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Document 62007CJ0535

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 14 de Outubro de 2010.
Comissão Europeia contra República da Áustria.
Incumprimento de Estado - Directivas 79/409/CEE e 92/43/CEE - Conservação das aves selvagens - Designação incorrecta e protecção jurídica insuficiente das zonas de protecção especial.
Processo C-535/07.

Colectânea de Jurisprudência 2010 I-09483

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:602

Processo C‑535/07

Comissão Europeia

contra

República da Áustria

«Incumprimento de Estado – Directivas 79/409/CEE e 92/43/CEE – Conservação das aves selvagens – Designação incorrecta e protecção jurídica insuficiente das zonas de protecção especial»

Sumário do acórdão

1.        Acção por incumprimento – Exame do mérito pelo Tribunal de Justiça – Situação a tomar em consideração – Situação no termo do prazo fixado no parecer fundamentado

(Artigo 226.° CE)

2.        Ambiente – Conservação das aves selvagens – Directiva 79/409 – Escolha e delimitação das zonas de protecção especial

(Directiva 79/409 do Conselho, artigo 4.°, n.os 1 e 2)

3.        Acção por incumprimento – Objecto do litígio – Determinação durante o procedimento pré‑contencioso – Enunciado coerente e detalhado das acusações – Inexistência – Inadmissibilidade

(Artigo 226.° CE)

4.        Acção por incumprimento – Procedimento pré‑contencioso – Parecer fundamentado – Conteúdo

(Artigo 226.° CE)

5.        Ambiente – Conservação das aves selvagens – Directiva 79/409 – Medidas de conservação especiais – Obrigações dos Estados‑Membros

(Directivas do Conselho 79/409, artigo 4.°, n.os 1 e 2 , e 92/43, artigos 6.°, n.° 2, e 7.°)

1.        No âmbito de uma acção nos termos do artigo 226.° CE, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo Tribunal.

(cf. n.° 22)

2.        Os regimes jurídicos das directivas 79/409, relativa à conservação das aves selvagens, e 92/43, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, são distintos, um Estado‑Membro não se pode subtrair às obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva 79/409 invocando medidas diferentes das previstas nesta directiva. Por outro lado, a circunstância de o sítio em causa não ter sofrido deterioração não é de natureza a pôr em causa a obrigação imposta aos Estados‑Membros de classificar sítios como zonas de protecção especial.

(cf. n.° 24)

3.        O objecto de uma acção por incumprimento é fixado pelo parecer fundamentado da Comissão, de forma que a acção se deve basear nos mesmos argumentos e fundamentos que aquele parecer. A notificação para cumprir dirigida pela Comissão ao Estado‑Membro e, posteriormente, o parecer fundamentado emitido pela Comissão delimitam o objecto do litígio, o qual não pode, a partir de então, ser ampliado. Com efeito, a possibilidade de o Estado‑Membro em causa apresentar as suas observações constitui, mesmo que entenda não a dever utilizar, uma garantia essencial pretendida pelo Tratado, e o respeito dessa garantia é uma formalidade substancial da regularidade do processo de declaração de incumprimento de um Estado‑Membro. Por conseguinte, o parecer fundamentado e a acção da Comissão devem ter por base as mesmas acusações já constantes da notificação para cumprir que dá início à fase pré‑contenciosa. Se assim não for, essa irregularidade não pode ser considerada inexistente pelo facto de o Estado‑Membro demandado ter formulado observações sobre o parecer fundamentado.

O parecer fundamentado e a acção devem apresentar as acusações de forma coerente e precisa, a fim de permitir ao Estado‑Membro e ao Tribunal de Justiça apreender exactamente o alcance da violação recriminada do direito da União, condição necessária para que esse Estado possa apresentar utilmente os seus meios de defesa e para que o Tribunal de Justiça possa verificar a existência do incumprimento alegado

(cf. n.os 40 a 42)

4.        Se o parecer fundamentado deva conter uma exposição coerente e pormenorizada das razões que criaram na Comissão a convicção de que o Estado‑Membro em causa não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, a Comissão não é obrigada a indicar nesse parecer as medidas que permitiriam eliminar o incumprimento imputado. De igual modo, a Comissão também não é obrigada a indicar essas medidas na sua petição inicial.

(cf. n.° 50)

5.        Embora seja verdade que a exactidão da transposição reveste especial importância no caso da directiva 79/409, relativa à conservação das aves selvagens, na medida em que a gestão do património comum está confiada, em relação ao seu território, aos Estados‑Membros respectivos, não pode, em qualquer dos casos, impor a estes últimos que incluam as obrigações e as proibições decorrentes do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves» e do artigo 6.°, n.° 2, da directiva 92/43, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, no acto jurídico que fixa, para cada zona de protecção especial (ZPE), as espécies e os habitats protegidos assim como os objectivos de conservação.

No que respeita às referidas obrigações, a adopção de medidas positivas destinadas a conservar e a melhorar o estado de uma ZPE não tem carácter sistemático, mas depende da situação concreta da ZPE em causa.

Se é certo que, por exemplo que a protecção das ZPE contra as actividades dos particulares exige que estes sejam preventivamente impedidos de exercer actividades eventualmente nefastas, a realização deste objectivo não requer necessariamente a adopção de proibições específicas a cada ZPE nem, como resulta do a cada espécie precisa.

No que respeita à identificação das espécies e dos habitats protegidos em cada ZPE, importa sublinhar que, tal como a delimitação de uma ZPE deve revestir uma forma vinculativa incontestável, a identificação das espécies que justificou a classificação da referida ZPE deve responder à mesma exigência. Com efeito, se assim não fosse, o objectivo de protecção resultante do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva 79/409 e do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», conjugado com o artigo 7.° desta directiva, correria o risco de não ser plenamente atingido.

Quanto aos objectivos de conservação, o estatuto jurídico de protecção de que devem beneficiar as ZPE não implica que esses objectivos tenham de ser especificados para cada espécie considerada separadamente. Por outro lado, não se pode considerar, em qualquer dos casos, que os objectivos de conservação devem estar contidos no acto jurídico respeitante às espécies e aos habitats protegidos de determinada ZPE.

Quanto ao estatuto jurídico de protecção das ZPE associadas a uma reserva natural ou a outro tipo de sítio classificado, existentes e protegidos por medidas nacionais ou regionais, o artigo 4.° da directiva 79/409 prevê um regime com um objectivo específico e reforçado, tanto para as espécies enumeradas no seu anexo I como para as espécies migratórias. Essa é a especificidade do regime de protecção de que devem beneficiar as ZPE, por oposição ao regime de protecção geral menos estrito previsto no artigo 3.° da referida directiva para todas as espécies de aves visadas nesta directiva. Daqui não decorre, porém, que apenas um regime jurídico especificamente definido e instituído para cada ZPE seja susceptível de proteger eficazmente esse tipo de sítio.

(cf. n.os 61 a 66)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

14 de Outubro de 2010 (*)

«Incumprimento de Estado – Directivas 79/409/CEE e 92/43/CEE – Conservação das aves selvagens – Designação incorrecta e protecção jurídica insuficiente das zonas de protecção especial»

No processo C‑535/07,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 30 de Novembro de 2007,

Comissão Europeia, representada por R. Sauer e D. Recchia, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República da Áustria, representada por E. Riedl, E. Pürgy e K. Drechsel, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por M. Lumma e J. Möller, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, C. Toader, L. Bay Larsen (relator) e C. Toader, juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Julho de 2009,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 25 de Fevereiro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Através da sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que:

–        não tendo procedido correctamente, de acordo com critérios ornitológicos, à designação (sítio de Hanság, no Land de Burgenland) e à delimitação (sítio de Niedere Tauern, no Land da Estíria) dos territórios austríacos mais apropriados, em número e em extensão, para a conservação de espécies de aves, como zonas de protecção especial (a seguir «ZPE»), nos termos do artigo 4.°, n.os 1 ou 2, da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1, a seguir «directiva ‘aves’»), e

–        não tendo conferido, a uma parte das ZPE já classificadas, protecção jurídica em conformidade com o artigo 4.°, n.os 1 ou 2, da directiva «aves» e do artigo 6.°, n.° 2, da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7, a seguir «directiva ‘habitats’»), conjugado com o artigo 7.° desta directiva,

a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das referidas disposições destas directivas.

2        Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 2008, foi admitida a intervenção da República Federal da Alemanha em apoio das conclusões da República da Áustria.

 Quadro jurídico

 A directiva «aves»

3        O artigo 2.° da directiva «aves» dispõe que «[o]s Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para manter ou adaptar a população de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.° a um nível que corresponda nomeadamente às exigências ecológicas, científicas e culturais, tendo em conta as experiências económicas e de recreio».

4        O artigo 3.°, n.° 1, da directiva «aves» prevê que, tendo em conta as exigências mencionadas no artigo 2.° desta directiva, os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para preservar, manter ou restabelecer uma diversidade e uma extensão suficientes de habitats para todas as espécies de aves que vivem naturalmente em estado selvagem no território europeu dos Estados‑Membros a que é aplicável o Tratado CE. Nos termos do artigo 2.°, alínea c), do mesmo artigo, as medidas destinadas à preservação, à manutenção e ao restabelecimento dos biótopos e dos habitats comportam, nomeadamente, a criação de zonas de protecção.

5        O artigo 4.°, n.os 1, 2 e 4, primeira frase, da directiva «aves» dispõe o seguinte:

«1.      As espécies mencionadas no anexo I são objecto de medidas de conservação especial respeitantes ao seu habitat, de modo a garantir a sua sobrevivência e a sua reprodução na sua área de distribuição.

Para o efeito, tomar‑se‑ão em consideração:

a)      As espécies ameaçadas de extinção;

b)      As espécies vulneráveis a certas modificações dos seus habitats;

c)      As espécies consideradas raras, porque as suas populações são reduzidas ou porque a sua repartição local é restrita;

d)      Outras espécies necessitando de atenção especial devido à especificidade do seu habitat.

Ter‑se‑á em conta, para proceder às avaliações, quais as tendências e as variações dos níveis populacionais.

Os Estados‑Membros classificarão, nomeadamente, em [ZPE] os territórios mais apropriados, em número e em extensão, para a conservação destas últimas na zona geográfica marítima e terrestre de aplicação da presente directiva.

2.      Os Estados‑Membros tomarão medidas semelhantes para as espécies migratórias não referidas no anexo I e cuja ocorrência seja regular, tendo em conta as necessidades de protecção na zona geográfica marítima e terrestre de aplicação da presente directiva no que diz respeito às suas áreas de reprodução, de muda e de invernada e às zonas de repouso e alimentação nos seus percursos de migração. Com esta finalidade, os Estados‑Membros atribuem uma importância especial à protecção das zonas húmidas e muito particularmente às de importância internacional.

[…]

4.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas de protecção referidas nos n.os 1 e 2, a poluição ou a deterioração dos habitats bem como as perturbações que afectam as aves, desde que tenham um efeito significativo a propósito dos objectivos do presente artigo.»

 A directiva «habitats»

6        O artigo 3.°, n.° 1, da directiva «habitats» prevê a criação de uma rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação, denominada «Natura 2000», que inclui igualmente as ZPE classificadas pelos Estados‑Membros nos termos das disposições da directiva «aves».

7        O artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» está formulado como segue:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos da presente directiva.»

8        Nos termos do artigo 7.° da referida directiva, «[a]s obrigações decorrentes dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 6.° substituem as decorrentes do n.° 4, primeira frase, do artigo 4.° da [directiva ‘aves’], no respeitante às [ZPE] classificadas nos termos do n.° 1 do artigo 4.° ou analogamente reconhecidas nos termos do n.° 2 do artigo 4.° da presente directiva a partir da data da sua entrada em aplicação ou da data da classificação ou do reconhecimento pelo Estado‑Membro nos termos da [directiva ‘aves’], se esta for posterior».

 Fase pré‑contenciosa

9        Em 23 de Outubro de 2001, a Comissão enviou uma notificação para cumprir à República da Áustria, em que indicava que esta não tinha classificado como ZPE os territórios mais apropriados, em número e em extensão, nomeadamente no que respeita à designação do sítio de Hanság e à delimitação do sítio de Niedere Tauern. A Comissão afirmava, além disso, que aquele Estado‑Membro ainda não tinha satisfeito integralmente as exigências da directiva «aves» destinadas a garantir uma protecção jurídica das ZPE na Áustria.

10      A República da Áustria respondeu a essa notificação para cumprir, transmitindo à Comissão, nomeadamente, uma lista das diferentes zonas de conservação de aves, juntamente com o respectivo regime de protecção jurídica. Ao fazê‑lo, sublinhou a designação completa ou parcial de certas ZPE enquanto parque nacional, reserva natural, zona de paisagem protegida, património natural ou zona de tranquilidade e, paralelamente, a existência de leis ou de regulamentos promulgados nos diferentes Länder em matéria de protecção da natureza.

11      Na sequência dessa resposta, a Comissão enviou a República da Áustria, em 18 de Outubro de 2004, uma notificação para cumprir complementar, que substituía a primeira e sublinhava que a classificação bem como a delimitação das ZPE continuavam incorrectas e que faltavam medidas de protecção jurídica específicas para essas zonas. A Comissão salientou, nomeadamente, que o sítio de Hanság continuava a não estar classificado como ZPE e que o sítio de Niedere Tauern ainda não havia sido ampliado. Indicou também que as zonas austríacas de conservação das espécies de aves estavam, no essencial, protegidas por regulamentos relativamente antigos ou, em certos casos, privadas de protecção jurídica. Na maioria dos instrumentos de protecção, o objectivo de conservação e de protecção específica para as espécies de aves a conservar e a proteger não era identificável. A este respeito, é indispensável, segundo a Comissão, que o quadro regulamentar forneça, ao menos, uma clarificação quanto aos objectivos de protecção específica das espécies de aves, e isso mesmo quando o nível de protecção é suficiente, mediante proibições de intervenção e obrigações de conservação.

12      Através da sua carta de 21 de Dezembro de 2004, a República da Áustria transmitiu as suas observações, nas quais se pronunciava, nomeadamente, sobre a questão da protecção jurídica dos sítios em causa, dando explicações de ordem geral bem como explicações específicas aos diferentes Länder. A este respeito, aquele Estado‑Membro sustentava que o facto de a indicação explícita de objectivos de conservação ou de protecção figurar no acto jurídico que servia de instrumento de protecção era determinante.

13      Por não estar satisfeita com as observações transmitidas pela República da Áustria, a Comissão enviou‑lhe, em 15 de Dezembro de 2006, um parecer fundamentado, convidando esse Estado‑Membro a dar cumprimento às suas obrigações no prazo de dois meses a contar da recepção do parecer. Neste, foi sublinhado que, relativamente aos sítios de Hanság e de Niedere Tauern, o referido Estado‑Membro não tinha satisfeito as suas obrigações. Quanto ao estatuto jurídico das zonas protegidas em causa, era indicado, de uma maneira geral, isto é, também nos casos em que uma ZPE se sobrepõe a uma reserva natural já existente e que beneficia de protecção jurídica nacional ou regional mais restrita, que a inclusão dos objectivos de conservação, a saber, os objectivos respeitantes tanto às espécies de aves e às exigências específicas da sua protecção como ao restabelecimento dos seus habitats, devia, juntamente com as medidas e obrigações correspondentes, constituir um elemento essencial dos regulamentos relativos a essas zonas protegidas. Ora, grande número das ZPE ainda não tinham nenhum regulamento específico destinado a garantir a protecção especial da avifauna em causa.

14      Uma vez que as observações da República da Áustria em resposta ao referido parecer fundamentado não a convenceram, a Comissão intentou a presente acção.

 Quanto à acção

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à inobservância das disposições do artigo 4.°, n.os 1 ou 2, da directiva «aves», em razão da não classificação do sítio de Hanság como ZPE e da delimitação incorrecta da ZPE de Niedere Tauern

15      A título preliminar, deve recordar‑se que o artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves» impõe aos Estados‑Membros a obrigação de classificar como ZPE os territórios mais apropriados, em número e em extensão, para a conservação das espécies mencionadas no anexo I dessa directiva e que, nos termos do n.° 2 da mesma disposição, os Estados‑Membros classificarão também como ZPE as áreas de reprodução, de muda e de invernada das espécies migratórias não mencionadas no referido anexo, cuja ocorrência seja regular, bem como as zonas de repouso nos seus percursos de migração (acórdão de 6 de Março de 2003, Comissão/Finlândia, C‑240/00, Colect., p. I‑2187, n.° 16).

 Quanto à não classificação do sítio de Hanság como ZPE

–       Argumentos das partes

16      A Comissão sustenta, em primeiro lugar, que a República da Áustria não respeitou a sua obrigação de classificação do sítio de Hanság, em conformidade com as exigências da directiva «aves». Com efeito, esse sítio foi identificado como o território mais apropriado para a protecção de certas espécies de aves, tais como, nomeadamente, a abetarda‑comum (Otis tarda), o tartaranhão caçador (Circus pyargus) e a coruja‑do‑nabal (Asio flammeus).

17      A República da Áustria contrapõe que, actualmente, o sítio de Hanság já não pode ser considerado o mais apropriado para a conservação das espécies citadas pela Comissão. Outros territórios que não os desse sítio tornaram‑se mais importantes para aquelas espécies. Todavia, esse Estado‑Membro reconhece que o alargamento dos limites do referido sítio, cuja parte principal já está sujeita ao regime de protecção previsto no artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva «habitats» em virtude da sua designação como sítio Natura 2000, se justifica materialmente. Ora, tendo em conta que o sítio Natura 2000 e as populações das espécies de aves que aí se encontram já foram sujeitas ao regime de protecção instituído pelas referidas disposições, um atraso a esse respeito não apresenta nenhum risco, no entender do Estado‑Membro demandado. Além disso, não se verificou deterioração alguma no sítio de Hanság. Por último, através de um Regulamento de 3 de Junho de 2008 do Governo do Land de Burgenland, notificado à Comissão, esse sítio foi declarado «zona de conservação europeia de Waasen‑Hanság».

18      Consequentemente, a República da Áustria considera que, em qualquer dos casos, já não se verifica uma violação da directiva «aves» e que, portanto, se justifica a desistência da acção a este respeito.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

19      Importa sublinhar que, na fase pré‑contenciosa, a República da Áustria admitiu a necessidade de efectuar a classificação do sítio de Hanság como ZPE e deu conhecimento à Comissão da sua intenção de, efectivamente, proceder à designação do referido sítio.

20      Por outro lado, é dado assente que, após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado, o sítio de Hanság foi classificado como «zona de conservação europeia», em aplicação da directiva «aves», por um regulamento do Governo do Land de Burgenland.

21      Por conseguinte, é inegável que o sítio de Hanság figura entre os sítios mais apropriados para efeitos da conservação das espécies em causa, indicadas no anexo I da directiva «aves» e às quais o artigo 4.°, n.° 1, desta directiva faz referência, e que esse sítio devia, em consequência, ser objecto de classificação como ZPE a título dessa mesma directiva.

22      Uma vez que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado e que as alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão de 11 de Janeiro de 2007, Comissão/Irlanda, C‑183/05, Colect., p. I‑137, n.° 17), há que concluir que, visto a classificação mencionada no n.° 20 do presente acórdão ter sido efectuada após o termo do referido prazo, a acusação relativa à não classificação do sítio de Hanság como ZPE, em violação do artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves», é fundada.

23      A constatação feita no número precedente não pode ser afectada pela circunstância de a República da Áustria sustentar agora perante o Tribunal de Justiça, de resto, sem fazer prova bastante das suas afirmações a esse respeito, que, em comparação com outro sítio, o sítio de Hanság já não pode ser considerado o mais apropriado para a conservação da abetarda‑comum, do tartaranhão caçador e da coruja‑do‑nabal.

24      Essa constatação também não pode ser posta em causa na hipótese de considerarmos provado o facto de o referido sítio, por um lado, já estar em boa parte protegido por força da directiva «habitats», no quadro da rede Natura 2000, e, por outro, não ter sofrido deterioração. Com efeito, por um lado, uma vez que os regimes jurídicos instituídos pelas directivas «aves» e «habitats» são distintos, um Estado‑Membro não se pode subtrair às obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves», invocando medidas diferentes das previstas nesta directiva (acórdão de 28 de Junho de 2007, Comissão/Espanha, C‑235/04, Colect., p. I‑5415, n.° 79). Por outro lado, a circunstância de o sítio em causa não ter sofrido deterioração não é de natureza a pôr em causa a obrigação imposta aos Estados‑Membros de classificar sítios como ZPE (v., neste sentido, acórdão de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Irlanda, C‑418/04, Colect., p. I‑10947, n.° 38).

 Quanto à delimitação incorrecta da ZPE de Niedere Tauern

–       Argumentos das partes

25      Constatando que a ZPE de Niedere Tauern, que tinha uma superfície de 137 742 hectares em 1999, foi reduzida para cerca de 87 000 hectares durante o mês de Maio de 2001, a Comissão alega que a delimitação desta zona é insuficiente à luz das exigências de protecção previstas no artigo 4.°, n.os 1 ou 2, da directiva «aves» para as espécies de aves nele visadas. No caso vertente, estão em causa, em especial, espécies como o borrelho‑ruivo (Charadrius morinellus), o tetraz (Tetrao urogallus), o mocho de Tengmalm (Aegolius funereus), o mocho pigmeu (Glaucidium passerinum), o peto‑preto (Dryocopus martius), o pica‑pau‑tridáctilo (Picoides tridactylus), o peto‑de‑cabeça‑cinzenta (Picus canus) e a galinha‑do‑mato (Bonasa bonasia).

26      Segundo a Comissão, a República da Áustria continuou a não demonstrar cientificamente que a delimitação original do sítio de Niedere Tauern deve ser considerada tecnicamente errada.

27      A República da Áustria indica que, a fim de garantir a protecção da tarambola‑carambola, o Land da Estíria alargou a ZPE de Niedere Tauern em 2008. De resto, essa extensão, que se apoia em estudos científicos, permite satisfazer as condições enunciadas no artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves», porquanto os territórios mais apropriados, em número e em extensão, para a conservação das espécies protegidas em causa foram classificados como ZPE.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

28      Importa salientar que a ZPE de Niedere Tauern, cuja superfície começou por ser reduzida de 137 742 hectares para cerca de 87 000 hectares, foi a seguir ampliada para 101 880 hectares, em 2008, a saber, depois do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, à luz do qual deve ser apreciado o incumprimento alegado pela Comissão, como foi recordado no n.° 22 do presente acórdão.

29      Segundo declarações da própria República da Áustria, esse alargamento foi justificado pela exigência de assegurar uma protecção adequada do borrelho‑ruivo, espécie mencionada no anexo I da directiva «aves».

30      Por isso, em qualquer dos casos, convém não fazer mais do que constatar que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a superfície da ZPE em causa era insuficiente à luz das exigências de protecção visadas no artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves».

31      Consequentemente, a primeira acusação deve ser julgada procedente na medida em que respeita à violação do artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves».

 Quanto à segunda acusação, relativa à inobservância das disposições do artigo 4.°, n.os 1 ou 2, da directiva «aves» e do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», conjugado com o artigo 7.° desta directiva, em razão da protecção jurídica insuficiente conferida a uma parte das ZPE já classificadas

 Quanto à admissibilidade

–       Argumentos das partes

32      A República da Áustria sustenta que a Comissão, por um lado, ampliou o objecto da acção e, por outro, não forneceu argumentos suficientes que demonstrem a existência de incumprimentos concretos relativos a sítios de protecção determinados.

33      No que diz respeito ao primeiro ponto, o referido Estado‑Membro alega que, enquanto o parecer fundamentado não visava os «regulamentos relativos às zonas de conservação europeias» já designadas, a petição inicial refere igualmente alegados incumprimentos das directivas em causa, decorrentes desses regulamentos. Além disso, as acusações que figuram no parecer fundamentado resumiram‑se ao não cumprimento das obrigações de formular objectivos de conservação para cada ZPE, de garantir, através de medidas vinculativas, os objectivos de protecção, bem como de estabelecer mapas com uma forma vinculativa e objecto de publicidade adequada. Em contrapartida, na petição inicial, as exigências materiais respeitantes ao estatuto jurídico das ZPE foram consideravelmente alargadas no sentido em que a Comissão exige que os regulamentos relativos a essas ZPE contenham obrigações e proibições específicas a sítios e a espécies precisas bem como medidas concretas destinadas a garantir o respeito das disposições pertinentes das directivas «aves» e «habitats».

34      A título de exemplo, a República da Áustria indica, nomeadamente, que a acusação relativa ao facto de a regulamentação respeitante às zonas de conservação europeias, adoptada pelos Länder da Estíria e da Baixa Áustria, não satisfazer as exigências do direito da União não corresponde à exposição da Comissão no seu parecer fundamentado. Além disso, relativamente ao Land de Salzburgo, a Comissão não referiu na notificação para cumprir complementar que o estatuto jurídico das ZPE deste Land era insuficiente e apenas mencionou – de resto, pela primeira vez, no parecer fundamentado – o sítio de Salzachauen como sendo uma ZPE desprovida de um estatuto jurídico de protecção suficiente.

35      No que diz respeito ao segundo ponto, a República da Áustria sustenta que nem o parecer fundamentado nem a petição inicial permitem saber quais são os incumprimentos invocados pela Comissão e quais as ZPE em causa. Consequentemente, este Estado‑Membro não está em condições de se defender de forma eficaz. Além disso, atendendo a que o conteúdo e o alcance das medidas necessárias para dar cumprimento às obrigações impostas pelas directivas «aves» e «habitats» não foram determinadas, a República da Áustria está sujeita, durante um período ilimitado, ao risco de um processo por incumprimento das obrigações decorrentes do acórdão que venha a declarar o incumprimento objecto da presente acção.

36      Assim, para começar, no que diz respeito ao Land de Burgenland, a Comissão não precisa quais os sítios que não gozam de estatuto de protecção adequado. Seguidamente, a Comissão limita‑se a qualificar de insuficiente a situação jurídica dos sítios do Land da Alta Áustria. Por fim, no que diz respeito ao Land do Tirol, a Comissão baseia‑se no exemplo do sítio do Tiroler Lechtal, para qualificar todas as disposições adoptadas com vista à protecção dos sítios Natura 2000 do Tirol de disposições gerais que não garantem um estatuto de protecção suficiente.

37      Quanto ao primeiro ponto, a Comissão contrapõe que a petição inicial e o parecer fundamentado são, no essencial, idênticos no que toca à acusação relativa à insuficiência do estatuto de protecção conferido a uma parte das ZPE já classificadas. Por conseguinte, os regulamentos existentes respeitantes às zonas de conservação europeias não foram excluídos do litígio. De resto, as obrigações e proibições relativas às ZPE são, em qualquer dos casos, vinculativas para a República da Áustria. Consequentemente, o argumento segundo o qual a exposição do parecer fundamentado não cobre especificamente a acusação relativa ao nível de protecção insuficiente nos Länder da Estíria e da Baixa Áustria não pode ser senão rejeitado. Por último, embora seja verdade que a situação jurídica no Land de Salzburgo não é mencionada na notificação para cumprir complementar, o referido Estado‑Membro não tem fundamentos para concluir que a acusação formulada a título de exemplo relativamente ao estatuto de protecção das ZPE no Burgenland não vale também para as regulamentações do Land de Salzburgo, em particular para o sítio de Salzachauen.

38      Quanto ao segundo ponto, a Comissão sustenta que o parecer fundamentado deve ser entendido de forma mais lata, no sentido de que o nível de protecção a alcançar era definido qualitativamente por exigências determinadas que permitem à República da Áustria discernir claramente as ZPE para as quais eram necessárias outras medidas de transposição e as formas que essas medidas deviam revestir. Isto é explicado, mais precisamente, na petição inicial relativamente a cada Land e a cada ZPE em causa, sem por esse facto modificar o objecto do litígio. Aquele Estado‑Membro pôde defender‑se sobre este ponto, tendo, aliás, utilizado amplamente essa possibilidade.

39      Por último, a Comissão alega que a petição inicial não deixa pairar dúvidas sobre o facto de que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, nenhuma ZPE dos Länder de Burgenland e da Alta Áustria estava dotada de um estatuto de protecção adequado, zonas para as quais não foi fixado nenhum objectivo específico de protecção e de conservação. A falta de objectivos de protecção e de conservação específicos, centrados na situação de cada espécie de aves, também pode ser observada relativamente ao sítio de Tiroler Lechtal. Por outro lado, o estatuto de protecção é insuficiente nas onze zonas Natura 2000 designadas pelas autoridades deste último Land.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

40      Há que recordar que o objecto de uma acção por incumprimento é fixado pelo parecer fundamentado da Comissão, de forma que a acção se deve basear nos mesmos argumentos e fundamentos que aquele parecer (v. acórdão de 9 de Novembro de 2006, Comissão/Reino Unido, C‑236/05, Colect., p. I‑10819, n.° 10 e jurisprudência citada).

41      Além disso, segundo jurisprudência assente, a notificação para cumprir dirigida pela Comissão ao Estado‑Membro e, posteriormente, o parecer fundamentado emitido pela Comissão delimitam o objecto do litígio, o qual não pode, a partir de então, ser ampliado. Com efeito, a possibilidade de o Estado‑Membro em causa apresentar as suas observações constitui, mesmo que entenda não a dever utilizar, uma garantia essencial pretendida pelo Tratado, e o respeito dessa garantia é uma formalidade substancial da regularidade do processo de declaração de incumprimento de um Estado‑Membro. Por conseguinte, o parecer fundamentado e a acção da Comissão devem ter por base as mesmas acusações já constantes da notificação para cumprir que dá início à fase pré‑contenciosa. Se assim não for, essa irregularidade não pode ser considerada inexistente pelo facto de o Estado‑Membro demandado ter formulado observações sobre o parecer fundamentado (v. acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Comissão/Espanha, C‑186/06, Colect., p. I‑12093, n.° 15 e jurisprudência citada).

42      Por outro lado, o parecer fundamentado e a acção devem apresentar as acusações de forma coerente e precisa, a fim de permitir ao Estado‑Membro e ao Tribunal de Justiça apreender exactamente o alcance da violação recriminada do direito da União, condição necessária para que esse Estado possa apresentar utilmente os seus meios de defesa e para que o Tribunal de Justiça possa verificar a existência do incumprimento alegado (v. acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Comissão/Espanha, já referido, n.° 18).

 Quanto ao alargamento do objecto da acção 

43      Em primeiro lugar, importa referir que, embora indique que grande número de ZPE continuam desprovidas de qualquer regulamento específico, regulamento este que, na Áustria, assume geralmente a forma de um «regulamento de zona de conservação europeia», destinado a assegurar a salvaguarda da avifauna em causa, o parecer fundamentado está formulado em termos que não excluem que as ZPE para as quais existe um «regulamento de zona de conservação europeia» sejam visadas por esse parecer. A este respeito, pode recordar‑se, nomeadamente, que, na sequência do referido parecer fundamentado, a República da Áustria informou a Comissão de que a zona de conservação das aves de Flachwasserbiotop Neudestein foi declarada zona de conservação europeia, em 2005, por um Regulamento de 23 de Maio de 2005 do Governo do Land da Caríntia (LGBl. n.° 47/2005).

44      Em segundo lugar, impõe‑se salientar que, na medida em que considera que os regulamentos relativos às ZPE devem conter obrigações e proibições específicas a sítios e a espécies precisas, bem como medidas concretas destinadas a garantir o respeito das disposições pertinentes das directivas «aves» e «habitats», a petição inicial da Comissão reproduz, no essencial, os termos do parecer fundamentado. Com efeito, nesse parecer, é indicado que, «de um modo geral, […] a inclusão de objectivos de conservação, isto é, das espécies de aves e de exigências específicas relativas à sua protecção e ao restabelecimento dos seus habitats, deve, juntamente com as medidas e obrigações correspondentes, constituir um elemento essencial dos regulamentos relativos a essas zonas protegidas».

45      Em terceiro lugar, a acusação respeitante ao facto de os regulamentos relativos às zonas de conservação europeias, adoptados pelos Länder da Estíria e da Baixa Áustria, não satisfazerem as exigências do direito da União não figura no parecer fundamentado e deve, por conseguinte, ser declarada inadmissível.

46      Quanto à acusação relativa ao estatuto jurídico de protecção insuficiente das ZPE do Land de Salzburgo, nomeadamente do sítio de Salzachauen, não é contestado que a notificação para cumprir complementar não continha nenhuma menção da situação nesse Land nem, em especial, no referido sítio. Consequentemente, a acção é igualmente inadmissível no que diz respeito ao estatuto jurídico de protecção das ZPE do Land de Salzburgo.

47      Decorre das considerações precedentes que a acção é inadmissível na medida em que respeita ao regime jurídico de protecção das ZPE dos Länder de Salzburgo, da Estíria e da Baixa Áustria.

 Quanto à falta de precisão e de coerência

48      É dado assente que a Comissão acusa a República da Áustria de não ter conferido a uma parte das ZPE já classificadas uma protecção jurídica conforme às exigências do direito da União. Para fundamentar esta acusação, a Comissão indica quais são, em seu entender, as carências do sistema de protecção jurídica das ZPE em vigor na Áustria. A este respeito, a Comissão precisa a sua acusação de ordem geral, fazendo referência à situação existente nos diferentes Länder daquele Estado‑Membro.

49      Por conseguinte, esta acusação assim articulada não é imprecisa nem incoerente.

50      Por outro lado, cabe recordar que, embora o parecer fundamentado deva conter uma exposição coerente e pormenorizada das razões que criaram na Comissão a convicção de que o Estado‑Membro em causa não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, a Comissão não é obrigada a indicar nesse parecer as medidas que permitiriam eliminar o incumprimento imputado (v. acórdão de 2 de Junho de 2005, Comissão/Grécia, C‑394/02, Colect., p. I‑4713, n.° 21 e jurisprudência citada). De igual modo, a Comissão também não é obrigada a indicar essas medidas na sua petição inicial.

51      Quanto à alegada insuficiência de elementos que demonstrem a inadequação do regime de protecção das ZPE nos Länder de Burgenland, da Alta Áustria e do Tirol, a mesma deverá ser examinada quanto ao mérito.

52      Consequentemente, deve considerar‑se que a acção por incumprimento é admissível dentro dos limites mencionados no n.° 47 do presente acórdão.

 Quanto ao mérito

–       Argumentos das partes

53      A Comissão sustenta que uma parte das ZPE já classificadas na Áustria não beneficia de uma protecção jurídica conforme às exigências visadas no artigo 4.°, n.os 1 ou 2, da directiva «aves» e no artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», conjugado com o artigo 7.° desta directiva. A este respeito, alega que as obrigações ou proibições que resultam dessas disposições e que devem não só ser específicas às ZPE e a espécies precisas mas também revestir uma forma vinculativa e ser objecto de publicidade suficiente deveriam constar do mesmo acto jurídico vinculativo que fixa, para cada ZPE, as espécies e os habitats protegidos bem como os objectivos de conservação. Assim, de um modo geral, o estatuto jurídico de protecção das ZPE é insuficiente nos casos em que a classificação de uma ZPE está associada a uma reserva natural ou a outro tipo de sítio classificado, existentes e protegidos por medidas nacionais ou regionais.

54      A República da Áustria começa por contrapor que a tese da Comissão segundo a qual as obrigações ou proibições respeitantes às diversas espécies de aves devem revestir uma forma vinculativa e ser objecto de publicidade suficiente é excessiva nessa formulação geral. Seguidamente, nenhuma regra impõe que as referidas obrigações ou proibições estejam contidas no mesmo acto jurídico vinculativo que fixa, para cada ZPE, as espécies e os habitats protegidos bem como os objectivos de conservação. Além disso, o argumento segundo o qual os objectivos de conservação, na acepção do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves», devem estar consagrados num acto jurídico dessa natureza é desprovido de fundamento. Por último, o Estado‑Membro demandado sublinha que, visto a protecção das reservas naturais se estender geralmente a todas as espécies animais e vegetais bem como ao seu habitat e à paisagem, as proibições de qualquer violação são mais latas do que para as «zonas de conservação europeias», geralmente destinadas a proteger espécies e habitats precisos.

55      Nos seus articulados de intervenção, a República Federal da Alemanha alega que as directivas «aves» e «habitats» não exigem que as medidas de protecção e de conservação consistam em obrigações ou proibições específicas, isto é, associadas a zonas e objectos de protecção determinados. Mesmo admitindo que os Estados‑Membros estejam obrigados a adoptar essas obrigações e proibições, as referidas directivas não contêm, de modo algum, injunções que visem um grau de concretização determinado. Também não resulta das mesmas directivas uma obrigação, a cargo dos Estados‑Membros, de fixar «objectivos de conservação a realizar» com carácter vinculativo e, ainda menos, de os definir no próprio acto jurídico que regula os bens a proteger e as obrigações e proibições específicas a respeitar.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

56      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves» obriga os Estados‑Membros a dotar as ZPE de um estatuto jurídico de protecção susceptível de garantir, designadamente, a sobrevivência e a reprodução das espécies de aves referidas no anexo I dessa directiva, bem como a reprodução, a muda e a invernada das espécies migratórias não referidas no referido anexo, cuja ocorrência é regular (v. acórdão de 18 de Março de 1999, Comissão/França, C‑166/97, Colect., p. I‑1719, n.° 21; de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Irlanda, já referido, n.° 153; e de 11 de Dezembro de 2008, Comissão/Grécia, C‑293/07, n.° 22).

57      É também dado assente que o artigo 4.° da directiva «aves» prevê um regime com objectivo específico e reforçado, tanto para as espécies enumeradas no seu anexo I como para as espécies migratórias, que encontra a sua justificação no facto de se tratar, respectivamente, das espécies mais ameaçadas e das espécies que constituem um património comum da União Europeia (acórdãos de 11 de Julho de 1996, Royal Society for the Protection of Birds, C‑44/95, Colect., p. I‑3805, n.° 23; de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Irlanda, já referido, n.° 46; e de 11 de Dezembro de 2008, Comissão/Grécia, já referido, n.° 23).

58      Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «aves», cujas obrigações substituem as que resultam do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves» no que diz respeito às ZPE, o estatuto jurídico de protecção das ZPE deve igualmente garantir que, nessas zonas, sejam evitadas a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações significativas que afectem as espécies para as quais as referidas zonas foram designadas (v. acórdão de 27 de Janeiro de 2003, Comissão/Bélgica, C‑451/01, Colect., p. I‑2081, n.° 16, e de 11 de Dezembro de 2008, Comissão/Grécia, já referido, n.° 24).

59      Por outro lado, a protecção das ZPE não se deve limitar a medidas destinadas a evitar danos e perturbações causados pelo Homem, mas deve também incluir, conforme os casos, medidas positivas para a conservação e o melhoramento das condições do sítio (v., neste sentido, acórdão de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Irlanda, já referido, n.° 154).

60      Segundo os termos do artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE (actual artigo 288.°, terceiro parágrafo, TFUE), uma directiva, embora vincule o Estado‑Membro quanto ao resultado a alcançar, deixa aos órgãos nacionais a competência quanto à forma e aos meios. Daqui se conclui que a República da Áustria, como qualquer outro Estado‑Membro, beneficia da escolha da forma e dos meios de execução da directiva «aves» (v., neste sentido, acórdão de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Irlanda, já referido, n.° 157).

61      Embora seja verdade que a exactidão da transposição reveste especial importância no caso da directiva «aves», na medida em que a gestão do património comum está confiada, em relação ao seu território, aos Estados‑Membros respectivos (v. acórdão de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Irlanda, já referido, n.os 64 e 159), não pode, em qualquer dos casos, impor a estes últimos que incluam as obrigações e as proibições decorrentes do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves» e do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» no acto jurídico que fixa, para cada ZPE, as espécies e os habitats protegidos assim como os objectivos de conservação.

62      No que respeita às referidas obrigações, que a Comissão afirma deverem ser positivas e específicas a ZPE e a espécies precisas, resulta do n.° 59 do presente acórdão bem como do n.° 34 do acórdão de 20 de Outubro de 2005, Comissão/Reino Unido (C‑6/04, Colect., p. I‑9017), que a adopção de medidas positivas destinadas a conservar e a melhorar o estado de uma ZPE não tem carácter sistemático, mas depende da situação concreta da ZPE em causa.

63      Quanto às proibições que, alegadamente, deveriam ser específicas a ZPE e a espécies precisas, se é certo que, por exemplo, a protecção das ZPE contra as actividades dos particulares exige que estes sejam preventivamente impedidos de exercer actividades eventualmente nefastas (acórdão de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Irlanda, já referido, n.° 208), a realização deste objectivo não requer necessariamente a adopção de proibições específicas a cada ZPE nem, como resulta do n.° 20 do acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Comissão/França (C‑374/98, Colect., p. I‑10799), a cada espécie precisa.

64      No que respeita à identificação das espécies e dos habitats protegidos em cada ZPE, importa sublinhar que, tal como a delimitação de uma ZPE deve revestir uma forma vinculativa incontestável (v. acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 22), a identificação das espécies que justificou a classificação da referida ZPE deve responder à mesma exigência. Com efeito, se assim não fosse, o objectivo de protecção resultante do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves» e do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», conjugado com o artigo 7.° desta directiva, correria o risco de não ser plenamente atingido.

65      Quanto aos objectivos de conservação, resulta dos n.os 20 e 21 do acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Comissão/França, já referido, que o estatuto jurídico de protecção de que devem beneficiar as ZPE não implica que esses objectivos tenham de ser especificados para cada espécie considerada separadamente. Por outro lado, atendendo ao que é dito nos n.os 60 e 61 do presente acórdão, não se pode considerar, em qualquer dos casos, que os objectivos de conservação devem estar contidos no acto jurídico respeitante às espécies e aos habitats protegidos de determinada ZPE.

66      Quanto à alegada insuficiência do estatuto jurídico de protecção das ZPE associadas a uma reserva natural ou a outro tipo de sítio classificado, existentes e protegidos por medidas nacionais ou regionais, cabe recordar que, como indicado no n.° 57 do presente acórdão, o artigo 4.° da directiva «aves» prevê um regime com um objectivo específico e reforçado, tanto para as espécies enumeradas no seu anexo I como para as espécies migratórias. Essa é a especificidade do regime de protecção de que devem beneficiar as ZPE, por oposição ao regime de protecção geral menos estrito previsto no artigo 3.° da directiva «aves» para todas as espécies de aves visadas nesta directiva (v., neste sentido, acórdão Royal Society for the Protection of Birds, já referido, n.os 19 e 24). Daqui não decorre, porém, que apenas um regime jurídico especificamente definido e instituído para cada ZPE seja susceptível de proteger eficazmente esse tipo de sítio.

67      Tendo em conta as considerações precedentes, deve concluir‑se que, no caso vertente, não ficou demonstrado o mérito da acusação relativa a um incumprimento de ordem geral, por parte do Estado‑Membro demandado, das obrigações visadas no artigo 4.°, n.os 1 ou 2, da directiva «aves» e no artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», conjugado com o artigo 7.° desta directiva.

68      Por conseguinte, convém examinar o mérito da acção por incumprimento à luz da regulamentação em vigor nos diferentes Länder no termo do prazo fixado no parecer fundamentado e dentro dos limites precisados no n.° 47 do presente acórdão.

 No que diz respeito ao Land de Burgenland

–       Argumentos das partes

69      A Comissão sustenta que, visto as zonas Natura 2000 não terem sido transformadas em zonas de conservação europeias e dotadas de um estatuto jurídico correspondente a estas últimas, não existe um estatuto de protecção adequado para as ZPE do Land de Burgenland.

70      A República da Áustria menciona certos sítios relativamente aos quais indica que estão a ser elaborados os regulamentos que os irão classificar como zonas de conservação europeias. Apenas o sítio de Auwiesen Zickenbachtal foi designado como «zona de conservação europeia de Auwiesen Zickenbachtal» por um Regulamento de 23 de Março de 2008 do Governo do Land de Burgenwald.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

71      Resulta quer da argumentação das partes quer da carta dirigida em 20 de Fevereiro de 2007 pela República da Áustria à Comissão, em resposta ao parecer fundamentado, que, no termo do prazo fixado nesse parecer, nenhuma ZPE havia sido classificada no Land de Burgenland. Ora, a segunda acusação apenas respeita, como é indicado nas conclusões da petição inicial, a ZPE já classificadas.

72      Consequentemente, na medida em que diz respeito à situação no referido Land, esta acusação é, de resto, desprovida de objecto e deve, portanto, ser julgada improcedente.

 No que diz respeito ao Land de Viena

–       Argumentos das partes

73      A Comissão alega que as quatro ZPE deste Land, que só foram classificadas em 17 de Outubro de 2007, não beneficiam de um estatuto jurídico que lhes ofereça suficiente protecção.

74      A República da Áustria contrapõe que as referidas ZPE estão protegidas de uma maneira conforme às exigências do artigo 4.°, n.os 1 ou 2, da directiva «aves» e dos artigos 6.°, n.° 2, e 7.° da directiva «habitats».

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

75      Não é contestado que os sítios em causa no presente processo não foram objecto de classificação como ZPE no termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

76      Nestas condições, pelas mesmas razões que a enunciada no n.° 71 do presente acórdão, na medida em que visa a situação no Land de Viena, a segunda acusação deve ser julgada improcedente.

 No que diz respeito ao Land da Caríntia

–       Argumentos das partes

77      Segundo a Comissão, não se pode considerar que o estatuto jurídico da zona de conservação europeia de aves de Flachwasserbiotop Neudenstein, única ZPE classificada antes do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, confira uma protecção suficiente àquele sítio, pelo motivo de que a regulamentação interna não prevê medidas e objectivos de conservação específicos às espécies de aves concretamente em causa nem uma representação cartográfica dessa ZPE.

78      A República da Áustria limita‑se a confirmar a existência da referida ZPE.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

79      A este respeito, cabe sublinhar que o § 2 do Regulamento de 23 de Maio de 2005 do Governo do Land da Caríntia, relativo à referida ZPE, dispõe que, na medida em que as condições de protecção estabelecidas no § 2 do Regulamento de 8 de Novembro de 1994 do mesmo governo, publicado no Jornal Oficial n.° 92/1994 do referido Land, garantem uma protecção suficiente, não é necessário fixar, a título complementar, obrigações, proibições, restrições de autorização e medidas de conservação para a zona de conservação europeia de Flachwasserbiotop Neudenstein.

80      Além disso, o § 3 desse mesmo Regulamento de 23 de Maio de 2005 dispõe que este visa a preservação, o desenvolvimento e o restabelecimento de um estado de conservação favorável das espécies protegidas mencionadas em anexo.

81      Neste contexto, atendendo às considerações que figuram no n.° 65 do presente acórdão e na falta de uma prova que indique que a realização dos objectivos de conservação das espécies de aves visadas no artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves», das quais fazem parte as espécies mencionadas no anexo ao referido regulamento, exige, no caso vertente, disposições mais detalhadas do que as adoptadas pelo Governo do Land da Caríntia, a acusação da Comissão deve ser julgada improcedente quanto a este ponto.

82      Quanto à alegada falta de representação cartográfica da referida ZPE, impõe‑se concluir que, embora seja susceptível de fornecer uma delimitação clara de um sítio, essa representação não constitui, como referiu a advogada‑geral no n.° 84 das suas conclusões, a única forma possível e fiável de delimitação de um sítio.

83      Por conseguinte, a acusação da Comissão deve ser julgada improcedente igualmente no que respeita a este ponto.

84      Na medida em que visa a situação no Land da Caríntia, a segunda acusação deve, portanto, ser julgada improcedente.

 No que diz respeito ao Land da Alta Áustria

–       Argumentos das partes

85      A Comissão sustenta que o regime de protecção em vigor nas onze ZPE notificadas deste Land é insuficiente. Por um lado, não há regulamentação relativa às ZPE de Maltsch, Wiesengebiete im Freiwald, Pfeifer Anger, Oberes Donautal e Untere Traun. Por outro lado, a regulamentação aplicável às ZPE de Traun‑Donau‑Aven, Ettenau, Frankinger Moos, Dachstein, Unterer Inn e do Nationalpark Kalkalpen não oferece uma protecção adequada.

86      A Comissão alega que, relativamente às ZPE de Ettenau, Traun‑Donau‑Aven e Frankinger Moos, existem regulamentos gerais relativos a reservas naturais que apenas regulam, nos últimos dois casos, as intervenções autorizadas. Quanto às ZPE de Dachstein, Unterer Inn e do Nationalpark Kalkalpen, estão abrangidas por regulamentos específicos relativos a zonas de conservação europeias que apenas prevêem, no essencial, uma proibição geral de intervenção.

87      A República da Áustria indica que os regulamentos em falta estão a ser elaborados pelo Governo do Land da Alta Áustria. Todavia, refuta a tese da Comissão segundo a qual todas as ZPE desse Land carecem de um estatuto de protecção suficiente. Assim, nos termos do § 25 da Lei de 2001 relativa à protecção da natureza e da paisagem da Alta Áustria (Oö. Natur‑ und Landschaftsschutzgesetz 2001, LGBl. n° 129/2001), as ZPE actualmente protegidas como reservas naturais beneficiam de uma protecção absoluta que vai além das exigências da directiva «aves». Por outro lado, esse Estado‑Membro cita, a título de exemplo de ZPE que gozam de um estatuto de protecção suficiente, as ZPE de Dachstein e do Nationalpark Kalkalpen, mencionando uma série de disposições internas especificamente focadas na conservação das aves.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

88      No que diz respeito às ZPE de Maltsch, Wiesengebiete im Freiwald, Pfeifer Anger, Oberes Donautal e Untere Traun, nenhuma regulamentação pertinente foi comunicada à Comissão ou indicada durante o processo no Tribunal de Justiça. Por conseguinte, a acusação da Comissão relativa à insuficiência de regulamentação relativa a essas ZPE é fundada.

89      No que diz respeito ao regime jurídico das outras ZPE, impõe‑se constatar que, ao não justificar que, dada a situação concreta de cada zona, esse regime é insuficiente à luz das exigências pertinentes das directivas «aves» e «habitats», a Comissão não fornece, com essas suas alegações assim deficientemente circunstanciadas, a prova do mérito da sua acusação, a qual deve, portanto, ser julgada improcedente quanto a este ponto.

90      Decorre daqui que, no tocante à situação no Land da Alta Áustria, a segunda acusação apenas pode ser julgada procedente na medida em que visa as ZPE de Maltsch, Wiesengebiete im Freiwald, Pfeifer Anger, Oberes Donautal e Untere Traun.

 No que diz respeito ao Land de Vorarlberg

–       Argumentos das partes

91      A Comissão alega que a regulamentação em vigor neste Land não prevê, relativamente às ZPE, objectivos de protecção e de conservação específicos nem medidas concretas, tal como não prevê obrigações ou proibições. No que respeita, em especial, à ZPE de Klostertaler Bergwälder, a Comissão sublinha a insuficiência da protecção conferida a essa zona pelo plano de gestão das florestas adoptado pelo Governo do Land de Vorarlberg. No que respeita à ZPE de Verwall, está protegida especificamente por um regulamento do referido governo, adoptado, porém, após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado, regulamento esse que contém obrigações, proibições e disposições destinadas à protecção e à conservação do sítio bem como das espécies protegidas aí presentes.

92      A República da Áustria contrapõe que as ZPE de Rheindelta, Lauteracher Ried, Bangser Ried e Matschels estão cobertas por regulamentos de zona protegida que proíbem as medidas e utilizações que deteriorem os habitats naturais das espécies a que essas zonas estão consagradas, ou que provoquem perturbações significativas nessas espécies. Quanto à ZPE de Klostertaler Bergwälder, o respectivo plano florestal foi elaborado, com força vinculativa, por ordem das autoridades, a fim de implementar as medidas de conservação necessárias para manter um estado de conservação favorável às espécies de aves visadas no anexo I da directiva «aves», presentes no sítio.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

93      Cabe salientar que o § 13, n.° 2, do Regulamento relativo à protecção da natureza (LGBl. n.° 36/2003) prevê que o Governo do Land de Vorarlberg está obrigado, se for necessário, a promulgar, através de planos de gestão ou de outras convenções, ou por meio de decisão ou de regulamento, as medidas de manutenção, de desenvolvimento e de conservação das zonas visadas, em conformidade com as exigências ecológicas, nomeadamente, das espécies de aves mencionadas no anexo I da directiva «aves» e presentes nesses zonas.

94      O § 14 do referido regulamento prevê explicitamente uma proibição de deterioração, enquanto o § 15 do mesmo regulamento prevê um estudo de impacto e, sendo caso disso, uma obrigação de autorização à luz dos objectivos de conservação resultantes das exigências relativas a um estado de conservação favorável dos habitats naturais e das espécies indicadas em anexo, que se revelem determinantes para a designação da zona.

95      A isto acrescem, no que respeita às ZPE de Rheindelta, Lauteracher Ried, Bangser Ried, Matschels e Klostertaler Bergwälder, as medidas indicadas pela República da Áustria, referidas no n.° 92 do presente acórdão.

96      Num contexto desta natureza, atendendo, nomeadamente, às considerações que figuram no n.° 65 do presente acórdão e na falta de uma prova que indique que a realização dos objectivos de conservação das espécies de aves visadas no artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves» exige, no caso vertente, disposições mais detalhadas do que as adoptadas pelo Governo do Land de Vorarlberg, a acusação da Comissão deve ser julgada improcedente na parte respeitante às ZPE mencionadas no número precedente do presente acórdão.

97      No que diz respeito à ZPE de Verwall, e diversamente das ZPE mencionadas no n.° 95 do presente acórdão, este sítio não parece ter beneficiado de uma protecção jurídica especial no termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Por outro lado, uma vez que o referido governo adoptou, pouco tempo após o termo daquele prazo, um regulamento que introduziu uma série de medidas de protecção específicas, deve considerar‑se, no caso vertente, que esta ZPE não estava suficientemente protegida até à adopção dessas medidas. Consequentemente, a acção é fundada a este respeito.

98      Consequentemente, na medida em que diz respeito à situação no Land de Vorarlberg, a segunda acusação deve ser julgada procedente no tocante à ZPE de Verwall.

 No que diz respeito ao Land do Tirol

–       Argumentos das partes

99      Segundo a Comissão, a regulamentação geral em vigor neste Land não estabelece um estatuto de protecção suficiente para as ZPE nele situadas. É verdade que o Governo do Land do Tirol adoptou um regulamento que contém uma lista de onze zonas Natura 2000, mas esse acto não indica nem as espécies de aves protegidas, nem os objectivos de protecção e de conservação, nem as regras essenciais de comportamento a respeitar. Na falta de objectivos de conservação específicos, estes são substituídos, de um modo geral, pela protecção dos habitats e das aves mencionados nos formulários de dados técnicos standard, em conformidade com o § 14, n.° 11, da Lei de 1997 relativa à protecção da natureza do Land do Tirol, na versão de 12 de Maio de 2004 (LGBl n.° 50/2004, a seguir «TNSchG»). A Comissão alega, em especial, que o estatuto de protecção da ZPE do Tiroler Lechtal é insuficiente.

100    A República da Áustria indica que a implementação das directivas «aves» e «habitats» foi integrada num sistema de protecção já desenvolvido e que compreende, nomeadamente, reservas naturais, parques naturais, zonas de paisagem protegida, zonas de tranquilidade para caça e sítios protegidos. Esta implementação consistiu em associar as regras dessas directivas às regras existentes nas zonas de protecção e em completar tais regras. Ora, nessas zonas de protecção, encontra‑se em vigor uma série de proibições, obrigações e sistemas de autorização.

101    Com base num projecto adoptado durante o mês de Dezembro de 2004, todas as ZPE do Land do Tirol estão sujeitas a uma gestão coordenada, destinada a realizar os objectivos de protecção fixados para cada uma das zonas e a garantir de maneira duradoura, nomeadamente, a conservação das espécies de aves existentes em cada zona em causa. A República da Áustria sustenta que o regime transitório previsto no § 14 da TNSchG garante uma protecção suficiente das ZPE até à definição dos objectivos de conservação por um regulamento específico.

102    O Estado‑Membro demandado expõe detalhadamente o regime de protecção aplicável à ZPE de Tiroler Lechtal e sustenta que é suficiente à luz das directivas «aves» e «habitats».

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

103    Importa sublinhar que, segundo o § 3, n.° 9, ponto 9, da TNSchG, os objectivos de conservação são definidos como a manutenção e o restabelecimento de um estado de conservação favorável das espécies mencionadas no anexo I da directiva «aves» e no seu § 4, n.° 2, que estão presentes numa zona de conservação europeia de aves ou dos seus habitats.

104    Nos termos do § 14, n.° 3, da TNSchG, o governo do referido Land está obrigado a fixar, por meio de regulamento, os objectivos de conservação para cada sítio Natura 2000 e, sendo caso disso, as disposições e medidas de conservação necessárias para a obtenção de um estado de conservação favorável.

105    O § 14, n.° 11, da TNSchG prevê, relativamente ao período de transição anterior à adopção desses regulamentos, que os objectivos de conservação são provisoriamente substituídos pela protecção dos habitats bem como da fauna e da flora selvagens, entre os quais as aves, que figuram nos formulários de dados standard.

106    Ora, este tipo de formulário, previsto pela Decisão 97/266/CE da Comissão, de 18 de Dezembro de 1996, relativa a um formulário para as informações sobre sítios para os sítios da rede Natura 2000 propostos (JO L 107, p. 1), e do qual se sabe que, nos termos da regulamentação pertinente do Land do Tirol, é publicado e oponível a terceiros, menciona as espécies de aves que justificaram a classificação do sítio em causa como ZPE. Por outro lado, o referido formulário contém igualmente, entre outras, uma descrição do sítio, uma explicação sucinta da qualidade e da importância do mesmo, tendo em conta, nomeadamente, os objectivos de conservação da directiva «aves» assim como uma avaliação desse sítio para cada uma das referidas espécies.

107    Além disso, não é contestado que, em cada uma das ZPE do referido Land, são impostas numerosas proibições, obrigações e uma série de procedimentos de autorização, que, relativamente a cada uma dessas zonas, vêm acrescer às obrigações de autorização e às proibições legais gerais.

108    Assim, por exemplo, resulta dos autos que, nas reservas naturais, estão, em princípio, proibidas a construção, a edificação ou a implantação de instalações, a construção, a ampliação ou o desvio de estradas e de caminhos, a escavação ou o atulhamento de terrenos que não sejam terrenos onde existam construções e que estejam murados, a criação de florestas novas, as aterragens e as descolagens nos campos, qualquer produção de ruídos consideráveis, a fertilização com adubos, a utilização de produtos tóxicos e de veículos automotores. Nas ZPE, às proibições referidas vem inclusivamente juntar‑se uma proibição geral de acesso.

109    Tendo em conta as considerações precedentes, não se pode considerar provado que o sistema de protecção das ZPE em vigor no Land do Tirol é insuficiente à luz do artigo 4.°, n.os 1 ou 2, da directiva «aves» e do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», conjugado com o artigo 7.° desta directiva.

110    É particularmente assim no caso da ZPE de Tiroler Lechtal, que beneficia igualmente de protecção a título de parque natural, e parte da qual, a saber, o sítio de Tiroler Lech, foi classificada como reserva natural.

111    As conclusões que figuram nos dois números precedentes não podem ser postas em causa pela circunstância de o § 14, n.° 3, da TNSchG prever que o Governo do Land do Tirol está obrigado a fixar, por meio de regulamento, os objectivos de conservação para cada sítio Natura 2000. Com efeito, mesmo que tal sistema possa ser melhorado, não se afigura, contudo, no caso em apreço, que o sistema já instituído nesse Land seja insuficiente à luz das exigências de conservação.

112    Consequentemente, há que julgar improcedente a segunda acusação na parte respeitante à situação no Land do Tirol.

113    No que diz respeito às ZPE relativamente às quais se concluiu, no caso vertente, que não beneficiam de um estatuto jurídico de protecção suficiente à luz das exigências decorrentes das disposições pertinentes das directivas «aves» e «habitats», o Tribunal de Justiça não dispõe de informações que lhe permitam determinar se as espécies em razão das quais as ZPE foram classificadas estão abrangidas pelos n.os 1 e 2 do artigo 4.° da directiva «aves» ou por apenas um destes números.

114    Por conseguinte, deve fazer‑se referência apenas ao artigo 4.° da directiva «aves».

115    À luz de todas as considerações precedentes, há que declarar que a República da Áustria:

–        não tendo procedido correctamente, com base em critérios ornitológicos, à classificação como ZPE do sítio de Hanság, no Land de Burgenland, e à delimitação da ZPE de Niedere Tauern, no Land da Estíria, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves», e

–        não tendo conferido às ZPE de Maltsch, Wiesengebiete im Freiwald, Pfeifer Anger, Oberes Donautal e Untere Traun, no Land da Alta Áustria, bem como à ZPE de Verwall, no Land de Vorarlberg, uma protecção jurídica conforme às exigências do artigo 4.° da directiva «aves» e do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», conjugado com o artigo 7.° desta directiva,

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

 Quanto às despesas

116    Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial quanto a um ou mais fundamentos, o Tribunal de Justiça pode repartir as despesas ou decidir que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. No presente caso, tendo as partes sido vencidas quanto a um ou mais fundamentos, cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

117    Nos termos do artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, a República Federal da Alemanha, que interveio no presente litígio, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      A República da Áustria:

–        não tendo procedido correctamente, com base em critérios ornitológicos, à classificação como zona de protecção especial do sítio de Hanság, no Land de Burgenland, e à delimitação da zona de protecção especial de Niedere Tauern, no Land da Estíria, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, e

–        não tendo conferido às zonas de protecção especial de Maltsch, de Wiesengebiete im Freiwald, Pfeifer Anger, Oberes Donautal e Untere Traun, no Land da Alta Áustria, bem como à zona de protecção especial de Verwall, no Land de Vorarlberg, uma protecção jurídica conforme às exigências do artigo 4.° da Directiva 79/409 e do artigo 6.°, n.° 2, da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, conjugado com o artigo 7.° desta directiva,

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

2)      A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      A Comissão Europeia, a República da Áustria e a República Federal da Alemanha suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


*Língua do processo: alemão.

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