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Document 62007CJ0173

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 10 de Julho de 2008.
    Emirates Airlines - Direktion für Deutschland contra Diether Schenkel.
    Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Frankfurt am Main - Alemanha.
    Transporte aéreo - Regulamento (CE) n.º 261/2004 - Indemnização dos passageiros em caso de cancelamento de um voo - Âmbito de aplicação - Artigo 3.º, n.º 1, alínea a) - Conceito de ‘voo’.
    Processo C-173/07.

    Colectânea de Jurisprudência 2008 I-05237

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2008:400

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    10 de Julho de 2008 ( *1 )

    «Transporte aéreo — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Indemnização dos passageiros em caso de cancelamento de um voo — Âmbito de aplicação — Artigo 3.o, n.o 1, alínea a) — Conceito de ‘voo’»

    No processo C-173/07,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Oberlandesgericht Frankfurt am Main (Alemanha), por decisão de 7 de Março de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Abril de 2007, no processo

    Emirates Airlines — Direktion für Deutschland

    contra

    Diether Schenkel,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, G. Arestis, R. Silva de Lapuerta, J. Malenovský (relator) e T. von Danwitz, juízes,

    advogada-geral: E. Sharpston,

    secretário: R. Grass,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Emirates Airlines — Direktion für Deutschland, por C. Leffers, Rechtsanwältin,

    em representação de D. Schenkel, por M. Scheffels, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo grego, por M. Apessos, O. Patsopoulou e V. Karra, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo francês, por G. de Bergues e A. Hare, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo polaco, por E. Ośniecka-Tamecka, na qualidade de agente,

    em representação do Governo sueco, por A. Falk, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Vidal Puig e G. Braun, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 6 de Março de 2008,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO L 46, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a companhia aérea Emirates Airlines — Direktion für Deutschland (a seguir «Emirates») e D. Schenkel, a respeito da recusa da Emirates de indemnizar este último na sequência do cancelamento de um voo com partida de Manila (Filipinas).

    Quadro jurídico

    Regulamentação internacional

    3

    A Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional (Convenção de Montreal), celebrada pela Comunidade Europeia, foi aprovada pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de Abril de 2001 (JO L 194, p. 38, a seguir «Convenção de Montreal»).

    4

    Essa convenção visa, nomeadamente, assegurar a protecção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional e uma indemnização equitativa com base no princípio da restituição.

    5

    O artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Convenção de Montreal, que regula o âmbito de aplicação desta última, dispõe o seguinte:

    «2.   Para efeitos da presente convenção, entende-se por ‘transporte internacional’ todas as operações de transporte em que, segundo as estipulações das partes, o ponto de partida e o ponto de destino, independentemente de se verificar uma interrupção do transporte ou um transbordo, se situam no território dos dois Estados Partes ou no território de um único Estado Parte, caso tenha sido acordada uma escala no território de um terceiro Estado, mesmo que este não seja parte na Convenção. O transporte entre dois pontos situados no território de um único Estado Parte, sem uma escala acordada no território de outro Estado, não é considerado transporte internacional para efeitos da presente convenção.

    3.   Para efeitos da presente convenção, o transporte a realizar por várias transportadoras sucessivas é considerado um transporte único e indiviso caso tenha sido considerado pelas partes uma única operação, independentemente de ter sido acordado sob a forma de um único contrato ou de uma série de contratos, e não perde o seu carácter internacional pelo facto de um contrato, ou uma série de contratos, dever ser integralmente executado no território do mesmo Estado.»

    Regulamentação comunitária

    6

    No seu artigo 2.o, que tem por epigrafe «Definições», o Regulamento n.o 261/2004 prevê o seguinte:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

    […]

    g)

    ‘Reserva’, o facto de o passageiro dispor de um bilhete ou outra prova, que indica que a reserva foi aceite e registada pela transportadora aérea ou pelo operador turístico;

    h)

    ‘Destino final’, o destino que consta do bilhete apresentado no balcão de registo ou, no caso de voos sucessivos, o destino do último voo; os voos sucessivos alternativos disponíveis não são tomados em consideração se a hora original planeada de chegada for respeitada;

    […]»

    7

    O artigo 3.o do mesmo regulamento, cuja epígrafe é «Âmbito», dispõe:

    «1.   O presente regulamento aplica-se:

    a)

    Aos passageiros que partem de um aeroporto localizado no território de um Estado-Membro a que o Tratado [CE] se aplica;

    b)

    Aos passageiros que partem de um aeroporto localizado num país terceiro com destino a um aeroporto situado no território de um Estado-Membro a que o Tratado se aplica, a menos que tenham recebido benefícios ou uma indemnização e que lhes tenha sido prestada assistência nesse país terceiro, se a transportadora aérea operadora do voo em questão for uma transportadora comunitária.

    […]»

    8

    No seu artigo 4.o, que tem por epígrafe «Recusa de embarque», o Regulamento n.o 261/2004 prevê:

    «1.   Quando tiver motivos razoáveis para prever que vai recusar o embarque para [um] voo, uma transportadora aérea operadora deve, em primeiro lugar, apelar a voluntários que aceitem ceder as suas reservas a troco de benefícios, em condições a acordar entre o passageiro em causa e a transportadora aérea operadora. Acrescendo aos benefícios a que se refere o presente número, os voluntários devem receber assistência nos termos do artigo 8.o

    […]»

    9

    O artigo 5.o do Regulamento n.o 261/2004, intitulado «Cancelamento», enuncia:

    «1.   Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

    […]

    c)

    Receber da transportadora aérea operadora [uma] indemnização nos termos do artigo 7.o […]

    […]»

    10

    O artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004, que tem por epígrafe «Direito a indemnização», dispõe:

    «1.   Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

    a)

    250 euros para todos os voos até 1500 quilómetros;

    b)

    400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros;

    c)

    600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

    Na determinação da distância a considerar, deve tomar-se como base o último destino a que o passageiro chegará com atraso em relação à hora programada devido à recusa de embarque ou ao cancelamento.

    […]»

    11

    O artigo 8.o do Regulamento n.o 261/2004, intitulado «Direito a reembolso ou reencaminhamento», prevê:

    «1.   Em caso de remissão para o presente artigo, deve ser oferecida aos passageiros a escolha entre:

    a)

    O reembolso no prazo de sete dias, de acordo com as modalidades previstas no n.o 3 do artigo 7.o, do preço total de compra do bilhete, para a parte ou partes da viagem não efectuadas, e para a parte ou partes da viagem já efectuadas se o voo já não se justificar em relação ao plano inicial de viagem, [e] cumulativamente, nos casos em que se justifique,

    um voo de regresso para o primeiro ponto de partida;

    b)

    O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final, na primeira oportunidade; ou

    c)

    O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final numa data posterior, da conveniência do passageiro, sujeito à disponibilidade de lugares.

    2.   A alínea a) do n.o 1 aplica-se igualmente aos passageiros cujos voos fazem parte de uma viagem organizada, salvo quanto ao direito a reembolso quando este se constitua ao abrigo da Directiva 90/314/CEE [do Conselho, de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO L 158, p. 59)].

    […]»

    12

    Nos termos do artigo 17.o do Regulamento n.o 261/2004, que tem por epígrafe «Relatório»:

    «Até 1 de Janeiro de 2007, a Comissão deve apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório sobre a execução e sobre os resultados do presente regulamento, em particular quanto:

    […]

    ao eventual alargamento do seu âmbito de aplicação aos passageiros com um contrato com uma transportadora aérea comunitária ou que tenham uma reserva num voo que faça parte de um circuito organizado a que seja aplicável a Directiva 90/314/CEE e que partam de um aeroporto de um país terceiro para um aeroporto situado no território de um Estado-Membro em voos não operados por transportadoras aéreas comunitárias,

    […]»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    13

    D. Schenkel reservou na Alemanha, na Emirates, uma viagem de ida e volta com partida de Düsseldorf (Alemanha) e destino a Manila, via Dubai (Emiratos Árabes Unidos).

    14

    Para a viagem de regresso, D. Schenkel tinha uma reserva no voo de 12 de Março de 2006 com partida de Manila. Esse voo foi cancelado devido a problemas técnicos. D. Schenkel acabou por partir de Manila em 14 de Março de 2006, tendo chegado a Düsseldorf no mesmo dia.

    15

    D. Schenkel intentou uma acção contra a Emirates no Amtsgericht Frankfurt am Main, pedindo uma indemnização de 600 euros com base nos artigos 5.o, n.o 1, alínea c), e 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004.

    16

    Alegou que tem direito à indemnização prevista nessas disposições em caso de cancelamento de um voo. Com efeito, no seu entendimento, o voo de ida e o voo de regresso são partes não autónomas de um único e mesmo voo. Sendo Düsseldorf o ponto de partida desse voo único, D. Schenkel era, portanto, um «passageiro[…] que parte[…] de um aeroporto localizado no território de um Estado-Membro» da Comunidade Europeia, na acepção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do mesmo regulamento.

    17

    A Emirates defendeu que o voo de ida e o voo de regresso devem ser considerados dois voos distintos. Por outro lado, a Emirates não dispõe de uma licença concedida por um Estado-Membro, na acepção do artigo 2.o, alínea c), do Regulamento (CEE) n.o 2407/92 do Conselho, de 23 de Julho de 1992, relativo à concessão de licenças às transportadoras aéreas (JO L 240, p. 1).

    18

    Alegando que não é, por conseguinte, uma «transportadora comunitária» na acepção do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 261/2004, a Emirates concluiu que não estava obrigada a indemnizar D. Schenkel pelo voo cancelado.

    19

    O Amtsgericht Frankfurt am Main julgou procedentes os pedidos de D. Schenkel. A Emirates interpôs recurso dessa decisão para o Oberlandesgericht Frankfurt am Main.

    20

    Muito embora o Oberlandesgericht Frankfurt am Main se incline a pensar que uma viagem de ida e volta constitui um voo único para efeitos do Regulamento n.o 261/2004, interroga-se sobre se essa interpretação do conceito de voo é correcta.

    21

    Nestas condições, o Oberlandesgericht Frankfurt am Main decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «A disposição do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento […] n.o 261/2004 […] deve ser interpretada no sentido de que um ‘voo’ engloba a viagem aérea […] do ponto de partida até ao ponto de chegada e [a viagem de regresso], em todo o caso quando o voo de ida e o voo de [regresso] foram reservados ao mesmo tempo?»

    Quanto à questão prejudicial

    22

    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável às situações em que está em causa uma viagem de ida e volta no âmbito da qual os passageiros que partiram inicialmente de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro ao qual o Tratado se aplica regressam a esse aeroporto num voo com partida de um aeroporto situado num país terceiro. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se a circunstância de o voo de ida e o voo de regresso serem objecto de uma reserva única é relevante para a interpretação dessa disposição.

    23

    Na questão que coloca, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência aos conceitos de «voo» e de «viagem» utilizados pelo Regulamento n.o 261/2004, perguntando se o conceito de voo engloba uma «viagem de ida e volta» de avião.

    24

    O conceito de voo é determinante para responder à questão colocada, não obstante o facto de, apesar de constar da versão alemã do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004, a grande maioria das outras versões linguísticas desta disposição não fazer referência a esse conceito ou utilizar um termo derivado da palavra «voo».

    25

    Com efeito, como a advogada-geral observou no n.o 8 das suas conclusões, os passageiros que partem de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro ou num país terceiro são necessariamente passageiros que embarcam num voo com partida desse aeroporto. Assim, essa divergência entre as diferentes versões linguísticas não é relevante para a interpretação que deve ser dada às disposições em causa, que determinam o âmbito de aplicação do referido regulamento.

    26

    Por conseguinte, importa, em primeiro lugar, interpretar o conceito de voo.

    27

    A este respeito, deve observar-se que esse conceito não figura entre os conceitos que são objecto do artigo 2.o do Regulamento n.o 261/2004, que tem por epígrafe «Definições». Esse conceito também não é definido nos outros artigos do regulamento.

    28

    Nestas circunstâncias, o conceito de voo deve ser interpretado à luz do conjunto das disposições do Regulamento n.o 261/2004, bem como do objectivo prosseguido por este último.

    29

    Todavia, antes de proceder a essa análise, há que sublinhar que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004, que é referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, deve ser lido em conjugação com a alínea b) do n.o 1 do mesmo artigo.

    30

    Resulta desse n.o 1, lido como um todo, que o referido regulamento se aplica às situações em que os passageiros apanham um voo com partida de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro [alínea a)] ou com partida de um aeroporto situado num país terceiro e destinado a um aeroporto situado no território de um Estado-Membro, se a transportadora aérea operadora do voo em questão for uma transportadora comunitária [alínea b)].

    31

    Daqui resulta que não se pode considerar que uma situação em que os passageiros partem de um aeroporto situado num país terceiro esteja abrangida pelo artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004, e que, portanto, tal situação só estará abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento se a condição prevista na alínea b) do n.o 1 do mesmo artigo estiver preenchida, isto é, se a transportadora aérea operadora do voo em questão for uma transportadora comunitária.

    32

    No que se refere, em seguida, à interpretação das disposições pertinentes do referido regulamento, cumpre referir, em primeiro lugar, que o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004 faz referência a um voo que faça parte de uma viagem organizada, o que implica que um voo não é idêntico a uma viagem e que esta última pode ser constituída por vários voos. A este respeito, o n.o 1 deste artigo refere expressamente o conceito de «voo de regresso», indicando assim a existência de um voo de ida efectuado no âmbito da mesma viagem.

    33

    Esta afirmação é corroborada pelo artigo 2.o, alínea h), do Regulamento n.o 261/2004, que define o conceito de «destino final» como o destino que consta do bilhete apresentado no balcão de registo ou, no caso de voos sucessivos, o destino do último voo.

    34

    Em seguida, o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 estabelece uma distinção entre o primeiro ponto de partida e o destino final dos passageiros, referindo-se assim a dois lugares distintos. Ora, supor que um «voo» na acepção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento é uma viagem de ida e volta equivaleria a considerar que o destino final desta última é idêntico ao seu primeiro ponto de partida. Se assim fosse, esta disposição não faria qualquer sentido.

    35

    Por último, considerar um «voo» na acepção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004 como uma viagem de ida e volta teria, na realidade, como consequência diminuir a protecção que deve ser concedida aos passageiros ao abrigo desse regulamento, o que seria contrário ao seu objectivo, que consiste em garantir um elevado nível de protecção dos passageiros (v., neste sentido, acórdão de 10 de Janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C-344/04, Colect., p. I-403, n.o 69).

    36

    Acresce que, por um lado, os artigos 4.o, n.o 1, 5.o, n.o 1, e 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 prevêem a reparação de diferentes danos que podem ocorrer por ocasião de um voo, mas não a possibilidade de um desses danos poder verificar-se várias vezes no mesmo voo. Nestas condições, os passageiros que partem inicialmente de um aeroporto situado num Estado-Membro só poderiam ter direito a essa protecção uma única vez no caso de sofrerem o mesmo dano tanto no voo de ida como no voo de regresso.

    37

    Por outro lado, interpretar o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004 no sentido de que um voo engloba uma viagem de ida e volta teria ainda como consequência privar os passageiros dos seus direitos numa situação em que um voo com partida de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro não fosse operado por uma transportadora aérea comunitária.

    38

    Assim, os passageiros desse voo que partissem inicialmente de um aeroporto situado num país terceiro não poderiam beneficiar da protecção conferida pelo Regulamento n.o 261/2004. Em contrapartida, os passageiros que iniciassem a sua viagem no mesmo voo poderiam beneficiar dessa protecção, dado que seriam considerados passageiros que partiram de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro. Os passageiros de um mesmo voo, cuja protecção face às consequências prejudiciais decorrentes desse voo deve ser idêntica, seriam, portanto, tratados diferentemente.

    39

    Ora, segundo jurisprudência assente, o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objectivamente justificado (v. acórdão IATA e ELFAA, já referido, n.o 95; de 12 de Setembro de 2006, Eman e Sevinger, C-300/04, Colect., p. I-8055, n.o 57, e de 11 de Setembro de 2007, Lindorfer/Conselho, C-227/04 P, Colect., p. I-6767, n.o 63).

    40

    À luz de todos os elementos expostos, o conceito de «voo» na acepção do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que consiste, no essencial, numa operação de transporte aéreo, sendo assim, de certa maneira, uma «unidade» desse transporte, realizada por uma transportadora aérea que fixa o seu itinerário.

    41

    Pelo contrário, o conceito de «viagem» está ligado à pessoa do passageiro, que escolhe o seu destino e para ele se desloca por meio de voos operados por transportadoras aéreas. Uma viagem, que comporta normalmente as partes «ida» e «volta», é, antes de mais, determinada pelo objectivo pessoal e individual da deslocação. Uma vez que o conceito de viagem não figura no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004, esse conceito não é, em princípio, relevante para a interpretação desta disposição.

    42

    Nestas condições, importa verificar se outros instrumentos jurídicos pertinentes na matéria são relevantes para a interpretação do conceito de voo. A este respeito, há que examinar se, como o órgão jurisdicional de reenvio parece afirmar, a Convenção de Montreal é determinante. Esta convenção define as obrigações das transportadoras aéreas face aos passageiros com os quais tenham celebrado um contrato de transporte e fixa, nomeadamente, as regras segundo as quais os passageiros podem obter uma reparação individualizada, sob a forma de uma indemnização, dos danos resultantes de um atraso.

    43

    É verdade que a Convenção de Montreal faz parte integrante da ordem jurídica comunitária (v., neste sentido, acórdão IATA e ELFAA, já referido, n.os 35 e 36). Por outro lado, resulta do artigo 300.o, n.o 7, CE que as instituições da Comunidade estão vinculadas pelos acordos celebrados por esta e, por conseguinte, que esses acordos primam sobre os actos de direito comunitário derivado (v., neste sentido, acórdão de 10 de Setembro de 1996, Comissão/Alemanha, C-61/94, Colect., p. I-3989, n.o 52).

    44

    Todavia, a Convenção de Montreal de forma alguma determina o alcance das obrigações anteriormente indicadas por referência ao conceito de voo, que, aliás, não figura no texto da referida convenção.

    45

    Além disso, como o órgão jurisdicional de reenvio salienta com razão, os transportes sucessivos são considerados, pela Convenção de Montreal, como um «transporte único», designadamente quando tenham sido acordados sob a forma de um contrato único. Ora, na medida em que este conceito de transporte único faz referência a uma sucessão de vários trajectos escolhidos pelo passageiro, está mais próximo do conceito de viagem, tal como definido no n.o 41 do presente acórdão.

    46

    Assim, a Convenção de Montreal não é determinante para a interpretação do conceito de «voo» na acepção do Regulamento n.o 261/2004.

    47

    Decorre dos n.os 32 a 41 do presente acórdão que uma viagem de ida e volta não pode ser considerada um único e mesmo voo. Por conseguinte, o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004 não é aplicável às situações em que está em causa uma viagem de ida e volta como a do processo principal, no âmbito da qual os passageiros que partiram inicialmente de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro regressam a esse aeroporto num voo com partida de um aeroporto situado num país terceiro.

    48

    Essa interpretação é igualmente corroborada pelo artigo 17.o, segundo travessão, do Regulamento n.o 261/2004, que é elucidado pelo vigésimo terceiro considerando deste último, segundo o qual o legislador comunitário considera a possibilidade de alargar, no futuro, o âmbito de aplicação do referido regulamento aos passageiros de voos com partida de um país terceiro e destino a um Estado-Membro que não sejam operados por transportadoras aéreas comunitárias.

    49

    Caso se admitisse que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004 visa igualmente as situações em que está em causa uma viagem de ida e volta no âmbito da qual os passageiros que partiram inicialmente de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro embarcam num voo com partida de um aeroporto situado num país terceiro, os passageiros a que se refere o artigo 17.o, segundo travessão, do referido regulamento já estariam abrangidos pelo seu âmbito de aplicação. Se assim fosse, esta disposição não faria qualquer sentido.

    50

    Por seu turno, a questão relativa à circunstância de o voo de ida e o voo de regresso serem objecto de uma reserva única não afecta a conclusão a que se chegou no n.o 47 do presente acórdão.

    51

    Com efeito, a definição que o artigo 2.o, alínea g), do Regulamento n.o 261/2004 dá do conceito de «reserva» não fornece nenhum elemento que permita precisar o alcance do âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004. O facto de os passageiros realizarem uma reserva única não afecta a autonomia dos dois voos.

    52

    Por conseguinte, o modo de reserva não pode ser considerado um elemento pertinente para determinar o alcance do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004.

    53

    Tendo em conta as considerações que precedem, cumpre responder à questão colocada que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável às situações em que está em causa uma viagem de ida e volta no âmbito da qual os passageiros que partiram inicialmente de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro ao qual o Tratado se aplica regressam a esse aeroporto num voo com partida de um aeroporto situado num país terceiro. A circunstância de o voo de ida e o voo de regresso serem objecto de uma reserva única não é relevante para a interpretação dessa disposição.

    Quanto às despesas

    54

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável às situações em que está em causa uma viagem de ida e volta no âmbito da qual os passageiros que partiram inicialmente de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro ao qual o Tratado CE se aplica regressam a esse aeroporto num voo com partida de um aeroporto situado num país terceiro. A circunstância de o voo de ida e o voo de regresso serem objecto de uma reserva única não é relevante para a interpretação dessa disposição.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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