google pode incorrer em responsabilidade, nos termos da legislação nacional, pela inserção de conteúdos que configurem uma violação do direito de marca. Acresce que a responsabilidade da Google não se limita à violação do direito de marca; pode ser desencadeada por quaisquer questões de direito civil ou criminal.

    128. O que está em causa é saber se, ao abrigo do artigo 14.° da Directiva 2000/31, a Google pode ser isenta desta responsabilidade (65). Esta isenção é aplicável quando: i) for prestado um serviço da sociedade da informação; ii) esse serviço consistir no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço, a pedido desse destinatário; e iii) o prestador do serviço não tiver conhecimento efectivo da actividade ou informação ilegal, nem de factos ou de circunstâncias que evidenciem a natureza ilegal da actividade ou da informação, e actue com diligência no sentido de retirar ou impossibilitar o acesso às informações partir do momento em que tenha conhecimento da respectiva ilicitude.

    129. Os titulares das marcas registadas, apoiados pela França, alegaram, no que diz respeito aos dois primeiros requisitos, que i) a disponibilização de links e de motores de busca – e, portanto, a disponibilização do motor de busca da Google e o seu serviço associado AdWords – não está abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 2000/31 e que ii) a actividade de publicidade objecto do AdWords não pode constituir uma actividade de armazenagem em servidor, para efeitos do disposto no artigo 14.º dessa directiva. No que diz respeito ao terceiro requisito, não alegaram que a Google tinha conhecimento efectivo da violação do direito de marca nem que essa violação fosse evidente – matéria cuja apreciação é, de qualquer forma, da competência do tribunal nacional (66). Abordarei separadamente os dois argumentos invocados pelos titulares das marcas.

    i)      Quanto à questão de saber se a Directiva 2000/31 abrange a disponibilização de links e de motores de busca e, por conseguinte, do AdWords

    130. A Directiva 2000/31 é aplicável aos serviços da sociedade da informação. Estes serviços são definidos no artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 98/34 como «qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via electrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços» (67).

    131. Nada na letra da definição dos serviços da sociedade da informação exclui a respectiva aplicação à disponibilização de links e de motores de busca, isto é, ao motor de busca da Google e ao AdWords. A expressão «prestado normalmente mediante remuneração» pode suscitar algumas dúvidas no que diz respeito ao motor de busca da Google; no entanto, como já referi, o motor de busca é gratuito, na expectativa de remuneração auferida através do AdWords (68). Uma vez que ambos os serviços são igualmente prestados «à distância, por via electrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços», preenchem todos os requisitos necessários para serem considerados serviços da sociedade da informação.

    132. A história da adopção desta regulamentação, porém, revela um quadro mais complexo (69), como é demonstrado pelo primeiro relatório da Comissão sobre a aplicação da Directiva 2000/31, que refere o seguinte:

    «A Comissão irá, de harmonia com o artigo 21.° [da Directiva 2000/31], continuar a acompanhar e a analisar cuidadosamente a evolução da situação, a legislação nacional, a jurisprudência e as práticas administrativas relacionadas com a responsabilidade dos intermediários e estudará eventuais futuras necessidades de adaptar o presente enquadramento à luz dessas evoluções, designadamente no que se refere à oportunidade de introduzir limitações adicionais à responsabilidade por outras actividades tais como a provisão de hiperligações e de motores de busca.»

    133. Este relatório foi elaborado pela Comissão, nos termos do artigo 21.° da Directiva 2000/31, que lhe impõe a obrigação de analisar «a necessidade de propostas relativas à responsabilidade dos prestadores de hiperligações e de instrumentos de localização». O artigo 21.° pode ser objecto de duas interpretações diferentes: ou a disponibilização de hiperligações e de motores de busca não está abrangida pela directiva, e a Comissão deve avaliar se há necessidade de introduzir disposições na mesma directiva que passem a abrangê‑la; ou, então, esses serviços já estão abrangidos pela directiva, e as propostas da Comissão servirão para adaptar as regras às necessidades específicas desses serviços.

    134. A meu ver, a interpretação correcta é esta última. Nem a Directiva 2000/31 nem a Directiva 98/34 são reticentes quando se trata de excluir expressamente diversas actividades do âmbito dos serviços da sociedade da informação (70); a disponibilização de hiperligações e de motores de busca, apesar da referência expressa que consta do artigo 21.° da Directiva 2000/31, não faz parte dessas exclusões. Em todo o caso, a prestação de serviços de hiperligação e de motores de busca está claramente abrangida pelo conceito de serviços da sociedade da informação e, sobretudo – como referirei em seguida –, a sua inclusão é coerente com os objectivos prosseguidos pela Directiva 2000/31.

    135. A própria Comissão mudou de opinião sobre o âmbito de aplicação da Directiva 2000/31, tendo alegado, nos presentes processos, que a isenção prevista no artigo 14.° é aplicável ao AdWords. De qualquer forma, a opinião da Comissão, tal como foi exposta no relatório, nunca poderia condicionar a interpretação da directiva pelo Tribunal de Justiça, e os titulares das marcas registadas não apresentaram praticamente mais nenhum argumento para além desse relatório.

    136. Face ao exposto, o argumento dos titulares do direito de marca não pode ser acolhido, devendo considerar‑se que tanto o motor de busca da Google como o AdWords são serviços da sociedade da informação abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 2000/31.

    ii)    Quanto à questão de saber se a actividade de publicidade desenvolvida pelo AdWords constitui uma actividade de armazenagem em servidor para efeitos do artigo 14.° da Directiva 2000/31

    137. A questão crucial é, portanto, determinar se as actividades da Google podem ser classificadas como actividades de armazenagem em servidor, na acepção do artigo 14.° da Directiva 2000/31, ou seja, se o AdWords é um serviço que consiste no armazenamento, a pedido do destinatário do serviço, de informações prestadas por esse destinatário.

    138. Como referi, o AdWords inclui determinados conteúdos – concretamente, o texto dos anúncios e os respectivos links – que são fornecidos pelos destinatários do serviço (os anunciantes) e armazenados a seu pedido. Por conseguinte, os requisitos para estar abrangido pelo conceito de armazenagem em servidor, tal como é definido no artigo 14.° da Directiva 2000/31, estão preenchidos.

    139. Não obstante, os titulares das marcas registadas alegam que a armazenagem em servidor implica uma operação que é puramente técnica. Ao incorporar a actividade de armazenagem em servidor numa actividade publicitária, o AdWords fica excluído do âmbito de aplicação do artigo 14.° da Directiva 2000/31.

    140. É razoável perguntar por que razão a actividade publicitária havia de produzir esse efeito. E um facto que determinados conteúdos são armazenados por serviços da sociedade da informação, seja para efeitos de publicidade ou de qualquer outra actividade abrangida por esses serviços. Os serviços da sociedade da informação só raramente consistem em actividades exclusivamente técnicas, estando normalmente associados a outras actividades que lhes garantem suporte financeiro.

    141. Todavia, nos presentes processos, está em causa um contexto publicitário específico, que exclui a actividade de armazenagem em servidor. É por esta razão que estou de acordo com os titulares das marcas registadas – embora não subscreva automaticamente os seus argumentos – quanto ao facto de a isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.° da Directiva 2000/31 não ser aplicável ao AdWords. Esta posição tem por base o objectivo que subjaz ao artigo 14.° e à Directiva 2000/31, no seu todo.

    142. Em minha opinião, o objectivo da Directiva 2000/31 é criar um domínio público e aberto na Internet. Procura fazê‑lo limitando a responsabilidade de quem transmite ou armazena informação, nos termos dos seus artigos 12.° a 14.°, aos casos em que têm conhecimento da existência de ilegalidades (71).

    143. Decisivo para a concretização deste objectivo é o artigo 15.° da Directiva 2000/31, que impede os Estados‑Membros de impor aos prestadores de serviços da sociedade da informação a obrigação de vigilância das informações transmitidas ou armazenadas, ou de procurar activamente indícios da respectiva ilicitude. Considero que o artigo 15.° da directiva não se limita a impor uma obrigação negativa aos Estados‑Membros, antes sendo a própria expressão do princípio segundo o qual os prestadores de serviços que queiram beneficiar de uma isenção de responsabilidade se devem manter neutros em relação à informação que transmitem ou armazenam.

    144. Aquilo que melhor ilustra este aspecto é a comparação com o motor de busca da Google, que é neutro em relação à informação que transmite (72). Os seus resultados naturais são o produto de algoritmos automáticos que aplicam critérios objectivos para apresentar sítios susceptíveis de interessar os internautas. A apresentação desses sítios e a ordem por que aparecem depende da respectiva pertinência para as palavras‑chave introduzidas, e não do interesse da Google em sítios específicos ou da sua relação com eles. É verdade que a Google tem um interesse – e até mesmo um interesse pecuniário – em apresentar os sítios mais pertinentes para o internauta; no entanto, não tem interesse em chamar a atenção dos internautas para um sítio em especial.

    145. A situação é diferente relativamente aos conteúdos do AdWords. A exibição dos anúncios pela Google tem origem na sua relação com os anunciantes. Consequentemente, o AdWords deixa de ser um veículo neutro de informação: a Google tem um interesse directo em que os internautas cliquem nos links para os anúncios (ao contrário do que acontece com os resultados naturais apresentados pelo motor de busca).

    146. Assim, a isenção de responsabilidade para as actividades de armazenamento em servidor, prevista no artigo 14.° da Directiva 2000/31, não é aplicável aos conteúdos do AdWords. Saber, primeiro, se esta responsabilidade existe, como já referi, é matéria que cabe à legislação nacional determinar.

    C –    Quanto à primeira questão do terceiro pedido de decisão prejudicial, que consiste em saber se os titulares das marcas podem proibir a utilização, no AdWords, de palavras‑chave correspondentes às suas marcas

    147. Já cheguei à conclusão de que nenhuma das utilizações feitas pela Google de palavras‑chave correspondentes a marcas constituem uma violação dessas marcas e de que tal violação não pode depender da utilização subsequente por terceiros. A única questão que resta apreciar é a de saber se a utilização dessas palavras‑chave pelos anunciantes, quando as seleccionam no AdWords, constitui uma violação.

    148. Esta questão resume‑se a determinar se a utilização em causa é feita no exercício de uma actividade comercial. Como vimos, este requisito implica que a utilização não seja privada, mas parte de uma «actividade comercial destinada à obtenção de um proveito económico» (73).

    149. Como também referi anteriormente, quando a Google permite que os anunciantes seleccionem palavras‑chave correspondentes a marcas registadas, fá‑lo em relação ao seu serviço AdWords. Está a vender este serviço aos anunciantes; por conseguinte, os anunciantes mais não fazem do que actuar enquanto consumidores.

    150. Pode dizer‑se que os anunciantes adquirem o serviço AdWords com o objectivo de o utilizar no contexto das suas actividades comerciais e que estas actividades cobrem os anúncios posteriormente exibidos. No entanto, esta exibição (e a utilização da marca que pode implicar ou não) é diferente da selecção de palavras‑chave, não só porque é feita posteriormente mas também porque é a única dirigida a um público de consumidores, os internautas (74). Esse público não existe quando os anunciantes seleccionam as palavras‑chave. Consequentemente, a selecção de palavras‑chave não é uma actividade comercial, mas uma utilização privada por parte dos anunciantes.

    151. Esta utilização privada pelos anunciantes é a outra faceta da utilização feita pela Google – acima considerada uma utilização legal –, que consiste em permitir que os anunciantes seleccionem palavras‑chave que correspondem a marcas registadas. Seria contraditório excluir a possibilidade da existência de uma violação num caso e concluir pela existência de uma violação noutro caso. Isto equivaleria a afirmar que a Google deveria poder permitir a selecção de palavras‑chave que ninguém está autorizado a seleccionar.

    152. Mais uma vez, deve recordar‑se que a selecção, feita pelos anunciantes no AdWords, de palavras‑chave que correspondem a marcas registadas pode ter lugar por diversas razões lícitas (utilizações puramente descritivas, publicidade comparativa, avaliação de produtos, etc.). Considerar que esta selecção constitui, em si mesma, uma violação do direito de marca levaria a precludir todas essas utilizações legítimas (75).

    153. Os titulares das marcas também não ficam totalmente desprotegidos relativamente à selecção de palavras‑chave que correspondem às suas marcas. Podem intervir quando os respectivos efeitos forem verdadeiramente prejudiciais, ou seja, quando os anúncios forem apresentados aos internautas. Embora o Tribunal de Justiça não tenha sido questionado sobre a utilização das marcas nos anúncios, há que referir que os titulares das marcas podem impedir essa utilização se a mesma envolver um risco de confusão. Mesmo que não haja este risco, essa utilização pode ser proibida se afectar outras funções da marca, como as relacionadas com a protecção da inovação e do investimento. Todavia, não é a utilização das marcas nos anúncios, ou nos sítios publicitados, que é o objecto dos presentes processos.

    154. Como provavelmente salientei, quase até à exaustão, nas presentes conclusões, é importante não permitir que o objectivo legítimo de evitar determinadas violações do direito de marca leve a proibir todas as utilizações de marcas no contexto do ciberespaço.

    III – Conclusão

    155. Face ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões submetidas à sua apreciação pela Cour de cassation:

    «1)      A selecção, por um operador económico, nos termos de um contrato de prestação de um serviço remunerado de referenciamento na Internet, de uma palavra‑chave que permitirá, se for feita uma pesquisa que utilize essa palavra, a exibição de um link propondo a ligação a um sítio gerido por esse operador económico com a finalidade de vender bens ou serviços, que reproduz ou imita uma marca registada por terceiros e abrange bens idênticos ou semelhantes, sem a autorização do titular dessa marca registada, não constitui, em si mesma, uma violação do direito exclusivo garantido a essa marca pelo artigo 5.° da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas.

    2)      Os artigos 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 89/104, e 9.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, devem ser interpretados no sentido de que um titular de uma marca não pode impedir o prestador de um serviço remunerado de remissão para sítios na Internet de pôr à disposição dos anunciantes palavras‑chave que reproduzem ou imitam marcas registadas e de organizar, através do contrato de remissão, a criação e a exibição privilegiada, a partir dessas palavras‑chave, de links para esses sítios.

    3)      Se estiver em causa uma marca que goze de prestígio, o titular da marca não pode impedir essa utilização, nos termos dos artigos 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94.

    4)      O prestador de um serviço remunerado de remissão para sítios na Internet não pode ser considerado um prestador de um serviço da sociedade da informação, que consiste no armazenamento da informação transmitida pelo destinatário do serviço, na acepção do artigo 14.° da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno (‘Directiva sobre o comércio electrónico’).»


    1 – Língua original: inglês.


    2 – Parafraseando São Mateus, VII:7.


    3 – Nota apenas relevante para a versão inglesa das presentes conclusões.


    4 – Utilizarei igualmente o termo «titulares» para designar os detentores de licenças concedidas pelos titulares originários da marca registada, ao abrigo das quais podem usar a marca em questão.


    5 – Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988 (JO 1989, L 40, p. 1).


    6 – Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993 (JO 1994, L 11, p. 1).


    7 – Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico») (JO L 178, p. 1).


    8 – As partes juntaram documentos para prova das suas posições antagónicas no que diz respeito à questão de saber se os internautas distinguem realmente os resultados naturais dos anúncios.


    9 – Nos sistemas de publicidade da Microsoft e da Yahoo!, os anúncios são diferenciados dos resultados naturais da mesma maneira, só que contrastam pela cor, que é diferente, e usam o cabeçalho «liens sponsorisés».


    10 – Apesar de a primeira questão do terceiro pedido de decisão prejudicial utilizar o termo «reserva» de palavras‑chave, parece‑nos mais adequado – uma vez que não há exclusividade – usar o termo «seleccionar».


    11 – No âmbito do processo de selecção de palavras‑chave acima descrito, é possível que sejam prestadas informações ao anunciante tanto sobre as buscas efectuadas no motor de busca da Google usando as marcas registadas da LV e sobre as buscas efectuadas usando palavras‑chaves relacionadas, sendo certo que a última possibilidade inclui a utilização dessas marcas registadas associadas a expressões relacionadas com a contrafacção. Os proprietários das marcas registadas alegam que o facto de prestar essas informações equivale a sugerir aos anunciantes que seleccionem essas expressões associadas como palavras‑chave.


    12 – Directiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 204, p. 37).


    13 – Directiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Julho de 1998, que altera a Directiva 98/34/CE relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 217, p. 18).


    14 – Isto é aplicável tanto no âmbito do n.° 1 como do n.° 2 do artigo 5.° da Directiva 89/104; v. acórdão de 12 de Junho de 2008, O2 Holding e O2 (UK) (C‑533/06, Colect., p. I‑4231, n.° 34). No entanto, é mais usual que esteja em causa no âmbito do artigo 5.°, n.° 2, uma vez que é frequente os terceiros procurarem tirar proveito de marcas que gozam de prestígio, utilizando sinais que não são iguais à marca registada mas que têm fortes semelhanças com ela, o que leva a verificar se essas representações conduzem a que «o público em causa estabeleça uma ligação» entre o sinal e a marca (v. acórdão de 18 de Junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 36).


    15 – Por outras palavras, saber se há uma utilização relativa a bens ou serviços idênticos ou semelhantes aos que são objecto da marca registada, é uma questão que será analisada mais à frente nas presentes conclusões. A representação da marca registada é um pressuposto da existência de utilização da mesma; no entanto, dessa representação não decorre necessariamente que se encontrem preenchidos todos os requisitos que permitem considerar que essa utilização constituiu uma violação do direito de marca, nomeadamente por criar um risco de confusão, por parte dos consumidores, quanto à origem do bem ou do serviço (v. acórdão L’Oréal e o., n.° 37, e, no que diz respeito ao «risco de confusão», na acepção do artigo 4.° da Directiva 89/104, acórdão de 11 de Novembro de 1997, SABEL, C‑251/95, Colect., p. I‑6191, n.° 26).


    16 – O paralelismo entre o artigo 5.° da Directiva 89/104 e o artigo 9.° do Regulamento n.° 40/94 é claro (v. acórdão SABEL, n.° 13). Por conseguinte, é dada a mesma interpretação a ambas as disposições, no que diz respeito aos requisitos de que depende a existência de uma violação (v. despacho do Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2009, UDV, C‑62/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 42).


    17 – O pedido de decisão prejudicial não esclarece se, como alega a LV, mas a Google contesta, os próprios anúncios utilizam a marca registada.


    18 – Parte‑se do princípio de que, uma vez que a Cour de cassation se refere a «contrefaçons» («contrafacções»), os sítios mencionados no primeiro pedido de decisão prejudicial vendem efectivamente produtos que violam as marcas em causa.


    19 – A teoria da responsabilidade pela contribuição para a violação de uma marca registada foi desenvolvida pela jurisprudência, com base no Lanham Act de 1946, que regula o contencioso relativo ao direito das marcas nos Estados Unidos, apesar de essa responsabilidade não estar expressamente prevista nessa legislação. V. 15 U.S.C. § 1051 e segs.; acórdão Inwood Laboratories, Inc. v. Ives Laboratories Inc., 456 US 844, 853‑55 (1982). Depois do acórdão Ives, as acções de responsabilidade pela contribuição para a violação de uma marca registada nos Estados Unidos passaram a ser intentadas com base no Lanham Act, e não na legislação relativa à responsabilidade civil extracontratual. V., por exemplo, acórdãos Optimum Technologies, Inc. v. Henkel Consumer Adhesives, Inc., 496 F.3d 1231, 1245 (11th Cir. 2007); Rolex Watch USA v. Meece, 158 F.3d 816 (5th Cir. 1998); Hard Rock Cafe Licensing Corp. v. Concessions Services, Inc., 955 F.2d 1143 (7th Cir. 1992). Todavia, até nos Estados Unidos se considera que a responsabilidade pela contribuição para a violação de uma marca registada está intimamente relacionada com a legislação geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual. Ao aplicar os termos utilizados no acórdão Ives pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos, os tribunais «têm considerado as violações ao direito das marcas uma forma de responsabilidade civil extracontratual e têm recorrido à common law para nortear a definição dos limites da responsabilidade» (acórdão Hard Rock Cafe, 955 F.2d, 1148). Consequentemente, os tribunais distinguem a contribuição para a violação da violação directa e exigem, em regra, a prova de elementos acrescidos importados da legislação relativa à responsabilidade civil extracontratual no contexto da responsabilidade secundária. V., por exemplo, acórdão Optimum Technologies, 496 F.3d, 1245.


    20 – V., no que diz respeito à França e aos países do Benelux, Pirlot de Corbion, S.– «Référencement et droit des marques: quand les mots clés suscitent toutes les convoitises», Google et les nouveaux services en ligne, Alain Strowel e Jean‑Paul Triaille (dir.), Larcier, 2009, p. 143.


    21 – V. acórdão O2 Holding e O2 (UK), n.° 57; acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club (C‑206/01, Colect., p. I‑10273); de 16 de Novembro de 2004 Anheuser‑Busch (C‑245/02, Colect., p. I‑10989); de 6 de Outubro de 2005, Medion (C‑120/04, Colect., p. I‑8551); de 25 de Janeiro de 2007, Adam Opel (C‑48/05, Colect., p. I‑1017); e de 11 de Setembro de 2007, Céline (C‑17/06, Colect., p. I‑7041). Nestes processos, estavam em causa a alínea a) (utilização que envolve produtos idênticos) e/ou a alínea b) (utilização que envolve produtos semelhantes) do n.° 1 do artigo 5.° da Directiva 89/104, o que leva a concluir que os requisitos em causa são aplicáveis relativamente a ambas as disposições.


    22 – O processo de selecção da Google permite aos anunciantes inserir as palavras‑chave que querem seleccionar. Estes podem ainda optar por receber informações sobre as buscas feitas no motor de busca da Google que utilizam essas palavras‑chaves ou palavras‑chaves com elas relacionadas. Na opinião dos titulares das marcas, isto equivale a sugerir aos anunciantes que seleccionem palavras‑chave relacionadas que são frequentemente objecto de busca (ver nota 11, supra). Uma vez que as questões colocadas incidem especificamente sobre o facto de poderem ser seleccionadas palavras‑chave correspondentes a marcas registadas, referir‑me‑ei à utilização – independentemente da questão de saber se as palavras‑chave foram escolhidas autonomamente pelos anunciantes ou «sugeridas» pelo AdWords – que consiste em permitir aos anunciantes seleccionarem as palavras‑chave.


    23 – V. acórdão L’Oréal e o., n.° 63, em que o Tribunal de Justiça declara que essas outras funções incluem a de garantir a qualidade dos bens ou dos serviços e as funções de comunicação, de investimento ou de publicidade. A existência destas outras funções já tinha sido mencionada em alguns dos acórdãos citados na nota 21, relativamente ao artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 (utilização relativa a produtos idênticos), mas sem mais pormenor (v. conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo L’Oréal e o., n.° 50). Todavia, essas outras funções não são mencionadas nos processos em que está em causa o artigo 5.°, n.° 1, alínea b) (utilização relativa a produtos semelhantes). Por conseguinte, para estabelecer um critério válido para ambas as disposições, o Tribunal de Justiça limitou os requisitos de que depende a existência de uma violação do direito de marca à função essencial de garantir a origem dos bens e dos serviços.


    24 – V. acórdãos, já referidos, Céline, n.° 17, e Arsenal Football Club, n.° 40.


    25 – V. acórdão Céline, n.° 23 (para além do caso, mais simples, em que apenas se apõe o sinal nos produtos). No acórdão Céline, o Tribunal de Justiça considerou que a utilização de um sinal correspondente a uma marca registada, para designar uma empresa, é uma utilização relativa a bens ou a serviços apenas quando está relacionada com a respectiva comercialização, e não quando só é utilizada para designar a empresa.


    26 – Nesta acepção, a afirmação que consta da decisão de reenvio, segundo a qual «o prestador de serviços remunerados de remissão não utiliza a palavra‑chave que reproduz ou imita a marca para designar os seus próprios produtos e serviços», deve ser interpretada no sentido de que não é feita nenhuma associação pelo público em geral.


    27 – V. nota 21, supra.


    28 – V. acórdão O2 Holding e O2 (UK), n.os 57 a 59.


    29 – V. nota 24, supra.


    30 – V. nota 25, supra.


    31 – Designadamente a questão de saber se o artigo 5.°, n.° 3, alínea d), inclui as mensagens comerciais gratuitas e automáticas do motor de busca da Google, ou implica que esteja em causa um serviço pago, como o AdWords.


    32 – V. nota 28, supra.


    33 – Acórdãos O2 Holding e O2 (UK), n.° 59, de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer (C‑342/97, Colect., p. I‑3819, n.° 17), e Medion, n.° 26.


    34 – V. acórdão de 22 de Junho de 2000, Marca Mode (C‑425/98, Colect., p. I‑4861, n.os 33 e 39).


    35 – Todavia, o próprio Tribunal de Justiça pode proceder a essa apreciação em situações em que os factos são suficientemente claros para estabelecer determinadas distinções (v. acórdão Céline, n.os 21 e 25 a 28) ou decidir a questão directamente (v. acórdão Arsenal Football Club, n.os 56 a 60). Os presentes processos, como veremos, configuram uma dessas situações.


    36 – V. nota 8, supra.


    37 – V. acórdãos, já referidos, L’Oréal e o., n.° 34, e Marca Mode, n.° 36; e acórdãos de 23 de Outubro de 2003, Adidas‑Salomon e Adidas Benelux (C‑408/01, Colect., p. I‑12537, n.° 27), e de 10 de Abril de 2008, adidas e adidas Benelux (C‑102/07, Colect., p. I‑2439, n.° 40). V. também, no que diz respeito ao artigo 4.°, n.° 4, alínea a), da Directiva 89/104, acórdão de 27 de Novembro de 2008, Intel Corporation (C‑252/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 26).


    38 – Acórdão L’Oréal e o., n.° 50. Embora o Tribunal de Justiça tenha chegado a esta conclusão apenas no que diz respeito ao proveito indevido, a mesma deve aplicar‑se igualmente em caso de prejuízo causado ao carácter distintivo ou ao prestígio da marca.


    39 – V. acórdão L’Oréal e o., n.os 63 e 64.


    40 – V. nota 23, supra.


    41 – V. acórdão L’Oréal e o., n.° 50.


    42 – V. nota 39, supra.


    43 – V. acórdão L’Oréal e o., n.° 59.


    44 – V. acórdão Arsenal Football Club, n.° 54: «o titular [da marca] não pode proibir o uso de um sinal idêntico à marca para produtos idênticos àqueles para os quais a marca foi registada se este uso não puder prejudicar os seus interesses próprios como titular da marca, tendo em conta as funções desta».


    45 – O Tribunal de Justiça levou em consideração estas finalidades de interesse público, fora do contexto das marcas, nos acórdãos de 25 de Março de 2004, Karner (C‑71/02, Colect., p. I‑3025, n.° 50), e de 10 de Julho de 2003, Booker Aquaculture e Hydro Seafood (C‑20/00 e C‑64/00, Colect., p. I‑7411, n.° 68).


    46 – V. acórdão Arsenal Football Club, n.os 51 a 54.


    47 – Designadamente, as utilizações que não preenchem os requisitos de que depende a violação do direito de marca tais como consagrados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça; v. nota 21, supra.


    48 – Acórdão de 14 de Maio de 2002, Hölterhoff (C‑2/00, Colect., p. I‑4187, n.os 16 e 17).


    49 – Acórdão Arsenal Football Club, n.° 54.


    50 – O Tribunal de Justiça podia ter aplicado o artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104 às utilizações com finalidades meramente descritivas que estavam em causa no acórdão Hölterhoff. Nos termos desta disposição, o titular da marca não pode proibir a terceiros o uso, na vida comercial, nomeadamente, «[d]e indicações relativas à espécie, à qualidade, à quantidade [e] ao destino», desde que esse uso seja feito em conformidade com «práticas honestas em matéria industrial ou comercial» (v. conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Hölterhoff, n.os 47 a 61). Em vez disso, o Tribunal de Justiça optou por excluir genericamente a protecção inerente às marcas.


    51 – Acórdão L’Oréal e o., n.° 62. Embora, neste processo, estivessem em causa marcas de prestígio, o Tribunal de Justiça distinguiu este caso, no plano dos factos, do das utilizações puramente descritivas do acórdão Hölterhoff.


    52 – Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de publicidade enganosa (JO L 250, p. 17) conforme alterada pela Directiva 97/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Outubro de 1997 (JO L 290, p. 18) e pela Directiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Maio de 2005 (JO L 149, p. 22).


    53 – V. acórdão O2 Holding e O2 (UK), n.os 41 a 45.


    54 – V. acórdãos O2 Holding e O2 (UK), n.os 38 a 40, e L’Oréal e o., n.° 68.


    55 – Não se considera que a publicidade comparativa constitua, por si só, uma forma de tirar indevidamente proveito da marca, na acepção do artigo 3.°, alínea f), da Directiva 84/450; no acórdão L’Oréal e o., o Tribunal de Justiça só considerou que esse proveito indevido se verificava devido à existência de imitações, abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.°, alínea g), da directiva.


    56 – A utilização que consiste em a Google permitir que os anunciantes seleccionem palavras‑chave que correspondem a marcas registadas tem algumas semelhanças com a utilização puramente descritiva: ao proporcionar essa possibilidade, a Google descreve o modo como o seu serviço AdWords vai funcionar sempre que essas palavras‑chave forem inseridas no seu motor de busca. No entanto, enquanto, no acórdão Hölterhoff, o tipo de bem utilizado para a descrição era idêntico (uma marca que tinha por objecto uma técnica de lapidação de pedras preciosas tinha sido utilizada para descrever outra), tal não acontece nos presentes processos (as marcas associadas a uma multiplicidade de bens e de serviços são utilizadas para descrever a forma como o sistema de publicidade da Google vai operar). Isto demonstra que a utilização é mais do que puramente descritiva: oferece aos anunciantes a possibilidade de dar visibilidade aos anúncios no âmbito do motor de busca.


    57 – Já foi afirmado que a Internet podia ter sido concebida diferentemente, com mais controlo centralizado, filtragem de conteúdos e protocolos fechados (v., embora de um ponto de vista crítico: Boyle, J. – The Public Domain, Yale University Press 2008, p. 80).


    58 – Designadamente removendo os obstáculos à concorrência e os relativos às marcas registadas, para permitir importações paralelas pelos distribuidores (v. o acórdão pioneiro de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect. 1965‑1968, p. 423), e consagrando o princípio da exaustão, que permite a venda de bens em segunda mão (v., entre muitos, outros acórdão de 17 de Outubro de 1990, HAG II, C‑10/89, Colect., p. I‑3711, n.° 12).


    59 – V. nota 19, supra.


    60 – Os requisitos de que depende a existência de uma violação pressupõem uma utilização individual (v. nota 21, supra). Por exemplo, no acórdão Céline, o Tribunal de Justiça distinguiu as diversas utilizações feitas pela mesma empresa (v. nota 25, supra).


    61 – As pretensões do titular da marca estão reflectidas nas questões prejudiciais, que incidem especificamente sobre a criação de palavras‑chave que correspondem a marcas que são disponibilizadas para selecção – uma possibilidade que é anterior a quaisquer violações por terceiros e independente destas violações.


    62 – De facto, a situação objecto dos presentes processos é semelhante, em alguns aspectos, à situação dos anúncios classificados publicados nos jornais: normalmente, estes não estão sujeitos às regras de protecção das marcas (em relação ao jornal), mas, em determinadas circunstâncias, podem originar responsabilidade.


    63 – Acórdão Sony Corp. of America v. Universal City Studios, Inc., 464 US 417 (1984). Outros processos americanos demonstram claramente quais as potenciais consequências de uma interpretação extensiva da teoria da «contribuição para a contrafacção». V., por exemplo, acórdão Fonovisa, Inc. v. Cherry Auction, Inc., 76 F.3d 259 (9th Cir. 1996), em que o demandante tentou, ao processar o respectivo senhorio, obter o encerramento de um bazar onde era vendido material que infringia os direitos de autor, e acórdão Perfect 10, Inc. v. Visa International Service Association, 494 F.3d 788 (9th Cir. 2007), em que o demandante pretendia responsabilizar as sociedades que vendiam cartões de crédito pela aquisição online de material ilícito pelos seus clientes.


    64 – V. nota 11, supra.


    65 – Relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu – Primeiro Relatório sobre a aplicação da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno (Directiva sobre comércio electrónico) COM(2003) 0702 final, n.° 4.6: «As limitações à responsabilidade que a directiva consagra são definidas de uma forma horizontal, o que significa que abrangem a responsabilidade, civil e criminal, por todos os tipos de actividades ilícitas iniciadas por terceiros.»


    66 – A isenção prevista no artigo 14.° da Directiva 2000/31 é apenas aplicável à responsabilidade relativa aos conteúdos inseridos por terceiros; não é aplicável ao serviço prestado pelo «host», que é independente desse conteúdo. Por conseguinte, a Directiva 2000/31 não prevê uma isenção geral de todas as obrigações impostas no âmbito da actividade de prestação de serviços no quadro da qual é fornecida a armazenagem em servidor («hosting»).


    67 – O artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 98/34, acima transcrito, define mais pormenorizadamente estes requisitos.


    68 – De qualquer forma, isto não afectaria o AdWords, que é um serviço prestado mediante remuneração.


    69 – Já foi referido, no que diz respeito à isenção de responsabilidade relativamente à actividade de armazenagem temporária («caching»), prevista no artigo 13.° da Directiva 2000/31, que «os que participaram na discussão sabem» que esta isenção não era para ser aplicada à Google [Triaille, J.‑P.– «La question des copies ‘cache’ et la responsabilité des intermédiaires Copiepresse c. Google, Field v. Google», Google et les nouveaux services en ligne (op. cit.), p. 261]. No entanto, também já foi afirmado, no que diz respeito à isenção de responsabilidade relativamente à actividade de armazenagem em servidor («hosting»), prevista no artigo 14.° da directiva, que, embora os fornecedores do motor de busca não estejam expressamente abrangidos pela legislação que transpôs a directiva para o ordenamento jurídico francês, é desejável e justa a aplicação dessas regras por analogia, tendo em conta o papel essencial desses fornecedores para a Internet e a sua falta de controlo da informação fornecida, além de que essa aplicação analógica é «amplamente aceite» na doutrina e na jurisprudência francesas [Pirlot de Corbion, S. (op. cit.), p. 127]. Ao contrário da legislação que transpôs a directiva para o ordenamento jurídico francês, o United States’ Digital Millennium Copyright Act contém uma isenção específica para os motores de busca (embora limitada aos direitos de autor, e não especificamente direccionada para o «caching» ou para o «hosting»).


    70 – V. a referência, no artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 98/34, a uma lista de actividades excluídas, enumeradas no anexo 5 da mesma directiva, e a lista das matérias excluídas do âmbito de aplicação desta directiva, que consta do artigo 1.°, n.° 5, da Directiva 2000/31.


    71 – O considerando 46 da Directiva 2000/31 dispõe: «A fim de beneficiar de uma delimitação de responsabilidade, o prestador de um serviço da sociedade da informação, que consista na armazenagem de informação, a partir do momento em que tenha conhecimento efectivo da ilicitude, ou tenha sido alertado para esta, deve proceder com diligência no sentido de remover as informações ou impossibilitar o acesso a estas. A remoção ou impossibilitação de acesso têm de ser efectuadas respeitando o princípio da liberdade de expressão [e os procedimentos estabelecidos para o efeito a nível nacional]». V., no que diz respeito à legalidade destes procedimentos nacionais, a Decisão n.° 2009‑580, de 10 de Junho de 2009, Conseil Constitutionnel francês.


    72 – Em meu entender, seria coerente com o objectivo da Directiva 2000/31 que o motor de busca da Google fosse abrangido pela isenção de responsabilidade. É defensável que o motor de busca da Google não seja abrangido pelo artigo 14.° desta directiva, uma vez que não armazena informação (os resultados naturais) a pedido dos sítios que a fornecem. Todavia, sou de opinião de que esses sítios podem ser considerados destinatários de um serviço (gratuito) prestado pela Google, que consiste em disponibilizar aos internautas a informação que lhes diz respeito, o que significa que o motor de busca da Google pode ser abrangido pela isenção de responsabilidade prevista para os casos de armazenagem temporária («caching») no artigo 13.° dessa directiva. Se necessário, o objectivo que subjaz à Directiva 2000/31 permitiria igualmente a aplicação analógica da isenção de responsabilidade prevista nos artigos 12.° a 14.° da mesma directiva.


    73 – V. nota 24, supra.


    74 – Todas as utilizações descritas no artigo 5.°, n.° 3, da Directiva 89/104 envolvem este público de consumidores, com uma excepção, concretamente, a que está prevista no artigo 5.°, n.° 3, alínea a): a aposição do sinal nos produtos. Esta excepção deve ser considerada uma excepção de precaução, que não deve ser objecto de interpretação extensiva de modo a abranger situações em que não há aposição da marca num produto.


    75 – Pode ser interessante recordar, no contexto do terceiro pedido de decisão prejudicial, que os anunciantes em causa gerem sítios que são considerados concorrentes dos titulares das marcas e que estes sítios, em si mesmos, não violam o direito de marca. Consequentemente, os titulares das marcas querem proibir que outros sítios utilizem a associação com as suas marcas como forma de concorrência (da mesma maneira que as empresas podem competir com os seus concorrentes, pagando para colocar anúncios publicitários ao lado dos seus concorrentes). Este resultado dificilmente se afigura compatível com o lugar das marcas no «sistema de concorrência leal que o Tratado pretende criar e manter» (acórdão Arsenal Football Club, n.° 47).

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