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Document 62007CC0203

Conclusões do advogado-geral Mazák apresentadas em 8 de Maio de 2008.
República Helénica contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Projecto de criação de uma representação diplomática comum em Abuja (Nigéria) - Reembolso de montantes devidos pela República Helénica - Compensação sobre o montante a pagar pela Comissão para o programa operacional regional da Grécia continental.
Processo C-203/07 P.

Colectânea de Jurisprudência 2008 I-08161

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2008:270

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 8 de Maio de 2008 ( 1 )

Processo C-203/07 P

República Helénica

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância — Projecto de criação de uma representação diplomática comum em Abuja (Nigéria) — Reembolso de montantes devidos pela República Helénica — Compensação sobre o montante a pagar pela Comissão para o programa operacional regional da Grécia continental»

1. 

Pelo presente recurso, a República Helénica pede ao Tribunal de Justiça a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 17 de Janeiro de 2007, proferido no processo T-231/04, Grécia/Comissão ( 2 ) (a seguir «acórdão recorrido»), na medida em que concluiu erradamente que a República Helénica, pelo facto de ter assinado e ratificado um memorando de acordo inicial entre a Comissão e os Estados-Membros, de ter assinado um memorando adicional e pela sua conduta, tinha contraído certas obrigações financeiras.

2. 

No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso de anulação da decisão da Comissão de proceder à cobrança por compensação de montantes devidos pela República Helénica na sequência da sua participação nos projectos Abuja I e Abuja II para a criação de uma representação diplomática comum da Comissão e de alguns Estados-Membros da União Europeia.

I — Enquadramento jurídico

A — Direito comunitário

3.

O artigo 58.o do Estatuto do Tribunal de Justiça dispõe o seguinte:

«O recurso para o Tribunal de Justiça é limitado às questões de direito e pode ter por fundamento a incompetência do Tribunal de Primeira Instância, irregularidades processuais perante este Tribunal que prejudiquem os interesses do recorrente, bem como a violação do direito comunitário pelo Tribunal de Primeira Instância.

[…]»

4.

O artigo 71.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias ( 3 ) (a seguir «Regulamento Financeiro»), dispõe o seguinte:

«1.   O apuramento de um crédito é o acto pelo qual o gestor orçamental delegado ou subdelegado:

a)

Verifica a existência das dívidas do devedor;

b)

Determina ou verifica a veracidade e o montante da dívida;

c)

Verifica as condições de exigibilidade da dívida.

2.   Os recursos próprios postos à disposição da Comissão, bem como qualquer crédito apurado como certo, líquido e exigível, devem ser objecto de uma ordem de cobrança emitida ao contabilista, seguida de uma nota de débito dirigida ao devedor, sendo ambos os documentos elaborados pelo gestor orçamental competente.

[…]»

5.

O artigo 72.o do Regulamento Financeiro dispõe o seguinte:

«1.   A ordem de cobrança é o acto pelo qual o gestor orçamental delegado ou subdelegado competente dá ao contabilista, mediante a emissão de uma ordem de cobrança, a instrução de cobrar um crédito por si apurado.

[…]»

6.

O artigo 73.o do Regulamento Financeiro dispõe o seguinte:

«1.   O contabilista registará as ordens de cobrança dos créditos devidamente emitidas pelo gestor orçamental competente. Deve diligenciar no sentido de assegurar a cobrança das receitas das Comunidades e velar pela conservação dos respectivos direitos.

O contabilista procederá à cobrança por compensação junto de qualquer devedor que seja simultaneamente titular de um crédito certo, líquido e exigível perante as Comunidades, até ao limite das dívidas desse devedor às Comunidades.

[…]»

7.

O artigo 78.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2342/2002 da Comissão, de 23 de Dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias ( 4 ) (a seguir «regulamento de execução»), dispõe o seguinte:

«Procedimento

1.   O apuramento de um crédito pelo gestor orçamental é o reconhecimento de um direito das Comunidades relativamente a um devedor e o estabelecimento de um título que exige ao mesmo o pagamento da sua dívida.

2.   A ordem de cobrança é a operação pela qual o gestor orçamental competente dá ao contabilista instruções para cobrar o crédito apurado.

3.   A nota de débito é um documento pelo qual se informa o devedor de que:

a)

As Comunidades apuraram esse crédito;

b)

O pagamento da sua dívida para com as Comunidades é exigível numa determinada data (em seguida designada ‘data de vencimento’);

c)

Na ausência de pagamento na data de vencimento, a dívida vence juros à taxa referida no artigo 86.o, sem prejuízo das disposições regulamentares específicas aplicáveis;

d)

Sempre que possível, a Instituição procederá à cobrança por compensação, após informação do devedor;

e)

Na ausência de pagamento na data de vencimento, a Instituição procederá à cobrança por execução das garantias prévias;

f)

Caso, na sequência das fases descritas supra, não tenha sido possível efectuar a cobrança integral, a Instituição procederá à cobrança por execução forçada do título obtido, quer em conformidade com o n.o 2 do artigo 72.o do Regulamento Financeiro, quer por via contenciosa.

O gestor orçamental enviará esta nota de débito ao devedor e uma cópia da mesma ao contabilista.»

8.

O artigo 79.o do regulamento de execução dispõe o seguinte:

«Apuramento de créditos

Para efeitos de apuramento de um crédito, o gestor orçamental assegurar-se-á:

a)

Do carácter certo do crédito, que não deve estar sujeito a qualquer condição;

b)

Do carácter líquido do crédito, cujo montante deve ser determinado em numerário e com exactidão;

c)

Do carácter exigível do crédito, que não deve estar sujeito a um termo;

d)

Da exactidão da designação do devedor;

e)

Da exactidão da imputação orçamental dos montantes a cobrar;

f)

Da regularidade dos documentos comprovativos;

g)

Da conformidade com o princípio da boa gestão financeira, nomeadamente nos termos dos critérios referidos na alínea a) do n.o 1 do artigo 87.o»

9.

O artigo 83.o do regulamento de execução dispõe o seguinte:

«Cobrança por compensação

Em qualquer fase do procedimento e após ter informado o gestor orçamental competente e o devedor, o contabilista procederá à cobrança por compensação do crédito apurado se o devedor for também titular, face às Comunidades, de um crédito apurado como certo, líquido e exigível e que tenha por objecto um montante apurado por uma ordem de pagamento.»

B — Direito internacional

10.

O artigo 31.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados ( 5 ) dispõe o seguinte:

«Regra geral de interpretação

1.   Um tratado deve ser interpretado de boa fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respectivos objecto e fim.

2.   Para efeitos de interpretação de um tratado, o contexto compreende, além do texto, preâmbulo e anexos incluídos:

a)

Qualquer acordo relativo ao tratado e que tenha sido celebrado entre todas as partes quando da conclusão do tratado;

b)

Qualquer instrumento estabelecido por uma ou mais partes quando da conclusão do tratado e aceite pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado.

3.   Ter-se-á em consideração, simultaneamente com o contexto:

a)

Todo o acordo posterior entre as partes sobre a interpretação do tratado ou a aplicação das suas disposições;

b)

Toda a prática seguida posteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das partes sobre a interpretação do tratado;

c)

Toda a norma pertinente de direito internacional aplicável às relações entre as partes.

4.   Um termo será entendido num sentido particular se estiver estabelecido que tal foi a intenção das partes.».

II — Matéria de facto e antecedentes do acórdão recorrido

11.

No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância resumiu os factos do processo da seguinte forma:

«7

Na sequência da transferência da capital da Nigéria de Lagos para Abuja, a Comissão arrendou, a partir de 1993, um edifício em Abuja destinado a alojar a sua delegação e, provisoriamente, as representações de alguns Estados-Membros, entre os quais a República Helénica. No quadro de um acordo com esses Estados-Membros (a seguir ‘projecto Abuja I’), a Comissão subarrendou alguns escritórios e forneceu alguns serviços às representações em causa. Os Estados-Membros chegaram a acordo quanto à repartição dos custos ligados às suas representações. A contribuição da República Helénica ascendia a 5,5% dos custos totais. Considerando que a República Helénica não tinha pago as suas dívidas a este respeito, a Comissão, em 2004, procedeu à cobrança por compensação das somas correspondentes (v. n.o 44 infra).

8

Em 18 de Abril de 1994, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Irlanda, a República Italiana, o Reino dos Países Baixos, a República Portuguesa e a Comissão (a seguir ‘partes’), com base no artigo J.6 do Tratado da União Europeia (que passou, após alteração, a artigo 20.o UE), concluíram um memorando de acordo (a seguir ‘memorando inicial’) respeitante à construção, para as suas missões diplomáticas em Abuja, de um complexo comum de embaixadas utilizando serviços de apoio comuns (a seguir ‘projecto Abuja II’). O memorando inicial foi completado, na sequência da adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, por um protocolo de adesão.

9

O artigo 1.o do memorando inicial prevê que as Embaixadas dos Estados-Membros e a delegação da Comissão constituem missões diplomáticas distintas, sujeitas à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 18 de Abril de 1961, e, no que diz respeito aos Estados-Membros, também à Convenção de Viena sobre Relações Consulares de .

10

O artigo 10.o do memorando inicial prevê que a Comissão actua, como coordenadora do projecto Abuja II, ‘em nome’ das outras partes.

11

Segundo o artigo 11.o do memorando inicial, a Comissão é responsável pela execução dos estudos de arquitectura quanto à viabilidade do projecto Abuja II, pela estimativa inicial dos custos e pelas fases de concepção do projecto. Este artigo prevê igualmente a conclusão de um memorando de acordo adicional ‘abrangendo o projecto de construção pormenorizado, a repartição dos custos e a situação jurídica de cada parte participante nas instalações após a conclusão do projecto [Abuja II]’ (a seguir ‘memorando adicional’). Finalmente, o artigo 11.o institui um comité permanente de direcção, composto por representantes de todas as partes e presidido pela Comissão, para coordenar e controlar o projecto Abuja II. O comité permanente de direcção submete relatórios periódicos ao grupo de trabalho ‘Assuntos administrativos’ instituído junto do Conselho no quadro da Política Externa e da Segurança Comum (PESC) (a seguir ‘grupo assuntos administrativos PESC’).

12

O artigo 12.o do memorando inicial tem a seguinte redacção:

‘O projecto [Abuja II] será directamente financiado, após aprovação do [memorando adicional] referido no artigo 11.o, pelas contribuições das partes participantes, consoante a parcela do projecto atribuída a cada parte. A contribuição da Comissão será paga a partir da rubrica apropriada do orçamento.

Os custos de preparação do projecto ('fase 1') serão pagos pelas dotações de funcionamento do orçamento da Comissão. Estes custos estão calculados em 140000 ecus. Se o projecto [Abuja II] for realizado, os custos serão reembolsados pelas contribuições de todas as partes participantes, consoante a parcela de cada parte no projecto.’

13

O artigo 13.o do memorando inicial estipula:

‘Todas as partes participantes garantem após aprovação do [memorando adicional], o pagamento dos respectivos custos totais. Os custos totais de cada parte serão constituídos:

a)

pelos custos totais da área individual de cada parte e

b)

pela participação de cada parte nos custos das áreas comuns e públicas calculada proporcionalmente à parcela que lhe corresponde na soma das áreas individuais.’

14

O artigo 14.o do memorando inicial prevê que a Comissão, com o acordo e a participação dos Estados participantes, pague os montantes devidos a terceiros (contratantes).

15

O artigo 15.o, n.o 1, do memorando inicial estipula:

‘Se uma parte decidir retirar-se do projecto [Abuja II] não assinando o [memorando adicional] referido no artigo 11.o, os termos do presente memorando de acordo, incluindo as obrigações financeiras referidas nos artigos 12.o e 13.o, deixam de lhe ser aplicáveis.’

16

Em 29 de Março de 1995, a Comunidade, representada pela Comissão, celebrou o primeiro contrato com uma empresa comum formada, por um lado, pela Dissing & Weitling arkitektfirma A/S, vencedora de um concurso de arquitectura organizado pela Comissão para o projecto Abuja II e, por outro, pela COWIconsult Consulting Engineers and Planners A/S (a seguir ‘consultores’). Segundo o artigo 1.o desse contrato, a Comissão confirma a intenção das partes de celebrar um ‘contrato final’ com os consultores. Segundo o artigo 2.o, os consultores comprometem-se a preparar o projecto em causa. O custo dessa preparação ascendia a 212547,59 euros.

17

Em reuniões entre os representantes dos serviços competentes dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros dos Estados-Membros em causa e os arquitectos da Dissing & Weitling arkitektfirma, foram determinadas as necessidades reais da representação de cada Estado-Membro e o montante de despesas que cabia a cada um deles.

18

Em 26 de Outubro de 1995, reuniu-se o subgrupo de trabalho ‘Assuntos imobiliários’ instituído no quadro da PESC. Resulta da acta da reunião que o subgrupo convidou a Comissão:

‘[…]

a terminar a fase [de concepção do projecto de base];

a fazer os acordos necessários com o gabinete de arquitectos para elaboração dos [planos da fase de concepção do projecto intermédio] nos prazos previstos pelo [comité permanente de direcção];

a celebrar os contratos [relativos ao estudo dos solos e à exploração do local, sendo este último [contrato] indispensável para a redacção do memorando adicional;

bem como a adiantar as despesas ligadas a essas etapas.’

19

O subgrupo confirmou que ‘os montantes pagos pela Comissão [seriam] considerados um adiantamento da sua participação para o fundo ad hoc autónomo, que foi previamente considerado a fórmula adequada para o financiamento do projecto [Abuja I]’ e que, ‘[e]m caso de não realização do projecto, as outras partes [reembolsariam] a Comissão segundo as regras aprovadas para as fases precedentes’.

20

Em 24 de Novembro de 1995, reuniu-se o comité permanente de direcção (v. n.o 11 supra). A acta dessa reunião menciona que o contrato ‘de assistência técnica’ com os consultores, no montante de 2676369 euros (a seguir ‘contrato principal’) foi submetido à aprovação da Comissão Consultiva de Compras e Contratos da Comissão (CCAM). É igualmente mencionado que, ‘em caso de não realização do projecto, as outras partes reembolsarão a Comissão’.

21

Em 27 de Dezembro de 1995, a Comissão celebrou o contrato principal. Este dizia respeito à concepção do projecto de base e à fase intermédia do projecto Abuja II (artigos 4.4 e 4.5), bem como a eventuais planos de pormenor (artigo 4.6).

22

Em 19 de Setembro de 1996, o grupo assuntos administrativos PESC aprovou a concepção do projecto intermédio.

23

Em 21 de Novembro de 1996, o grupo assuntos administrativos PESC convidou a Comissão a tomar as medidas ad hoc para que os arquitectos começassem a elaboração dos planos de pormenor. O grupo indicou que o contrato formal para essa fase seria celebrado após a finalização do memorando adicional. Nessa reunião, a Comissão indicou ao grupo supramencionado o montante das despesas cujo adiantamento tinha feito até para a preparação do projecto Abuja II, a saber, cerca de 2,8 milhões de euros.

24

Em 24 de Fevereiro de 1997, esse mesmo grupo reuniu-se e decidiu não esperar a finalização do memorando adicional para elaborar planos de pormenor e os documentos contratuais. A acta dessa reunião contém as seguintes resoluções:

‘A Comissão é convidada a fazer os acordos necessários com os arquitectos para a elaboração dos documentos e a adiantar os fundos necessários a esses trabalhos segundo as regras acordadas para o projecto. Como em casos precedentes, os adiantamentos assim pagos pela Comissão serão reembolsados posteriormente pelos outros participantes segundo os procedimentos previstos para esse efeito no [memorando inicial].’

25

Nos meses que se seguiram, vários Estados-Membros retiraram-se do projecto Abuja II. Em 28 de Abril de 1997, o grupo assuntos administrativos PESC encarregou a Comissão de fazer ‘acordos bilaterais com o Reino da Dinamarca para o reembolso do montante que lhe perten[cia] nas despesas do projecto efectuadas pela Comissão por conta das partes’. Uma decisão similar foi tomada após a retirada da Irlanda em Setembro de 1997, bem como da República Portuguesa, da República da Finlândia e do Reino da Suécia.

26

Em 12 de Novembro de 1997, a Comissão concluiu com os arquitectos uma adenda ao contrato principal, que tinha por objecto a realização de planos de pormenor e a tomada a cargo de despesas de deslocação, no montante de 1895696 euros.

27

Em 18 de Junho de 1998, o grupo assuntos administrativos PESC mencionou a eventualidade de uma retirada do Reino da Bélgica do projecto Abuja II. Resulta da acta dessa reunião que o comité permanente de direcção observou que o Reino da Bélgica pagaria a sua parte dos custos tal como fixados após a aprovação da concepção do projecto intermédio.

28

Em 10 de Junho de 1998, a Comissão enviou à República Helénica uma ordem de pagamento de 153367,70 euros, correspondente à parte da República Helénica na fase inicial do projecto, isto é, 5,06% dos custos totais. O prazo de pagamento tinha sido fixado em .

29

Em 9 de Dezembro de 1998, o memorando adicional foi assinado pela República Federal da Alemanha, pela República Helénica, pela República Francesa, pela República Italiana, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Áustria e pela Comissão. O artigo 11.o do memorando adicional prevê a criação de um fundo para o financiamento do projecto.

30

Em conformidade com o seu artigo 14.o, o memorando adicional aplica-se provisoriamente a partir do primeiro dia do segundo mês a seguir à sua assinatura e entra em vigor no primeiro dia do segundo mês a seguir à data em que os Estados-Membros e a Comissão declarem que o ratificaram.

31

Em 28 de Abril de 1999, a Comissão lançou um anúncio de concurso para a construção das Embaixadas dos Estados-Membros em causa, bem como da delegação da Comunidade (JO 1999, S 82). Nele era mencionado que a Embaixada da Grécia teria uma superfície de 677 m2.

32

Em 3 de Setembro de 1999, a Comissão ‘reiterou’ o seu apelo de 1998 junto do grupo assuntos administrativos PESC a fim de que os Estados-Membros lhe reembolsassem as somas que tinha pago aos consultores para a fase de concepção do projecto intermédio. Indicou que alguns Estados-Membros tinham já pago os montantes devidos, mas outros, entre os quais a República Helénica, não a tinham reembolsado antes da data de vencimento de . A Comissão acrescentou que seria enviada outra ordem de pagamento às partes respeitante, por um lado, aos custos dos planos de pormenor e, por outro, aos custos da reorganização implicada pelas retiradas do Reino da Bélgica, do Reino de Espanha e da República Portuguesa.

33

Em 20 de Setembro de 1999, o comité permanente de direcção reuniu-se para pré-seleccionar as sociedades de construção. O representante da República Helénica assinou a acta da reunião. O anúncio de concurso para o acompanhamento da construção foi publicado no Jornal Oficial S 54 de .

34

Por ordem de pagamento de 17 de Fevereiro de 2000, a Comissão pediu à República Helénica que pagasse 168716,94 euros para a organização do processo de anúncio de concurso relativo aos planos de pormenor.

35

Em 22 de Junho de 2000, o comité permanente de direcção decidiu adoptar uma nova abordagem do projecto (a seguir ‘projecto Abuja II reduzido’), tornada necessária pela retirada da República Francesa. O projecto Abuja II reduzido previa, em particular, a supressão dos edifícios e dos serviços de apoio comuns, bem como uma redução de área. O representante da República Helénica nessa reunião manifestou o seu acordo em relação ao projecto, sob reserva, todavia, da aprovação dos seus superiores. Em 29 de Junho, a Comissão enviou a acta da reunião de à República Helénica e convidou-a a dar uma resposta formal relativa ao projecto Abuja II reduzido.

36

Em 5 de Setembro de 2000, a Comissão reiterou o seu pedido aos representantes da República Helénica. Após um novo pedido em , a Comissão, em , enviou à República Helénica uma carta por fax, cujo prazo de resposta expirava em , indicando que o seu silêncio seria interpretado como uma retirada do projecto. Em , as autoridades gregas informaram a Comissão de que não estavam em condições de dar uma resposta em relação ao projecto Abuja II reduzido. Em consequência, a Comissão respondeu, na mesma data, que tinha encarregado os arquitectos de proceder à adaptação do projecto Abuja II reduzido excluindo a República Helénica.

37

Por carta de 28 de Janeiro de 2002, a Comissão enviou uma nota de débito de 1276484,50 euros à República Helénica respeitante a custos de construção relativos ao projecto Abuja II. A Comissão anulou posteriormente essa nota de débito.

38

Após ter aberto a sua própria Embaixada em Abuja, a República Helénica abandonou as instalações provisórias que ocupava no quadro do projecto Abuja I, em 13 de Julho de 2002.

39

Por carta de 11 de Outubro de 2002, a Comissão notificou formalmente à República Helénica as notas de débito não pagas respeitantes aos projectos Abuja I e Abuja II, convidando-a a pagar um montante total de 861813,87 euros e de 11000 dólares dos Estados Unidos (USD).

40

Na sequência de negociações entre as partes, a Comissão recordou à República Helénica, por carta de 31 de Janeiro de 2003, que não tinha pago as dívidas relativas aos projectos Abuja I e Abuja II e convidou-a a pagar uma soma total de 516374,96 euros e de 12684,89 USD antes do fim do mês de Fevereiro de 2003. A Comissão acrescentou que, na falta de pagamento na data do vencimento, procederia à cobrança das somas em causa utilizando todas as vias jurídicas disponíveis.

41

Nos meses seguintes, a República Helénica e a Comissão discutiram o montante das somas devidas.

42

Em 29 de Dezembro de 2003, a República Helénica enviou ao seu Representante Permanente junto da União Europeia uma carta com o seguinte teor:

‘Dado que a Comissão Europeia mantém a sua posição quanto à dívida do nosso país relativa ao projecto Abuja II aplicando o procedimento de compensação, pedimos-lhe que siga de perto o procedimento e nos comunique se e em que medida foi executado, para que a República Helénica possa examinar se tenciona interpor um recurso contra a Comissão Europeia.

No que respeita ao projecto Abuja I, recordamos que admitimos a nossa dívida até Maio de 2002, ao passo que o montante reclamado pela Comissão cobre o período que vai até Julho de 2002 e além dessa data. Dado que temos a intenção de pagar a dívida referida, pedimos-lhe que estabeleça contacto com os serviços financeiros competentes da Comissão a fim de verificar os elementos do montante total exacto da nossa dívida em euros até Maio de 2002.’

43

Em 16 de Fevereiro de 2004, a Comissão enviou à República Helénica uma carta identificando as dívidas desta última ainda não regularizadas no que respeita aos projectos Abuja I e Abuja II. Resulta do quadro junto a essa carta, que menciona, especificamente, onze notas de débito não pagas relativas aos projectos Abuja I e Abuja II, que a Comissão pedia à República Helénica que pagasse 565656,80 euros. Nessa carta, a Comissão especificou:

‘[A República Helénica transmitiu] à Comissão o seguinte crédito: […]

 

2000GR161PO005OBJ 1 GRÈCE CONTINENTALE — Interim payement — 4774562,67 euros.

Em aplicação das condições de pagamento como foram fixadas pelo [artigo 73.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento Financeiro], a Comissão procederá à compensação das dívidas e créditos tendo em conta, eventualmente, os juros de mora.

No caso de os créditos enviados ultrapassarem os montantes compensados, o saldo líquido a que a República Helénica tiver direito será pago o mais rapidamente possível […]’

44

Em 10 de Março de 2004, a Comissão entregou fundos à República Helénica no quadro do programa operacional regional da Grécia continental. Ora, em vez de pagar o montante de 4774562,67 euros (v. n.o 43 supra), a Comissão pagou somente 3121243,03 euros. Procedeu, assim, à cobrança por compensação do saldo ainda não regularizado pela República Helénica, que era de 565656,80 euros no que respeita aos projectos Abuja I e Abuja II (a seguir ‘acto impugnado’).»

III — Processo no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

12.

A República Helénica recorreu para o Tribunal de Justiça do acto de compensação, recurso esse que foi posteriormente remetido ao Tribunal de Primeira Instância e registado sob o número T-231/04. No processo no Tribunal de Primeira Instância, a República Helénica invocou um único fundamento de direito, relativo à violação do memorando inicial e do memorando de acordo adicional, bem como das disposições do Regulamento Financeiro e do Regulamento n.o 2342/2002.

13.

Na primeira parte do seu fundamento, a República Helénica invocou a violação do memorando inicial e do memorando adicional.

14.

A título preliminar, o Tribunal de Primeira Instância abordou a questão da sua competência para apreciar o pedido, atendendo ao facto de um dos montantes a ser compensado entrar no âmbito de aplicação do título V do Tratado UE, a respeito do qual o Tribunal de Primeira Instância não tem competência, porquanto esta não está especificada no artigo 46.o UE. Todavia, pelo facto de a Comissão ter procedido à cobrança dos montantes controvertidos por acto adoptado com base no Regulamento Financeiro e no regulamento de execução, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que o acto de compensação é abrangido pelo direito comunitário e, consequentemente, susceptível de recurso de anulação ao abrigo do artigo 230.o CE. O Tribunal de Primeira Instância considerou-se, assim, competente para conhecer do pedido.

15.

O Tribunal de Primeira Instância procedeu então à análise da responsabilidade financeira da República Helénica em relação aos projectos Abuja I e Abuja II.

16.

No que respeita ao projecto Abuja I, a República Helénica admitiu a sua responsabilidade relativamente às rendas e às despesas de funcionamento, mas contestou a sua responsabilidade em relação ao montante total de 72714,47 euros que a Comissão lhe imputou. O Tribunal de Primeira Instância concluiu que a República Helénica não provou que a Comissão tinha errado quanto ao montante devido. Além disso, a República Helénica não contestou as inúmeras notas de débito que recebeu e não explicou a razão pela qual considerava não ser responsável pela diferença entre o montante que reconheceu dever e o montante reclamado pela Comissão. Por conseguinte, o argumento com base no qual a República Helénica nega a sua responsabilidade pelas dívidas relativas ao projecto Abuja I não pode ser acolhido.

17.

No que respeita ao projecto Abuja II, o Tribunal de Primeira Instância realçou que, durante mais de seis anos — de 18 de Abril de 1994 a –, a República Helénica, através da sua conduta reiterada, deu a entender às outras partes que mantinha a sua participação no projecto Abuja II. Após a assinatura do memorando adicional, em Dezembro de 1998, manteve ainda a sua participação no projecto durante quase dois anos.

18.

O Tribunal de Primeira Instância deduziu destes factos que a apreciação das obrigações da República Helénica não se podia basear apenas no memorando inicial e no memorando adicional, devendo igualmente ter-se em conta as expectativas que o referido Estado-Membro criou, através da sua conduta, nas outras partes.

19.

A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância declarou que o princípio da boa fé é uma regra de direito internacional consuetudinário, que obriga a Comunidade e os outros participantes, e que é o «corolário, em direito internacional público, do princípio da protecção da confiança legítima».

20.

O Tribunal de Primeira Instância realçou, em seguida, que, pelo facto de ter assinado e também ratificado o memorando inicial, a República Helénica era parte no projecto Abuja II, o que implica certas obrigações acrescidas de cooperação e solidariedade para com os restantes participantes.

21.

O Tribunal de Primeira Instância observou que o memorando inicial dizia respeito às fases preliminares do projecto Abuja II e que, quando da conclusão dessa fase, as partes decidiram, antes de assinarem o memorando adicional, prosseguir o projecto e suportar os custos decorrentes da concepção pormenorizada do edifício. De facto, em reunião de 24 de Fevereiro de 1997, na qual estiveram presentes dois representantes da República Helénica, as partes autorizaram a Comissão a efectuar as diligências necessárias com os arquitectos, para elaborar os planos de pormenor, sem esperar pelo memorando adicional. O Tribunal de Primeira Instância entendeu que, ao proceder desta forma, as partes foram além das fases preliminares, celebrando, assim, necessariamente, um acordo tácito de execução do projecto. Dado que, na reunião de , decidiram executar o projecto, as partes deixaram de poder — no entender do Tribunal de Primeira Instância — retirar-se livremente do mesmo, sem reembolsar a sua parte das despesas preliminares e subsequentes.

22.

O Tribunal de Primeira Instância observou seguidamente que, embora alguns Estados-Membros se tenham posteriormente retirado do projecto, a República Helénica não adoptou uma conduta susceptível de criar dúvidas quanto à sua participação, tendo, em 9 de Dezembro de 1998, assinado o memorando adicional, juntamente com as restantes partes que não se tinham retirado do projecto. O Tribunal de Primeira Instância realçou que, só no Verão de 2000, a República Helénica manifestou, pela primeira vez, reticências quanto à manutenção da sua participação.

23.

De acordo com o Tribunal de Primeira Instância, é pacífico que a República Helénica tinha o direito de se retirar do projecto, mas, atendendo à evolução dos compromissos assumidos após a fase inicial e não obstante não ter sido ratificado o memorando adicional, ela não se podia retirar sem ser responsabilizada pelas despesas ligadas à sua participação no projecto Abuja II.

24.

Além disso, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que as obrigações da República Helénica decorrem igualmente dos termos do memorando inicial, em especial do seu artigo 15.o, n.o 1. Nos termos dessa disposição, um Estado pode eximir-se das suas obrigações financeiras relativas ao projecto, se não assinar o memorando adicional. No entanto, o Tribunal de Primeira Instância assinalou que, no caso de um Estado ter assinado o memorando adicional (o que sucede com a República Helénica), o contrário também é verdade.

25.

Quanto ao argumento segundo o qual a ratificação do memorando adicional constitui uma condição necessária para a sua entrada em vigor, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, por força do artigo 14.o do memorando adicional, este se aplicava provisoriamente à República Helénica, de 1 de Fevereiro de 1999 a Outubro de 2000. Para o Tribunal de Primeira Instância, tal implicava que a República Helénica não podia ignorar essa aplicação provisória, invocando o facto de não ter ratificado o memorando adicional.

26.

Por último, relativamente ao argumento da República Helénica, segundo o qual o aumento do custo do projecto podia ser considerado como uma «alteração fundamental de circunstâncias» que a eximiria das suas obrigações financeiras, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que, no que respeita a um projecto de construção de um edifício, o aumento do custo do projecto não pode ser considerado uma «alteração fundamental de circunstâncias». Além disso, a República Helénica tinha aceite o aumento do custo do projecto, conhecido desde o início do projecto Abuja II, e não tinha levantado objecções quando foi aumentada a sua parcela no mesmo, na sequência da retirada de vários Estados-Membros, entre 1997 e 1999.

27.

Por todos esses motivos, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que a República Helénica deveria suportar todos os custos relacionados com a sua participação no projecto Abuja II.

28.

O Tribunal de Primeira Instância julgou, assim, improcedente a primeira parte do fundamento.

29.

Na segunda parte do fundamento único, a República Helénica alega a violação do Regulamento Financeiro e do regulamento de execução.

30.

Relativamente à alegação da República Helénica de que havia uma incerteza manifesta quanto ao montante e à justificação dos montantes reclamados, tanto em relação ao projecto Abuja I como em relação ao projecto Abuja II, o Tribunal de Primeira Instância realçou que a compensação nos termos do artigo 73.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro não está excluída quando uma das dívidas for contestada, ou quando haja negociações entre a Comissão e o devedor no que respeita às referidas dívidas, já que, no caso contrário, o devedor poderia adiar indefinidamente a recuperação de uma dívida.

31.

O Tribunal de Primeira Instância considerou que, embora em 2002 possa ter havido incertezas no que respeita aos créditos, a Comissão chegou a uma conclusão segura, na sequência de comunicações entre as partes e de um novo exame dos elementos do processo, no que diz respeito aos montantes devidos em 2004, quando procedeu à cobrança.

32.

Além disso, o Tribunal de Primeira Instância afirmou que a República Helénica não aduziu nenhum elemento susceptível de demonstrar que a Comissão não tinha seguido o procedimento previsto pelos regulamentos em causa ou que não tinha o direito de concluir que o crédito era «certo, líquido e exigível». Por conseguinte, as condições previstas para a cobrança por compensação estavam preenchidas à data do acto impugnado.

33.

Por último, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou a alegação da República Helénica, segundo a qual a Comissão não estava habilitada a proceder à cobrança por compensação porque os créditos em causa eram detidos pelas partes, e não pela Comunidade, e a cobrança por compensação não tinha, assim, em vista a protecção dos interesses financeiros das Comunidades, que constitui o objectivo dos referidos regulamentos. O Tribunal de Primeira Instância considerou, ao invés, que os créditos em causa são detidos pela Comunidade, porquanto a Comissão agiu na qualidade de mandatária das partes nos projectos Abuja I e Abuja II.

34.

O Tribunal de Primeira Instância julgou assim improcedente a segunda parte do fundamento único.

IV — Pedidos apresentados ao Tribunal de Justiça

35.

A República Helénica pede que o Tribunal de Justiça se digne:

julgar admissível o presente recurso;

anular o acórdão do Tribunal de Primeira Instância, na parte impugnada;

conceder provimento ao recurso, de acordo com os pedidos neste formulados;

condenar a Comissão nas despesas.

36.

A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

julgar inadmissível o presente recurso;

a título subsidiário, negar provimento ao recurso na sua totalidade;

em qualquer caso, condenar a recorrente nas despesas.

V — O presente recurso

A — Fundamentos de recurso

1. Primeiro fundamento de recurso

37.

A República Helénica alega que o Tribunal de Primeira Instância interpretou incorrectamente os artigos 12.o, 13.o e 15.o do memorando inicial, o artigo 14.o do memorando adicional e os princípios da boa fé e da protecção da confiança legítima.

38.

A República Helénica alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao entender que as obrigações que incumbiam aos Estados-Membros, no quadro do projecto Abuja II, eram determinadas pela conduta de cada Estado-Membro e não eram de natureza puramente contratual, determinada pelo estipulado nos referidos dois memorandos. Numa interpretação correcta dos artigos 12.o, 13.o e 15.o do memorando de acordo inicial e do artigo 14.o do memorando adicional, deve reconhecer-se, contudo, que a República Helénica não estava vinculada por quaisquer obrigações financeiras, já que apenas tinha assinado o memorando adicional, não o tendo ratificado. A República Helénica não tinha, assim, aprovado esse memorando e, consequentemente, as condições para a constituição de obrigações financeiras não se tinham verificado relativamente a este Estado-Membro.

39.

A República Helénica alega que o princípio da boa fé apenas é relevante para determinar se um dado Estado-Membro era parte no projecto Abuja II, e não para determinar as obrigações resultantes dessa participação. Essas obrigações devem ser determinadas exclusivamente com base em estipulações contratuais, sendo irrelevante, nesse contexto, a conduta do Estado-Membro.

40.

A este respeito, a República Helénica alega que o Tribunal de Primeira Instância interpretou erradamente o artigo 13.o do memorando inicial, o qual, «após aprovação do [memorando adicional]», exige «o pagamento dos respectivos custos totais» pelos Estados-Membros em causa. A aplicação meramente provisória do memorando adicional não é suficiente para dar origem às obrigações financeiras previstas nos artigos 12.o e 13.o do memorando inicial, as quais exigem a aprovação do memorando adicional.

41.

O Tribunal de Primeira Instância também interpretou erradamente o artigo 14.o do memorando adicional, que determinava que era necessária a aprovação do memorando adicional através de ratificação, para que este pudesse entrar em vigor e se constituíssem obrigações financeiras para os Estados-Membros participantes.

2. Segundo fundamento de recurso

42.

A República Helénica alega que o Tribunal de Primeira Instância interpretou erradamente o artigo 15.o do memorando de acordo inicial, ao entender que, antes da assinatura do memorando adicional, fora celebrado pelas partes um acordo tácito de execução do projecto, em 24 de Fevereiro de 1997, e que, dessa forma, o artigo 15.o, n.o 1, tinha sido revogado ou, pelo menos, alterado.

B — Admissibilidade

1. Primeiro fundamento de inadmissibilidade

43.

A Comissão defende que o presente recurso é inadmissível pelo facto de se basear na interpretação de memorandos de acordo que não fazem parte do direito comunitário. Assim, o recurso não se baseia em nenhum dos fundamentos de recurso admitidos e enumerados no artigo 58.o do Estatuto do Tribunal de Justiça.

44.

O artigo 58.o do referido Estatuto prevê que o recurso para o Tribunal de Justiça é limitado às questões de direito. Entende-se que esta disposição limita a competência, em sede de recurso, à fiscalização da legalidade da decisão do Tribunal de Primeira Instância.

45.

No caso ora em apreço, suscita-se uma dificuldade pelo facto de, como o Tribunal de Primeira Instância observou, «as relações entre a Comissão e os Estados-Membros resultantes da sua cooperação no quadro da concepção, da planificação e da execução dos projectos Abuja I e Abuja II [serem] abrangidas pelo título V do Tratado UE» ( 6 ). Contudo, como o Tribunal de Primeira Instância correctamente observou, «no quadro do Tratado UE, na versão resultante do Tratado de Amesterdão, as competências do Tribunal de Justiça são enumeradas limitativamente pelo artigo 46.o UE. Este não prevê qualquer competência do Tribunal de Justiça no quadro das disposições do título V do Tratado UE» ( 7 ). Assim, os memorandos de acordo não estão, enquanto tais, abrangidos pelas competências do Tribunal de Justiça.

46.

Todavia, no que diz respeito ao litígio que lhe cabia apreciar, o Tribunal de Primeira Instância entendeu ser «claro que a Comissão procedeu à cobrança das somas controvertidas através de um acto adoptado com base no Regulamento Financeiro e no Regulamento n.o 2342/2002, de forma que o acto de compensação faz parte do domínio do direito comunitário» ( 8 ).

47.

O Tribunal de Primeira Instância entendeu ainda que «resulta do âmbito de aplicação do Regulamento Financeiro, em especial do artigo 1.o, que o procedimento de cobrança por compensação previsto pelo artigo 73.o, n.o 1 […], apenas se aplica às somas que provêm do orçamento comunitário. Ora, não é contestado que a Comissão estava habilitada, nos termos do artigo 268.o CE, que prevê a inscrição no orçamento tanto das despesas da Comunidade como de certas despesas ocasionadas às instituições pelas disposições do Tratado da União Europeia relativas à política externa e de segurança comum, a imputar ao orçamento comunitário as despesas realizadas em relação aos projectos Abuja I e Abuja II» ( 9 ).

48.

Em minha opinião, o Tribunal de Primeira Instância extraiu as conclusões lógicas correctas do artigo 268.o CE, que prevê que não só as despesas comunitárias mas também certas despesas ocasionadas às instituições pelas disposições do Tratado da União Europeia relativas à política externa e de segurança comum devem ser imputadas ao orçamento comunitário. Esta disposição é equivalente ao artigo 28.o, n.o 2, UE. As referidas disposições levaram a que, em grande medida, o tratamento orçamental daquelas despesas fosse equiparado ao das despesas suportadas ao abrigo do Tratado CE ( 10 ). Daí decorre que o artigo 73.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro, que prevê a compensação de créditos da Comunidade junto de qualquer devedor que seja simultaneamente titular de um crédito perante as Comunidades, é igualmente aplicável a despesas ocasionadas às instituições por força das disposições do Tratado da União Europeia relativas à política externa e de segurança comum e que tenham sido imputadas ao orçamento comunitário bem como às despesas comunitárias.

49.

Como acto de direito comunitário, a compensação de créditos está sujeita a fiscalização pelo órgão jurisdicional comunitário, por força do artigo 230.o CE. Essa fiscalização, para ser eficaz e abrangente, exigirá com frequência ( 11 ) a verificação da existência das dívidas a compensar. No caso ora em apreço, o Tribunal de Primeira Instância teve de interpretar tanto o memorando inicial como o adicional, na medida em que a interpretação destes era necessária para garantir uma fiscalização judicial exaustiva da legalidade do acto de compensação.

50.

Em minha opinião, do facto de o Tribunal de Primeira Instância ter o direito de formular conclusões jurídicas a respeito dos dois memorandos de acordo, e de o ter feito, decorre logicamente que é inteiramente legítimo que, em sede de recurso para o Tribunal de Justiça, um fundamento de recurso possa ter por objecto a interpretação que foi dada aos referidos memorandos. Contudo, embora esse fundamento de recurso tenha por objecto uma questão de direito que deve ser apreciada no presente processo a fim de verificar a legalidade de um acto de direito comunitário (a compensação), esse fundamento não se baseia, de facto, numa alegada interpretação errada do direito comunitário. Dado que os fundamentos de recurso invocados pela recorrente não constam dos previstos no artigo 58.o do Estatuto de Tribunal de Justiça, há que determinar se o Tribunal de Justiça pode, não obstante, conhecer de fundamentos baseados nessas questões de direito.

51.

A este respeito, deve assinalar-se, em primeiro lugar, que, em processos que não têm por objecto recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal de Justiça tem sido frequentemente chamado a interpretar disposições de direito internacional público ( 12 ).

52.

Em segundo lugar, deve recordar-se que o objectivo do processo de recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância é estabelecer um sistema de protecção jurídica a dois níveis, que reforce a legitimidade das decisões judiciais ( 13 ).

53.

Em último lugar, não se pode excluir que uma leitura restritiva do artigo 58.o do Estatuto do Tribunal de Justiça pode ter consequências para outros tipos de recursos em que estejam em causa questões de direito que, em termos estritos, não dizem respeito à interpretação do direito comunitário. É esse o caso dos recursos de acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, no quadro do artigo 238.o CE. Nesses processos, é provável que o Tribunal de Primeira Instância chegue a conclusões com base, fundamentalmente, se não mesmo exclusivamente, no direito nacional aplicável ao contrato que contém a cláusula de arbitragem. Se o fundamento de recurso da Comissão baseado no artigo 58.o do Estatuto do Tribunal de Justiça fosse de aceitar no presente processo, no que diz respeito às conclusões relativas ao título V do Tratado UE, tal poderia também excluir, em minha opinião, a possibilidade de, num recurso de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância, no quadro do artigo 238.o CE, serem invocados, com possibilidades de êxito, erros de direito quanto ao entendimento do Tribunal de Primeira Instância, no contexto de determinado direito nacional. Na minha opinião, isto dificilmente se compatibiliza com a intenção de instituir um sistema de protecção jurídica a dois níveis.

54.

Sou, por conseguinte, da opinião de que se deve considerar que os fundamentos de direito relativos à interpretação dos memorandos de acordo caem no âmbito das questões de direito que podem ser apreciadas pelo Tribunal de Justiça no quadro do presente recurso.

55.

O primeiro fundamento de inadmissibilidade deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

2. Segundo fundamento de inadmissibilidade

56.

A Comissão defende que o recurso é inadmissível porque os fundamentos de recurso são inoperantes. Na opinião da Comissão, o acórdão recorrido continuaria a ser válido mesmo no caso improvável de os dois fundamentos de recurso serem julgados admissíveis e procedentes. Em termos mais precisos, a Comissão alega que a recorrente não impugna a conclusão constante do n.o 100 do acórdão recorrido, segundo a qual as partes que deixaram de participar no projecto sem assinar o memorando adicional podem eximir-se das suas obrigações financeiras, ao invés das partes que o assinaram sem o ratificar. De acordo com a Comissão, a recorrente também não põe em causa a conclusão constante do n.o 101 do acórdão recorrido, de que a República Helénica também incorre em responsabilidade financeira por força da aplicação provisória do memorando adicional.

57.

Apesar de a República Helénica não ter especificamente impugnado as conclusões constantes dos n.os 100 e 101, decorre claramente do seu argumento relativo ao primeiro fundamento de recurso e às partes do acórdão recorrido a que este se refere que a República Helénica discorda fundamentalmente das conclusões do Tribunal de Primeira Instância constantes desses números. Em primeiro lugar, a República Helénica contesta a conclusão jurídica de que, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, do memorando inicial, a assinatura do memorando de acordo adicional implica obrigações financeiras para a República Helénica, que diferem das obrigações das partes que não assinaram o memorando adicional. Em segundo lugar, na medida em que rejeita a possibilidade de se terem constituído obrigações antes da ratificação do memorando adicional, argumentando expressamente que o Tribunal de Primeira Instância interpretou erradamente o artigo 14.o do referido memorando, o qual prevê a aplicação provisória deste, a República Helénica põe necessariamente em causa que a aplicação provisória do memorando adicional aos signatários do mesmo dê origem a obrigações financeiras para os signatários do memorando adicional que não ratificaram este último. É, assim, claro que o primeiro fundamento de recurso também abrange as conclusões do Tribunal de Primeira Instância constantes dos n.os 100 e 101 do acórdão recorrido. Em consequência, se o Tribunal de Justiça julgasse procedente o primeiro fundamento de recurso, declararia implicitamente que as conclusões do Tribunal de Primeira Instância constantes dos n.os 100 e 101 do acórdão recorrido são inválidas.

58.

Este fundamento de inadmissibilidade deve, assim, ser julgado improcedente.

C — Quanto ao mérito

1. Primeiro fundamento de recurso

59.

A questão essencial no presente caso é saber se o Tribunal de Primeira Instância errou ao considerar que a República Helénica tinha uma dívida financeira para com o orçamento comunitário, decorrente de obrigações financeiras contraídas por força da sua participação no projecto Abuja II.

60.

No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância apreciou a existência de obrigações financeiras à luz da redacção do memorando inicial e do memorando adicional assim como do princípio da boa fé e da protecção da confiança legítima. Além disso, nos n.os 100 e 101 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que decorria uma obrigação financeira do artigo 15.o, n.o 1, do memorando inicial (atendendo a que a República Helénica tinha assinado o memorando adicional) bem como do facto de, por força do artigo 14.o do memorando adicional, este último ser aplicável provisoriamente a partir do primeiro dia do segundo mês a seguir à sua assinatura.

61.

A República Helénica alega que a determinação de uma obrigação financeira se deve basear exclusivamente nos termos das disposições contratuais e que a sua conduta não pode ser tida em conta para efeitos da determinação da existência de quaisquer obrigações financeiras. A República Helénica considera essencialmente que as cláusulas contratuais, em si mesmas, são relevantes e que não se poderia constituir nenhuma obrigação financeira antes de ter manifestado o seu consentimento em vincular-se ao memorando adicional, ou seja, antes da ratificação do referido memorando.

62.

Em primeiro lugar, é de recordar que, como já referi a respeito da admissibilidade do presente recurso, os dois memorandos em causa foram adoptados ao abrigo do título V do Tratado da União Europeia, relativo à política externa e de segurança comum, comummente designada por «segundo pilar» da União Europeia. As disposições deste título criam direitos e obrigações que se regem pelo direito internacional ( 14 ). Daí decorre que, juridicamente, os memorandos são acordos internacionais ( 15 ), celebrados, como o respectivo preâmbulo refere, pela Comissão das Comunidades Europeias, por um lado, e por vários Estados, entre os quais a República Helénica, por outro ( 16 ). Decorre da natureza destes instrumentos jurídicos que os mesmos devem ser interpretados de acordo com as normas de direito internacional público ( 17 ).

63.

A este respeito, decorre do direito internacional consuetudinário, tal como foi codificado ( 18 ) pelo artigo 31.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que há três elementos principais para a interpretação dos tratados: i) o texto; ii) o contexto; e iii) o objectivo e finalidade.

64.

No caso dos memorandos em apreço, a disposição mais relevante para determinar as obrigações financeiras de uma parte que se retira é certamente o artigo 15.o, n.o 1, do memorando inicial. Este artigo regula os efeitos da retirada de uma parte do projecto Abuja II. Dispõe, no essencial, que se uma parte decidir retirar-se do projecto Abuja II, não assinando o memorando adicional, os termos do memorando adicional — incluindo as obrigações financeiras referidas nos seus artigos 12.o e 13.o — deixarão de se aplicar à parte que se retira.

65.

É óbvio que a República Helénica põe em causa o entendimento do Tribunal de Primeira Instância constante do n.o 100 do acórdão recorrido ( 19 ), na medida em que, na petição de recurso no presente processo, afirma que a situação jurídica de um Estado que assinou, mas não ratificou o memorando adicional, e que, por conseguinte, não é parte neste último, não é diferente — em especial, no que diz respeito às obrigações financeiras — da situação jurídica de um Estado que nunca assinou o memorando adicional.

66.

Em minha opinião, este argumento não pode ser acolhido.

67.

Em primeiro lugar, o artigo 15.o, n.o 1, do memorando inicial refere-se expressamente à assinatura do memorando adicional e não à sua ratificação. Isto mostra que as partes acordaram atribuir uma importância especial, no quadro da retirada das partes do projecto Abuja II, à assinatura do memorando adicional, em vez da sua ratificação. Esta opção por um evento futuro como termo inicial de certos efeitos jurídicos é independente do facto de apenas a ratificação do memorando adicional permitir a sua entrada em vigor.

68.

Nada indica, portanto, que o memorando de acordo adicional tivesse de ser ratificado e entrar em vigor, para que o disposto no artigo 15.o, n.o 1, do memorando inicial, relativamente à retirada, produzisse os seus efeitos jurídicos.

69.

Em minha opinião, o Tribunal de Primeira Instância tinha, consequentemente, o direito de concluir, no n.o 100 do acórdão recorrido, que as obrigações financeiras da República Helénica decorrem dos termos do memorando inicial. No meu critério, isto basta para que se entenda que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância deve ser confirmado.

70.

Em segundo lugar, e em apoio da última conclusão, é importante assinalar que, com a sua assinatura, a República Helénica concordou, nos termos do artigo 14.o do memorando adicional, que este se deveria aplicar provisoriamente a partir do primeiro dia do segundo mês a seguir à sua assinatura e até à sua entrada em vigor na sequência da ratificação pelos signatários ou da notificação aos restantes signatários da intenção de não ratificar o acordo.

71.

Apesar de, como demonstrei acima, a assinatura do memorando adicional ser suficiente para que o artigo 15.o, n.o 1, do memorando inicial produza efeitos jurídicos, o facto de o memorando adicional ter sido aplicado provisoriamente tem um significado suplementar para efeitos de determinar se a República Helénica já estava vinculada pelas obrigações financeiras quando se retirou do projecto Abuja II.

72.

Apesar de, em princípio, um acordo internacional apenas ser vinculativo para o Estado signatário a partir da sua ratificação ( 20 ), as partes contratantes podem estipular que o acordo se aplica provisoriamente antes da sua entrada em vigor ( 21 ). O objectivo desta aplicação provisória é desincentivar os signatários de se eximirem à aplicação do regime de um tratado através do atraso na ratificação ou da não ratificação do tratado, obrigando-os a suportar os custos das obrigações decorrentes do tratado imediatamente após a sua assinatura ( 22 ).

73.

Por conseguinte, o facto de os signatários do memorando adicional terem acordado que este deveria ser aplicado provisoriamente mostra claramente a vontade daqueles em aceitar os efeitos, de natureza financeira ou outra, decorrentes da aplicação provisória do memorando até ao momento da notificação, por um signatário, às restantes partes, da sua intenção de não ratificar o memorando adicional.

74.

Considero, por conseguinte, que o Tribunal de Primeira Instância não errou ao entender, no n.o 101 do acórdão recorrido, que a República Helénica não podia ignorar essa aplicação provisória, invocando o facto de não ter ratificado o memorando.

75.

Daí decorre que o Tribunal de Primeira Instância pôde legitimamente concluir nos n.os 100 e 101 do acórdão recorrido que a existência de uma obrigação financeira decorre do artigo 15.o, n.o 1, do memorando inicial e da aplicação provisória do memorando adicional.

76.

É, assim, duvidoso se, para o resultado do presente recurso, é de todo relevante saber se o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro na aplicação dos princípios da boa fé e da protecção da confiança legítima no que diz respeito aos artigos 12.o, 13.o e 15.o do memorando de acordo inicial e ao artigo 14.o do memorando de acordo adicional.

77.

Em todo o caso, e para ser exaustivo, há que referir sumariamente que, em minha opinião, o Tribunal de Primeira Instância se poderia igualmente basear no princípio da boa fé para entender que a obrigação financeira da República Helénica surgiu como resultado da sua ratificação do memorando inicial e da assinatura do memorando adicional.

78.

Como foi correctamente referido pelo Tribunal de Primeira Instância, o princípio da boa fé é uma regra de direito internacional consuetudinário cuja existência foi reconhecida pelo Tribunal Permanente de Justiça Internacional instituído no quadro da Sociedade das Nações ( 23 ). Consiste, de alguma forma ( 24 ), no correspondente, em direito internacional público, ao princípio da protecção da confiança legítima, existente no ordenamento jurídico comunitário ( 25 ).

79.

Pode acrescentar-se que, mais recentemente, o Tribunal Internacional de Justiça referiu que «um dos princípios básicos que regula a criação e a execução das obrigações legais, independentemente da sua origem, é o princípio da boa fé» ( 26 ).

80.

No entanto, não é fácil apreender a definição precisa ( 27 ) e o papel do princípio da boa fé em direito internacional ( 28 ). Contudo, é pacífico que o princípio da boa fé, quando aplicado a relações convencionais no âmbito do direito internacional, implica uma aplicação razoável e equitativa das disposições convencionais às circunstâncias do caso concreto. O princípio da boa fé é, sobretudo, um princípio de orientação para a interpretação de circunstâncias de facto ( 29 ).

81.

O que parece ser mais relevante no processo em apreço no Tribunal de Justiça é o facto de a boa fé exigir que a intenção expressa corresponda à intenção real e, em termos mais gerais, que a realidade jurídica corresponda à aparência jurídica (ou seja, corresponda às imagens criadas por afirmações ou condutas dos sujeitos de direito) ( 30 ). Este efeito do princípio da boa fé parece coincidir com o princípio «allegans contraria non est audiendus», comummente conhecido como «princípio do estoppel» em direito internacional ( 31 ).

82.

Tendo em conta os diversos factos dados como provados pelo Tribunal de Primeira Instância, de acordo com os quais a República Helénica, entre Abril de 1994 e Setembro de 2000, criou nas restantes partes a expectativa de que continuaria a participar no projecto Abuja II, o órgão jurisdicional em causa referiu correctamente o princípio da boa fé como fundamento da sua conclusão de que a República Helénica não se podia retirar sem ser responsabilizada pelas despesas relacionadas com a sua participação no projecto Abuja II.

83.

Essa conclusão é apoiada — para além do referido entendimento geral do princípio da boa fé — pela existência de um dever de boa fé acrescido ( 32 ), que incumbe aos Estados-Membros da União Europeia no contexto das relações entre si e com as instituições, em virtude da sua adesão à União Europeia ( 33 ). No presente processo, essa obrigação aplicava-se à República Helénica nas suas relações com a Comissão e os Estados partes no projecto Abuja II.

84.

Por todos estes motivos, sou de opinião que o primeiro fundamento de recurso é improcedente.

2. Segundo fundamento de recurso

85.

Dado que considero que a Grécia já estava sujeita a obrigações financeiras por força do disposto no memorando inicial e no memorando adicional, é irrelevante, para o resultado do presente recurso, saber se o Tribunal de Primeira Instância tinha razão ao determinar que essas obrigações financeiras decorriam igualmente de um acordo tácito concluído na reunião de 24 de Fevereiro de 2007.

86.

O segundo fundamento de recurso é, assim, inoperante e deve ser julgado improcedente.

87.

Resulta do conjunto das considerações que antecedem que deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

VI — Despesas

88.

Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao presente processo nos termos do artigo 118.o do mesmo regulamento, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Dado que a Comissão requereu a condenação da República Helénica nas despesas e esta foi vencida, a República Helénica deve ser condenada nas despesas.

VII — Conclusão

89.

Pelos motivos acima expostos, proponho ao Tribunal de Justiça que:

«1)

Negue provimento ao recurso;

2)

Condene a República Helénica nas despesas.»


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Colect., p. II-63.

( 3 ) JO L 248, p. 1.

( 4 ) JO L 357, p. 1.

( 5 ) United Nations Treaty Series, vol. 1155, p. 331.

( 6 ) N.o 74 do acórdão recorrido.

( 7 ) N.o 73 do acórdão recorrido.

( 8 ) N.o 74 do acórdão recorrido.

( 9 ) N.o 111 do acórdão recorrido. Naquilo em que é relevante para o presente processo, o artigo 268.o CE dispõe que «[a]s despesas administrativas ocasionadas às instituições pelas disposições do Tratado da União Europeia relativas à política externa e de segurança comum e à cooperação nos domínios da justiça e dos assuntos internos ficam a cargo do orçamento. As despesas operacionais ocasionadas pela aplicação das referidas disposições podem, nas condições nelas referidas, ficar a cargo do orçamento».

( 10 ) V. Léger, P. — Commentaire article par article des traités UE et CE, 2000, p. 1806.

( 11 ) Não seria esse o caso se, por exemplo, a compensação fosse impugnada apenas com base em fundamentos de ordem processual.

( 12 ) V., a título de exemplo recente, numa acção por incumprimento, acórdão de 30 de Maio de 2006, Comissão/Irlanda (C-459/03, Colect., p. I-4635), e, num pedido de decisão prejudicial, acórdão de , Merck Genéricos Produtos Farmacêuticos (C-431/05, Colect., p. I-7001).

( 13 ) V. Waelbroeck, D. — «Le transfert des recours directs au Tribunal de première instance des Communautés européennes — vers une meilleure protection des justiciables?», La réforme du système juridictionnel communautaire, Éditions de l’Université de Bruxelles, 1994, pp. 87 a 97.

( 14 ) V., para este efeito, Garbagnati Ketvel, M.-G. — «The jurisdiction of the European Court of Justice in respect of Common Foreign and Security Policy», International and Comparative Law Quarterly, vol. 55, Janeiro de 2006, pp. 77 a 120, em especial p. 82; Macleod, I., Hendry, I. D., e Hyett, S. — The External Relations of the European Communities, Clarendon Oxford Press, 1996, p. 424.

( 15 ) Em apoio desta conclusão, pode indicar-se o facto de os memorandos necessitarem de ser ratificados pelas partes, antes de poderem entrar em vigor. Esta formalidade está, em princípio, reservada aos actos convencionais de direito internacional público.

( 16 ) Apesar de, certamente, este tipo de acordos suscitar várias questões jurídicas interessantes, tais como o poder de a Comissão os celebrar ao abrigo do título V do Tratado UE, uma análise mais profunda dos mesmos ultrapassa claramente o objecto do presente processo.

( 17 ) No que diz respeito ao memorando adicional, este entendimento não afasta, em minha opinião, a aplicação, quando possam ser identificados, dos «princípios gerais comuns aos sistemas jurídicos dos Estados-Membros», como previsto no artigo 13.o, n.o 2, do memorando adicional, em conjugação com as normas de direito internacional.

( 18 ) Foi, de facto, reconhecido pelo Tribunal Internacional de Justiça que os princípios consagrados nos artigos 31.o e 32.o da Convenção de Viena reflectem o direito internacional consuetudinário (acórdão de 3 de Fevereiro de 1994, Líbia v Chade, ICJ Reports, 1994, p. 4, n.o 41)

( 19 ) «Como a República Helénica reconheceu (v. n.o 56 supra), resulta expressamente do artigo 15.o, n.o 1, do memorando inicial que uma parte participante que não assine o memorando adicional pode eximir-se às obrigações financeiras relativas ao projecto (v. n.o 15 supra). Ora, é claro que a República Helénica assinou o memorando adicional. Nas circunstâncias do caso em apreço, o artigo 15.o, n.o 1, do memorando inicial deve ser lido em sentido estrito, contrariamente à interpretação que dele dá a República Helénica.»

( 20 ) Normalmente, os signatários apenas estão vinculados, à luz do direito internacional, após a ratificação do acordo nos termos das suas normas de direito interno.

( 21 ) Artigo 25.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

( 22 ) Niebrugge, A. M. — «Provisional application of the Energy Charter Treaty: the Yukos arbitration and the future place of provisional application in international law», Chicago Journal of International Law, Verão de 2007, vol. 8, pp. 355 e 359.

( 23 ) Acórdão recorrido, n.o 85.

( 24 ) A equivalência entre os dois princípios não é, em minha opinião, total, visto que o princípio da boa fé, em direito internacional público, parece ter um âmbito mais lato do que o princípio da confiança legítima, no âmbito do direito comunitário.

( 25 ) Acredito que a utilização do termo «correspondente» é mais apropriada neste contexto, porque é mais neutra do que o termo «corolário» que o Tribunal de Primeira Instância utilizou no n.o 87 do acórdão recorrido com referência ao seu acórdão de 22 de Janeiro de 1997, Opel Austria/Conselho (T-115/94, Colect., p. II-39, n.o 93). De facto, em minha opinião, o termo «corolário» implica, necessariamente, que o princípio de direito comunitário da protecção da confiança legítima precede, no tempo e em importância, o princípio de direito internacional da boa fé. A este propósito, há que referir igualmente o advogado-geral F. G. Jacobs, que, no n.o 76 das conclusões que apresentou no processo Racke (acórdão de , C-162/96, Colect., p. I-3655), não utilizou o termo «corolário», mas referiu o seguinte: «no processo Opel Austria/Conselho, o princípio da boa fé do direito internacional público foi equiparado ao princípio comunitário da protecção da confiança legítima.»

( 26 ) Austrália v França (processo Nuclear Test), ICJ Reports, 1974, pp. 253, 268.

( 27 ) Para uma definição, v. O’Connor, J. F. — Good Faith in International Law, Dartmouth Publishing Company, 1991, p. 124.

( 28 ) V., inter alia, Virally, M. — «Review essay: good faith in public international law», The American Journal of International Law, 1983, vol. 77, p. 130.

( 29 ) Serge Sur refere, na obra L’interprétation de droit international public, Paris, Librairie générale de droit et de jurisprudence, 1974: «l’interprétation des circonstances n’est pas soumise à des règles, encore moins à des méthodes très précises. Leur diversité constitue une base multiple et il ne reste qu’un principe, celui de la bonne foi». V., igualmente, Zoller, E. — La bonne foi en droit international public, Pedone, 1977, p. 227.

( 30 ) V. M. Virally, já referido na nota 28, pp. 131 e 133.

( 31 ) Cheng, Bin — General Principles of Law as applied by International Courts and Tribunals, ed. Martinus Nijhoff — The Hague, 1953, pp. 141, 142; Lord McNair, The Laws of Treaties, Oxford Clarendon Press, 1961, p. 485. Como foi explicado por Lord McNair, este princípio impede que quem profere uma afirmação, ou quem com ela concorda, na qual outra pessoa confia a ponto de influenciar a sua posição, possa posteriormente sustentar uma posição diferente.

( 32 ) V. E. Zoller, já referida na nota 29, p. 157. A autora considera que, nas organizações internacionais, há uma boa fé reforçada (a autora usa a expressão «bonne foi renforcée») que se aplica tanto aos Estados membros como aos órgãos daquelas.

( 33 ) A existência dessa obrigação reforçada de boa fé reflecte-se, em minha opinião, no artigo 11.o, n.o 2, UE, que dispõe que «[o]s Estados-Membros apoiam activamente e sem reservas a política externa e de segurança da União, num espírito de lealdade e de solidariedade mútua». Isto é apoiado pelo facto de, no que diz respeito ao Tratado CE, se reconhecer que a boa fé reforçada parece decorrer, pelo menos implicitamente, da obrigação de cooperação leal constante do artigo 10.o CE [v. Constantinesco, V. — «L’article 5 CEE, de la bonne foi à la loyauté communautaire», Du droit international au droit de l’intégration (Liber amicorum Pierre Pescatore), Nomos, 1989, pp. 97-114, em especial p. 101].

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