Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62006CJ0161

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 11 de Dezembro de 2007.
    Skoma-Lux sro contra Celní ředitelství Olomouc.
    Pedido de decisão prejudicial: Krajský soud v Ostravě - República Checa.
    Acto relativo às condições de adesão à União Europeia - Artigo 58.º - Regulamentação comunitária - Inexistência de tradução na língua de um Estado-Membro - Oponiblidade.
    Processo C-161/06.

    Colectânea de Jurisprudência 2007 I-10841

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:773

    Processo C-161/06

    Skoma-Lux sro

    contra

    Celní ředitelství Olomouc

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský soud v Ostravě)

    «Acto relativo às condições de adesão à União Europeia – Artigo 58.° – Regulamentação comunitária – Inexistência de tradução na língua de um Estado‑Membro – Oponibilidade»

    Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 18 de Setembro de 2007 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 11 de Dezembro de 2007 

    Sumário do acórdão

    1.     Adesão de novos Estados‑Membros às Comunidades – Acto de Adesão de 2003 – Regulamentação comunitária não publicada no Jornal oficial na língua de um novo Estado‑Membro, língua oficial da União Europeia – Inoponibilidade aos particulares

    (Acto de adesão de 2003, artigo 58.°)

    2.     Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça

    (Artigos 234.° CE e 254.°, n.° 2, primeira frase, CE; Acto de adesão de 2003, artigos 2.° e 58.°; Regulamento n.° 1 do Conselho, artigos 4.° e 5.°)

    3.     Questões prejudiciais – Interpretação – Eficácia no tempo dos acórdãos interpretativos

    (Artigos 231.° CE e 234.° CE)

    1.     O artigo 58.° do Acto relativo às condições de adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia opõe‑se a que as obrigações previstas numa regulamentação comunitária que não foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia na língua de um novo Estado‑Membro, apesar de se tratar de uma língua oficial da União, possam ser impostas a particulares nesse Estado, mesmo que estas pessoas pudessem ter tido conhecimento dessa regulamentação por outros meios.

    Efectivamente, o princípio da segurança jurídica exige que a regulamentação comunitária permita aos interessados conhecer com exactidão o âmbito das obrigações que lhes impõe, o que apenas pode ser garantido pela publicação devida da referida regulamentação na língua oficial do destinatário. Além disso, seria contrário ao princípio da igualdade de tratamento fazer a mesma aplicação das obrigações impostas por uma regulamentação comunitária nos antigos Estados‑Membros, onde os particulares têm a possibilidade de tomar conhecimento das referidas obrigações no Jornal Oficial da União Europeia, na língua desses Estados, e nos Estados‑Membros aderentes, onde esse conhecimento foi impossibilitado em razão de uma publicação tardia. A observância destes princípios fundamentais não é contrária ao princípio da eficácia do direito comunitário, dado que este princípio não pode dizer respeito a normas que ainda não são aplicáveis aos particulares. A posição que consistiria em admitir a oponibilidade de um acto que não foi devidamente publicado, em nome do princípio da efectividade, seria contra legem e equivaleria a onerar os particulares do Estado‑Membro em causa com as consequências negativas do incumprimento da obrigação que incumbe à Administração comunitária de colocar à sua disposição, na data da adesão, todo o acervo comunitário em todas as línguas oficiais da União.

    Por outro lado, a circunstância de se tratar de um operador do comércio internacional que conhece forçosamente o conteúdo das obrigações aduaneiras não é suficiente para tornar oponível a um particular uma regulamentação comunitária que não foi objecto da devida publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

    Do mesmo modo, embora a legislação comunitária esteja disponível na Internet e cada vez com mais frequência os particulares tomem conhecimento dela por esta via, a disponibilização da legislação através deste meio não pode equivaler à publicação em boa forma no Jornal Oficial da União Europeia, isto na falta, em direito comunitário, de qualquer regulamentação a este respeito. De resto, mesmo sendo verdade que diferentes Estados‑Membros adoptaram como forma válida a publicação electrónica, esta é objecto de textos legislativos ou regulamentares que a organizam com precisão e determinam exactamente os casos em que essa publicação é válida. Ora, no estado actual do direito comunitário, o Tribunal de Justiça não pode considerar esta forma de disponibilização da legislação comunitária suficiente para assegurar a sua oponibilidade. Consequentemente, a única versão de um regulamento comunitário que faz fé, no estado actual do direito comunitário, é a publicada no Jornal Oficial da União Europeia, pelo que uma versão electrónica anterior a esta publicação, ainda que se revele posteriormente ser conforme à versão publicada, não pode ser invocada contra os particulares.

    (cf. n.os 38-42, 45,46, 48-51, disp. 1)

    2.     Ao decidir que um regulamento comunitário, não publicado na língua de um Estado‑Membro, não é oponível aos particulares nesse Estado, o Tribunal de Justiça procede a uma interpretação do direito comunitário na acepção do artigo 234.° CE.

    Efectivamente, as disposições dos artigos 254.°, n.° 2, primeira frase, CE, 2.° e 58.° do Acto relativo às condições de adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia, bem como dos artigos 4.° e 5.° do Regulamento n.° 1, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia estas disposições não afectam a validade de um regulamento aplicável nos Estados‑Membros onde foi devidamente publicado. Além disso, a circunstância de o referido regulamento não ser oponível aos particulares num Estado‑Membro em cuja língua não foi publicado não tem qualquer incidência no facto de, por fazer parte do acervo comunitário, as suas disposições vincularem o Estado‑Membro considerado, a partir da adesão. A interpretação conjugada das referidas disposições tem por objectivo e por efeito atrasar a oponibilidade das obrigações que um regulamento comunitário impõe aos particulares num Estado‑Membro até que dele possam tomar conhecimento de modo oficial sem qualquer ambiguidade.

    (cf. n.os 57-61, disp. 2)

    3.     No âmbito de um reenvio prejudicial relativo à interpretação de uma disposição do direito comunitário, o Tribunal de Justiça pode, a título excepcional, por força do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição que haja sido interpretada pelo Tribunal para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé. No entanto, embora não se trate da questão da limitação no tempo dos efeitos de um acórdão do Tribunal de Justiça relativo à interpretação de uma disposição do direito comunitário, mas da da limitação dos efeitos de um acórdão que declara a própria oponibilidade, no território de um Estado‑Membro, de um acto comunitário não publicado na língua desse Estado, este último não tem, por força do direito comunitário, a obrigação de pôr em causa as decisões administrativas ou jurisdicionais adoptadas com base nessas normas, desde que estas se tenham tornado definitivas nos termos das normas nacionais aplicáveis.

    Por força de uma disposição expressa do Tratado CE, ou seja do artigo 231.° CE, o Tribunal de Justiça pode, quando um acto ilegal é anulado e se considera que nunca existiu, decidir que algumas das suas consequências jurídicas se consideram legalmente produzidas. As mesmas exigências de segurança jurídica impõem que o mesmo seja aplicável às decisões nacionais adoptadas nos termos das disposições de direito comunitário que não são aplicáveis no território de determinados Estados‑Membros por não terem sido devidamente publicadas no Jornal Oficial da União Europeia na língua oficial dos Estados em causa, com excepção das decisões que tenham sido objecto de recursos administrativos ou judiciais à data do acórdão.

    Nos termos do direito comunitário, apenas haveria lugar a uma solução diferente nos casos excepcionais em que tivessem sido adoptadas medidas administrativas ou decisões jurisdicionais, designadamente de carácter repressivo, que atentassem contra os direitos fundamentais, facto que compete apreciar, dentro destes limites, às autoridades nacionais.

    (cf. n.os 67-73)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    11 de Dezembro de 2007 (*)

    «Acto relativo às condições de adesão à União Europeia – Artigo 58.° – Regulamentação comunitária – Inexistência de tradução na língua de um Estado‑Membro – Oponibilidade»

    No processo C‑161/06,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Krajský soud v Ostravě (República Checa), por decisão de 10 de Março de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 24 de Março de 2006, no processo

    Skoma‑Lux sro

    contra

    Celní ředitelství Olomouc,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts, A. Tizzano, presidentes de secção, R. Schintgen, R. Silva de Lapuerta, K. Schiemann, P. Lindh, J.‑C. Bonichot (relator), T. von Danwitz e A. Arabadjiev, juízes,

    advogada‑geral: J. Kokott,

    secretário: J. Swedenborg, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 26 de Junho de 2007,

    vistas as observações apresentadas:

    –       em representação da Skoma-Lux sro, por P. Ritter, advokát,

    –       em representação do Governo checo, por T. Boček, na qualidade de agente,

    –       em representação do Governo estónio, por L. Uibo, na qualidade de agente,

    –       em representação do Governo letão, por K. Bārdiŋa e R. Kaskina, na qualidade de agentes,

    –       em representação do Governo polaco, por E. Ośniecka‑Tamecka, M. Kapko e M. Kamejsza, na qualidade de agentes,

    –       em representação do Governo eslovaco, por J. Čorba, na qualidade de agente,

    –       em representação do Governo sueco, por A. Kruse e A. Falk, na qualidade de agentes,

    –       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Hottiaux, M. Šimerdová e P. Aalto, na qualidade de agentes.

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 18 de Setembro de 2007,

    profere o presente

    Acórdão

    1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 58.° do Acto relativo às condições de adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33, a seguir «acto relativo às condições de adesão»), ao abrigo do qual a República Checa se tornou Estado‑Membro da União Europeia a partir de 1 de Maio de 2004.

    2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Skoma‑Lux sro (a seguir «Skoma‑Lux») ao Celní ředitelství Olomouc (Direcção das Alfândegas de Olomouc, a seguir «Direcção das Alfândegas»), a propósito de uma coima aplicada à Skoma‑Lux por infracções aduaneiras alegadamente por esta cometidas entre Março e Maio de 2004, em que a referida sociedade alegou que a Direcção das Alfândegas não podia invocar uma regulamentação comunitária que ainda não tinha sido publicada em língua checa no Jornal Oficial da União Europeia.

     Quadro jurídico

     Regulamentação comunitária

     Acto relativo às condições de adesão

    3       O Acto relativo às condições de adesão é parte integrante do Tratado entre o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Irlanda, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Finlândia, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (Estados‑Membros da União Europeia) e a República Checa, a República da Estónia, a República de Chipre, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Hungria, a República de Malta, a República da Polónia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca relativo à adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca (JO 2003, L 236, p. 17), e fixa as condições de admissão e as adaptações dos Tratados em que a União Europeia se funda e que a adesão impõe.

    4       Nos termos do artigo 2.° do acto relativo às condições de adesão:

    «A partir da data da adesão, as disposições dos Tratados originários e os actos adoptados pelas Instituições e pelo Banco Central Europeu antes da adesão vinculam os novos Estados‑Membros e são aplicáveis nesses Estados nos termos desses Tratados e do presente Acto.»

    5       O artigo 58.° do referido acto dispõe:

    «Os textos dos actos das Instituições e do Banco Central Europeu adoptados antes da adesão e que tenham sido estabelecidos pelo Conselho, pela Comissão ou pelo Banco Central Europeu nas línguas checa, eslovaca, eslovena, estónia, húngara, letã, lituana, maltesa e polaca fazem fé, a partir da adesão, nas mesmas condições que os textos redigidos nas onze línguas actuais. Esses textos devem ser publicados no Jornal Oficial da União Europeia, sempre que os textos nas línguas actuais também o tenham sido.»

     Regulamento n.° 1

    6       Nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 1 do Conselho, de 15 de Abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17 p. 385; EE 01 F1 p. 8), na redacção que lhe foi dada pelo acto relativo às condições de adesão, as línguas oficiais da União são:

    «o alemão, o checo, o dinamarquês, o eslovaco, o esloveno, o espanhol, o estónio, o finlandês, o francês, o grego, o húngaro, o inglês, o italiano, o letão, o lituano, o maltês, o neerlandês, o polaco, o português, e o sueco».

    7       O artigo 4.° deste regulamento dispõe:

    «Os regulamentos e os outros textos de carácter geral são redigidos nas vinte línguas oficiais.»

    8       O artigo 5.° do referido regulamento enuncia:

    «O Jornal Oficial da União Europeia é publicado nas vinte línguas oficiais.»

    9       Nos termos do artigo 8.° do mesmo regulamento:

    «Nos Estados‑Membros em que existam várias línguas oficiais, o uso da língua será determinado, a pedido do Estado interessado, segundo as regras gerais decorrentes da legislação desse Estado.»

    10     Nos termos do artigo 199.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 253, p. 1):

    «Sem prejuízo da eventual aplicação de disposições repressivas, a entrega numa estância aduaneira de uma declaração assinada pelo declarante ou pelo seu representante tem valor vinculativo nos termos das disposições em vigor, no que diz respeito:

    –      à exactidão das indicações constantes da declaração,

    –      à autenticidade dos documentos juntos,

    e

    –      à observância de todas as obrigações inerentes à sujeição das mercadorias em causa ao regime considerado.»

     Legislação nacional

    11     O artigo 293.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 13/1993 (a seguir «lei aduaneira)» dispõe:

    «Infringe as disposições aduaneiras quem obtenha a sujeição das mercadorias a um regime com base em documentos não autênticos, modificados ou falsificados ou em informações inexactas ou falsas.»

     Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    12     A Skoma‑Lux importa e negoceia vinhos. Em 30 de Setembro de 2004, a estância aduaneira de Olomouc aplicou‑lhe uma coima por uma infracção repetida à regulamentação aduaneira alegadamente cometida em 11, 22 e 23 de Março, 6 e 15 de Abril, 18 e 20 de Maio de 2004. A Direcção das Alfândegas confirmou esta coima por decisão de 10 de Janeiro de 2005 e a Skoma‑Lux, em 16 de Março de 2005, interpôs recurso de anulação dessa decisão no Krajský soud v Ostravě (tribunal regional).

    13     A Skoma‑Lux é acusada de ter cometido uma infracção aduaneira ao apresentar dados inexactos a respeito da classificação pautal do vinho tinto Kagor VK. A Direcção das Alfândegas considera que a sociedade violou determinadas disposições da lei aduaneira checa, na sua versão em vigor antes da adesão da República Checa à União e que também que cometeu a infracção aduaneira prevista no artigo 293.°, n.° 1, alínea d), da mesma lei, ao não observar o artigo 199.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2454/93.

    14     A Skoma-Lux baseia parcialmente o seu recurso de anulação na inaplicabilidade do regulamento comunitário às infracções que lhe são imputadas, incluindo as posteriores à adesão da República Checa à União, em virtude da falta de publicação em checo das disposições de direito comunitário aplicadas pelas autoridades aduaneiras nas datas em que os actos litigiosos foram cometidos.

    15     A Direcção das Alfândegas alega que o Ministério das Finanças checo publicou a versão checa das disposições aduaneiras aplicáveis em formato electrónico, que a Skoma‑Lux podia tomar conhecimento dessas disposições junto dos serviços aduaneiros e, por último, que a referida sociedade, que opera há já longa data no campo do comércio internacional, conhecia as disposições comunitárias aplicáveis.

    16     Nestas condições, o Krajský soud v Ostravě decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    1)      O artigo 58.° do acto relativo às condições de adesão […], com base no qual a República Checa se tornou um Estado‑Membro da União Europeia a partir de 1 de Maio de 2004, deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode aplicar a um particular um regulamento que, à data da sua aplicação, não tinha sido devidamente publicado no Jornal Oficial da União Europeia na língua oficial [do] Estado‑Membro [em causa]?

    2)      Se a resposta à primeira questão for negativa, a inaplicabilidade do regulamento em causa relativamente a um particular é uma questão de interpretação ou uma questão de validade do direito comunitário na acepção do artigo 234.° [CE]?

    3)      Se o Tribunal de Justiça concluir que o presente pedido de decisão prejudicial respeita à validade de um acto comunitário, na acepção do acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1987, Foto‑Frost (314/85, Colect., p. 4199), o Regulamento […] n.° 2454/93 é inválido em relação à recorrente e ao seu litígio com as autoridades aduaneiras da República Checa com fundamento na falta da devida publicação no Jornal Oficial da União Europeia nos termos do artigo 58.° do Acto relativo às condições de adesão?

     Quanto às questões prejudiciais

     Quanto à primeira questão

    17     Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 58.° do acto relativo às condições de adesão à União Europeia permite invocar contra particulares de um Estado‑Membro as disposições de um regulamento comunitário que não foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia na língua desse Estado‑Membro, embora esta língua seja uma língua oficial da União.

    18     O órgão jurisdicional de reenvio observa que, no acórdão de 15 de Maio de 1986, Oryzomyli Kavallas e o. (160/84, Colect., p. 1633, n.os 11 a 21), o Tribunal de Justiça já analisou a questão de saber se a falta de publicação de um acto comunitário no Jornal Oficial da União Europeia constitui um fundamento de inoponibilidade da regulamentação em causa aos particulares. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça teve em conta a impossibilidade de os particulares em causa tomarem conhecimento da regulamentação contra eles invocada.

    19     No que diz respeito ao processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a maioria dos interessados conhecem as normas jurídicas através da sua versão electrónica e que, por conseguinte, a falta de publicação de uma regulamentação comunitária no Jornal Oficial da União Europeia não a torna indisponível. Com efeito, a União Europeia publicou versões linguísticas provisórias ou provisoriamente revistas na Internet e é habitual fazer buscas sobre o direito comunitário em bases de dados como o serviço interinstitucional de consulta em linha do direito da União Europeia (EUR‑Lex).

    20     Neste contexto, poderia parecer legítimo admitir que a aplicabilidade de uma regulamentação comunitária não publicada na língua em causa seja determinada caso a caso, depois de examinada a possibilidade de um particular ter efectivamente conhecimento do conteúdo do documento em causa. Num caso como o do processo principal, a sociedade recorrente não podia deixar de estar informada, uma vez que opera num contexto internacional e que a obrigação de declarar com exactidão as mercadorias importadas corresponde a uma norma aduaneira conhecida em todos os Estados‑Membros.

    21     No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio reconhece que os princípios da segurança jurídica e da igualdade dos cidadãos são garantidos, designadamente, pela exigência formal da devida publicação da regulamentação na língua oficial do destinatário (v. acórdãos de 1 de Outubro de 1998, Reino Unido/Comissão, C‑209/96, Colect., p. I‑5655, n.° 35, e de 20 de Maio de 2003, Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita, C‑108/01, Colect., p. I-5121, n.° 89). A incerteza jurídica é acentuada pela coexistência de várias traduções não oficiais que apresentam diferenças.

     Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

    22     A Skoma‑Lux é de opinião que o Regulamento n.° 2454/93 não lhe era oponível na medida em que não tinha sido traduzido para língua checa. Por outro lado, contesta a afirmação segundo a qual era suposto conhecer a existência da referida regulamentação, atendendo à sua actividade comercial internacional.

    23     A Skoma-Lux alega que não podia estar ao corrente, antes da tradução da regulamentação comunitária para a língua checa, do direito exactamente aplicável, uma vez que a lei aduaneira checa, quanto à classificação do vinho, objecto do litígio no processo principal, diferia do Código Aduaneiro Comunitário. A este respeito, sustenta que a nova classificação, prevista pelo Regulamento n.° 2454/93, foi introduzida a seu pedido durante os contactos com a Comissão e que, consequentemente, não lhe pode ser censurado ter voluntariamente infringido a referida regulamentação.

    24     Os Governos checo, letão e sueco consideram que, por força da conjugação do disposto nos artigos 254.° CE e 2.° e 58.° do acto relativo às condições de adesão, um dos requisitos de oponibilidade do direito comunitário aos particulares no Estado‑Membro em causa é a devida publicação no Jornal Oficial da União Europeia na língua desse Estado.

    25     Os referidos governos alegam, designadamente, o respeito pelos princípios da não discriminação em razão da nacionalidade, da igualdade e da segurança jurídica.

    26     Além disso, estes governos consideram que as versões electrónicas das traduções, anteriores à publicação electrónica do Jornal Oficial da União Europeia, não são, em termos jurídicos, suficientemente seguras.

    27     O Governo estónio entende que decorre do artigo 254.° CE que a publicação no Jornal Oficial da União Europeia do direito comunitário derivado nas línguas oficiais dos novos Estados‑Membros constitui, no momento da sua adesão à União, uma obrigação para esta e que a inexistência de publicação consubstancia uma violação desta obrigação.

    28     No entanto, dado que o princípio da segurança jurídica exige apenas que os cidadãos de um Estado‑Membro possam conhecer com exactidão o âmbito das obrigações que uma regulamentação lhes impõe, importa ter em conta a possibilidade de tomar conhecimento de actos jurídicos através da Internet. É o caso dos utilizadores da Internet que estão ao corrente das modificações introduzidas na ordem jurídica em consequência da adesão do seu Estado à União. Desta categoria de «cidadãos informados» fazem parte aqueles que, como a Skoma-Lux, são quotidianamente confrontados com o direito comunitário no exercício da sua actividade profissional.

    29     Para o Governo polaco, na sequência de uma análise da mesma natureza, um particular num Estado‑Membro só pode subtrair‑se às consequências negativas da aplicação das disposições de um acto jurídico que não foi objecto de publicação oficial na língua nacional se se provar que não tomou conhecimento do conteúdo do acto por outros meios.

    30     Segundo a Comissão, as disposições de um regulamento que, no momento da sua aplicação pelas autoridades de um Estado‑Membro, não foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia, na língua oficial do Estado em causa, não podem ser invocadas contra particulares.

    31     Contudo, propõe que se tenha em conta a possibilidade de tomar conhecimento do texto noutra versão linguística ou por via electrónica. Recorda que, no litígio no processo principal, o regulamento aduaneiro em causa foi publicado em língua checa no sítio Internet EUR‑Lex em 23 de Novembro de 2003, e depois sob a forma impressa em 30 de Abril de 2004 e afixado nas instalações do Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias (OPOCE). Por fim, foi publicado, nos mesmos termos, numa edição especial do Jornal Oficial da União Europeia, em 27 de Agosto de 2004.

     Resposta do Tribunal de Justiça

    32     Decorre do artigo 2.° do acto relativo às condições de adesão que os actos adoptados, antes da adesão, pelas instituições vinculam os novos Estados‑Membros e são aplicáveis nesses Estados a partir da data da adesão. No entanto, a sua oponibilidade às pessoas singulares e colectivas nesses Estados está subordinada às condições gerais de aplicação do direito comunitário nos Estados‑Membros como são previstas pelos Tratados originários e, em relação aos novos Estados‑Membros, pelo próprio acto relativo às condições de adesão.

    33     Decorre da própria letra do disposto no artigo 254.°, n.° 2, CE que um regulamento apenas produz efeitos jurídicos se tiver sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia.

    34     Por outro lado, resulta da conjugação do disposto nos artigos 58.° do acto relativo às condições de adesão e 4.°, 5.° e 8.° do Regulamento n.° 1 que se deve entender por devida publicação de um regulamento comunitário em relação a um Estado‑Membro cuja língua é uma língua oficial da União Europeia a publicação desse acto, nessa língua, no Jornal Oficial da União Europeia.

    35     Por conseguinte, nestas condições, as disposições dos Tratados originários e os actos adoptados pelas instituições e pelo Banco Central Europeu antes da adesão devem ser aplicados nos novos Estados‑Membros nos termos do artigo 2.° do acto relativo às condições de adesão.

    36     Além da legitimidade que decorre da própria letra dos Tratados, esta interpretação é a única compatível com os princípios da segurança jurídica e da não discriminação.

    37     Com efeito, decorre do n.° 15 do acórdão de 25 de Janeiro de 1979, Racke (98/78, Recueil, p. 69), que um acto adoptado por uma instituição comunitária, como o regulamento em causa no processo principal, não pode ser invocado contra pessoas singulares e colectivas num Estado‑Membro, antes de estas terem a possibilidade de dele tomar conhecimento através da devida publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

    38     O Tribunal de Justiça decidiu que o princípio da segurança jurídica exige que a regulamentação comunitária permita aos interessados conhecer com exactidão o âmbito das obrigações que lhes impõe, o que apenas pode ser garantido pela publicação devida da referida regulamentação na língua oficial do destinatário (v., igualmente, neste sentido, acórdãos de 26 de Novembro de 1998, Covita (C‑370/96, Colect., p. I‑7711, n.° 27; de 8 de Novembro de 2001, Silos, C‑228/99, Colect., p. I‑8401, n.° 15, e Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita, já referido, n.° 95).

    39     Além disso, seria contrário ao princípio da igualdade de tratamento fazer a mesma aplicação das obrigações impostas por uma regulamentação comunitária nos antigos Estados‑Membros, onde os particulares têm a possibilidade de tomar conhecimento das referidas obrigações no Jornal Oficial da União Europeia, na língua desses Estados, e nos Estados‑Membros aderentes, onde esse conhecimento foi impossibilitado em razão de uma publicação tardia.

    40     A observância destes princípios fundamentais não é contrária ao princípio da eficácia do direito comunitário, dado que este princípio não pode dizer respeito a normas que ainda não são aplicáveis aos particulares.

    41     Com efeito, embora seja conforme ao princípio da cooperação leal consagrado pelo artigo 10.° CE que os Estados‑Membros aderentes adoptem todas as medidas adequadas a garantir a eficácia do direito comunitário na sua ordem jurídica interna, é contra legem, atendendo à análise precedente, exigir‑lhes que imponham aos particulares obrigações previstas em textos de âmbito geral não publicados no Jornal Oficial da União Europeia na língua oficial desses Estados.

    42     A posição que consistiria em admitir essa oponibilidade a um acto que não foi devidamente publicado, em nome do princípio da efectividade, equivaleria a onerar os particulares do Estado‑Membro em causa com as consequências negativas do incumprimento da obrigação que incumbe à Administração comunitária de colocar à sua disposição, na data da adesão, todo o acervo comunitário em todas as línguas oficiais da União (v., neste sentido, acórdão Racke, já referido, n.° 16).

    43     É verdade que em certas observações apresentadas no Tribunal de Justiça é alegado que, nos n.os 11 a 21 do acórdão Oryzomyli Kavallas e o., já referido, o Tribunal de Justiça analisou a questão de saber se a publicação insuficiente do direito comunitário no Jornal Oficial da União Europeia devia constituir, em todos os casos, um fundamento de oponibilidade da regulamentação em causa aos particulares.

    44     Mas esse acórdão deve ser interpretado no seu contexto e tendo em conta a questão que foi submetida ao Tribunal de Justiça. Este apreciou simplesmente a impossibilidade de uma sociedade grega tomar conhecimento da regulamentação comunitária no momento da adesão da República Helénica às Comunidades Europeias. A questão da devida publicação desta regulamentação não se colocava enquanto tal. O Tribunal de Justiça examinou unicamente se, no momento da adesão da República Helénica, uma sociedade grega que tinha apresentado incorrectamente, à luz das normas comunitárias, pedidos às suas autoridades nacionais para obter a isenção do pagamento dos direitos de importação, podia, todavia, beneficiar dessa isenção, atendendo à dificuldade para esta sociedade, como para a Administração grega, de tomar conhecimento da regulamentação comunitária e de aplicar correctamente as novas normas.

    45     O órgão jurisdicional de reenvio, certos Estados‑Membros que apresentaram observações e a Comissão alegam que a sociedade recorrente no processo principal estava, por natureza, informada das normas comunitárias aplicáveis, porquanto é um operador do comércio internacional que conhece forçosamente o conteúdo das obrigações aduaneiras, designadamente a obrigação de declarar com exactidão as mercadorias importadas. Neste caso, a regulamentação comunitária, ainda que não publicada, devia ser aplicada desde que pudesse ser demonstrado que o interessado conhecia efectivamente essa regulamentação.

    46     Contudo, esta circunstância não é suficiente para tornar oponível a um particular uma regulamentação comunitária que não foi objecto da devida publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

    47     Do mesmo modo, tanto o órgão jurisdicional de reenvio como determinados Estados‑Membros que apresentaram observações e a Comissão sustentam ainda que actualmente é frequente os particulares tomarem conhecimento das normas de direito comunitário na sua versão electrónica, pelo que as consequências da falta de publicação no Jornal Oficial da União Europeia devem ser relativizadas, não se devendo considerar que isso significa que as referidas normas não estão disponíveis. A Comissão acrescenta que o regulamento em causa no processo principal foi publicado em língua checa no sítio Internet EUR‑Lex em 23 de Novembro de 2003, posteriormente sob forma impressa em 30 de Abril de 2004 e afixado nas instalações do OPOCE.

    48     No entanto, importa referir que, embora a legislação comunitária esteja efectivamente disponível na Internet e cada vez com mais frequência os particulares tomem conhecimento dela por esta via, a disponibilização da legislação através deste meio não pode equivaler à publicação em boa forma no Jornal Oficial da União Europeia, isto na falta, em direito comunitário, de qualquer regulamentação a este respeito.

    49     De resto, deve sublinhar‑se que é verdade que diferentes Estados‑Membros adoptaram como forma válida a publicação electrónica, mas esta é objecto de textos legislativos ou regulamentares que a organizam com precisão e determinam exactamente os casos em que essa publicação é válida. Nestas condições, no estado actual do direito comunitário, o Tribunal de Justiça não pode considerar esta forma de disponibilização da legislação comunitária suficiente para assegurar a sua oponibilidade.

    50     A única versão de um regulamento comunitário que faz fé, no estado actual do direito comunitário, é a publicada no Jornal Oficial da União Europeia, pelo que uma versão electrónica anterior a esta publicação, ainda que se revele posteriormente ser conforme à versão publicada, não pode ser invocada contra os particulares.

    51     Importa, portanto, responder à primeira questão que o artigo 58.° do acto relativo às condições de adesão se opõe a que as obrigações previstas numa regulamentação comunitária que não foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia na língua de um novo Estado‑Membro, apesar de se tratar de uma língua oficial da União, possam ser impostas a particulares nesse Estado, mesmo que estas pessoas pudessem ter tido conhecimento dessa regulamentação por outros meios.

     Quanto à segunda questão

    52     Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a impossibilidade de opor aos particulares de um Estado‑Membro um regulamento comunitário não publicado na língua desse Estado é uma questão de interpretação ou uma questão de validade desse regulamento.

     Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

    53     O Governo checo baseia‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça para considerar que a falta de publicação de um regulamento comunitário no Jornal Oficial da União Europeia não tem influência na sua validade e que, consequentemente, a apreciação dos efeitos dessa falta de publicação é apenas do âmbito da interpretação do direito comunitário. Com efeito, o Tribunal de Justiça decidiu que a validade desse regulamento não é afectada pelo facto de a sua publicação só ter sido efectuada após o termo do prazo fixado, na medida em que este atraso apenas pode ter incidência na data a partir da qual o referido regulamento podia ser aplicado ou produzir os seus efeitos (acórdão de 29 de Maio de 1974, König, 185/73, Recueil, p. 607, n.° 13, Colect., p. 321).

    54     O Governo letão considera que a não aplicação aos particulares de um regulamento comunitário que não foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia é uma questão de validade, pois os efeitos da não aplicação são concretamente os mesmos que os da inexistência deste regulamento. Por conseguinte, para decidir um litígio que lhe é submetido, os órgãos jurisdicionais nacionais devem considerar que o referido regulamento nunca existiu.

    55     Para a Comissão, que se apoia na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a disponibilidade do Jornal Oficial da União Europeia nos diferentes Estados‑Membros não afecta a data em que um regulamento é considerado publicado nem a data em que este entra em vigor (v., neste sentido, acórdãos Racke, já referido, e de 25 de Janeiro de 1979, Decker, 99/78, Recueil, p. 101). Consequentemente, a indisponibilidade de uma versão linguística do Jornal Oficial da União Europeia não pode, por si só, comprometer a validade ou a data de entrada em vigor do regulamento.

    56     Assim, a Comissão entende que a questão de saber se um regulamento é ou não oponível a um particular quando não foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia é uma questão de interpretação do direito comunitário.

     Resposta do Tribunal de Justiça

    57     A questão que se coloca ao órgão jurisdicional de reenvio é a de saber se um regulamento que não foi publicado na língua de um Estado‑Membro é inválido à luz das disposições dos artigos 254.°, n.° 2, primeiro período, CE, 2.° e 58.° do acto relativo às condições de adesão e 4.° e 5.° do Regulamento n.° 1.

    58     É pacífico que estas disposições não afectam a validade de um regulamento aplicável nos Estados‑Membros onde foi devidamente publicado.

    59     Além disso, a circunstância de o referido regulamento não ser oponível aos particulares num Estado‑Membro em cuja língua não foi publicado não tem qualquer incidência no facto de, por fazer parte do acervo comunitário, as suas disposições vincularem o Estado‑Membro considerado, a partir da adesão.

    60     A interpretação conjugada das disposições referidas no n.° 57, do presente acórdão, como resulta da resposta dada à primeira questão, tem por objectivo e por efeito atrasar a oponibilidade das obrigações que um regulamento comunitário impõe aos particulares num Estado‑Membro até que dele possam tomar conhecimento de modo oficial sem qualquer ambiguidade.

    61     Consequentemente, há que responder à segunda questão que, ao decidir que um regulamento comunitário, não publicado na língua de um Estado‑Membro, não é oponível aos particulares nesse Estado, o Tribunal de Justiça procede a uma interpretação do direito comunitário na acepção do artigo 234.° CE.

     Quanto à terceira questão

    62     Atendendo à resposta dada à segunda questão, não é necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a validade deste regulamento comunitário.

     Quanto ao pedido de limitação no tempo dos efeitos do presente acórdão

    63     O Governo checo propõe que o Tribunal de Justiça limite no tempo os efeitos do seu acórdão à data da publicação no Jornal Oficial da União Europeia das questões que lhe são submetidas, sem que esta limitação seja oponível aos recorrentes que já impugnaram a aplicação das disposições não publicadas ou que pediram indemnização pelo prejuízo causado.

    64     O referido governo sustenta que os dois critérios fundamentais, determinantes para a possibilidade de se pronunciar sobre a limitação no tempo dos efeitos de um acórdão, estão preenchidos no caso em apreço, designadamente que as pessoas em causa agiram de boa fé e que existe um risco de problemas graves, que não são unicamente de natureza económica.

    65     O Governo letão faz a mesma proposta, mas sugerindo a data do presente acórdão, para que não possam ser postas em causa as decisões adoptadas de boa fé com base em regulamentações comunitárias ainda não publicadas no Jornal Oficial da União Europeia e que não foram impugnadas pelos seus destinatários.

    66     Este governo considera que todos os Estados‑Membros que aderiram à União em 1 de Maio de 2004 agiram de boa fé quando aplicaram normas comunitárias que, à época, não tinham sido publicadas no Jornal Oficial da União Europeia. E, se fosse necessário, atendendo ao conteúdo do presente acórdão, anular as decisões administrativas resultantes dessa aplicação, isso originaria um grande número de pedidos de anulação, bem como consequências financeiras importantes, não apenas para os orçamentos dos Estados‑Membros, mas também para o da União.

    67     A este respeito, importa recordar que, no âmbito de um reenvio prejudicial relativo à interpretação de uma disposição do direito comunitário, o Tribunal de Justiça pode, a título excepcional, por força do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição que haja sido interpretada pelo Tribunal para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé (v., designadamente, acórdãos de 8 de Abril de 1976, «Defrenne II», 43/75, Colect., p. 193, n.os 72 a 75, e de 6 de Março de 2007, Meilicke e o., C‑292/04, Colect., p. I‑1835, n.° 35).

    68     No entanto, a jurisprudência acima referida é relativa a um caso diferente do caso vertente. Com efeito, não se trata, no presente processo, da questão da limitação no tempo dos efeitos de um acórdão do Tribunal de Justiça relativo à interpretação de uma disposição do direito comunitário, mas da limitação dos efeitos de um acórdão que tem por objecto a própria oponibilidade, no território de um Estado‑Membro, de um acto comunitário. Consequentemente, a referida jurisprudência não pode ser transposta para o caso em apreço.

    69     Importa também recordar que, por força do artigo 231.° CE, o Tribunal de Justiça pode, quando anula um regulamento, indicar, se entender necessário, os efeitos do regulamento anulado que devem ser considerados definitivos.

    70     Daqui decorre que, quando um acto é ilegal e se considera que nunca existiu, o Tribunal de Justiça, por força de uma disposição expressa do Tratado CE, pode decidir, todavia, que algumas das suas consequências jurídicas se consideram legalmente produzidas.

    71     As mesmas exigências de segurança jurídica impõem que o mesmo é aplicável às decisões nacionais adoptadas nos termos das disposições de direito comunitário que não são aplicáveis no território de determinados Estados‑Membros por não terem sido devidamente publicadas no Jornal Oficial da União Europeia na língua oficial dos Estados em causa, com excepção das decisões que tenham sido objecto de recursos administrativos ou judiciais à data do presente acórdão.

    72     Por conseguinte, os Estados‑Membros em causa não têm, por força do direito comunitário, a obrigação de pôr em causa as decisões administrativas ou jurisdicionais adoptadas com base nessas normas, desde que estas se tenham tornado definitivas nos termos das normas nacionais aplicáveis.

    73     Nos termos do direito comunitário, apenas haveria lugar a uma solução diferente nos casos excepcionais em que tivessem sido adoptadas, com base nas normas evocadas no n.° 71 do presente acórdão, medidas administrativas ou decisões jurisdicionais, designadamente de carácter repressivo, que atentassem contra os direitos fundamentais, facto que compete apreciar, dentro destes limites, às autoridades nacionais.

     Quanto às despesas

    74     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

    1)      O artigo 58.° do Acto relativo às condições de adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia opõe‑se a que as obrigações previstas numa regulamentação comunitária que não foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia na língua de um novo Estado‑Membro, apesar de se tratar de uma língua oficial da União Europeia, possam ser impostas a particulares nesse Estado, mesmo que estas pessoas pudessem ter tido conhecimento dessa regulamentação por outros meios.

    2)      Ao decidir que um regulamento comunitário, não publicado na língua de um Estado‑Membro, não é oponível aos particulares nesse Estado, o Tribunal de Justiça procede a uma interpretação do direito comunitário na acepção do artigo 234.° CE.

    Assinaturas


    * Língua do processo: checo.

    Top