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Document 62007CJ0504

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de Maio de 2009.
    Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros (Antrop) e o. contra Conselho de Ministros, Companhia Carris de Ferro de Lisboa SA (Carris) e Sociedade de Transportes Colectivos do Porto SA (STCP).
    Pedido de decisão prejudicial: Supremo Tribunal Administrativo - Portugal.
    Regulamento (CEE) n.º 1191/69 - Obrigações de serviço público - Atribuição de compensações - Sector do transporte urbano de passageiros..
    Processo C-504/07.

    Colectânea de Jurisprudência 2009 I-03867

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:290

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    7 de Maio de 2009 ( *1 )

    «Regulamento (CEE) n.o 1191/69 — Obrigações de serviço público — Atribuição de compensações — Sector do transporte urbano de passageiros»

    No processo C-504/07,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por decisão de 23 de Outubro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em , no processo

    Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros (ANTROP) e o.

    contra

    Conselho de Ministros,

    Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA (Carris),

    Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, SA (STCP),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, K. Schiemann (relator), P. Kūris, L. Bay Larsen e C. Toader, juízes,

    advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 11 de Dezembro de 2008,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros (ANTROP) e o., por J. Mota de Campos, advogado,

    em representação do Conselho de Ministros, por A. Duarte de Almeida, advogado,

    em representação da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, SA (STCP), por C. Pinto Correia, advogado,

    em representação do Governo alemão, por M. Lumma, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Righini e G. Braga da Cruz, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O presente pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 73.o CE e 87.o CE e ainda do Regulamento (CEE) n.o 1191/69 do Conselho, de 26 de Junho de 1969, relativo à acção dos Estados-Membros em matéria de obrigações inerentes à noção de serviço público no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 156, p. 1; EE 08 F1 p. 131), conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.o 1893/91 do Conselho, de (JO L 169, p. 1; a seguir «Regulamento n.o 1191/69»).

    2

    O pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros (ANTROP) e várias outras empresas (a seguir «ANTROP e o.») ao Conselho de Ministros, à Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA (a seguir «Carris»), e à Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, SA (a seguir «STCP»), a respeito de indemnizações compensatórias, respectivamente, de 40916478 euros e de 12376201 euros, atribuídas a essas empresas, para o ano de 2003, pela Resolução do Conselho de Ministros n.o 52/2003, de 27 de Março de 2003.

    Quadro jurídico

    3

    O primeiro e segundo considerandos do Regulamento n.o 1191/69 enunciam:

    «Considerando que um dos objectivos da política comum de transportes é a eliminação das disparidades que se manifestam pela imposição, às empresas de transportes, pelos Estados-Membros, de obrigações inerentes à noção de serviço público e que sejam de natureza a falsear substancialmente as condições de concorrência;

    Considerando que é necessário, por conseguinte, suprimir as obrigações de serviço público definidas no presente regulamento; que, todavia, a manutenção de tais obrigações é indispensável em determinados casos, para garantir o fornecimento de serviços de transporte suficientes; que este fornecimento deve ser apreciado em função da oferta e da procura de transporte existentes, bem como das necessidades da colectividade.»

    4

    O artigo 1.o, n.os 1 a 5, do Regulamento n.o 1191/69 estabelece:

    «1.   O presente regulamento é aplicável às empresas de transportes que explorem serviços no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável.

    Os Estados-Membros podem excluir do âmbito de aplicação do presente regulamento as empresas cuja actividade se limite exclusivamente à exploração de serviços urbanos, suburbanos ou regionais.

    2.   Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

    serviços urbanos e suburbanos, os serviços de transporte correspondentes às necessidades de um centro urbano ou de uma aglomeração, bem como às necessidades de transportes entre esse centro ou essa aglomeração e os respectivos arredores,

    serviços regionais, os serviços de transportes destinados a dar resposta às necessidades de transportes de uma região.

    3.   As autoridades competentes dos Estados-Membros eliminarão as obrigações inerentes à noção de serviço público, definidas no presente regulamento, impostas no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável.

    4.   A fim de garantir a existência de serviços de transportes suficientes, tendo nomeadamente em conta os factores sociais, ambientais e de ordenamento do território, ou a fim de oferecer determinadas condições tarifárias em benefício de determinadas categorias de passageiros, as autoridades competentes dos Estados-Membros podem celebrar contratos de fornecimento de serviços públicos com empresas de transportes. As condições e modalidades desses contratos constam da secção V.

    5.   Todavia, as autoridades competentes dos Estados-Membros podem manter ou impor as obrigações de serviço público a que se refere o artigo 2.o aos serviços urbanos, suburbanos e regionais de transporte de passageiros. As respectivas condições e modalidades, incluindo os métodos de compensação, constam das secções II, III e IV.

    Sempre que uma empresa de transportes explore simultaneamente serviços sujeitos a obrigações de serviço público e outras actividades, os referidos serviços públicos deverão ser objecto de uma orgânica específica que satisfaça pelo menos os seguintes requisitos:

    a)

    Separação das contas correspondente a cada uma dessas actividades de exploração e afectação da parte correspondente dos activos segundo as normas contabilísticas em vigor;

    b)

    Equilíbrio das despesas pelas receitas de exploração e pelos subsídios do Estado sem possibilidade de transferência de ou para outro sector de actividade da empresa.»

    5

    Nos termos do artigo 2.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1191/69:

    «1.   Por obrigações de serviço público, entendem-se as obrigações que a empresa de transporte, se considerasse os seus próprios interesses comerciais, não assumiria ou não teria assumido na mesma medida ou nas mesmas condições.

    2.   As obrigações de serviço público, na acepção do n.o 1, envolvem a obrigação de explorar, a obrigação de transportar e a obrigação tarifária.»

    6

    O artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1191/69 enuncia:

    «As decisões de manter uma obrigação ou parte de uma obrigação de serviço público, ou de a extinguir decorrido certo prazo, deverão prever a atribuição de uma compensação dos encargos financeiros que daí resultem, cujo montante será determinado em conformidade com os procedimentos comuns estabelecidos nos artigos 10.o a 13.o»

    7

    O artigo 10.o do Regulamento n.o 1191/69 prevê:

    «1.   O montante da compensação prevista no artigo 6.o será, no caso de uma obrigação de explorar ou de transportar, igual à diferença entre a diminuição dos encargos e a diminuição das receitas da empresa que possam resultar da extinção da totalidade ou da parte relevante da obrigação em causa durante o período de tempo considerado.

    Todavia, se o cálculo das desvantagens económicas tiver sido efectuado repartindo os custos totais suportados pela empresa a título da sua actividade de transporte entre as diferentes partes desta actividade, o montante da compensação será igual à diferença entre os custos imputáveis à parte da actividade da empresa abrangida pela obrigação de serviço público e a receita correspondente.»

    8

    O artigo 17.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1191/69 estabelece:

    «As compensações que resultarem da aplicação do presente regulamento estão dispensadas do processo de informação prévia, previsto no artigo [88.o], n.o 3, [CE].»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    9

    A Carris é uma empresa pública que, por contrato administrativo, obteve a concessão do serviço público de transporte de passageiros mediante a utilização de autocarros, carros eléctricos e ascensores mecânicos no interior dos limites administrativos da cidade de Lisboa. As obrigações de serviço público da Carris consistem em assegurar o funcionamento regular e contínuo do serviço concessionado, nas condições tarifárias definidas pelo concedente.

    10

    A STCP, por seu lado, é uma empresa pública concessionária do serviço público de transporte de passageiros no interior dos limites administrativos da cidade do Porto, tendo tal concessão decorrido da transformação legal do serviço municipalizado em sociedade anónima.

    11

    Como contrapartida da prestação de serviços de transporte urbano de passageiros, a Carris e a STCP beneficiam, há longos anos, de diversos benefícios concedidos pelo Estado. Trata-se, designadamente, de indemnizações compensatórias, dotações de capital e de avales do Estado ao crédito que lhes é concedido.

    12

    Fora dos limites geográficos das zonas das respectivas concessões, a Carris e a STCP exploram igualmente, sem sujeição a obrigações de serviço público, carreiras de autocarro em que operam igualmente outras empresas, designadamente a ANTROP e o. Estas prestam serviços de transporte em regime de serviço público licenciado e estão adstritas a regras de itinerários, horários e tarifas. Foi devido à actividade da Carris e da STCP nessas mesmas carreiras que a ANTROP e o. invocaram uma distorção da concorrência e impugnaram a Resolução n.o 52/2003.

    13

    A ANTROP e o. alegam que só têm como proveitos as suas receitas de exploração advenientes das tarifas em vigor, pelo que os prejuízos de exploração que resultem da sua actividade são exclusivamente cobertos pelos seus capitais próprios, ao passo que os eventuais prejuízos, custos de investimento e capitais da Carris e da STCP são cobertos por subsídios públicos. A atribuição desses subsídios constitui, assim, um factor de distorção da concorrência. Por conseguinte, as recorrentes no processo principal sustentam que a Resolução n.o 52/2003, na parte impugnada, viola a legislação nacional da concorrência e as disposições de direito comunitário em matéria de auxílios de Estado, designadamente os artigos 86.o CE, 87.o, n.o 1, CE, 88.o CE e 89.o CE, bem como o Regulamento n.o 1191/69 e o Regulamento (CEE) n.o 1107/70 do Conselho, de 4 de Junho de 1970, relativo aos auxílios concedidos no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 130, p. 1; EE 08 F1 p. 164).

    14

    Foi neste quadro que se suscitou no tribunal nacional a questão da necessidade do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça.

    15

    Tendo ouvido as partes e considerando necessário o reenvio, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «[1)]

    À luz dos artigos 73.o[CE], 87.o[CE] e 88.o [CE] […] e [do] Regulamento n.o 1191/69, podem as autoridades nacionais impor obrigações de serviço público a uma empresa pública encarregada de assegurar o transporte público de passageiros num município?

    [2)]

    Em caso de resposta afirmativa, devem as autoridades nacionais compensar essas obrigações?

    [3)]

    Devem as autoridades nacionais, numa situação em que não estão obrigadas a lançar concursos para a concessão da exploração de uma rede de transportes, alargar a obrigação de compensar a todas as empresas que sejam consideradas, à luz do direito interno e na mesma área, como oferecendo transporte público de passageiros?

    [4)]

    Em caso afirmativo, qual deve ser o critério de compensação?

    [5)]

    No caso de empresas de transporte de passageiros em autocarro que, em virtude de concessão pública, exercem a sua actividade, em regime de exclusivo no interior de determinados perímetros urbanos, mas que igualmente exercem essa actividade em concorrência com operadores privados fora das áreas urbanas que são objecto de exclusivo, a concessão pelo Estado, ano a ano, de auxílios destinados a cobrir os constantes deficits de exploração dessas empresas, tais ajudas configuram um auxílio de Estado interdito pelo artigo 87.o, [n.o] 1, do Tratado CE, sempre que:

    [a)]

    não seja possível apurar com base em dados seguros da respectiva contabilidade a diferença entre os custos imputáveis à parte da actividade dessas empresas na área em que é objecto da concessão e a receita correspondente e não seja em consequência possível calcular o [sobrecusto], decorrente do cumprimento das obrigações de serviço público que nos termos da concessão possa ser objecto de auxílio estatal?

    [b)]

    o fornecimento de serviços de transporte pelas referidas empresas possa por esse facto ser mantido ou aumentado, o que tem como consequência que as hipóteses de outra[s] empresas estabelecidas nesse ou noutro Estado-Membro fornecerem os seus serviços de transporte fiquem diminuídas?

    [c)]

    e isto, apesar da previsão do artigo 73.o do Tratado?

    [6)]

    Tendo em atenção as condições que o [Tribunal de Justiça] recorta no actual artigo 87.o, [n.o 1, CE] […], designadamente no Acórdão de [24 de Julho de 2003] (Altmark) [Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C-208/00, Colect., p. I-7747] para a qualificação de auxílio estatal (‘Em primeiro lugar, deve tratar-se de uma intervenção de Estado, ou proveniente de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear a concorrência’), quais o sentido e alcance das expressões (i) atribuição de uma vantagem que (ii) falseia a concorrência, perante uma situação em que os beneficiários det[ê]m o exclusivo do serviço público de transportes de passageiros nas cidades de Lisboa e Porto, mas intervém ainda nas ligações a essas cidades, em zonas onde também interv[ê]m outros operadores? Ou seja, a que critérios [é] que devemos apelar para podermos concluir que a atribuição de uma vantagem, falseia a concorrência? É, para este aspecto, relevante saber qual a percentagem de custos que, no âmbito das empresas, são imputáveis às carreiras de transporte que operam fora da zona de exclusividade? É necessário — em suma — que o auxílio se repercuta na actividade exercida fora da zona de exclusividade (Lisboa e Porto) em termos concretamente significativos?

    [7)]

    A intervenção da Comissão [das Comunidades Europeias] prevista nos artigos 76.o e 88.o do Tratado é a única forma jurídica de fazer cumprir as regras do Tratado [CE] na matéria de ajudas de Estado, ou a efectividade do direito comunitário exige mais do que isso, designadamente, a possibilidade de aplicação directa das referidas normas pelos tribunais nacionais a pedido dos particulares que se sintam atingidos negativamente pela concessão de um subsídio ou uma ajuda contrária às regras da concorrência?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira, segunda, terceira e quarta questões

    16

    É conveniente tratar conjuntamente as quatro primeiras questões, na medida em que se referem, em substância, à possibilidade de os Estados-Membros imporem obrigações de serviço público às empresas de transporte e à obrigação de as compensarem, que eventualmente daí decorre.

    17

    Saliente-se, a título liminar, que nenhum elemento dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça permite supor que a República Portuguesa tenha usado a faculdade prevista no artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1191/69, de excluir do seu âmbito de aplicação as empresas cuja actividade se limite exclusivamente à exploração de serviços urbanos, suburbanos ou regionais. Por consequência, as disposições deste regulamento são plenamente aplicáveis ao processo principal, devendo as questões prejudiciais ser apreciadas à luz dessas disposições.

    18

    Tendo por objectivo a supressão das obrigações inerentes à noção de serviço público, como se infere do primeiro e segundo considerandos e do artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1191/69, o seu artigo 1.o, n.o 5, prevê que as autoridades competentes dos Estados-Membros podem manter ou impor as obrigações de serviço público, a que se refere o artigo 2.o, para os serviços urbanos, suburbanos e regionais de transporte de passageiros. As respectivas condições e modalidades, incluindo os métodos de compensação, constam das secções II, III e IV do regulamento.

    19

    Nos termos do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1191/69, as decisões de manter uma obrigação ou parte de uma obrigação de serviço público, ou de a extinguir decorrido certo prazo, deverão prever a atribuição de uma compensação dos encargos financeiros que daí resultem, cujo montante será determinado em conformidade com os procedimentos comuns estabelecidos nos artigos 10.o a 13.o do mesmo regulamento.

    20

    Estando a obrigação de compensação, por força do Regulamento n.o 1191/69, necessariamente ligada ao cumprimento de obrigações de serviço público, as empresas que, segundo a hipótese colocada pelo tribunal de reenvio na terceira questão, sejam consideradas prestadoras de um serviço de transporte público de passageiros num município, sem lhes ser imposta nenhuma obrigação de serviço público, não podem beneficiar dessa compensação.

    21

    Assim, há que responder às quatro primeiras questões que o Regulamento n.o 1191/69 deve ser interpretado no sentido de que autoriza os Estados-Membros a imporem obrigações de serviço público a uma empresa pública encarregada de assegurar o transporte público de passageiros num município e de que prevê, relativamente aos encargos decorrentes dessas obrigações, a atribuição de uma compensação determinada de acordo com as disposições do referido regulamento.

    Quanto à quinta questão

    22

    Com a sua quinta questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se a atribuição de indemnizações compensatórias pelo Estado, como as que estão em causa no processo principal, a empresas de transporte concessionárias do serviço público e que beneficiam, no interior de um determinado perímetro urbano, de um regime de exclusividade, em virtude das obrigações de serviço público a que estão sujeitas, constitui um auxílio de Estado, proibido pelo artigo 87.o, n.o 1, CE, quando essas empresas exerçam igualmente a sua actividade em concorrência com operadores privados fora do referido perímetro urbano e se não for possível calcular o acréscimo decorrente do cumprimento das obrigações de serviço público.

    23

    Há que considerar, desde logo, que o artigo 87.o CE faz parte das disposições gerais do Tratado relativas aos auxílios de Estado, ao passo que o artigo 73.o CE institui, no domínio dos transportes, uma derrogação às regras gerais aplicáveis aos auxílios de Estado, ao prever que os auxílios que vão ao encontro das necessidades de coordenação dos transportes ou que correspondam ao reembolso de certas prestações inerentes à noção de serviço público são compatíveis com o Tratado. O Regulamento n.o 1191/69 institui um regime que os Estados-Membros são obrigados a respeitar quando pretendam impor obrigações de serviço público a empresas de transportes terrestres (v. acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, n.o 53).

    24

    Segundo o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1191/69, as decisões de manter uma obrigação ou parte de uma obrigação de serviço público, ou de a extinguir decorrido certo prazo, deverão prever a atribuição de uma compensação dos encargos financeiros que daí resultem, cujo montante será determinado em conformidade com os procedimentos comuns estabelecidos nos artigos 10.o a 13.o do mesmo regulamento.

    25

    O artigo 10.o do Regulamento n.o 1191/69 exige nomeadamente que o montante da compensação, no caso de uma obrigação de explorar ou de transportar, seja igual à diferença entre a diminuição dos encargos e a diminuição das receitas da empresa que possam resultar da extinção da totalidade ou da parte relevante da obrigação em causa durante o período de tempo considerado. Todavia, se o cálculo das desvantagens económicas tiver sido efectuado repartindo os custos totais suportados pela empresa a título da sua actividade de transporte entre as diferentes partes desta actividade, o montante da compensação será igual à diferença entre os custos imputáveis à parte da actividade da empresa abrangida pela obrigação de serviço público e a receita correspondente.

    26

    Ora, tal como resulta dos factos apurados pelo tribunal de reenvio e reflectidos na própria formulação da quinta questão, não estando as actividades da Carris e da STCP fora do seu perímetro respectivo de exclusividade submetidas a uma obrigação de serviço público, não é possível calcular, com base em dados seguros da contabilidade dessas duas sociedades, a diferença entre os custos imputáveis à parte da sua actividade nas zonas que integram a sua concessão respectiva e a receita correspondente, e, por consequência, não é possível calcular o acréscimo de custos decorrente da execução das obrigações de serviço público por parte destas empresas.

    27

    Nestas condições, a exigência formulada no artigo 10.o do Regulamento n.o 1191/69 não está preenchida, pois os custos imputáveis à parte da actividade da Carris e da STCP nas zonas da concessão exclusiva que foi atribuída a cada uma delas não podem ser calculados de maneira segura.

    28

    Neste caso, não tendo as indemnizações compensatórias de que as referidas empresas beneficiaram sido concedidas em conformidade com o Regulamento n.o 1191/61, não são compatíveis com o direito comunitário e não é, portanto, necessário apreciá-las face às disposições do Tratado relativas aos auxílios de Estado, designadamente o artigo 87.o, n.o 1, CE (v., neste sentido, acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, n.o 65).

    29

    Face ao que precede, há que responder à quinta questão que o Regulamento n.o 1191/69 se opõe à atribuição de indemnizações compensatórias como as que estão em causa no processo principal, quando não seja possível determinar o montante dos custos imputáveis à actividade das empresas em causa no âmbito da execução das suas obrigações de serviço público.

    Quanto à sexta questão

    30

    Atendendo à resposta dada à quinta questão, não é necessário responder à sexta questão.

    Quanto à sétima questão

    31

    Com esta questão, o tribunal nacional pergunta, em substância, qual é o papel dos tribunais nacionais quando constatem que um auxílio de Estado foi concedido contrariamente às disposições do direito comunitário.

    32

    Uma vez que as indemnizações compensatórias em causa no processo principal caem no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1191/69, a sua compatibilidade com o direito comunitário deve ser apreciada, como recordado no n.o 28 do presente acórdão, de acordo com as disposições desse regulamento, e não de acordo com as disposições do Tratado em matéria de auxílios de Estado.

    33

    No caso de o tribunal de reenvio chegar à conclusão de que as referidas indemnizações não foram atribuídas em conformidade com o Regulamento n.o 1191/69, cabe-lhe, atendendo à aplicabilidade directa deste regulamento, retirar daí todas as consequências, em conformidade com o direito nacional, no que se refere à validade dos actos de execução das referidas indemnizações.

    34

    Tendo em conta o que precede, há que responder à sétima questão que sempre que um tribunal nacional constatar a incompatibilidade de determinadas medidas de auxílio com o Regulamento n.o 1191/69, cabe-lhe retirar daí todas as consequências, em conformidade com o direito nacional, no que se refere à validade dos actos de execução das referidas medidas.

    Quanto às despesas

    35

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

     

    1)

    O Regulamento (CEE) n.o 1191/69 do Conselho, de 26 de Junho de 1969, relativo à acção dos Estados-Membros em matéria de obrigações inerentes à noção de serviço público no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável, conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.o 1893/91 do Conselho, de , deve ser interpretado no sentido de que autoriza os Estados-Membros a imporem obrigações de serviço público a uma empresa pública encarregada de assegurar o transporte público de passageiros num município e de que prevê, relativamente aos encargos decorrentes dessas obrigações, a atribuição de uma compensação determinada de acordo com as disposições do referido regulamento.

     

    2)

    O Regulamento n.o 1191/69, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1893/91, opõe-se à atribuição de indemnizações compensatórias como as que estão em causa no processo principal, quando não seja possível determinar o montante dos custos imputáveis à actividade das empresas em causa no âmbito da execução das suas obrigações de serviço público.

     

    3)

    Sempre que um tribunal nacional constatar a incompatibilidade de determinadas medidas de auxílio com o Regulamento n.o 1191/69, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1893/91, cabe-lhe retirar daí todas as consequências, em conformidade com o direito nacional, no que se refere à validade dos actos de execução das referidas medidas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: português.

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