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Document 62006CJ0180

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 14 de Maio de 2009.
    Renate Ilsinger contra Martin Dreschers.
    Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Wien - Áustria.
    Competência judiciária em matéria civil - Regulamento (CE) n.º 44/2001 - Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores - Direito de o consumidor destinatário de publicidade enganosa exigir judicialmente o prémio que aparentemente ganhou - Qualificação - Acção de natureza contratual prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea c), do referido regulamento - Requisitos.
    Processo C-180/06.

    Colectânea de Jurisprudência 2009 I-03961

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:303

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    14 de Maio de 2009 ( *1 )

    «Competência judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores — Direito de o consumidor destinatário de publicidade enganosa exigir judicialmente o prémio que aparentemente ganhou — Qualificação — Acção de natureza contratual prevista no artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento — Requisitos»

    No processo C-180/06,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos dos artigos 68.o CE e 234.o CE, apresentado pelo Oberlandesgericht Wien (Áustria), por decisão de 29 de Março de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em , no processo

    Renate Ilsinger

    contra

    Martin Dreschers, agindo na qualidade de administrador judicial da Schlank & Schick GmbH,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: P. Jann, presidente de secção, M. Ilešič, A. Tizzano, E. Levits e J.-J. Kasel (relator), juízes,

    advogada-geral: V. Trstenjak,

    secretário: B. Fülöp, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 3 de Julho de 2008,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de M. Dreschers, agindo na qualidade de administrador judicial da Schlank & Schick GmbH, por A. Matt, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo austríaco, por E. Riedl, S. Zeichen e M. Rüffenstein, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo checo, por T. Boček e M. Smolek, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo espanhol, por M. Sampol Pucurull e B. Plaza Cruz, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

    em representação do Governo esloveno, por T. Mihelič, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A.-M. Rouchaud-Joët, S. Grünheid e W. Bogensberger, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 11 de Setembro de 2008,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe R. Ilsinger, nacional austríaca com domicílio em St. Pölten (Áustria), a M. Dreschers, agindo na qualidade de administrador judicial da Schlank & Schick GmbH (a seguir «Schlank & Schick»), sociedade de venda por correspondência de direito alemão estabelecida em Aachen (Alemanha) e que foi declarada insolvente, a propósito de uma acção em que se pede a condenação da referida sociedade a entregar um prémio a R. Ilsinger.

    Quadro jurídico

    Regulamento n.o 44/2001

    3

    As regras de competência previstas pelo Regulamento n.o 44/2001 figuram no capítulo II do mesmo, constituído pelos artigos 2.o a 31.o

    4

    O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, que faz parte do referido capítulo II, secção 1, intitulada «Disposições gerais», enuncia:

    «Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

    5

    O artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento, que figura nesta mesma secção 1, dispõe:

    «As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

    6

    Nos artigos 5.o a 22.o do Regulamento n.o 44/2001, que constituem as secções 2 a 6 do capítulo II do mesmo, estão previstas as regras de competência especial, obrigatória ou exclusiva.

    7

    Assim, nos termos do artigo 5.o do Regulamento n.o 44/2001, que faz parte do seu capítulo II, secção 2, intitulada «Competências especiais»:

    «Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:

    1)

    a)

    Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

    b)

    Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

    no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

    no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

    c)

    Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);

    […]»

    8

    O décimo terceiro considerando do Regulamento n.o 44/2001 enuncia:

    «No respeitante aos contratos […] de consumo […], é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.»

    9

    Deste modo, no mesmo capítulo II do Regulamento n.o 44/2001, os artigos 15.o a 17.o deste formam a secção 4, intitulada «Competência em matéria de contratos celebrados por consumidores».

    10

    O artigo 15.o, n.o 1, do referido regulamento tem a seguinte redacção:

    «Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional, a seguir denominada ‘o consumidor’, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o:

    a)

    Quando se trate de venda, a prestações, de bens móveis corpóreos; ou

    b)

    Quando se trate de empréstimo a prestações ou de outra operação de crédito relacionados com o financiamento da venda de tais bens; ou

    c)

    Em todos os outros casos, quando o contrato tenha sido concluído com uma pessoa que tem actividade comercial ou profissional no Estado-Membro do domicílio do consumidor ou dirige essa actividade, por quaisquer meios, a esse Estado-Membro ou a vários Estados incluindo esse Estado-Membro, e o dito contrato seja abrangido por essa actividade.»

    11

    Por força do n.o 3 do mesmo artigo 15.o, «[o] disposto na presente secção não se aplica ao contrato de transporte, com excepção do contrato de fornecimento de uma combinação de viagem e alojamento por um preço global».

    12

    Nos termos do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, «[o] consumidor pode intentar uma acção contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado-Membro em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante o tribunal do lugar onde o consumidor tiver domicílio».

    13

    Esta regra de competência só pode ser derrogada se estiverem reunidas as condições enunciadas no artigo 17.o do referido regulamento.

    14

    Como resulta dos seus considerandos, o Regulamento n.o 44/2001 dá continuidade à Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; versão consolidada em português, JO 1998, C 27, p. 9), conforme alterada pela Convenção de relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1 e — texto alterado — p. 77; versão portuguesa, JO 1989, L 285, p. 41), pela Convenção de relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; versão portuguesa, JO 1989, L 285, p. 54), pela Convenção de relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1) e pela Convenção de relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1) (a seguir «Convenção de Bruxelas»). A contar da sua entrada em vigor, em , este regulamento substituiu a Convenção de Bruxelas nas relações entre os Estados-Membros, com excepção do Reino da Dinamarca.

    15

    No décimo nono considerando do Regulamento n.o 44/2001, o Conselho da União Europeia sublinhou a necessidade de assegurar a continuidade entre a Convenção de Bruxelas e o presente regulamento, incluindo no que diz respeito à interpretação que o Tribunal de Justiça já fez das disposições equivalentes desta convenção.

    Convenção de Bruxelas

    16

    As regras de competência da Convenção de Bruxelas figuram no seu título II, constituído pelos artigos 2.o a 24.o

    17

    O artigo 2.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, que faz parte do seu título II, secção 1, intitulada «Disposições gerais», consagra o princípio nos termos do qual:

    «Sem prejuízo do disposto na presente convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

    18

    O artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, constante da mesma secção, dispõe:

    «As pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado contratante por força das regras enunciadas nas secções 2 a 6 do presente título.»

    19

    Nos artigos 5.o a 18.o da Convenção de Bruxelas, que formam as secções 2 a 6 do seu título II, prevêem-se regras de competência especial, obrigatória ou exclusiva.

    20

    Assim, nos termos do artigo 5.o, que faz parte da secção 2, intitulada «Competências especiais», do título II da Convenção de Bruxelas:

    «O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

    1.

    Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; […]

    […]»

    21

    Sob o mesmo título II da Convenção de Bruxelas, os artigos 13.o a 15.o desta formam a secção 4, intitulada «Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores».

    22

    O artigo 13.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas tem a seguinte redacção:

    «Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional, a seguir denominada ‘o consumidor’, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o:

    1.

    Quando se trate de empréstimo a prestações de bens móveis corpóreos;

    2.

    Quando se trate de empréstimo a prestações ou de outra operação de crédito relacionados com o financiamento da venda de tais bens;

    3.

    Relativamente a qualquer outro contrato que tenha por objecto a prestação de serviços ou o fornecimento de bens móveis corpóreos se:

    a)

    A celebração do contrato tiver sido precedida no Estado do domicílio do consumidor de uma proposta que lhe tenha sido especialmente dirigida ou de anúncio publicitário; e

    b)

    O consumidor tiver praticado nesse Estado os actos necessários para a celebração do contrato.»

    23

    O artigo 13.o, terceiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas prevê que «[o] disposto na presente secção não se aplica ao contrato de transporte».

    24

    Nos termos do artigo 14.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas: «[o] consumidor pode intentar uma acção contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliado o consumidor».

    25

    Esta regra de competência só pode ser derrogada se estiverem reunidas as condições enunciadas no artigo 15.o da Convenção de Bruxelas.

    Legislação nacional

    26

    O § 5 j da lei austríaca relativa à protecção dos consumidores (Konsumentenschutzgesetz), na sua versão resultante da lei sobre os contratos à distância (Fernabsatz-Gesetz, BGBl. I, 185/1999, a seguir «KSchG»), destinada a transpor para a ordem jurídica austríaca a Directiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO L 144, p. 19), e que entrou em vigor em , dispõe:

    «As empresas que enviem promessas de prémios ou outras mensagens semelhantes a um consumidor determinado e, em virtude destas declarações, criem no consumidor a convicção de que ganhou determinado prémio, devem entregar esse prémio ao consumidor; esse prémio também pode ser exigido judicialmente.»

    27

    Resulta dos autos transmitidos ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio que o objectivo do referido § 5 j é conceder um direito de acção ao consumidor para que este requeira judicialmente o cumprimento de uma «promessa de prémio», quando tenha sido induzido em erro devido à actuação de um profissional que o contactou pessoalmente, fazendo-o crer que ganhara um prémio, quando o objectivo real da operação era incitá-lo a fazer uma encomenda de produtos ou de serviços oferecidos por esse profissional. A fim de proteger eficazmente o consumidor contra esta prática, é-lhe reconhecido o direito de exigir o cumprimento desta promessa nos termos do direito civil como se o profissional lhe tivesse oferecido o referido prémio de forma juridicamente vinculativa. Para este efeito, considera-se que existe uma relação jurídica entre o referido profissional e o consumidor em causa.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    28

    Resulta dos autos do processo principal que, em 19 de Agosto de 2002, R. Ilsinger recebeu, no seu endereço privado e em envelope fechado, uma carta personalizada da Schlank & Schick. O envelope, no qual figuravam as menções «Documentos importantes!», «Por favor, abrir imediatamente» e «Pessoal», continha designadamente uma mensagem dirigida nominalmente a R Ilsinger e que podia fazê-la fazer crer que tinha ganho um prémio de 20000 euros.

    29

    No dia seguinte, a fim de obter o pagamento do prémio prometido, R. Ilsinger destacou de um envelope que recebera com a carta um cupão contendo um número de identificação, colou este cupão, como tinha sido convidada a fazer na carta recebida, no «certificado de reclamação do prémio» e devolveu-o à Schlank & Schick.

    30

    R. Ilsinger afirma que, ao mesmo tempo, efectuou uma encomenda à experiência. Esta afirmação é contestada pela Schlank & Schick, que sustenta, pelo contrário, que a interessada não encomendou nenhuma mercadoria. Ao invés, é pacífico que a atribuição do prémio pretensamente ganho não dependia de tal encomenda.

    31

    Em 23 de Dezembro de 2002, não tendo ainda obtido o pagamento do prémio reclamado, R. Ilsinger propôs uma acção para este efeito no Landesgericht St. Pölten, na medida em que o seu domicílio se situava no âmbito da competência territorial desse tribunal. A sua acção contra a Schlank & Schick baseava-se no § 5 j da KSchG conjugado com o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001.

    32

    A Schlank & Schick suscitou então uma excepção de incompetência do referido tribunal, na qual alegava, no essencial, que as disposições dos artigos 15.o e 16.o do Regulamento n.o 44/2001 não são aplicáveis ao litígio de que este tribunal é chamado a conhecer, uma vez que pressupõem a existência de um contrato celebrado a título oneroso, o que não se verifica no caso em apreço. A participação no jogo promocional não foi subordinada à realização de uma encomenda, nem sequer à experiência sem compromisso e com direito de devolver as mercadorias. Além disso, R. Ilsinger não encomendou mercadorias, pelo que não podia pretender beneficar de uma protecção enquanto consumidora. A Schlank & Schick acrescenta que, mesmo admitindo a existência de um direito de natureza contratual nos termos do artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001, os tribunais austríacos não são competentes, uma vez que o lugar de cumprimento da pretensa dívida se situa na Alemanha.

    33

    Após a abertura do processo de liquidação do património da Schlank & Schick, M. Dreschers, agindo na qualidade de administrador judicial desta sociedade, reiterou estes argumentos e requereu a continuação do processo.

    34

    O Landesgericht St. Pölten, por despacho de 15 de Junho de 2004, julgou improcedente a excepção de incompetência suscitada pela Schlank & Schick e, por decisão do mesmo dia, julgou improcedente o pedido de R. Ilsinger, considerando que a atribuição de um prémio ou a participação na distribuição do prémio prometido pela Schlank & Schick não estavam sujeitas a uma encomenda firme de mercadorias e que, consequentemente, a questão de saber se a interessada tinha ou não feito uma encomenda à experiência era desprovida de pertinência.

    35

    Ambas as partes interpuseram recurso destas decisões para o órgão jurisdicional de reenvio.

    36

    Após ter salientado que, no caso em apreço, o requisito enunciado no artigo 68.o, n.o 1, CE estava preenchido, o Oberlandesgericht Wien considera que uma interpretação do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 é necessária para lhe permitir proferir a sua decisão.

    37

    Com efeito, importa determinar se uma acção como a que está em causa no processo principal é susceptível de ser abrangida por esta disposição, uma vez que a promessa falaciosa de um prémio visa incitar à celebração de um contrato de venda de bens móveis, e, portanto, a preparar um contrato de consumo, embora ainda não exista um contrato sinalagmático entre as partes.

    38

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001 não faz expressamente referência a um contrato deste tipo, pelo que parece possível admitir a existência de uma competência no que respeita a um contrato celebrado com um consumidor na acepção do referido artigo, mesmo que este consumidor apenas tenha feito uma encomenda à experiência, não tendo, porém, sido obrigado a fazê-lo pelo profissional, ou não tenha efectuado uma encomenda, como pretende a Schlank & Schick.

    39

    Nestas circunstâncias, o Oberlandesgericht ordenou a suspensão da instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O direito que assiste aos consumidores, previsto no § 5 j da [KSchG], de exigir judicialmente às empresas […] um prémio aparentemente ganho, quando estas enviam (ou tenham enviado) promessas de prémios ou outras comunicações semelhantes a determinados consumidores e, em virtude destas declarações, criam (ou tenham criado) no consumidor a convicção de ter ganho determinado prémio, sem […] ter feito depender a [atribuição] do prémio [de uma] encomenda de produtos nem de uma encomenda à experiência e sem ter havido [uma] encomenda, sendo, no entanto, o prémio reclamado pelo destinatário da comunicação, constitui, um direito contratual ou um direito equiparado, na acepção do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001?

    2)

    Em caso de resposta negativa à primeira questão:

    Existe um direito na acepção do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001, quando efectivamente não se tenha feito depender o direito [à atribuição] do prémio de uma encomenda, mesmo que o destinatário da comunicação a tenha efectuado?»

    Quanto às questões prejudiciais

    40

    Com as suas duas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as regras de competência enunciadas pelo Regulamento n.o 44/2001 devem ser interpretadas no sentido de que o direito em virtude do qual um consumidor pretende obter judicialmente a condenação de uma sociedade de venda por correspondência a entregar-lhe um prémio que aparentemente terá ganho, sem que a atribuição deste prémio dependa de uma encomenda de produtos propostos para venda por esta sociedade, é de natureza contratual na acepção do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento, eventualmente na condição de o consumidor ter, apesar de tudo, efectuado tal encomenda.

    41

    A fim de decidir estas questões, há que começar por assinalar que, na medida em que o Regulamento n.o 44/2001 substituiu a Convenção de Bruxelas nas relações entre os Estados-Membros, com excepção do Reino da Dinamarca, a interpretação que o Tribunal de Justiça fez desta convenção vale também para o referido regulamento, quando as disposições deste e da Convenção de Bruxelas se possam considerar equivalentes. Importa acrescentar que, no sistema estabelecido pelo referido regulamento, o seu artigo 15.o, n.o 1, alínea c), ocupa, como resulta do seu décimo terceiro considerando, o mesmo lugar e cumpre a mesma função de protecção da parte mais fraca que o artigo 13.o, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de Bruxelas.

    42

    Quanto a esta última, importa recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que o referido artigo 13.o, primeiro parágrafo, ponto 3, se aplica à acção através da qual um consumidor, que foi contactado no seu domicílio através de uma carta de um vendedor profissional para suscitar uma encomenda de mercadorias propostas em condições determinadas por este e que procedeu efectivamente a essa encomenda no Estado contratante onde tem o seu domicílio, reivindica em juízo ao vendedor a entrega de um prémio aparentemente ganho (acórdão de 11 de Julho de 2002, Gabriel, C-96/00, Colect., p. I-6367, n.os 53, 55, 59 e 60).

    43

    Por um lado, nos n.os 48 a 52 do referido acórdão Gabriel, o Tribunal de Justiça considerou, com efeito, que o requisito de aplicação do artigo 13.o, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de Bruxelas, relativo à existência de um «contrato celebrado» por um consumidor com um vendedor profissional, na acepção desta disposição, estava preenchido no caso em apreço, baseando-se na circunstância de o acordo de vontades entre as duas partes, materializado na proposta de mercadorias feita pela empresa de venda por correspondência e na aceitação desta proposta pelo consumidor através da sua encomenda subsequente destes produtos, ter dado origem a um contrato celebrado entre estas partes, caracterizado por obrigações recíprocas e interdependentes entre elas e relativas a um dos objectos descritos na referida disposição, a saber, no caso vertente, o fornecimento de bens móveis corpóreos.

    44

    Por outro lado, nos n.os 38 e 54 a 58 do mesmo acórdão Gabriel, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que a promessa de prémio estava indissociavelmente ligada à encomenda de mercadorias e, portanto, à celebração de um contrato a título oneroso, pelo que a acção judicial através da qual o consumidor pretende obter a condenação do vendedor profissional a entregar-lhe um prémio aparentemente ganho deve poder ser intentada perante o órgão jurisdicional que tem competência para conhecer do contrato celebrado por esse consumidor, a fim de evitar, na medida do possível, a multiplicação dos órgãos jurisdicionais competentes relativamente ao mesmo contrato.

    45

    Há que recordar igualmente que, nos n.os 37, 38 e 44 do acórdão de 20 de Janeiro de 2005, Engler (C-27/02, Colect., p. I-481), o Tribunal de Justiça excluiu, ao invés, a aplicação do artigo 13.o, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de Bruxelas num caso em que o consumidor tinha exigido o pagamento do prémio prometido, quando a atribuição do prémio alegadamente ganho pelo consumidor não dependia da condição de este encomendar mercadorias à sociedade de venda por correspondência e, com efeito, nenhuma encomenda tinha sido efectuada por esse consumidor.

    46

    O Tribunal de Justiça fundamentou esta solução na circunstância de que, em tal hipótese, o envio de uma carta contendo uma promessa falaciosa de atribuição de um prémio não tinha sido seguido da celebração de um contrato entre o consumidor e a sociedade de venda por correspondência, pelo facto de não ter sido efectuada uma encomenda de produtos propostos para venda por esta sociedade, ao passo que, como resulta da sua própria redacção, a aplicação do artigo 13.o, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de Bruxelas está sujeita a requisitos diferentes, entre os quais figura precisamente o relativo à celebração de um tal contrato pelo consumidor (acórdão Engler, já referido, n.os 36 a 38 e 40).

    47

    Segundo o Tribunal de Justiça, esta solução é corroborada pelo lugar que as regras de competência específicas enunciadas nos artigos 13.o a 15.o da Convenção de Bruxelas em matéria de contratos celebrados pelos consumidores ocupam no sistema previsto por esta, as quais devem dar lugar a uma interpretação estrita dos referidos artigos, que não pode ir além das hipóteses expressamente previstas pela referida convenção. Por conseguinte, o objectivo que constitui o fundamento destas disposições, a saber, garantir uma protecção adequada do consumidor enquanto parte reputada como mais fraca, não permite chegar a uma conclusão diferente (acórdão Engler, já referido, n.os 39 e 41 a 43).

    48

    No entanto, há que assinalar que a redacção do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, cuja interpretação é solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio no âmbito do presente pedido de decisão prejudicial, não é ponto por ponto idêntica à do artigo 13.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas.

    49

    Mais concretamente, enquanto o referido artigo 13.o, primeiro parágrafo, limitava o âmbito de aplicação do seu ponto 3 aos contratos que tivessem «por objecto a prestação de serviços ou o fornecimento de bens móveis corpóreos», o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 está redigido em termos mais gerais e amplos.

    50

    Assim, com excepção de determinados contratos de transporte excluídos do campo de aplicação das regras de competência em matéria de contratos de consumo pelo artigo 15.o, n.o 3, do referido regulamento, o n.o 1, alínea c), do mesmo artigo visa todos os contratos, seja qual for o seu objecto, desde que tenham sido celebrados por um consumidor com um profissional e se enquadrem no âmbito das actividades comerciais ou profissionais deste último. Por outro lado, os requisitos específicos de aplicação que os referidos contratos devem preencher, que eram enunciados detalhadamente no artigo 13.o, primeiro parágrafo, ponto 3, alíneas a) e b), da Convenção de Bruxelas, estão agora redigidos de forma mais geral no artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001, a fim de assegurar uma melhor protecção dos consumidores atendendo aos novos meios de comunicação e ao desenvolvimento do comércio electrónico.

    51

    Por conseguinte, se é certo que o Tribunal de Justiça considerou que a aplicação do artigo 13.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas estava limitada aos contratos que originassem obrigações recíprocas e interdependentes das partes, baseando-se, de resto, expressamente na redacção desta disposição, que referia a «prestação de serviços ou o fornecimento de bens móveis corpóreos» (v. acórdãos, já referidos, Gabriel, n.os 48 a 50, e Engler, n.os 34 e 36), em contrapartida o campo de aplicação do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 deixou de estar limitado aos casos em que as partes assumem compromissos recíprocos.

    52

    No entanto, há que assinalar que o referido artigo 15.o só se aplica quando a acção judicial em causa tenha por base um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional.

    53

    Com efeito, em virtude da redacção tanto da parte introdutória do n.o 1 do artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001 como do n.o 1, alínea c), do mesmo artigo, exige-se que um «contrato» tenha sido «concluído» pelo consumidor com uma pessoa que tem actividade comercial ou profissional. Esta constatação é, além disso, corroborada pelo título da secção 4 do capítulo II deste regulamento, em que se insere este artigo 15.o, relativa à «[c]ompetência em matéria de contratos celebrados por consumidores». Importa igualmente sublinhar que, atendendo ao requisito relativo à celebração de um contrato, o referido artigo 15.o está redigido em termos no essencial idênticos aos do artigo 13.o da Convenção de Bruxelas.

    54

    Quanto ao referido requisito, é efectivamente concebível, no âmbito do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001, que uma das partes se limite a manifestar a sua aceitação, sem assumir ela própria uma qualquer obrigação jurídica em relação à outra parte no contrato (v. n.o 51 do presente acórdão). No entanto, é indispensável, para que possa existir um contrato na acepção desta disposição, que esta última parte assuma tal compromisso jurídico, apresentando uma proposta firme, suficientemente clara e precisa quanto ao seu objecto e ao seu alcance, para dar origem a um vínculo de natureza contratual como referido nesta disposição.

    55

    Ora, só se pode considerar que esta última exigência está satisfeita no caso de, no âmbito de uma promessa de prémio como a em causa no processo principal, ter existido um compromisso jurídico assumido pela sociedade de venda por correspondência. Por outras palavras, esta deve ter expresso claramente a sua vontade de ficar vinculada por este compromisso, em caso de aceitação deste pela outra parte, declarando-se incondicionalmente disposta a pagar o prémio em causa aos consumidores que o reclamassem. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se esta exigência está preenchida no litígio que lhe foi submetido.

    56

    Se isso não se tiver verificado no caso em apreço, não se pode considerar que uma prática comercial do tipo da que deu origem ao referido litígio revista em si mesma natureza contratual ou esteja ligada a um contrato na acepção do artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001 na sua redacção actual.

    57

    Nesta última hipótese, tal situação poderia, quando muito, ser qualificada como pré-contratual ou quase contratual e poderia então, sendo caso disso, ser unicamente abrangida pelo artigo 5.o, ponto 1, do mesmo regulamento, disposição à qual há que reconhecer, tanto em razão da sua redacção como do lugar que ocupa no sistema deste regulamento, um campo de aplicação mais amplo do que o do artigo 15.o do mesmo regulamento (v., por analogia, no que respeita à Convenção de Bruxelas, acórdão Engler, já referido, n.os 44 e 49).

    58

    Atendendo a estes elementos e não existindo uma diferença substancial de redacção entre o artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001 e o artigo 13.o da Convenção de Bruxelas no que diz respeito à exigência de celebração de um contrato entre as partes, importa, portanto, concluir que a jurisprudência resultante dos acórdãos, já referidos, Gabriel e Engler, relativa à segunda destas disposições, deve ser transposta para o âmbito do artigo 15.o para efeitos de apreciação de uma situação como a que está em causa no processo principal. Com efeito, na hipótese de uma tal semelhança de redacção entre uma disposição da Convenção de Bruxelas e uma disposição do Regulamento n.o 44/2001, importa assegurar, em conformidade com o décimo nono considerando deste regulamento, a continuidade da interpretação destes dois instrumentos, sendo esta continuidade também o meio de assegurar o respeito pelo princípio da segurança jurídica que constitui um dos fundamentos destes.

    59

    Consequentemente, há que considerar que, no estado actual de redacção do artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001, o n.o 1, alínea c), deste artigo não se aplica a uma acção judicial como a que está em causa no processo principal, uma vez que o profissional não se obrigou contratualmente a pagar o prémio prometido ao consumidor que exige o seu pagamento. Neste caso, esta disposição só é aplicável a tal acção judicial se a promessa falaciosa de prémio tiver sido seguida da celebração de um contrato pelo consumidor com a sociedade de venda por correspondência, materializando-se numa encomenda efectuada a esta sociedade.

    60

    Consequentemente, há que responder às questões submetidas que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que um consumidor pretende obter a condenação, em aplicação da legislação do Estado-Membro em cujo território tem domicílio e no tribunal do lugar em que se encontra tal domicílio, de uma sociedade de venda por correspondência, estabelecida noutro Estado-Membro, a entregar-lhe um prémio que aparentemente terá ganho, e

    quando essa sociedade, com o objectivo de incitar este consumidor a contratar, tenha nominativamente endereçado a este último uma carta susceptível de lhe dar a impressão de que lhe seria atribuído um prémio desde que solicitasse o seu pagamento através da devolução do «certificado de reclamação do prémio» junto à referida carta,

    mas sem que a atribuição deste prémio dependesse de uma encomenda de produtos propostos para venda por esta sociedade ou de uma encomenda à experiência,

    as regras de competência enunciadas pelo Regulamento n.o 44/2001 devem ser interpretadas do seguinte modo:

    tal acção judicial proposta pelo consumidor está abrangida pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento se o vendedor profissional se tiver obrigado juridicamente a pagar este prémio ao consumidor;

    quando este requisito não se encontra preenchido, esta acção só está abrangida pela referida disposição do Regulamento n.o 44/2001 na hipótese de o consumidor ter efectivamente efectuado uma encomenda a este vendedor profissional.

    Quanto às despesas

    61

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

    Numa situação como a que está em causa no processo principal, em que um consumidor pretende obter a condenação, em aplicação da legislação do Estado-Membro em cujo território tem domicílio e no tribunal do lugar em que se encontra tal domicílio, de uma sociedade de venda por correspondência, estabelecida noutro Estado-Membro, a entregar-lhe um prémio que aparentemente terá ganho, e

     

    quando essa sociedade, com o objectivo de incitar este consumidor a contratar, tenha nominativamente endereçado a este último uma carta susceptível de lhe dar a impressão de que lhe seria atribuído um prémio desde que solicitasse o seu pagamento através da devolução do «certificado de reclamação do prémio» junto à referida carta,

     

    mas sem que a atribuição deste prémio dependesse de uma encomenda de produtos propostos para venda por esta sociedade ou de uma encomenda à experiência,

     

    as regras de competência enunciadas pelo Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, devem ser interpretadas do seguinte modo:

     

    tal acção judicial proposta pelo consumidor está abrangida pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento se o vendedor profissional se tiver obrigado juridicamente a pagar este prémio ao consumidor;

     

    quando este requisito não se encontra preenchido, esta acção só está abrangida pela referida disposição do Regulamento n.o 44/2001 na hipótese de o consumidor ter efectivamente efectuado uma encomenda a este vendedor profissional.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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