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Document 62006CJ0220

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 18 de Dezembro de 2007.
Asociación Profesional de Empresas de Reparto y Manipulado de Correspondencia contra Administración General del Estado.
Pedido de decisão prejudicial: Audiencia Nacional - Espanha.
Contratos públicos - Liberalização dos serviços postais - Directivas 92/50/CEE e 97/67/CE - Artigos 43.º CE, 49.º CE e 86.º CE - Regulamentação nacional que permite às administrações públicas celebrarem, à margem das regras de adjudicação dos contratos públicos, com uma empresa pública, a saber, o prestador do serviço postal universal no Estado-Membro em causa, acordos relativos à prestação de serviços postais, quer reservados quer não reservados.
Processo C-220/06.

Colectânea de Jurisprudência 2007 I-12175

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:815

Processo C‑220/06

Asociación Profesional de Empresas de Reparto y Manipulado de Correspondencia

contra

Administración General del Estado

(Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Audiencia Nacional)

«Contratos públicos – Liberalização dos serviços postais – Directivas 92/50/CEE e 97/67/CE – Artigos 43.° CE, 49.° CE e 86.° CE – Regulamentação nacional que permite às Administrações Públicas celebrarem, à margem das regras de adjudicação dos contratos públicos, com uma empresa pública, a saber, o prestador do serviço postal universal no Estado‑Membro em causa, acordos relativos à prestação de serviços postais, quer reservados quer não reservados»

Conclusões do advogado‑geral Y. Bot apresentadas em 20 de Setembro de 2007 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 18 de Dezembro de 2007 

Sumário do acórdão

1.     Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Livre prestação de serviços – Prestação de serviços postais reservados em conformidade com a Directiva 97/67 – Atribuição, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a uma sociedade anónima pública, prestador do serviço postal universal integralmente detida pelas autoridades públicas

(Artigo 43.° CE e 49.° CE; Directiva 97/67 do Parlamento Europeu e do Conselho)

2.     Aproximação das legislações – Processos de adjudicação de contratos públicos de serviços – Directiva 92/50 – Prestação de serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67 – Atribuição, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a uma sociedade anónima pública, prestador do serviço postal universal, integralmente detida pelas autoridades públicas

(Directiva 92/50 do Conselho; Directiva 97/67 do Parlamento Europeu e do Conselho)

3.     Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Livre prestação de serviços – Prestação de serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67 – Atribuição, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a uma sociedade anónima pública, prestador do serviço postal universal, integralmente detida pelas autoridades públicas

(Artigo 12.° CE, 43.° CE, 49.° CE e 86.° CE; Directiva 97/67 do Parlamento Europeu e do Conselho)

1.     O direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permita que as Administrações Públicas atribuam, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a prestação de serviços postais reservados em conformidade com a Directiva 97/67/CE relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, a uma sociedade anónima pública cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas e que é, neste Estado, o prestador do serviço postal universal.

Com efeito, o artigo 7.° da referida directiva permite que os Estados‑Membros reservem certos serviços postais ao prestador ou prestadores do serviço universal na medida necessária à garantia da manutenção desse serviço. Consequentemente, na medida em que haja serviços postais, em conformidade com essa directiva, reservados a um único prestador do serviço universal, estes serviços são necessariamente subtraídos à concorrência, uma vez que nenhum outro operador económico é autorizado a oferecer os referidos serviços. Consequentemente, não são aplicáveis as regras comunitárias em matéria de adjudicação de contratos públicos, cujo objectivo principal consiste na livre circulação das mercadorias e dos serviços, bem como na abertura à concorrência não falseada em todos os Estados‑Membros.

(cf. n.os 39‑41, disp. 1)

2.     A Directiva 92/50 relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2001/78, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permita que as Administrações Públicas atribuam, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a prestação de serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67 relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, a uma sociedade anónima pública cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas e que é, nesse Estado, o prestador do serviço postal universal, na medida em que os acordos aos quais essa regulamentação se aplica atinjam o limiar pertinente previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2001/78, e constituam contratos, na acepção do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2001/78, celebrados por escrito e a título oneroso, e não um acto administrativo unilateral que imponha unicamente obrigações ao prestador e que se destaque sensivelmente das condições normais da oferta comercial do prestador, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

(cf. n.os 54, 69, disp. 2)

3.     Os artigos 43.° CE, 49.° CE e 86.° CE, bem como os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação em razão da nacionalidade e da transparência, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permita que as Administrações Públicas atribuam, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a prestação de serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67 relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, a uma sociedade anónima pública cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas e que é, nesse Estado, o prestador do serviço postal universal, na medida em que os acordos aos quais essa regulamentação se aplica não atinjam o limiar pertinente previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 92/50, relativa a coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2001/78, e não constituam, na realidade, um acto administrativo unilateral que imponha unicamente obrigações ao prestador do serviço postal universal e que se destaque sensivelmente das condições normais da sua oferta comercial, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Por outro lado, o artigo 86.°, n.° 2, CE não pode ser invocado para justificar uma regulamentação nacional desde que esta diga respeito a serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67.

Com efeito, a Directiva 97/67 dá execução ao artigo 86.°, n.° 2, CE no que diz respeito à possibilidade de reservar certos serviços postais ao prestador do serviço postal universal. Ora, os Estados‑Membros não têm a faculdade de ampliar discricionariamente os serviços reservados aos prestadores do serviço universal nos termos do artigo 7.° da Directiva 97/67, uma vez que tal extensão colidiria com a finalidade desta directiva, que tem em vista instituir a liberalização gradual e controlada no sector postal, dado que, no âmbito da Directiva 97/67, é tida em conta a questão de saber se é necessário, para que esse serviço possa ser cumprido em condições economicamente aceitáveis, reservar certos serviços postais ao prestador do referido serviço postal universal.

(cf. n.os 80‑82, 85, 88, disp. 3)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

18 de Dezembro de 2007 (*)

«Contratos públicos – Liberalização dos serviços postais – Directivas 92/50/CEE e 97/67/CE – Artigos 43.° CE, 49.° CE e 86.° CE – Regulamentação nacional que permite às Administrações Públicas celebrarem, à margem das regras de adjudicação dos contratos públicos, com uma empresa pública, a saber, o prestador do serviço postal universal no Estado‑Membro em causa, acordos relativos à prestação de serviços postais, quer reservados quer não reservados»

No processo C‑220/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Audiencia Nacional (Espanha), por decisão de 15 de Março de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de Maio de 2006, no processo

Asociación Profesional de Empresas de Reparto y Manipulado de Correspondencia

contra

Administración General del Estado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann (relator), presidente de secção, R. Schintgen, A. Borg Barthet, M. Ilešič e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Junho de 2007,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da Asociación Profesional de Empresas de Reparto y Manipulado de Correspondencia, por J. M. Piqueras Ruíz, abogado,

–       em representação do Governo espanhol, por F. Díez Moreno, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo belga, por A. Hubert, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por X. Lewis e K. Simonsson, na qualidade de agentes, assistidos por C. Fernández e I. Moreno‑Tapia Rivas, abogadas,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de Setembro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 43.° CE e 49.° CE, em conjugação com o artigo 86.° CE, no contexto do processo de liberalização dos serviços postais e à luz das regras comunitárias em matéria de contratos públicos.

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Asociación Profesional de Empresas de Reparto y Manipulado de Correspondencia (associação profissional de empresas de distribuição e de tratamento do correio, a seguir «Asociación Profesional») à Administración General del Estado, Ministerio de Educación, Cultura y Deporte (Administração do Estado, Ministério da Educação, da Cultura e do Desporto, a seguir «Ministerio»), a propósito da decisão deste de adjudicar, sem realização de concurso público, serviços postais à Sociedad Estatal Correos y Telégrafos SA (empresa pública dos correios e do telégrafo, a seguir «Correos»), que é o prestador do serviço postal universal em Espanha.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

 Directiva 97/67/CE

3       A Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço (JO 1998, L 15, p. 14), estabelece, segundo o seu artigo 1.°, regras comuns relativas, nomeadamente, à prestação de um serviço postal universal na Comunidade Europeia e aos critérios que definem os serviços susceptíveis de serem reservados aos prestadores do serviço universal.

4       Por força do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 97/67, os Estados‑Membros devem assegurar que os utilizadores usufruam do direito a um serviço universal que envolva uma oferta permanente de serviços postais com uma qualidade especificada, prestados em todos os pontos do território, a preços acessíveis a todos os utilizadores.

5       Nos termos do artigo 3.°, n.° 4, da referida directiva:

«Cada Estado‑Membro adopta as medidas necessárias para que o serviço universal inclua, no mínimo, as seguintes prestações:

–       recolha, triagem, transporte e distribuição dos envios postais até 2 kg.

–       recolha, triagem, transporte e distribuição das encomendas postais até 10 kg;

–       serviços de envios registados e de envios com valor declarado.»

6       O artigo 7.° da mesma directiva, que consta do capítulo 3 desta, sob a epígrafe «Harmonização dos serviços susceptíveis de serem reservados», dispõe nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Na medida necessária à garantia da manutenção do serviço universal, os serviços que podem ser reservados por cada Estado‑Membro ao prestador ou prestadores do serviço universal são a recolha, triagem, transporte e entrega dos envios de correspondência interna, quer sejam ou não efectuados por distribuição acelerada, de preço inferior ao quíntuplo da tarifa pública de um envio de correspondência do primeiro escalão de peso da categoria normalizada mais rápida, se esta existir, desde que pesem menos de 350 g. […]

2.      Na medida necessária para garantir a manutenção do serviço universal, o correio transfronteiriço e a publicidade endereçada podem continuar a ser reservados, nos limites de preço e peso previstos no n.° 1.»

 Directiva 92/50/CEE

7       Segundo o artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2001/78/CE da Comissão, de 13 de Setembro de 2001 (JO L 285, p. 1, a seguir «Directiva 92/50»), os «contratos públicos de serviços» são contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante, com excepção dos contratos enumerados na referida disposição, em i) a ix).

8       Nos termos do artigo 1.°, alínea b), da Directiva 92/50, são consideradas «entidades adjudicantes» «o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público». O mesmo artigo, alínea c), define como «prestadores de serviços» «qualquer pessoa singular ou colectiva, incluindo organismos de direito público, que ofereçam serviços».

9       O artigo 3.° n.° 2, da referida directiva precisa que as entidades adjudicantes assegurarão que não se verifique qualquer discriminação entre os vários prestadores de serviços.

10     O artigo 6.° da Directiva 92/50 tem a seguinte redacção :

«A presente directiva não é aplicável à celebração de contratos públicos de serviços atribuídos a uma entidade que seja ela própria uma entidade adjudicante na acepção da alínea b) do artigo 1.°, com base num direito exclusivo estabelecido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas publicadas, desde que essas disposições sejam compatíveis com o Tratado [CE].»

11     O artigo 7.°, n.° 1, alínea a), segundo travessão, ii), da Directiva 92/50, em conjugação com a categoria 4 do anexo I A desta directiva prevê que esta se aplica aos contratos públicos de serviços que tenham por objecto o transporte de correio por via terrestre e aérea, adjudicados pelas entidades adjudicantes referidas no artigo 1.°, alínea b), da mesma directiva que não se encontrem referidas no anexo I da Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1), e cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado, seja igual ou superior ao equivalente em euros a 200 000 DSE (direitos de saque especiais).

12     O artigo 7.°, n.° 5, da Directiva 92/50 dispõe:

«No caso de contratos que não especifiquem um preço total, deve ser tomado como base para o cálculo do valor estimado do contrato:

–      no caso de contratos de duração fixa, na medida em que ela seja igual ou inferior a 48 meses, o valor total do contrato em relação ao seu período de vigência,

–      no caso de contratos de duração indeterminada ou superior a 48 meses, o valor mensal multiplicado por 48.»

13     Nos termos do artigo 8.° da Directiva 92/50, os contratos que tenham por objecto serviços enumerados no seu anexo I A serão celebrados de acordo com o disposto nos títulos III a VI desta directiva, o que implica designadamente que devem ser sujeitos a concurso e ser objecto de publicidade adequada.

 Legislação nacional

14     Segundo a Lei 24/1998, relativa ao serviço postal universal e à liberalização dos serviços postais (Ley 24/1998 del Servicio Postal Universal y de Liberalización de los Servicios Postales), de 13 de Julho de 1998, que transpõe a Directiva 97/67 para o direito espanhol, os serviços postais são considerados serviços de interesse geral fornecidos em regime de livre concorrência. Apenas o serviço postal universal é considerado um serviço público ou é sujeito a obrigações de serviço público. O artigo 18.° da referida lei reserva ao operador ao qual é atribuída a prestação do serviço postal universal certos serviços a título exclusivo.

15     O prestador deste serviço postal universal em Espanha, a saber, a Correos, é uma sociedade anónima pública, cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas.

16     Nos termos do artigo 11.° da lei sobre os contratos públicos (Ley de Contratos de las Administraciones Públicas), cujo texto único foi aprovado pelo Real Decreto Legislativo 2/2000 (Real Decreto Legislativo 2/2000 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley de Contratos de las Administraciones Públicas), de 16 de Junho de 2007 (a seguir «lei relativa aos contratos públicos»), os contratos públicos adjudicados pelas Administrações Públicas estão sujeitos, salvo as excepções previstas nessa lei, aos princípios da publicidade e da concorrência e, em qualquer caso, aos princípios da igualdade e da não discriminação.

17     Resulta do artigo 206.°, n.° 4, da lei relativa aos contratos públicos que, em princípio, a adjudicação de contratos para a prestação de serviços postais é abrangida, do ponto de vista contratual, pelos contratos públicos regulamentados por esta lei.

18     No entanto, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea d), da lei relativa aos contratos públicos, estão excluídos do âmbito de aplicação desta lei os acordos de colaboração que, em conformidade com as disposições específicas que os regulamentam, sejam celebrados pela Administração com pessoas singulares ou colectivas de direito privado, sempre que o seu objecto não esteja abrangido nos contratos públicos regulados pela referida lei ou por disposições administrativas.

19     Segundo a análise realizada pelo órgão jurisdicional de reenvio do quadro jurídico em que se inscreve o litígio que lhe é submetido, este acordo de colaboração surge como um acto jurídico que escapa às regras aplicáveis aos contratos públicos e, consequentemente, os princípios da competitividade, da publicidade e da livre concorrência que caracterizam o domínio dos contratos públicos não são aplicáveis a este acto.

20     O artigo 58.° da Lei 14/2000, relativa às medidas fiscais, administrativas e de ordem social (Ley 14/2000 de medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social), de 29 de Dezembro de 2000 (a seguir «Lei 14/2000»), prevê que as Administrações Públicas podem celebrar acordos de colaboração, como os a que se refere o artigo 3.° da lei relativa aos contratos públicos, com a Correos, para o fornecimento de prestações abrangidas no objecto social desta sociedade.

21     Segundo as declarações do órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta o objecto social da Correos como definido no artigo 58.° da Lei 14/2000, a possibilidade de celebrar estes acordos de colaboração não está limitada aos serviços postais não liberalizados ou reservados, mas estende‑se à gestão e à exploração de todo o serviço postal. Esta possibilidade não está, portanto, confinada ao serviço postal universal e não distingue, no interior deste, os serviços que lhe estão reservados e os que não estão.

22     Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, nos termos do artigo 58.° da Lei 14/2000, a prestação de certos serviços é obrigatória para a Correos. Com efeito, entre as funções que lhe incumbem, figura a prestação obrigatória de serviços relacionados com o seu objecto social susceptíveis de lhe serem atribuídos pelas Administrações Públicas. Assim, a vontade de contratar não existe em relação a uma das partes.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

23     Como resultado de um processo de negociações realizado sem abertura de concurso público, o Ministerio e a Correos assinaram, em 6 de Junho de 2002, um acordo de colaboração para a prestação de serviços postais e telegráficos (Convenio de colaboración para la prestación de servicios postales y telegráficos, a seguir «acordo de colaboração»).

24     Este acordo de colaboração prevê a prestação pela Correos, em favor do Ministerio, de serviços postais e telegráficos relativos aos seguintes objectos:

–      cartas (normais, registadas e urgentes), urbanas, interurbanas e internacionais, sem limite de peso ou volume;

–      encomendas (postais, azuis e internacionais), sem limite de peso ou volume;

–      correio expresso nacional e EMS («Express Mail Service») (serviço de correio rápido) internacional, sem limite de peso ou volume, e

–      entrega de livros, de correio bibliotecário, de revistas e do jornal oficial do ministério a nível nacional (urbano e interurbano) e internacional (por via terrestre e aérea), sem limite de peso ou volume.

25     A contrapartida financeira da referida prestação de serviços não é fixa na medida em que depende do volume de negócios. Perante o órgão jurisdicional de reenvio, esta foi estimada, sem impugnação, num montante anual superior a 12 020,42 euros.

26     O acordo de colaboração foi celebrado por duração indeterminada e estava ainda em vigor à data do despacho de reenvio.

27     A Asociación Profesional apresentou ao Ministerio uma reclamação da decisão administrativa que adjudicou, através do acordo de colaboração, serviços postais liberalizados sem abertura de concurso público.

28     Por decisão de 20 de Março de 2003, o Ministerio indeferiu esta reclamação, alegando que o processo de adjudicação dos serviços postais por si conduzido teve por base a existência de um acordo de colaboração que não está sujeito à regulamentação sobre os contratos públicos, pelo que não se lhe aplicam os princípios da publicidade e da livre concorrência.

29     A este respeito, o Ministerio considerou que não tinha celebrado qualquer contrato com a Correos, mas que esta presta os seus serviços com fundamento num acordo de colaboração celebrado em conformidade com os artigos 3.°, n.° 1, alínea d), da lei relativa aos contratos públicos e 58.°, n.° 2, quinto parágrafo, da Lei 14/2000.

30     Foi desta decisão de indeferimento do Ministerio, de 20 de Março de 2003, que a Asociación Profesional interpôs recurso na Audiencia Nacional.

31     Segundo este tribunal, a decisão da causa depende da interpretação do direito comunitário. Com efeito, o Tribunal de Justiça poderia declarar que o recurso a acordos de colaboração é incompatível com os princípios da publicidade e da livre concorrência aplicáveis aos contratos públicos, considerando que estes acordos só podem ser utilizados no domínio dos serviços postais reservados por lei ao prestador do serviço universal ou são incompatíveis com os referidos princípios, incluindo neste âmbito. Se esta declaração fosse efectivamente feita, teria que se concluir pelo carácter ilegal de um acordo de colaboração como o impugnado no caso em apreço, cujo conteúdo seria nulo na sua totalidade ou apenas na parte em que excedesse os serviços postais em relação aos quais o Tribunal de Justiça considerasse que o recurso a esse acordo é lícito.

32     Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 43.° CE e 49.° CE, conjugados com o artigo 86.° CE, no âmbito da sua aplicação à liberalização dos serviços postais estabelecida nas Directivas [97/67] e 2002/39/CE e face aos critérios que regem os contratos públicos fixados pelas directivas ad hoc, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma convenção cujo objecto inclui a prestação de serviços postais, reservados ou não, e, por conseguinte, liberalizados, celebrada entre uma sociedade estatal de capital integralmente público, que é também o operador habilitado para a prestação de serviço postal universal, e um órgão da Administração do Estado?»

 Quanto à questão prejudicial

33     A título liminar, importa assinalar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio, no enunciado da sua questão, faça referência à Directiva 2002/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Junho de 2002, que altera a Directiva 97/67 no que respeita à prossecução da abertura à concorrência dos serviços postais da Comunidade (JO L 176, p. 21), esta directiva não pode ser aplicada ao litígio no processo principal. Com efeito, em conformidade com o artigo 2.°, n.° 1, da referida directiva, o prazo concedido aos Estados‑Membros para assegurarem a sua transposição para as suas ordem jurídicas internas só terminou em 31 de Dezembro de 2002.

 Quanto à admissibilidade

34     O Governo espanhol entende que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível na medida em que, na realidade, ao Tribunal de Justiça é submetida a questão de saber se o acordo de colaboração está em conformidade com as directivas relativas à adjudicação de contratos públicos e à liberalização dos serviços postais, questão que é do âmbito da competência do órgão jurisdicional nacional.

35     Há que assinalar, desde logo, que nem da redacção da questão apresentada nem dos fundamentos em que esta assenta, como expostos no despacho de reenvio, resulta que o órgão jurisdicional de reenvio convida o próprio Tribunal de Justiça a resolver a questão de saber se o acordo de colaboração está em conformidade com o direito comunitário.

36     Por outro lado, importa recordar, em primeiro lugar, que, embora o Tribunal de Justiça não tenha competência, no quadro do artigo 234.° CE, para aplicar as regras de direito comunitário a um determinado caso concreto, nem para apreciar a compatibilidade das disposições do direito interno com essas regras, pode, todavia, fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação referentes ao direito comunitário que lhe possam ser úteis na apreciação dos efeitos das suas disposições (v. acórdão de 9 de Julho de 2002, Flightline, C‑181/00, Colect., p. I‑6139, n.° 20).

37     Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial deve ser julgado admissível.

 Quanto ao mérito

38     Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permita às Administrações Públicas atribuírem, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a prestação de serviços postais, reservados ou não, a uma sociedade anónima pública cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas e que é, nesse Estado, o prestador do serviço postal universal.

 Os serviços postais reservados na acepção da Directiva 97/67

39     A título liminar, importa recordar que o artigo 7.° da Directiva 97/67 permite que os Estados‑Membros reservem certos serviços postais ao prestador ou prestadores do serviço universal na medida necessária à garantia da manutenção desse serviço. Consequentemente, na medida em que haja serviços postais, em conformidade com essa directiva, reservados a um único prestador do serviço universal, estes serviços são necessariamente subtraídos à concorrência, uma vez que nenhum outro operador económico é autorizado a oferecer os referidos serviços.

40     Deve, portanto, observar‑se que a estes serviços reservados não são aplicáveis as regras comunitárias em matéria de adjudicação de contratos públicos, cujo objectivo principal consiste na livre circulação das mercadorias e dos serviços, bem como na abertura à concorrência não falseada em todos os Estados‑Membros (acórdãos de 11 de Janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau, C‑26/03, Colect., p. I‑1, n.° 44, e de 11 de Maio de 2006, Carbotermo e Consorzio Alisei, C‑340/04, Colect., p. I‑4137, n.° 58).

41     Por conseguinte, importa responder à questão submetida que o direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permita que as Administrações Públicas atribuam, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a prestação de serviços postais reservados em conformidade com a Directiva 97/67 a uma sociedade anónima pública cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas e que é, neste Estado, o prestador do serviço postal universal.

 Os serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67

42     É apenas em relação aos serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67 que deve ser examinada a questão de saber se a celebração de um acordo de colaboração como o do processo principal deve respeitar as regras comunitárias em matéria de contratos públicos.

–       A Directiva 92/50

43     Em primeiro lugar, deve verificar‑se se um acordo como o do processo principal entrava no âmbito de aplicação da directiva pertinente em matéria de contratos públicos de serviços postais à data dos factos do litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, designadamente, a Directiva 92/50.

44     A referida directiva sujeita a adjudicação dos contratos públicos a que se aplica ao respeito de certas exigências processuais e de publicidade.

45     Segundo a própria redacção do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50, um contrato público de serviços pressupõe a existência de um contrato a título oneroso, celebrado por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante na acepção do mesmo artigo 1.°, alínea b).

46     Como o advogado‑geral declarou no n.° 63 das suas conclusões, deve admitir‑se que o Ministerio é uma entidade adjudicante e a Correos um prestador de serviços na acepção das disposições mencionadas no número precedente. Além disso, é pacífico que o acordo de colaboração foi celebrado por escrito e a título oneroso.

47     No entanto, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio se limitou a indicar que o montante anual das prestações fornecidas em aplicação do referido acordo é superior a 12 020,42 euros, coloca‑se a questão de saber se esse montante atinge o limiar de 200 000 DTS fixado no artigo 7.°, n.° 1, alínea a), segundo travessão, ii), da Directiva 92/50, que equivalia à data dos factos do litígio no processo principal a 249 681 euros.

48     Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, à luz das disposições nacionais que transpuseram o artigo 7.°, n.° 5, segundo travessão, da Directiva 92/50, o limiar de 249 681 euros foi atingido.

49     Supondo que o referido limiar tenha sido atingido, coloca‑se então a questão de saber se o acordo de colaboração constitui efectivamente um contrato na acepção do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50. Com efeito, o Governo espanhol considera que este acordo apresenta um carácter não contratual, mas instrumental, na medida em que a Correos não dispõe de nenhuma possibilidade de recusar celebrar este acordo, devendo, antes, obrigatoriamente aceitá‑lo.

50     A este respeito, há que recordar que a definição de um contrato público de serviços faz parte do domínio do direito comunitário, pelo que a qualificação do acordo de colaboração no direito espanhol não é pertinente para se decidir se este entra no âmbito de aplicação da Directiva 92/50 (v., neste sentido, acórdãos de 20 de Outubro de 2005, Comissão/França, C‑264/03, Colect., p. I‑8831, n.° 36, e de 18 de Julho de 2007, Comissão/Itália, C‑382/05, Colect., p. I‑0000, n.° 30).

51     É certo que no n.° 54 do seu acórdão de 19 de Abril de 2007, Asemfo (C‑295/05, Colect., p. I‑2999), o Tribunal de Justiça decidiu que não está reunida a condição de aplicabilidade das directivas em matéria de adjudicação de contratos públicos relativa à existência de um contrato quando a empresa pública em causa no processo em que foi proferido o referido acórdão não dispuser de nenhuma liberdade, nem quanto ao seguimento a dar a um pedido feito pelas autoridades competentes em causa nem quanto à tarifa aplicável às suas prestações, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

52     No entanto, esta argumentação deve ser lida no seu contexto específico. Com efeito, esta segue‑se à constatação de que, por força da legislação espanhola, a referida empresa pública é um instrumento próprio e um serviço técnico da Administração Geral do Estado e da administração de cada uma das comunidades autónomas interessadas, tendo já o Tribunal de Justiça considerado, num contexto diferente do que está em causa no processo em que foi proferido o acórdão Asemfo, já referido, que, como instrumento e serviço técnico da Administração Pública espanhola, incumbe à sociedade em causa efectuar, a título exclusivo, os trabalhos que lhe são confiados pela Administração Geral do Estado, pelas comunidades autónomas e pelos organismos públicos destas dependentes (acórdão Asemfo, já referido, n.os 49 e 53).

53     Ora, a Correos, enquanto prestador do serviço postal universal, tem uma função completamente diferente, que implica designadamente que a sua clientela seja composta por todas as pessoas que pretendam recorrer ao serviço postal universal. O mero facto de esta sociedade não dispor de qualquer liberdade, nem quanto ao seguimento a dar a um pedido feito pelo Ministerio nem quanto à tarifa aplicável às suas prestações, não pode ter automaticamente como consequência que nenhum contrato tenha sido celebrado por estas duas entidades.

54     Com efeito, esta situação não é necessariamente diferente da que existe quando um cliente privado pretende recorrer aos serviços da Correos no âmbito do serviço postal universal, dado que decorre da própria função de um prestador deste serviço que, neste caso, este está igualmente obrigado a realizar o serviço solicitado, e isso, eventualmente, segundo tarifas fixas ou, em qualquer caso, segundo tarifas transparentes e não discriminatórias. Ora, não há dúvida de que esta relação deve ser qualificada como contratual. Apenas no caso de o acordo celebrado entre a Correos e o Ministerio ser na realidade um acto administrativo unilateral que impusesse unicamente obrigações à Correos, acto que se destacasse sensivelmente das condições normais da oferta comercial desta sociedade, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é que se deveria concluir pela inexistência de um contrato e, consequentemente, que a Directiva 92/50 não se pode aplicar.

55     No âmbito desta verificação, o órgão jurisdicional de reenvio deve designadamente examinar se a Correos dispõe de capacidade para negociar com o Ministerio o conteúdo concreto das prestações a fornecer bem como as tarifas aplicáveis a estas e se esta sociedade, no que toca aos serviços não reservados, tem a faculdade de se libertar das obrigações decorrentes do acordo de colaboração através do cumprimento do pré‑aviso previsto por este.

56     Os outros argumentos invocados pelo Governo espanhol para demonstrar que um acordo de colaboração como o do processo principal escapa às regras aplicáveis em matéria de contratos públicos devem igualmente ser julgados improcedentes.

57     O Governo espanhol alega designadamente que o acordo de colaboração não pode, em qualquer caso, ser sujeito às regras que regulam os contratos públicos dado que os critérios «in house» elaborados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça estão preenchidos.

58     A este respeito, deve recordar‑se que, segundo a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, não é obrigatório lançar um concurso, em conformidade com as directivas relativas à adjudicação de contratos públicos, mesmo que o co‑contratante seja uma entidade juridicamente distinta da entidade adjudicante, quando estão reunidas duas condições. Por um lado, a autoridade pública que seja uma entidade adjudicante deve exercer sobre a entidade distinta em questão um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e, por outro, essa entidade deve realizar o essencial da sua actividade com a ou as colectividades públicas que a detêm (v. acórdãos de 18 de Novembro de 1999, Teckal, C‑107/98, Colect., p. I‑8121, n.° 50; Stadt Halle e RPL Lochau, já referido, n.° 49; Carbotermo e Consorzio Alisei, n.° 33, e Asemfo, já referido, n.° 55).

59     Sem que seja necessário analisar de forma mais aprofundada a questão de saber se a primeira das duas condições mencionadas no número anterior está preenchida, é suficiente observar que, no caso do processo principal, a segunda condição não está preenchida. Com efeito, é pacífico que a Correos, enquanto prestador do serviço postal universal em Espanha, não realiza o essencial da sua actividade com o Ministerio nem com a Administração Pública em geral, mas presta serviços postais a um número indeterminado de clientes do referido serviço postal.

60     O Governo espanhol alega, contudo, que as relações entre a Administração Pública e a sociedade titular de um direito exclusivo são, pela sua própria natureza, relações de exclusividade, o que supõe um estádio superior ao da «actividade essencial». Ora, a Correos é titular de um direito exclusivo em razão do facto de ser obrigada, por força do artigo 58.° da Lei 14/2000, a prestar às Administrações Públicas serviços abrangidos no seu objecto social, que inclui serviços reservados e serviços não reservados.

61     A este respeito, importa referir que, caso a referida obrigação pudesse efectivamente ser qualificada como direito exclusivo, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, este direito não poderia preencher, no âmbito da análise a efectuar à luz das duas condições evocadas no n.° 58 do presente acórdão, o requisito de o prestador de serviços em causa ter que realizar o essencial da sua actividade com a entidade ou as entidades que o detêm.

62     Com efeito, este requisito tem especificamente por objectivo assegurar que a Directiva 92/50 continue a ser aplicável quando uma empresa controlada por uma ou várias entidades e que pode, portanto, entrar em concorrência com outras empresas, tenha actividade no mercado (v., por analogia, acórdão Carbotermo e Consorzio Alisei, já referido, n.° 60). Ora, é ponto assente que a Correos tem actividade no mercado e se encontra, excepto no que diz respeito aos serviços reservados na acepção da Directiva 97/67, em concorrência com outras empresas postais cujo número se eleva, segundo as observações do Governo espanhol, a cerca de 2 000.

63     Por conseguinte, importa concluir que um acordo de colaboração como o do processo principal não preenche as condições evocadas no n.° 58 do presente acórdão, pelo que não pode subtrair‑se por isso ao âmbito de aplicação da Directiva 92/50.

64     No entanto, a existência de um direito exclusivo pode justificar a não aplicação da Directiva 92/50 dado que, nos termos do seu artigo 6.°, esta «não é aplicável à celebração de contratos públicos de serviços atribuídos a uma entidade que seja ela própria uma entidade adjudicante na acepção da alínea b) do artigo 1.°, com base num direito exclusivo estabelecido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas publicadas, desde que essas disposições sejam compatíveis com o Tratado».

65     Ora, sem que seja necessário analisar se a primeira das três condições enunciadas no referido artigo 6.°, relativa à qualidade de entidade adjudicante da Correos, está preenchida por essa sociedade, e no pressuposto de esta ter, nos termos do artigo 58.° da lei 14/2000, um direito exclusivo de prestar às Administrações Públicas os serviços postais abrangidos no seu objecto social, basta observar que, em qualquer caso, não se encontra preenchida a terceira das referidas condições, segundo a qual a disposição que atribui o direito exclusivo deve ser compatível com o Tratado.

66     Com efeito, a referida disposição nacional, assumindo que confere ao prestador nacional do serviço postal universal o direito exclusivo de prestar às Administrações Públicas serviços postais não reservados nos termos do artigo 7.° da Directiva 97/67, aos quais se limita a presente análise, é incompatível com a finalidade desta directiva.

67     Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros não têm a faculdade de ampliar discricionariamente os serviços reservados aos prestadores do serviço universal nos termos do artigo 7.° da Directiva 97/67, uma vez que tal extensão colidiria com a finalidade da directiva que, conforme o seu oitavo considerando, tem em vista instituir a liberalização gradual e controlada no sector postal (acórdão de 11 de Março de 2004, Asempre e Asociación Nacional de Empresas de Externalización y Gestión de Envíos y Pequeña Paquetería, C‑240/02, Colect., p. I‑2461, n.° 24).

68     Isto vale não apenas para uma reserva horizontal, isto é, para a reserva de determinado serviço postal enquanto tal, mas, para assegurar o efeito útil do artigo 7.° da Directiva 97/67, vale também para uma reserva vertical deste serviço que é relativo, como no caso do processo principal, à prestação exclusiva de serviços postais para determinados clientes. Com efeito, como afirma a Comissão das Comunidades Europeias, a aplicação da legislação espanhola ao caso do processo principal significaria que, na prática, todos os serviços postais exigidos por uma entidade pública espanhola poderiam potencialmente ser prestados pela Correos, com exclusão de todos os outros operadores postais, o que seria claramente contrário à finalidade da referida directiva.

69     Por conseguinte, há que responder à questão apresentada que a Directiva 92/50 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permita que as Administrações Públicas atribuam, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a prestação de serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67 a uma sociedade anónima pública cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas e que é, nesse Estado, o prestador do serviço postal universal, na medida em que os acordos aos quais essa regulamentação se aplica

–       atinjam o limiar pertinente previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 92/50 e

–       constituam contratos, na acepção do artigo 1.°, alínea a), dessa directiva, celebrados por escrito e a título oneroso,

o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

–       Requisitos em matéria de adjudicação de contratos públicos resultantes do Tratado

70     Na medida em que a regulamentação nacional em causa no processo principal se aplique a acordos que não atinjam o limiar pertinente previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 92/50, importa, em segundo lugar, examinar se esta regulamentação cumpre os requisitos em matéria de adjudicação de contratos públicos resultantes do Tratado.

71     Com efeito, apesar de certos contratos estarem excluídos do âmbito de aplicação das directivas comunitárias no domínio dos contratos públicos, as entidades adjudicantes que os celebram estão, todavia, obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em particular (acórdão Comissão/França, já referido, n.° 32 e jurisprudência referida).

72     É assim, designadamente, em relação aos contratos públicos de serviços cujo valor não atinge os limites fixados pela Directiva 92/50. O simples facto de o legislador comunitário ter considerado que os procedimentos específicos e rigorosos previstos nas directivas relativas aos contratos públicos não são apropriados, quando se trata de contratos públicos de baixo valor, não significa que estes últimos estejam excluídos do âmbito de aplicação do direito comunitário (despacho de 3 de Dezembro de 2001, Vestergaard, C‑59/00, Colect., p. I‑9505, n.° 19, e acórdão Comissão/França, já referido, n.° 33).

73     Das disposições do Tratado especificamente aplicáveis aos contratos públicos de serviços cujo valor não atinge o limiar fixado pela Directiva 92/50 fazem parte designadamente os artigos 43.° CE e 49.° CE.

74     Além do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, também o princípio da igualdade de tratamento entre os proponentes se aplica a estes contratos públicos, mesmo na ausência de discriminação em razão da nacionalidade (v., por analogia, acórdãos de 13 de Outubro de 2005, Parking Brixen, C‑458/03, Colect., p. I‑8585, n.° 48, e de 6 de Abril de 2006, ANAV, C‑410/04, Colect., p. I‑3303, n.° 20).

75     Os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade implicam, designadamente, uma obrigação de transparência que permita à entidade pública adjudicante assegurar‑se de que os referidos princípios são respeitados. Esta obrigação de transparência da referida entidade consiste em assegurar, a favor de todos os potenciais proponentes, um grau de publicidade adequado a garantir a abertura à concorrência do mercado de serviços, bem como o controlo da imparcialidade dos procedimentos de adjudicação (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Parking Brixen, n.° 49, e ANAV, n.° 21).

76     Em princípio, a ausência total de concorrência no caso da adjudicação de um contrato público de serviços como o que está em causa no processo principal não está em conformidade com as exigências dos artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como com os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação e da transparência (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Parking Brixen, n.° 50, e ANAV, n.° 22).

77     Além disso, resulta do artigo 86.°, n.° 1, CE que os Estados‑Membros não devem manter em vigor uma legislação nacional que permita a adjudicação de contratos públicos de serviços sem abertura de concurso, uma vez que tal adjudicação viola os artigos 43.° CE ou 49.° CE ou ainda os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação e da transparência (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Parking Brixen, n.° 52, e ANAV, n.° 23).

78     Ora, é certo que resulta da conjugação dos n.os 1 e 2 do artigo 86.° CE que o n.° 2 pode ser invocado para justificar a concessão, por um Estado‑Membro, a uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral, de direitos especiais ou exclusivos contrários às disposições do Tratado na medida em que o cumprimento da missão particular que lhe foi confiada só possa ser assegurado pela concessão desses direitos e desde que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade (acórdão de 17 de Maio de 2001, TNT Traco, C‑340/99, Colect., p. I‑4109, n.° 52).

79     Importa igualmente observar que uma empresa como a Correos, encarregada por força da regulamentação de um Estado‑Membro de assegurar o serviço postal universal, constitui uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral no sentido do artigo 86.°, n.° 2, CE (v., neste sentido, acórdão TNT Traco, já referido, n.° 53).

80     No entanto, mesmo admitindo que a obrigação imposta à Correos, por força do artigo 58.° da Lei 14/2000, de prestar às Administrações Públicas serviços abrangidos no seu objecto social possa ser considerada um direito exclusivo em benefício dessa sociedade, importa assinalar que o artigo 86.°, n.° 2, CE não pode ser invocado para justificar uma regulamentação nacional como a do processo principal desde que esta diga respeito a serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67.

81     Com efeito, como afirmou o advogado‑geral no n.° 99 das suas conclusões, a Directiva 97/67 dá execução ao artigo 86.°, n.° 2, CE no que diz respeito à possibilidade de reservar certos serviços postais ao prestador do serviço postal universal. Ora, como já se recordou no n.° 67 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça já decidiu que os Estados‑Membros não têm a faculdade de ampliar discricionariamente os serviços reservados aos prestadores do serviço universal nos termos do artigo 7.° da Directiva 97/67, uma vez que tal extensão colidiria com a finalidade desta directiva que tem em vista instituir a liberalização gradual e controlada no sector postal.

82     Neste contexto, há que recordar que, no âmbito da Directiva 97/67, é tida em conta a questão de saber se é necessário, para que esse serviço possa ser cumprido em condições economicamente aceitáveis, reservar certos serviços postais ao prestador do referido serviço postal universal (acórdão de 15 de Novembro de 2007, International Mail Spain, C‑162/06, Colect., p. I‑0000, n.° 50).

83     Por conseguinte, quanto aos serviços postais não reservados na acepção da Directiva, que são os únicos a constituir objecto da presente análise, o artigo 86.°, n.° 2, CE, não pode servir de fundamento para justificar um direito exclusivo de o prestador do serviço postal universal prestar estes serviços às Administrações Públicas.

84     O Governo espanhol alega, contudo, que o acordo de colaboração não pode ser sujeito às regras em matéria de adjudicação de contratos públicos em razão do seu carácter instrumental e não contratual. Com efeito, a Correos não dispõe de nenhuma possibilidade de recusar a celebração de um acordo de colaboração como o do processo principal, devendo, antes, aceitá‑lo obrigatoriamente.

85     A este respeito, há que declarar, como se afirmou no n.° 54 do presente acórdão, que apenas no caso de o acordo de colaboração ser na realidade um acto administrativo unilateral que impusesse unicamente obrigações à Correos, acto que se destacasse sensivelmente das condições normais da oferta comercial desta sociedade, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é que se deveria concluir que este acordo cai fora da alçada das regras comunitárias em matéria de adjudicação de contratos públicos.

86     Quanto ao argumento do Governo espanhol de que o acordo de colaboração não pode ser sujeito às regras que regulam os contratos públicos dado tratar‑se de uma situação «in house», deve admitir‑se que, no âmbito dos contratos públicos de serviços, a aplicação das regras enunciadas nos artigos 12.° CE, 43.° CE e 49.° CE, bem como dos princípios gerais de que constituem a expressão específica, está excluída se, simultaneamente, o controlo que a autoridade pública adjudicante exerce sobre a entidade que recebeu a adjudicação for análogo ao que esta autoridade exerce sobre os seus próprios serviços e se esta entidade realizar o essencial da sua actividade com a autoridade que é a sua detentora (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Parking Brixen, n.° 62, e ANAV, n.° 24).

87     Contudo, como se referiu no n.° 63 do presente acórdão, um acordo de colaboração como o do processo principal não preenche a segunda das condições mencionadas no número anterior, pelo que não pode subtrair‑se por isso à aplicação das regras enunciadas nos artigos 12.° CE, 43.° CE e 49.° CE, bem como dos princípios gerais de que constituem a expressão específica.

88     Importa, portanto, responder também à questão apresentada que os artigos 43.° CE, 49.° CE e 86.° CE, bem como os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação em razão da nacionalidade e da transparência, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permita que as Administrações Públicas atribuam, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a prestação de serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67 a uma sociedade anónima pública cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas e que é, nesse Estado, o prestador do serviço postal universal, desde que os acordos aos quais esta regulamentação se aplica

–      não atinjam o limiar pertinente previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 92/50, e

–      não constituam, na realidade, um acto administrativo unilateral que imponha unicamente obrigações ao prestador do serviço postal universal e que se destaque sensivelmente das condições normais da sua oferta comercial,

o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

89     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permita que as Administrações Públicas atribuam, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a prestação de serviços postais reservados em conformidade com a Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, a uma sociedade anónima pública cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas e que é, neste Estado, o prestador do serviço postal universal.

2)      A Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2001/78/CE da Comissão, de 13 de Setembro de 2001, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permita que as Administrações Públicas atribuam, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a prestação de serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67 a uma sociedade anónima pública cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas e que é, nesse Estado, o prestador do serviço postal universal, na medida em que os acordos aos quais essa regulamentação se aplica

–       atinjam o limiar pertinente previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 92/50, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2001/78, e

–       constituam contratos, na acepção do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2001/78, celebrados por escrito e a título oneroso,

o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

3)      Os artigos 43.° CE, 49.° CE e 86.° CE, bem como os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação em razão da nacionalidade e da transparência, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado Membro que permita que as Administrações Públicas atribuam, à margem das regras de adjudicação de contratos públicos, a prestação de serviços postais não reservados na acepção da Directiva 97/67 a uma sociedade anónima pública cujo capital é integralmente detido pelas autoridades públicas e que é, nesse Estado, o prestador do serviço postal universal, desde que os acordos aos quais esta regulamentação se aplica

–       não atinjam o limiar pertinente previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 92/50, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2001/78, e

–       não constituam, na realidade, um acto administrativo unilateral que imponha unicamente obrigações ao prestador do serviço postal universal e que se destaque sensivelmente das condições normais da sua oferta comercial,

o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.

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