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Document 62006CJ0147

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 15 de Maio de 2008.
    SECAP SpA (C-147/06) e Santorso Soc. coop. arl (C-148/06) contra Comune di Torino.
    Pedido de decisão prejudicial: Consiglio di Stato - Itália.
    Empreitadas de obras públicas - Adjudicação dos contratos - Propostas anormalmente baixas - Modalidades de exclusão - Contratos de empreitada que não atingem o limiar previsto pelas Directivas 93/37/CEE e 2004/18/CE - Obrigações da entidade adjudicante decorrentes dos princípios fundamentais de direito comunitário.
    Processos apensos C-147/06 e C-148/06.

    Colectânea de Jurisprudência 2008 I-03565

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2008:277

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    15 de Maio de 2008 ( *1 )

    «Empreitadas de obras públicas — Adjudicação dos contratos — Propostas anormalmente baixas — Modalidades de exclusão — Contratos de empreitada que não atingem o limiar previsto pelas Directivas 93/37/CEE e 2004/18/CE — Obrigações da entidade adjudicante decorrentes dos princípios fundamentais de direito comunitário»

    Nos processos apensos C-147/06 e C-148/06,

    que têm por objecto dois pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentados pelo Consiglio di Stato (Itália), por decisões de 25 de Outubro de 2005, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 20 de Março de 2006, nos processos

    SECAP SpA (C-147/06)

    contra

    Comune di Torino,

    sendo intervenientes:

    Tecnoimprese Srl,

    Gambarana Impianti Snc,

    ICA Srl,

    Cosmat Srl,

    Consorzio Ravennate,

    ARCAS SpA,

    Regione Piemonte,

    e

    Santorso Soc. coop. arl (C-148/06)

    contra

    Comune di Torino,

    sendo intervenientes:

    Bresciani Bruno Srl,

    Azienda Agricola Tekno Green Srl,

    Borio Giacomo Srl,

    Costrade Srl,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: G. Arestis, presidente da Oitava Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász (relator), J. Malenovský e T. von Danwitz, juízes,

    advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 25 de Outubro de 2007,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da SECAP SpA, por F. Videtta, avvocato,

    em representação da Santorso Soc. coop. arl, por B. Amadio, L. Fumarola e S. Bonatti, avvocati,

    em representação da Comune di Torino, por M. Caldo, A. Arnone e M. Colarizi, avvocati,

    em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por D. Del Gaizo e F. Arena, avvocati dello Stato,

    em representação do Governo alemão, por M. Lumma, na qualidade de agente,

    em representação do Governo francês, por G. de Bergues e J.-C. Gracia, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas, na qualidade de agente,

    em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e P. van Ginneken, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

    em representação do Governo eslovaco, por R. Procházka, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por X. Lewis e D. Recchia, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 27 de Novembro de 2007,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 30.o, n.o 4, da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), na redacção dada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997 (JO L 328, p. 1, a seguir «Directiva 93/37»), e dos princípios fundamentais de direito comunitário em matéria de adjudicação de contratos públicos.

    2

    Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a SECAP SpA (a seguir «SECAP») e a Santorso Soc. coop. arl (a seguir «Santorso») à Comune di Torino a propósito da compatibilidade com o direito comunitário de uma norma da legislação italiana que prevê, no que diz respeito às empreitadas de obras públicas de valor inferior ao limite previsto pela Directiva 93/37, a exclusão automática das propostas consideradas anormalmente baixas.

    Quadro jurídico

    Regulamentação comunitária

    3

    Nos termos do seu artigo 6.o, n.o 1, alínea a), a Directiva 93/37 é aplicável «[a]os contratos de empreitada de obras públicas cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado (IVA), seja igual ou superior ao equivalente em [euros] a 5000000 expresso em direitos de saque especiais (DSE)».

    4

    Nos termos do artigo 30.o da Directiva 93/37, incluído no seu título IV, intitulado «Regras comuns de participação», cujo capítulo 3 respeita aos «Critérios de adjudicação dos contratos»:

    «1.   Os critérios que a entidade adjudicante tomará como base para a adjudicação de contratos são os seguintes:

    a)

    Ou unicamente o preço mais baixo;

    b)

    Ou, quando a adjudicação se fizer à proposta economicamente mais vantajosa, vários critérios que variam consoante o contrato em questão: por exemplo, o preço, o prazo de execução, o custo de utilização, a rentabilidade e o valor técnico.

    […]

    4.   Se, em relação a um determinado contrato, as propostas parecerem anormalmente baixas em relação à prestação em causa, a entidade adjudicante solicitará por escrito, antes de rejeitar essas propostas, esclarecimentos sobre os elementos constitutivos das propostas que considere relevantes e verificará esses elementos tendo em conta as explicações recebidas.

    A entidade adjudicante pode tomar em consideração justificações inerentes à economia do processo de construção, às soluções técnicas adoptadas, às condições excepcionalmente favoráveis de que o proponente dispõe para executar os trabalhos ou à originalidade do projecto do proponente.

    Se os documentos relativos ao concurso previrem a adjudicação do contrato pelo preço mais baixo, a entidade adjudicante deve comunicar à Comissão a rejeição das propostas consideradas demasiado baixas.

    […]»

    5

    O conteúdo do artigo 30.o, n.o 4, da Directiva 93/37 é reproduzido de modo mais desenvolvido no artigo 55.o, intitulado «Propostas anormalmente baixas», da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114). Nos termos do seu primeiro considerando, a Directiva 2004/18 procede à reformulação num só texto das directivas aplicáveis aos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, de contratos de fornecimento e de serviços e, nos termos do seu artigo 80.o, n.o 1, devia ser transposta para o ordenamento jurídico dos Estados-Membros até 31 de Janeiro de 2006.

    6

    A razão subjacente à não exclusão automática das propostas que se revelem anormalmente baixas em relação à prestação em causa decorre do primeiro parágrafo do quadragésimo sexto considerando da Directiva 2004/18, nos termos do qual «[a] adjudicação de um contrato deve realizar-se com base em critérios objectivos […] que garantam a apreciação das propostas em condições de concorrência efectiva. Por conseguinte, importa admitir unicamente a aplicação de dois critérios de adjudicação: o ‘preço mais baixo’ e a ‘proposta economicamente mais vantajosa’». Estes dois critérios de adjudicação são mencionados nos artigos 30.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Directiva 93/37 e 53.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Directiva 2004/18.

    Legislação nacional

    7

    A Directiva 93/37 foi transposta para o ordenamento jurídico italiano pela Lei n.o 109, Lei-quadro em matéria de obras públicas (Legge quadro in materia di lavori pubblici), de 11 de Fevereiro de 1994 (suplemento ordinário à GURI n.o 41, de 19 de Fevereiro de 1994).

    8

    O artigo 21.o, n.o 1 bis, da referida lei, na versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «Lei n.o 109/94»), tem a seguinte redacção:

    «No caso de adjudicação de contratos de empreitada de obras públicas de montante igual ou superior a 5 milhões de DSE através do critério do preço mais baixo referido no n.o 1, a entidade administrativa interessada deve avaliar a anomalia de qualquer proposta, na acepção do artigo 30.o da Directiva 93/37 […], que apresente uma redução igual ou superior à média aritmética das percentagens de redução de todas as propostas admitidas, com exclusão de 10%, arredondado à unidade superior, das ofertas que contenham respectivamente a maior e a menor redução, aumentada do afastamento médio aritmético das reduções percentuais que superem a referida média.

    As propostas são acompanhadas de justificações referentes aos elementos mais significativos do preço proposto, indicados no anúncio de concurso ou no convite para a apresentação de propostas, e que concorram para a formação de um montante não inferior a 75% do valor de base da licitação. O anúncio de concurso ou o convite para a apresentação de propostas devem especificar as modalidades de apresentação das justificações e indicar as justificações eventualmente necessárias para que as propostas sejam admissíveis. Não é necessária a apresentação de justificações para os elementos cujos valores mínimos podem ser determinados com base em dados oficiais. Quando a apreciação das justificações não for suficiente para excluir a incongruência da proposta, o proponente é convidado a completar os documentos comprovativos e só se poderá decidir pela exclusão depois de ser levada a cabo uma nova verificação, com debate contraditório.

    Apenas para os contratos de empreitadas de obras públicas de quantia inferior ao limite comunitário, a entidade administrativa interessada exclui automaticamente do concurso as ofertas com uma redução percentual igual ou superior à do primeiro parágrafo do referido número. Este regime de exclusão automática não se aplica quando o número de ofertas válidas for inferior a cinco.»

    Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

    9

    A SECAP participou num concurso público, aberto pela Comune di Torino no mês de Dezembro de 2002, relativo a uma empreitada de obras públicas com o valor estimado de 4699999 euros. Na data em que esse concurso foi aberto, o limiar de aplicação da Directiva 93/37 era, nos termos do seu artigo 6.o, n.o 1, alínea a), de 6242028 euros. A Santorso participou num concurso público análogo aberto no mês de Setembro de 2004, com o valor estimado de 5172579 euros. Nesta última data, o limiar de aplicação da Directiva 93/37 era de 5923624 euros. Por conseguinte, em ambos os casos, o valor estimado dos contratos em causa era inferior aos limiares de aplicação respectivos da Directiva 93/37.

    10

    Os anúncios através dos quais a Comune di Torino tinha aberto os referidos concursos públicos esclareciam que a adjudicação seria feita com base no critério do maior desconto, com verificação das propostas anormalmente baixas e sem exclusão automática das mesmas. Esses anúncios tinham por base uma deliberação da Giunta comunale (órgão executivo da Comune) que previa que a aplicação do critério do maior desconto incluía a verificação das propostas «anormais» nos termos da Directiva 93/37, incluindo relativamente aos contratos de montante inferior ao limiar comunitário, deixando assim inaplicado o artigo 21.o, n.o 1 bis, da Lei n.o 109/94, na medida em que prevê a exclusão automática das propostas anormalmente baixas.

    11

    A avaliação das propostas permitiu classificar as da SECAP e da Santorso na primeira linha das que foram consideradas «não anormais». Depois de ter procedido à verificação das propostas anormalmente baixas, a Comune di Torino acabou por excluir as propostas da SECAP e da Santorso em proveito das de outras sociedades.

    12

    A SECAP e a Santorso impugnaram essa decisão no Tribunale amministrativo regionale del Piemonte, sustentando que a Lei n.o 109/94 impõe à entidade adjudicante uma obrigação imperativa de excluir as propostas anormalmente baixas, não deixando qualquer margem de manobra para a aplicação de um procedimento contraditório de verificação.

    13

    Por decisões de 11 de Outubro de 2004 e de 30 de Abril de 2005, o referido tribunal negou provimento aos recursos da SECAP e da Santorso pelo facto de o procedimento de exclusão automática das propostas anormalmente baixas não ser uma obrigação para as entidades adjudicantes, antes deixando a estas últimas a opção de ordenar uma verificação da eventual anomalia resultante da modéstia dessas propostas, incluindo para contratos cujo montante é inferior ao limiar comunitário.

    14

    A SECAP e a Santorso recorreram dessas decisões para o Consiglio di Stato. Este último partilha da tese dessas sociedades quanto ao carácter vinculativo da regra da exclusão automática das propostas anormalmente baixas, não sendo, todavia, insensível aos argumentos da Comune di Torino que, apoiando-se em dados estatísticos, afirma que essa regras, pela sua grande rigidez, incentivam o conluio entre empresas, que fazem acordos sobre os preços para influenciarem o resultado do concurso público, causando assim prejuízo quer ao órgão administrativo adjudicante quer aos outros proponentes que, na sua grande maioria, são empresas estabelecidas no território de outro Estado-Membro.

    15

    O órgão jurisdicional de reenvio faz referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça por força da qual, no que diz respeito aos contratos que, tendo em conta o respectivo objecto, são excluídos do âmbito de aplicação das directivas em matéria de contratos públicos, as entidades adjudicantes estão obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado CE, nomeadamente o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade (v., nomeadamente, acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress, C-324/98, Colect., p. I-10745, n.o 60), bem como à jurisprudência que proíbe aos Estados-Membros a aplicação de disposições que prevejam, no que diz respeito às empreitadas de obras públicas de valor superior ao limiar comunitário, a exclusão oficiosa de determinadas propostas individualizadas com base num critério matemático, em vez de impor à entidade adjudicante a aplicação do procedimento de análise contraditório previsto pelas normas comunitárias (v., nomeadamente, acórdão de 22 de Junho de 1989, Costanzo, 103/88, Colect., p. 1839, n.o 19).

    16

    Face ao exposto e uma vez que tem dúvidas quanto à resposta a dar à questão de saber se a regra relativa à verificação contraditória das propostas anormalmente baixas pode ser qualificada como princípio fundamental de direito comunitário, susceptível de afastar a aplicação de eventuais disposições nacionais contrárias, o Consiglio di Stato decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, redigidas nos mesmos termos nos processos C-147/06 e C-148/06:

    «1)

    Corresponde ou não a um princípio fundamental de direito comunitário a regra estabelecida no n.o 4 do artigo 30.o da Directiva 93/37 […], ou a regra análoga dos n.os 1 e 2 do artigo 55.o da Directiva 2004/18 […] (caso se entenda que é esta a regra aplicável), segundo a qual, quando as ofertas sejam anormalmente baixas relativamente à prestação, a entidade adjudicante, antes de as poder rejeitar, tem obrigação de solicitar, por escrito, os esclarecimentos que considere úteis sobre os elementos constitutivos da proposta e de verificar a referida composição tendo em conta as explicações fornecidas?

    2)

    Em caso de resposta negativa à questão anterior, é ou não um corolário implícito ou um ‘princípio derivado’ do princípio da concorrência, conjugado com os princípios da transparência administrativa e da não discriminação em razão da nacionalidade, e, portanto, como tal, é ou não [directamente aplicável], prima[ndo] sobre as regulamentações nacionais eventualmente desconformes adoptadas pelos Estados-Membros para regulamentar os concursos de empreitadas de obras públicas que não entram no âmbito da aplica[ção] directa do direito comunitário, a regra estabelecida no n.o 4 do artigo 30.o da Directiva 93/37 […], ou a regra análoga do artigo 55.o da Directiva 2004/18 […] (caso se entenda que é esta a regra aplicável), segundo a qual, quando as ofertas sejam anormalmente baixas relativamente à prestação, a entidade adjudicante, antes de as poder rejeitar, tem obrigação de solicitar, por escrito, os esclarecimentos que considere úteis sobre os elementos constitutivos da proposta e de verificar a referida composição tendo em conta as explicações fornecidas, mesmo não apresentando as características de um princípio fundamental de direito comunitário?»

    17

    Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2006, os processos C-147/06 e C-148/06 foram apensos para efeitos da fase escrita e oral, bem como do acórdão a proferir.

    Quanto às questões prejudiciais

    18

    Através das suas questões, que há que analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os princípios fundamentais de direito comunitário que regulam igualmente a adjudicação dos contratos públicos, de que o artigo 30.o, n.o 4, da Directiva 93/37 constitui uma expressão específica, se opõem a uma legislação nacional que, nos que diz respeito aos contratos de valor inferior ao limiar fixando no artigo 6.o, n.o 1, alínea a), dessa directiva, impõe às entidades adjudicantes, quando o número de propostas válidas for superior a cinco, que proceda à exclusão automática das propostas consideradas anormalmente baixas em relação à prestação a fornecer, de acordo com um critério matemático previsto por essa legislação, sem deixar às referidas entidades adjudicantes qualquer possibilidade de verificar a composição dessas propostas, solicitando esclarecimentos aos proponentes em causa sobre essas propostas.

    19

    Há que referir que os procedimentos específicos e rígidos previstos pelas directivas comunitárias relativas à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos se aplicam unicamente aos contratos cujo valor ultrapassa o limiar previsto expressamente em cada uma das directivas (despacho de 3 de Dezembro de 2001, Vestergaard, C-59/00, Colect., p. I-9505, n.o 19). Assim, as normas dessas directivas não se aplicam aos contratos cujo valor não atinja o limiar por elas fixado (v., neste sentido, acórdão de 21 de Fevereiro de 2008, Comissão/Itália, C-412/04, Colect., p. I-619, n.o 65).

    20

    Isto não significa que estes últimos contratos estejam excluídos do âmbito de aplicação do direito comunitário (despacho Vestergaard, já referido, n.o 19). Com efeito, de acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, no que diz respeito à adjudicação de contratos que, tendo em conta o seu valor, não estão sujeitos aos procedimentos previstos pelas normas comunitárias, as entidades adjudicantes não deixam de ser obrigadas a respeitar as normas fundamentais do Tratado e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em particular (acórdão Telaustria e Telefonadress, já referido, n.o 60; despacho Vestergaard, já referido, n.os 20 e 21; acórdãos de 20 de Outubro de 2005, Comissão/França, C-264/03, Colect., p. I-8831, n.o 32, e de 14 de Junho de 2007, Medipac-Kazantzidis, C-6/05, Colect., p. I-4557, n.o 33).

    21

    Todavia, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a aplicação das regras fundamentais e dos princípios gerais do Tratado aos procedimentos de adjudicação dos contratos de valor inferior ao limiar de aplicação das directivas comunitárias pressupõe que os contratos em causa tenham um interesse transfronteiriço certo (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Novembro de 2007, Comissão/Irlanda, C-507/03, Colect., p. I-9777, n.o 29, e de 21 de Fevereiro de 2008, Comissão/Itália, já referido, n.os 66 e 67).

    22

    É à luz das considerações precedentes que há que analisar uma legislação nacional como a que está em causa nos processos principais.

    23

    Resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que a referida legislação impõe à entidade adjudicante em causa, no que diz respeito à adjudicação dos contratos de valor inferior ao limiar previsto no artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Directiva 93/37, que proceda à exclusão automática das propostas que, de acordo com um critério matemático previsto por essa legislação, forem consideradas anormalmente baixas em relação à prestação a fornecer, havendo uma única excepção que consiste no facto de a exclusão automática não ser aplicável quando o número de propostas válidas for inferior a cinco.

    24

    Por conseguinte, a referida regra, redigida em termos claros, imperativos e absolutos, exclui a possibilidade de os proponentes que tenham apresentado propostas anormalmente baixas provarem que essas propostas são fiáveis e sérias. Este aspecto da legislação em causa nos processos principais pode levar a resultados incompatíveis com o direito comunitário se um contrato determinado for susceptível, tendo em conta as suas características próprias, de apresentar um interesse transfronteiriço certo e de atrair, assim, operadores de outros Estados-Membros. Por exemplo, uma empreitada de obras públicas poderia apresentar um interesse transfronteiriço desse tipo devido ao seu valor estimado, conjugado com a sua tecnicidade ou com a localização das obras num local propício a despertar o interesse de operadores estrangeiros.

    25

    Como referiu o advogado-geral nos n.os 45 e 46 das duas conclusões, essa legislação, apesar de objectiva e não discriminatória por si só, pode violar o princípio geral da não discriminação nos procedimentos de adjudicação dos contratos que tenham um interesse transfronteiriço.

    26

    Com efeito, a aplicação aos contratos com um interesse transfronteiriço certo da regra da exclusão automática das propostas consideradas anormalmente baixas pode constituir uma discriminação indirecta, prejudicando, na prática, os operadores dos outros Estados-Membros que, tendo estruturas de custos diferentes, podendo beneficiar de economias de escala significativas ou desejando reduzir as suas margens de lucro para poderem entrar mais eficazmente no mercado em causa, poderão apresentar uma proposta competitiva e, ao mesmo tempo, séria e fiável, que a entidade adjudicante não poderá, no entanto, levar em consideração por causa da referida legislação.

    27

    Acresce que, como referiram a Comune di Torino e o advogado-geral nos n.os 43, 46 e 47 das suas conclusões, essa legislação pode dar origem a atitudes e acordos anticoncorrenciais, ou mesmo a práticas de conluio, entre empresas nacionais ou locais que lhes pretendam reservar as empreitadas de obras públicas.

    28

    Consequentemente, a aplicação da regra da exclusão automática das propostas anormalmente baixas aos contratos com um interesse transfronteiriço certo pode privar os operadores económicos dos outros Estados-Membros da possibilidade de concorrerem mais eficazmente com os operadores implantados no Estado-Membro em causa e afecta, desse modo, o seu acesso ao mercado desse Estado, prejudicando assim o exercício da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, o que constitui uma restrição a essas liberdades (v., neste sentido, acórdãos de 17 de Outubro de 2002, Payroll e o., C-79/01, Colect., p. I-8923, n.o 26; de 5 de Outubro de 2004, CaixaBank France, C-442/02, Colect., p. I-8961, n.os 12 e 13, e de 3 de Outubro de 2006, Fidium Finanz, C-452/04, Colect., p. I-9521, n.o 46).

    29

    Com a aplicação dessa legislação aos contratos com um interesse transfronteiriço certo, as entidades adjudicantes, privadas de toda e qualquer faculdade de avaliar a solidez e fiabilidade das propostas anormalmente baixas, não podem dar cumprimento à sua obrigação de respeitar as regras fundamentais do Tratado em matéria de livre circulação nem o princípio geral da não discriminação, como é exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 20 do presente acórdão. A privação dessa faculdade também é contrária ao próprio interesse das entidades adjudicantes, devido ao facto de não poderem apreciar as propostas que lhes são apresentadas em condições de concorrência efectiva e, portanto, adjudicar o contrato aplicando os critérios, igualmente estabelecidos no interesse público, do preço mais baixo ou da proposta economicamente mais vantajosa.

    30

    A apreciação, antes da definição dos termos do anúncio do concurso, do eventual interesse transfronteiriço de um contrato cujo valor estimado seja inferior ao limiar previsto pelas regras comunitárias compete, em princípio, à entidade adjudicante em causa, sendo certo que essa apreciação pode ser sujeita a fiscalização judicial.

    31

    É, todavia, provável que uma legislação defina, a nível nacional ou local, critérios objectivos que indiquem a existência de um interesse transfronteiriço certo. Esses critérios podem ser, nomeadamente, o montante de uma certa importância do contrato em causa, conjugado com o local de execução das obras. Também é possível excluir a existência desse interesse, por exemplo no caso de um interesse económico muito reduzido do mercado em causa (v., neste sentido, acórdão de 21 de Julho de 2005, Coname, C-231/03, Colect., p. I-7287, n.o 20). Todavia, é necessário levar em conta o facto de, em certos casos, as fronteiras atravessarem aglomerações que se situam no território de diversos Estados-Membros e de, nessas circunstâncias, mesmo contratos de reduzido valor poderem apresentar um interesse transfronteiriço certo.

    32

    Mesmo existindo um interesse transfronteiriço certo, a exclusão automática de certas propostas devido ao facto de serem anormalmente baixas poderia ser aceitável se o recurso a essa regra se justificasse pelo número excessivamente elevado de propostas, circunstância que poderia obrigar a entidade adjudicante em causa a proceder à verificação, de modo contraditório, de um número de propostas tão elevado que ultrapassaria a capacidade administrativa da referida entidade adjudicante ou poderia, devido ao atraso eventualmente causado por essa verificação, pôr em causa a realização do projecto.

    33

    Nessas circunstâncias, uma legislação nacional ou local ou mesmo a própria entidade adjudicante podem fixar um limiar razoável para a aplicação da exclusão automática das propostas anormalmente baixas. Todavia, o limiar de cinco propostas válidas fixado no artigo 21.o, n.o 1 bis, terceiro parágrafo, da Lei n.o 109/94 não pode ser considerado razoável.

    34

    No que diz respeito aos processos principais, compete ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a uma apreciação circunstanciada de todos os elementos pertinentes relativos aos dois mercados em causa para verificar se existe, nesses casos, um interesse transfronteiriço certo.

    35

    Por conseguinte, há que responder às questões colocadas que as regras fundamentais do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, bem como o princípio geral da não discriminação, se opõem a uma legislação nacional que, no que diz respeito aos contratos de valor inferior ao limiar estabelecido no artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Directiva 93/37 e que tenham um interesse transfronteiriço real, impõe imperativamente às entidades adjudicantes, quando o número de propostas válidas for superior a cinco, que procedam à exclusão automática das propostas consideradas anormalmente baixas em relação à prestação a fornecer, de acordo com um critério matemático previsto por essa legislação, sem deixar às referidas entidades adjudicantes qualquer possibilidade de verificar a composição dessas propostas, solicitando esclarecimentos aos proponentes em causa sobre essas mesmas propostas. Não será esse o caso se uma legislação nacional ou local ou mesmo a entidade adjudicante em causa, por haver um número excessivamente elevado de propostas que possa obrigar a entidade adjudicante a proceder à verificação, de modo contraditório, de um número de propostas tão elevado que ultrapassa a capacidade administrativa da referida entidade adjudicante ou possa, devido ao atraso eventualmente causado por essa verificação, pôr em causa a realização do projecto, fixassem um limiar razoável acima do qual se aplicaria a exclusão automática das propostas anormalmente baixas.

    Quanto às despesas

    36

    Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    As regras fundamentais do Tratado CE relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, bem como o princípio geral da não discriminação, opõem-se a uma legislação nacional que, no que diz respeito aos contratos de valor inferior ao limiar estabelecido no artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, na redacção dada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997, e que tenham um interesse transfronteiriço real, impõe imperativamente às entidades adjudicantes, quando o número de propostas válidas for superior a cinco, que procedam à exclusão automática das propostas consideradas anormalmente baixas em relação à prestação a fornecer, de acordo com um critério matemático previsto por essa legislação, sem deixar às referidas entidades adjudicantes qualquer possibilidade de verificar a composição dessas propostas, solicitando esclarecimentos aos proponentes em causa sobre essas mesmas propostas. Não será esse o caso se uma legislação nacional ou local ou mesmo a entidade adjudicante em causa, por haver um número excessivamente elevado de propostas que possa obrigar a entidade adjudicante a proceder à verificação, de modo contraditório, de um número de propostas tão elevado que ultrapassa a capacidade administrativa da referida entidade adjudicante ou possa, devido ao atraso eventualmente causado por essa verificação, pôr em causa a realização do projecto, fixassem um limiar razoável acima do qual se aplicaria a exclusão automática das propostas anormalmente baixas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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