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Document 62006CC0241
Opinion of Advocate General Sharpston delivered on 7 June 2007. # Lämmerzahl GmbH v Freie Hansestadt Bremen. # Reference for a preliminary ruling: Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen - Germany. # Public contracts - Directive 89/665/EEC - Review procedures concerning the award of public contracts - Limitation period - Principle of effectiveness. # Case C-241/06.
Conclusões da advogada-geral Sharpston apresentadas em 7 de Junho de 2007.
Lämmerzahl GmbH contra Freie Hansestadt Bremen.
Pedido de decisão prejudicial: Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen - Alemanha.
Contratos públicos - Directiva 89/665/CEE - Processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos - Prazo de caducidade - Princípio da efectividade.
Processo C-241/06.
Conclusões da advogada-geral Sharpston apresentadas em 7 de Junho de 2007.
Lämmerzahl GmbH contra Freie Hansestadt Bremen.
Pedido de decisão prejudicial: Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen - Alemanha.
Contratos públicos - Directiva 89/665/CEE - Processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos - Prazo de caducidade - Princípio da efectividade.
Processo C-241/06.
Colectânea de Jurisprudência 2007 I-08415
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:329
CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL
ELEANOR SHARPSTON
apresentadas em 7 de Junho de 2007 (1)
Processo C‑241/06
Lämmerzahl GmbH
contra
Freie Hansestadt Bremen
«Pedido prejudicial – Contratos públicos – Limiares comunitários – Recurso de decisões no quadro de concursos públicos – Princípio da efectividade – Prazos – Escolha incorrecta do tipo de procedimento nacional de adjudicação – Exclusão geral da tutela jurisdicional disponível ao abrigo do direito comunitário»
1. Com o presente pedido de decisão prejudicial, o Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Alemanha) pergunta, no essencial, se o direito comunitário se opõe a que seja recusado a um proponente, de maneira geral, o direito, previsto pela Directiva 89/665 (2), de recorrer de decisões no quadro de concursos públicos pelo facto de não ter impugnado, dentro do prazo previsto no direito nacional, uma decisão que colocou, incorrectamente, o procedimento de concurso fora do âmbito de aplicação daquela directiva.
2. A recorrente no processo principal apresentou uma proposta para um contrato de fornecimento de software que tinha sido posto a concurso ao abrigo do direito nacional, tendo sido excluída. Em seguida, reclamou, alegando, em primeiro lugar, que deveria ter sido realizado um concurso a nível europeu porque fora ultrapassado o relevante valor‑limiar e, em segundo lugar, que a subsequente decisão de adjudicação era ilegal. As alegações foram julgadas inadmissíveis com base no facto de ter expirado o prazo para impugnar a escolha do tipo de procedimento de concurso, de modo que o processo de recurso jurisdicional aplicável aos contratos públicos abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito comunitário já não podia ser utilizado.
3. O pedido de decisão prejudicial convida o Tribunal de Justiça a proceder a um exame aprofundado das circunstâncias em que a fixação de prazos para recorrer de decisões no quadro de procedimentos de concursos públicos pode pôr em causa o princípio da efectividade que subjaz à Directiva 89/665.
Legislação relevante
A Directiva 89/665
4. A Directiva 89/665 visa garantir que os procedimentos de adjudicação de contratos de obras públicas, fornecimentos e serviços, estabelecidos nas directivas comunitárias pertinentes, sejam efectivamente aplicados. Fá‑lo, estabelecendo um sistema de recursos e de medidas provisórias aplicáveis em caso de violação dessas normas.
5. São relevantes os seguintes considerandos do preâmbulo da Directiva 89/665:
«[1] […] as directivas comunitárias em matéria de contratos de direito público e, nomeadamente, […] a Directiva 77/62/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1976, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público, [(3)] […] não contêm disposições específicas que permitam garantir uma aplicação efectiva;
[2] […] [o]s mecanismos actualmente existentes, tanto a nível nacional como a nível comunitário, para assegurar essa aplicação, nem sempre permitem garantir o respeito das disposições comunitárias, sobretudo numa fase em que as violações podem ainda ser corrigidas;
[3] […] [A] abertura dos contratos de direito público à concorrência comunitária requer um aumento substancial das garantias de transparência e de não discriminação […] convém, para que dessa abertura resultem efeitos concretos, que existam meios de recurso eficazes e rápidos em caso de violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que transpõem esse direito;
[4] […]
[5] […] a brevidade dos processos exige um tratamento urgente das violações acima mencionadas;
[…]».
6. O artigo 1.° da Directiva 89/665 dispõe que:
«1. Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que, no que se refere aos processos de adjudicação de contratos de direito público abrangidos pelo âmbito de aplicação das Directivas […] 77/62/CEE, e 92/50/CEE (4), as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível, nas condições previstas nos artigos seguintes e, nomeadamente, no n.° 7 do artigo 2.°, com base em que essas decisões tenham violado o direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou as normas nacionais que transpõem esse direito.
2. […]
3. Os Estados‑Membros garantirão que os processos de recurso sejam acessíveis, de acordo com as regras que os Estados‑Membros podem determinar, pelo menos a qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter um determinado contrato de fornecimento público […] e que tenha sido ou possa vir a ser lesada por uma alegada violação. Os Estados‑Membros podem em particular exigir que a pessoa que pretenda utilizar tal processo tenha informado previamente a entidade adjudicante da alegada violação e da sua intenção de interpor recurso.»
7. O artigo 2.° da Directiva 89/665 trata das medidas que podem ser tomadas para efeitos dos recursos. O artigo 2.°, n.° 7, dispõe que «[o]s Estados‑Membros garantirão que as decisões tomadas pelas instâncias responsáveis pelos processos de recurso possam ser executadas de modo eficaz».
A Directiva 93/36 (5)
8. O artigo 10.° da Directiva 93/36 estabelece, nomeadamente, os prazos mínimos, nos concursos públicos, para recepção de propostas referentes a um valor superior ao limiar de aplicação das regras comunitárias. O artigo 10.°, n.° 1, dispõe que nestes concursos o prazo de recepção não pode ser inferior a 52 dias a contar da data de envio do anúncio do concurso. Em regra, este prazo pode ser reduzido a um mínimo de 36 dias, mas em nenhuma circunstância pode ser reduzido a menos de 22 dias caso tenha sido publicado previamente um anúncio indicativo nos termos definidos no artigo 10.°, n.° 1‑A.
A legislação alemã (6)
9. A parte IV da Lei contra as restrições à concorrência (Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen) (a seguir «GWB») rege a adjudicação dos contratos públicos (7). O § 100, n.° 1, dispõe que «[e]sta parte se aplica apenas aos contratos que atinjam ou ultrapassem os valores estabelecidos nos regulamentos previstos no § 127 (valores‑limiar)» (8).
10. O § 107 da GWB regula os recursos para as secções de recurso dos contratos públicos. O § 107, n.° 3, da GWB fixa os prazos para a interposição de recursos para as secções de recurso dos contratos públicos com base em alegadas violações das regras sobre os contratos públicos e dispõe:
«O recurso não é admissível quando o recorrente já tinha conhecimento, no decurso do procedimento de adjudicação, da alegada violação das regras sobre os concursos públicos e não reclamou de imediato para a entidade adjudicante. O recurso também não é admissível quando não se reclame, perante a entidade adjudicante, das violações das regras sobre os concursos públicos que sejam identificáveis (9) com base no anúncio do concurso até, o mais tardar, o fim do prazo fixado no anúncio do concurso para a apresentação das propostas ou dos pedidos de participação no procedimento de adjudicação».
11. O Vergabeverordnung (regulamento que rege a adjudicação dos contratos públicos) (a seguir «VgV») (10) contém, nomeadamente, os valores‑limiar a que se refere o § 127, n.° 1, da GWB (11). No momento dos factos, o § 2 do VgV dispunha que:
«O valor‑limiar é:
[…]
3. para todos os outros contratos de fornecimentos ou de serviços: 200 000 EUR».
12. A parte A do Verdingungsordnung für Leistungen (Regulamento que rege a adjudicação dos contratos públicos de fornecimentos e de serviços) (a seguir «VOL/A») (12) contém as regras pormenorizadas para a adjudicação dos contratos de fornecimentos ou de serviços. O § 17 diz respeito, nomeadamente, ao conteúdo do anúncio do concurso. O § 17, n.º 1, segundo parágrafo, alínea c), dispõe que:
«O anúncio do concurso deve, no mínimo, conter as seguintes informações:
[…]
c) Natureza e quantidades e extensão dos bens ou dos serviços a fornecer […]» (13).
O processo principal e o pedido de decisão prejudicial
13. Em 21 de Março de 2005, ou antes desta data, o Freie Hansestadt Bremen (a seguir «Land de Bremen»), recorrido no processo principal, lançou um «concurso nacional, nos termos do VOL/A» para um contrato de fornecimento de software (14). O termo do prazo para apresentação de propostas era 12 de Abril de 2005. O anúncio de concurso não continha qualquer indicação sobre a quantidade e extensão ou o valor do contrato. Sob a rubrica «Menge und Umfang» (quantidades e extensão) continha:
«O Senator für Arbeit, Frauen, Gesundheit, Jugend und Soziales (Ministro do Trabalho, da Condição Feminina, da Saúde, da Juventude e dos Assuntos Sociais) de Bremen pretende obter um software normalizado para o tratamento informatizado de dados na área do SGB XII (Serviços sociais para apoio de adultos e auxílios económicos), que preencha os requisitos enunciados no caderno de encargos. O caderno de encargos pode ser obtido gratuitamente em www.vergabe.bremen.de [...]».
14. A Lämmerzahl GmbH (a seguir «Lämmerzahl»), recorrente no processo principal, é uma sociedade de responsabilidade limitada especializada em software para entidades públicas. Obteve regularmente o caderno de encargos, que incluía os três documentos seguintes:
15. Em primeiro lugar, no documento intitulado «folha de preços/preços detalhados 1» (a seguir «documento sobre preços»), pedia‑se aos proponentes que apresentassem, nos termos da secção intitulada «contrato de licença», os preços unitários das licenças genéricas para as diferentes quantidades possíveis a fornecer (11‑50, 51‑100, 101‑200, 201‑500 licenças). Pedia-se um preço unitário alternativo referente a licenças apenas de leitura (1‑5, 6‑10, 11‑50, 51‑100 licenças). Ainda em alternativa, era pedido um preço para uma «Landeslizenz» (licença para o Land) (15). Na secção intitulada «contrato de serviços» pedia‑se aos proponentes que fixassem um preço para a formação de, aproximadamente, 300 empregados e 10 administradores. O documento não continha, em lado nenhum, qualquer informação sobre o número efectivo das licenças necessárias.
16. Em segundo lugar, no documento que definia o objecto do concurso («documento sobre o objecto») afirmava‑se que trabalhariam com o sistema de software, aproximadamente, 200 empregados na área dos auxílios económicos, 45 nos serviços sociais e 65 nas unidades centrais.
17. Em terceiro lugar, na «lista de bens e serviços» indicava‑se um «volume mínimo ou estimado» de uma unidade. Uma vez mais, não havia qualquer indicação sobre o número total das licenças necessárias.
18. A Lämmerzahl colocou quatro questões relacionadas com os documentos relativos ao concurso, às quais o Land de Bremen respondeu por carta de 24 de Março de 2005. Nessa fase, a Lämmerzahl não colocou qualquer questão sobre o número de licenças ou sobre a extensão ou o valor do contrato.
19. Em 4 de Abril de 2005, a Lämmerzahl enviou um e‑mail ao Land de Bremen, pedindo mais esclarecimentos sobre os documentos relativos ao concurso. A sua primeira questão visava saber se os preços totais que deviam constar da proposta e a lista de bens e serviços se referiam ao «total dos preços da tabela de preços para o contrato de licença baseado em 310 licenças (os 310 empregados especificados no [documento sobre o objecto])» ou se deveriam ser incluídos outros preços (por exemplo, manutenção e custos de serviços). Três das outras questões colocadas no e‑mail da Lämmerzahl diziam respeito às «310 licenças supra‑referidas».
20. O Land de Bremen respondeu por carta de 6 de Abril de 2005. Em resposta à primeira questão, afirmou que o valor total do concurso (valor total dos custos de licença, da manutenção e dos serviços) deveria ser tido em conta na proposta. Nenhuma das respostas do Land de Bremen mencionava ou comentava expressamente o número de 310 licenças que a Lämmerzahl tinha referido nas suas questões.
21. Seguidamente, a Lämmerzahl apresentou uma proposta baseada em 310 licenças, acrescentando o custo da formação e da manutenção, por um total de 603 500 EUR líquidos. Foi seleccionada para a fase de teste, juntamente com uma proponente concorrente, a PROSOZ Herten GmbH (a seguir «PROSOZ»).
22. Em 6 Julho de 2005, o Land de Bremen escreveu à Lämmerzahl, informando‑a de que a sua proposta não tinha sido seleccionada porque não tinha sido considerada a economicamente mais vantajosa.
23. Em 14 de Julho de 2005, a Lämmerzahl apresentou ao Land de Bremen uma reclamação escrita e, em 21 de Julho de 2005, interpôs recurso para reexame da adjudicação. Declarava que, após ter efectuado uma consulta jurídica em 14 de Julho de 2005, concluíra que o Land de Bremen deveria ter realizado um concurso a nível europeu, em vez de um concurso nacional, porque o valor do contrato ultrapassava o limiar de 200 000 EUR. Alegou também que o seu software não fora devidamente testado.
24. Em 2 de Agosto de 2005, a 3.ª VergabeKammer der Freie Hansestadt Bremen (Terceira Secção de Recurso dos Contratos Públicos do Freie Hansestadt Bremen) (a seguir «VergabeKammer») negou provimento ao recurso. Declarou que, mesmo tendo sido ultrapassado o valor‑limiar e, em consequência, ainda que tenha sido utilizado um tipo de concurso errado, tal irregularidade era detectável com base no anúncio de concurso. Por conseguinte, as reclamações da Lämmerzahl eram extemporâneas por força do § 107, n.° 3, segunda frase, da GWB.
25. A Lämmerzahl recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio. Em primeiro lugar, alegou que a irregularidade na escolha do tipo de concurso não era identificável com base no anúncio de concurso. Em segundo lugar, repetiu a sua crítica aos procedimentos de teste e de selecção, alegando que a proposta da PROSOZ era manifestamente incompleta e continha um cálculo dos custos ilegal, o que deveria ter levado à sua exclusão (a seguir «irregularidades materiais»).
26. Por decisão interlocutória de 7 de Novembro de 2005, o órgão jurisdicional de reenvio recusou a prorrogação do efeito suspensivo do recurso, por entender que este não tinha qualquer possibilidade de sucesso. Concordou com a opinião da VergabeKammer segundo a qual, em consequência da aplicação do prazo de caducidade do § 107, n.° 3, segunda frase, da GWB, a impugnação pela Lämmerzahl da escolha do procedimento de concurso nacional e do valor estimado pelo Land de Bremen para o contrato era extemporânea. Em consequência, aquela sociedade ficou impedida de utilizar o processo de recurso previsto na GWB, o qual só estava disponível para concursos com valor superior ao valor‑limiar.
27. O Land de Bremen adjudicou, então, o contrato à PROSOZ.
28. No despacho de reenvio prejudicial, o órgão jurisdicional nacional parece aceitar que o valor do contrato ultrapassava o limiar dos 200 000 EUR (16). Todavia, considera que caducou o direito de a Lämmerzahl aceder ao processo de recurso previsto na GWB, por força do disposto no § 107, n.° 3, segunda frase, da GWB.
29. Tendo embora chegado a esta conclusão, o órgão jurisdicional nacional não se pronunciou, em termos definitivos, sobre a questão de saber se, ao abrigo da legislação nacional, a expressão «identificável com base no anúncio de concurso» significa que uma irregularidade tem de ser identificável apenas com base no anúncio de concurso. Considera que, se esta expressão pode incluir outros documentos, a Lämmerzahl deveria ter‑se apercebido, a partir das indicações dos documentos relativos aos concursos, que o limiar seria ultrapassado. Deveria, em todo o caso, ter chegado a esta conclusão com base nos seus próprios cálculos. Se, por outro lado, uma irregularidade tem de ser identificável apenas com base no anúncio de concurso, a mera ausência de qualquer indicação sobre a extensão do contrato constituiria, ela própria, uma ilegalidade identificável, uma vez que tal omissão violaria o § 17, n.º 1, segundo parágrafo, alínea c), do VOL/A (17). Impediria, além disso, que o proponente verificasse a correcção da escolha do tipo de concurso e a impugnasse, se o entendesse necessário.
30. Porém, o órgão jurisdicional nacional manifesta reservas quanto à questão de saber se a sua decisão de 7 de Novembro de 2005 não pode retirar aos proponentes o seu direito a um recurso efectivo sobre as alegadas violações do direito comunitário, em violação do artigo 1.° da Directiva 89/665. Considera que a limitação constante do § 107, n.° 3, segunda frase, da GWB está, em princípio, em conformidade com a directiva, tal como é interpretada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (18). Todavia, quando o valor estimado do contrato tenha sido fixado, erradamente, abaixo do limiar, o não respeito do prazo de recurso retira ao proponente a possibilidade de obter a fiscalização jurisdicional não só dessa irregularidade mas também das irregularidades materiais que invoca. Se uma entidade adjudicante puder impedir que um proponente não esclarecido obtenha um controlo jurisdicional material, cometendo uma ilegalidade identificável, tal situação pode dar azo a abusos.
31. O órgão jurisdicional nacional também se interroga sobre se as consequências draconianas da caducidade não deverão ser apenas desencadeadas quando o proponente puder detectar, de forma inequívoca e com base no anúncio de concurso, que a entidade adjudicante parte do pressuposto de que o valor do contrato ficará aquém do valor‑limiar.
32. Com base nestas considerações, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância no processo principal e submeteu ao Tribunal de Justiça as duas questões seguintes:
«1. É compatível com a Directiva 89/665/CEE, em especial com o seu artigo 1.°, n.os 1 e 3, recusar, de maneira geral, a um proponente o reexame da decisão da entidade adjudicante sobre a adjudicação de contratos públicos pelo facto de o proponente, por culpa sua, não ter invocado, dentro do prazo previsto no direito nacional, uma violação da regulamentação relativa à adjudicação de contratos públicos que diz respeito
a) à forma de concurso escolhida
ou
b) à exactidão do cálculo do valor do contrato (cálculo manifestamente incorrecto ou efectuado com insuficiente transparência)
quando, atendendo ao valor do contrato correctamente determinado ou a determinar, seria possível reexaminar outras violações da regulamentação relativa à adjudicação de contratos públicos que – apreciadas isoladamente – poderiam ser invocadas após esse prazo?
2. Devem prever‑se exigências especiais no que diz respeito às indicações do aviso de concurso relativas ao cálculo do valor do contrato, para poderem excluir‑se de modo geral da tutela jurisdicional primária as infracções relativas ao valor do contrato, mesmo nos casos em que esse valor do contrato, correctamente calculado ou a calcular, ultrapasse o valor‑limiar de referência?»
33. Foram apresentadas observações escritas pela Lämmerzahl, pelo Land de Bremen, pela Áustria, pela Lituânia e pela Comissão. A Lämmerzahl, o Land de Bremen e a Comissão também apresentaram observações na audiência que se realizou em 28 de Março de 2007.
Admissibilidade
34. O Land de Bremen alega que não se encontram reunidos os requisitos previstos no artigo 234.° CE para um reenvio prejudicial. O que está em causa é a aplicação específica de uma disposição nacional cuja conformidade com o direito comunitário não está em dúvida.
35. Não aceito este argumento. O que subjaz à primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio é saber se o artigo 1.° da Directiva 89/665 se opõe à possibilidade de uma exclusão geral do direito de recurso em circunstâncias como as do processo principal.
36. Quanto à segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, é realmente verdade que o Tribunal de Justiça não pode fornecer uma lista do que deve constar, exactamente, dos anúncios de concurso (19). Todavia, é competente para interpretar os princípios e as disposições pertinentes de direito comunitário, de modo a auxiliar o órgão jurisdicional nacional a apurar se aqueles foram violados num determinado processo.
37. Assim, o pedido de decisão prejudicial é admissível.
As questões
Considerações preliminares
38. As duas questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio podem ser reformuladas do seguinte modo:
1. A Directiva 89/665/CEE impede que seja recusado a um proponente o direito, reconhecido por essa directiva, a um recurso jurisdicional de quaisquer outras decisões num procedimento de concurso quando o proponente não tenha impugnado previamente, dentro do prazo previsto no direito nacional, uma decisão que incorrectamente colocou o concurso público fora do âmbito da protecção garantida pela Comunidade?
2. Que indicações devem constar do anúncio do concurso de modo a permitir concluir que o valor do contrato foi incorrectamente calculado como ficando aquém do limiar que permite beneficiar da protecção garantida pela Directiva 89/665?
39. Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a irregularidade em causa é detectável. Esta questão é fulcral para se poder concluir se um prazo de caducidade aplicável ao direito de impugnação dessa ilegalidade é compatível com o direito comunitário. Por isso, analisarei as duas questões conjuntamente. Na verdade, a maioria das partes que apresentaram observações adoptou, em larga medida, esta abordagem.
Observações
40. A Lämmerzahl alega que, embora um prazo como o que consta do § 107, n.° 3, segunda frase, da GWB seja, em princípio, compatível com a Directiva 89/665, esse prazo funciona como um derrogação ao direito de recurso. Assim, a expressão «identificável com base no anúncio de concurso» deve ser interpretada de forma restritiva. Não pode incluir a identificação de uma omissão, cuja impugnação possa por seu turno levar à detecção do erro do Land de Bremen na estimativa do valor do contrato. Esse erro – e, assim, a escolha errada do tipo de procedimento – não podia ser identificado com base no anúncio de concurso. Por isso, era impossível ou excessivamente difícil à Lämmerzahl exercer os seus direitos de origem comunitária.
41. A Lituânia considera que, quando um prazo começa a correr no momento da publicação do anúncio de concurso, os direitos dos proponentes ao abrigo do direito comunitário só são protegidos efectivamente se lhes for fornecida, naquele momento, informação completa e objectiva sobre o volume do contrato. Se assim não acontecer, o prazo só deve começar a correr quando tomarem conhecimento do erro na forma do procedimento em questão, ou estiverem em condições de o detectar.
42. O Land de Bremen considera que o § 107, n.° 3, segunda frase, da GWB é compatível com a Directiva 89/665. O critério da identificabilidade garante que o exercício pelo proponente dos seus direitos de origem comunitária não é tornado impossível ou excessivamente difícil. Colocar o valor estimado do contrato no anúncio de concurso poderia falsear a concorrência. Basta que um operador económico medianamente experiente seja capaz de calcular o valor do contrato a partir da informação fornecida. Na audiência, o Land de Bremen salientou que, mesmo sem o direito de recurso previsto na Directiva 89/665, estavam disponíveis as vias de recurso gerais previstas no direito nacional. Todavia, reconheceu que estas eram menos eficazes do que o processo previsto na GWB.
43. A Áustria considera que uma exclusão geral do processo de recurso comunitário como consequência da não impugnação da irregularidade em questão dentro do prazo fixado é compatível com a Directiva 86/665, desde que a aplicação deste prazo não viole no caso concreto o princípio da protecção efectiva.
44. A Comissão adopta uma posição semelhante. Nota que a sanção de privação do direito de recurso assegura que as irregularidades serão impugnadas o mais cedo possível. Tal é desejável, tendo em conta as potenciais consequências de se ter de reiniciar o concurso. Na audiência, a Comissão afirmou que a não impugnação de uma ilegalidade dentro do prazo só deverá conduzir à privação do direito de recurso se o proponente tiver podido identificar a ilegalidade ou pudesse tê‑lo feito se tivesse actuado com a cautela exigível a um negociante diligente e com experiência.
45. A Comissão considera ainda que os princípios fundamentais do Tratado CE, como os princípios da igualdade e da transparência, são aplicáveis mesmo a concursos cujo valor fique aquém do limiar comunitário (20).
Apreciação
46. O princípio comunitário da efectividade está no cerne da protecção conferida pela Directiva 89/665. Como o Tribunal de Justiça tem enunciado desde longa data, este princípio exige que o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário não se torne impossível ou excessivamente difícil na prática (21).
47. Os primeiros três considerandos da Directiva 89/665 realçam, por isso, que o objectivo da directiva é assegurar a aplicação efectiva das directivas comunitárias de harmonização em matéria de contratos públicos, disponibilizando um sistema de recursos em «caso de violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que transpõem esse direito». O artigo 1.°, n.° 1, enuncia a exigência de um recurso eficaz das decisões das entidades adjudicantes. O artigo 2.°, n.° 7, determina que as decisões tomadas pelas instâncias responsáveis pelos processos de recurso possam ser executadas de modo eficaz.
48. O segundo e quinto considerandos sublinham, todavia, que os procedimentos de adjudicação de contratos públicos se caracterizam pela sua brevidade. Quaisquer infracções às normas aplicáveis devem, por isso, ser tratadas com urgência, numa fase em que possam ser corrigidas. A celeridade do recurso é, assim, considerada uma vertente da efectividade, e é-lhe expressamente feita referência no terceiro considerando e no artigo 1.°, n.° 1.
49. A Directiva 89/665 oferece, por isso, a possibilidade de recorrer de uma decisão mesmo antes de esta ter causado um dano efectivo. Nos termos do artigo 1.°, n.° 3, a legitimidade para recorrer é reconhecida a «qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter um determinado contrato de fornecimento público […] e que tenha sido ou possa vir a ser lesada por uma alegada violação» (sublinhado nosso). No mesmo sentido, o artigo 1.°, n.° 3, permite que os Estados‑Membros exijam que a pessoa que pretenda utilizar tal processo tenha informado previamente a entidade adjudicante da sua intenção de interpor recurso, sublinhando a necessidade de se tentar resolver os litígios tão rapidamente quanto possível.
50. A directiva não autoriza expressamente a fixação de prazos para a interposição de recursos das decisões das entidades adjudicantes. Todavia, a fixação de prazos ao abrigo das normas nacionais de transposição é, em princípio, compatível com a exigência de um recurso célere, uma vez que rapidamente se torna impossível alterar na prática estas decisões. Além disso, o Tribunal de Justiça já reconheceu há muito tempo que a fixação de prazos razoáveis constitui uma aplicação do princípio fundamental da segurança jurídica (22).
51. No acórdão Universale‑Bau (23), o Tribunal de Justiça declarou que a Directiva 89/665 não se opõe a uma regulamentação nacional que fixa um prazo razoável para a interposição do recurso de uma decisão da entidade adjudicante. Um prazo é razoável quando satisfaz tanto o princípio da efectividade, decorrente da directiva, como o princípio da segurança jurídica (24).
52. A necessidade de conciliar estes dois princípios implica distinguir os prazos de caducidade das disposições derrogatórias, com as quais a Lämmerzahl procura compará‑los. Há muitas formas de derrogação no direito comunitário, justificadas por várias razões. Frequentemente, estas derrogações são excepções aos direitos consagrados no Tratado CE ou a outros princípios gerais. Em regra, são permitidas quando seja necessário proteger interesses específicos. Quando se trata de dar aplicação efectiva a princípios imperativos, as derrogações são normalmente interpretadas de forma restritiva. Os prazos de caducidade, por seu turno, visam o justo equilíbrio entre os direitos individuais e o interesse público geral. Uma vez que, apesar de tudo, restringem direitos, deverão ser examinados cautelosamente para apurar se a sua aplicação não põe, de facto, em causa a correcta aplicação do princípio da protecção efectiva.
53. O Tribunal de Justiça levou a cabo este exame no acórdão Santex (25). Aí desenvolveu a jurisprudência do acórdão Universale‑Bau e aplicou os critérios definidos na jurisprudência anterior (26) à questão da razoabilidade dos prazos no contexto da Directiva 89/665. Enunciou que uma regra de caducidade deve ser analisada «tendo em conta, nomeadamente, a colocação dessa disposição no conjunto do processo, a tramitação deste e as suas particularidades». Por isso, embora um prazo de caducidade não seja, em si próprio, contrário ao princípio da efectividade, não se pode excluir que, nas circunstâncias específicas de um determinado processo, a aplicação desse prazo possa provocar violação do referido princípio (27).
54. No acórdão Grossmann Air Service, o Tribunal de Justiça indicou que os objectivos de celeridade e de efectividade da Directiva 89/665 implicam que um interessado que tenha detectado uma irregularidade interponha recurso (28) e demonstrou pouca simpatia pelo recorrente, que esperou até à decisão de adjudicação para recorrer da alegada irregularidade do concurso (29).
55. O critério do conhecimento ou da percepção de uma ilegalidade por parte do proponente está subjacente não só ao acórdão Grossmann mas também a outros acórdãos. O princípio da efectividade será posto em causa se um prazo para recorrer de uma ilegalidade começar a correr antes de o proponente dela ter conhecimento, ou se, por outro lado, um proponente for penalizado por não ter interposto recurso numa situação em que não tinha, nem poderia ter tido, conhecimento de uma irregularidade. No acórdão Santex, o proponente não tinha tomado conhecimento da interpretação que a entidade adjudicante fizera da cláusula controvertida até ao termo do prazo para recorrer (30) e, por isso, não podia ser privado do direito de recorrer contenciosamente pelo facto de o prazo já ter expirado. No acórdão GAT, proferido num processo que não dizia respeito a prazos, o Tribunal de Justiça entendeu que um recorrente não podia ser privado do direito de reclamar uma indemnização pelo prejuízo causado por uma decisão com o fundamento de que era ilegal uma decisão anterior. Nesse processo, a decisão anterior não tinha sido impugnada e por isso o recorrente não tinha necessariamente tido conhecimento da sua ilegalidade (31).
56. Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça antes referida que a fixação, ao abrigo do direito nacional, de um prazo de caducidade para o exercício do direito de recurso conferido pela Directiva 89/665 é compatível com o direito comunitário desde que tal prazo não torne o exercício deste direito impossível ou excessivamente difícil na prática. Para averiguar se é este o caso, devem ser analisados não só a duração do prazo de caducidade mas também outros aspectos do processo de recurso no qual se insere esse prazo. O conhecimento é um factor‑chave. Embora os objectivos de celeridade e de efectividade da directiva exijam que um interessado que tenha conhecimento de uma irregularidade interponha recurso jurisdicional, esse interessado não pode ser privado do direito de recurso pelo termo de um prazo que começou a correr por algum motivo de que ele não podia, razoavelmente, ter tido conhecimento.
57. Poderá a fixação de um prazo ser ainda compatível com o direito comunitário quando a falta de impugnação dentro do prazo também retira a um proponente a possibilidade de impugnar quaisquer outras ilegalidades posteriores do procedimento de concurso? Esta é certamente uma sanção drástica. Será admissível?
58. É pacífico que a consequência de não se recorrer da escolha da forma do procedimento nacional dentro do prazo é que, em princípio, esse procedimento se mantém válido e o concurso fica, a partir daí, fora do âmbito de aplicação da directiva. Esta situação deve distinguir‑se da que foi objecto do acórdão GAT, no qual o Tribunal de Justiça entendeu que, uma vez que qualquer decisão tomada por uma autoridade adjudicante num concurso público é recorrível nos termos da Directiva 89/665, um proponente não pode ser privado do direito de reclamar uma indemnização pelo prejuízo causado por uma decisão de adjudicação alegadamente ilegal com o fundamento de que uma decisão anterior já tornara o procedimento ilegal (sem, contudo, o retirar do âmbito de aplicação da directiva) (32).
59. Uma possibilidade seria abrir uma excepção à jurisprudência decorrente do acórdão Universale‑Bau e enunciar que a possibilidade de recorrer de uma decisão que parece retirar, indevidamente, um determinado concurso do âmbito de aplicação da protecção comunitária não pode ficar sujeita a um prazo de caducidade. Esta não me parece ser uma solução sensata. Em primeiro lugar, poria em causa o justo equilíbrio entre a efectividade e a segurança jurídica que a Directiva 89/665 pretende alcançar. Em segundo lugar, um proponente poderia ser tentado a não impugnar o procedimento (o que, no fim de contas, pode funcionar a seu favor, limitando a concorrência), a menos que, ou até que, concluísse, através da decisão de adjudicação, que lhe interessava utilizar o direito de recurso nos termos da Directiva 89/665.
60. Sugerir que seria necessário um prazo mais longo sempre que sejam draconianas as consequências de se ter deixado expirar o prazo, parece‑me suscitar tantas questões quanto aquelas a que se pretende responder.
61. Por isso, concluo que a fixação de um prazo para impugnar as decisões num concurso é ainda compatível com o princípio da efectividade, conjugado com a necessidade de celeridade e de segurança jurídica, mesmo quando a consequência de não impugnar uma irregularidade dentro desse prazo seja a de retirar a um proponente a protecção do processo de recurso garantida pela Directiva 89/665.
62. Procederei agora a uma análise do prazo no presente caso, incluindo os seus aspectos específicos.
63. O prazo de caducidade fixado no § 107, n.° 3, segunda frase, da GWB corre desde a publicação do anúncio do concurso até ao último dia previsto para apresentação de propostas. No processo em apreço, aquele período parece ter sido de, pelo menos, 23 dias (33). Atendendo ao facto de o legislador comunitário considerar que um período mínimo de 22 dias é suficiente para preparar e apresentar um proposta (34), seria difícil argumentar que 23 dias eram insuficientes para recorrer de uma alegada ilegalidade. Por isso, tal prazo para recorrer parece, em princípio, não violar o princípio da efectividade subjacente à Directiva 89/665, tendo especialmente em conta a necessidade, sublinhada naquela directiva, de um processo de recurso célere (35).
64. Todavia, a particularidade do prazo especificado no § 107, n.° 3, segunda frase, da GWB reside no facto de começar a correr se a alegada ilegalidade em causa for identificável com base no anúncio de concurso.
65. Qual é, pois, o grau de conhecimento de uma irregularidade que pode ser exigido a um proponente sem violar o princípio da efectividade subjacente à Directiva 89/665?
66. Parece‑me que uma exigência de efectivo, ou subjectivo, conhecimento por parte do proponente seria contrária à segurança jurídica. Além disso, nas circunstâncias do presente processo, poderia ser difícil provar que um proponente teve efectivo conhecimento de uma ilegalidade, e a exigência de tal prova dificilmente seria adequada à necessidade de um processo de recurso célere.
67. Parece, por isso, ser preferível formular o critério em termos de um padrão normal de conhecimento pressuposto, ou objectivo. O Tribunal de Justiça já aplica um padrão objectivo no que respeita à capacidade dos proponentes para interpretar os critérios de adjudicação à luz da igualdade de tratamento nos concursos públicos, nomeadamente, a capacidade de um «proponente razoavelmente informado e normalmente diligente» (36). Idêntica fórmula parece ser apropriada para determinar o grau de conhecimento de uma ilegalidade do concurso que é razoável pressupor que um proponente possui.
68. É de pressupor que um «proponente razoavelmente informado e normalmente diligente» tem experiência no tocante à apresentação de propostas na sua área. É também normal esperar‑se que tenha um conhecimento e uma compreensão gerais das considerações legais essenciais relevantes para os mercados em que opera. No contexto do presente processo, tal implicaria ter um conhecimento genérico dos concursos nacionais e comunitários e dos limiares aplicáveis, incluindo as possibilidades de recorrer das decisões ao abrigo de ambos os tipos de procedimento e dos prazos para a interposição desses recursos.
69. Que informação deverá estar disponível para permitir que tal proponente, em circunstâncias como as do processo em apreço, se aperceba de que foi feita a escolha errada quanto à forma do procedimento?
70. Não concordo com o Land de Bremen quando alega que a publicação do valor estimado do contrato falsearia a concorrência. Afinal, a legislação comunitária sobre os contratos públicos, que tem como um importante objectivo a promoção da concorrência, exige que, em certos casos, sejam publicados os valores estimados dos contratos (37).
71. Uma vez que a escolha do procedimento tem de ser feita em função do valor total estimado do contrato, a informação tem de permitir ao proponente calcular aquele valor. Isto inclui não só o valor dos bens a fornecer mas ainda o custo de qualquer apoio, formação ou manutenção incluídos no âmbito do contrato. Aceito a alegação da Lituânia a este respeito, nomeadamente, que só a revelação clara e plena da extensão ou do volume projectados permitirá a um proponente, com base na sua própria experiência e conhecimento dos valores de mercado, calcular o valor total estimado.
72. A existência desta exigência de informação, conjugada com a aplicação do critério do conhecimento e da experiência a pressupor por parte de um proponente razoavelmente informado e normalmente diligente, deve afastar as preocupações do órgão jurisdicional de reenvio quanto a um potencial abuso no tocante à possibilidade de uma entidade adjudicante tirar proveito da falta de informação de um proponente (38).
73. Não penso que esta informação tenha de constar necessariamente do próprio anúncio de concurso. É razoável esperar‑se que um proponente tenha em conta as referências feitas, no anúncio de concurso, a outros documentos, desde que se indique claramente onde podem ser obtidos estes documentos. A este respeito, o Tribunal de Justiça decidiu já que os critérios de adjudicação são compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento quando forem referidos no caderno de encargos ou no anúncio de concurso (39). Se a informação necessária para definir a extensão do contrato estiver contida nos documentos, então o prazo para impugnar uma ilegalidade só começará a correr a partir do momento em que o proponente os tiver obtido ou os tivesse podido obter se tivesse actuado com prontidão.
74. Contudo, não penso que a mera ausência, no anúncio de concurso inicial, de uma definição da extensão ou do volume estimado para o contrato, seja suficiente para alertar um proponente razoavelmente informado e normalmente diligente para o facto de a entidade adjudicante ter errado na estimativa que fez do valor do contrato. Mesmo que essa ausência constitua, só por si, uma irregularidade, exigir que o proponente recorra dela para descobrir se ela esconde uma outra ilegalidade que possa afectar os seus direitos parece‑me tornar excessivamente difícil o exercício desses direitos, especialmente, se tivermos em conta o prazo. Assim é, a fortiori, se, no mínimo, se puder questionar se a provisão referente à publicação da extensão do contrato constante do § 17, n.º 1, segundo parágrafo, alínea c), do VOL/A é imperativa (40).
75. Em última instância, cabe ao órgão jurisdicional nacional, como único juiz da matéria de facto, decidir em que momento (se algum houver) um proponente razoavelmente informado e normalmente diligente deveria ter descoberto que tinha sido usada uma forma de processo errada. Contudo, as observações seguintes poderão ser úteis.
76. No presente processo, podiam facilmente descarregar‑se os documentos relativos ao concurso a partir do sítio web do Land de Bremen. Porém, parece que nem o anúncio em si mesmo nem os documentos relativos ao concurso referiam a extensão ou o volume projectados.
77. É verdade que a parte referente ao «contrato de serviços» do documento sobre preços referia especificamente a formação para cerca de 300 empregados e 10 administradores e que o documento sobre o objecto indicava que cerca de 310 empregados trabalhariam com o sistema. Contudo, o pedido de indicação de preços unitários para diferentes gamas de quantidades possíveis de licenças na parte respeitante ao «contrato de licença» do documento sobre preços poderia, razoavelmente, ter sido lido como significando que poderia ser tido em consideração um número mais baixo de licenças ou que o número final de licenças não tinha ainda sido definido (muito menos quantas licenças seriam genéricas e quantas seriam apenas de leitura) (41).
78. A Lämmerzahl contactou o Land de Bremen em, pelo menos, duas ocasiões, para tentar saber mais pormenores sobre o anúncio do concurso. No seu segundo conjunto de questões deixou claro que estava a partir do pressuposto de que seriam necessárias 310 licenças. Mas tal nunca foi confirmado expressamente pelo Land de Bremen. O máximo que pode dizer‑se é que o Land de Bremen, não tendo negado este número na sua resposta de 6 de Abril de 2005, confirmou tacitamente a conclusão da Lämmerzahl de que seriam necessárias 310 licenças.
79. Em suma, nem o anúncio de concurso e os documentos a este relativos nem a informação fornecida posteriormente pelo Land de Bremen indicavam, expressamente, quantas licenças eram necessárias. Contudo, o certo é que a Lämmerzahl acabou por apresentar uma proposta cujo valor era três vezes superior ao limiar fixado para os concursos de âmbito comunitário.
80. Vistas as considerações precedentes, cabe ao órgão jurisdicional nacional decidir se, em todas as circunstâncias, a aplicação do § 107, n.° 3, segunda frase, da GWB garantia uma protecção efectiva. Assim aconteceria se a informação constante do anúncio de concurso ou dos documentos relativos ao concurso fosse de molde a permitir que um proponente razoavelmente informado e normalmente diligente detectasse que tinha sido usada uma forma de procedimento errada. Se não for possível interpretar esta disposição de forma compatível com o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, a mesma não deve ser aplicada (42) e deve ser aplicado este último, que produz efeito directo (43).
Conclusão
81. De acordo com as considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda conjuntamente às duas questões submetidas para decisão prejudicial e o faça do seguinte modo:
«Quando um proponente não tenha impugnado dentro do prazo fixado pelo direito nacional a escolha da forma do procedimento que, incorrectamente, coloca um concurso público fora do âmbito de aplicação da protecção comunitária, a Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e fornecimentos, não impede que ao proponente seja retirado o direito, conferido pela directiva, de recorrer de outras decisões no processo de concurso, desde que a aplicação do prazo não torne, de facto, impossível ou excessivamente difícil na prática, nas circunstâncias do caso em apreço, recorrer da escolha do tipo de procedimento. Assim aconteceria se a informação disponível no anúncio de concurso ou nos documentos relativos ao concurso fosse insuficiente para permitir a um proponente razoavelmente informado e normalmente diligente detectar que o tipo de procedimento utilizado não foi o correcto. Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se tal ocorreu no caso concreto.»
1 – Língua original: inglês.
2 – Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e fornecimentos (JO L 395, p. 33), com as alterações introduzidas pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1).
3 – JO 1977, L 13, p. 1. Esta directiva foi revogada e substituída pela Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1) alterada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997 (JO L 328, p. 1), e pela Directiva 2001/78/CE da Comissão, de 13 de Setembro de 2001 (JO L 285, p. 1). A Directiva 93/36 foi, por sua vez, uma das directivas revogadas e substituídas pela Directiva 2004/18/CE do Parlamento e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114).
4 – V. nota 2. A Directiva 92/50 foi alterada pelas Directivas 93/36, 97/52 e 2001/78 e revogada pela Directiva 2004/18, à excepção do artigo 41.° (que alterou o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665) (v. nota 3 infra). Nos termos do artigo 2.° da Directiva 92/50 [e, posteriormente, artigo 1.°, n.° 2, alínea d), parágrafo segundo, da Directiva 2004/18], um contrato público que tenha por objecto, simultaneamente, produtos e serviços é considerado um «contrato público de serviços» sempre que o valor dos serviços em questão exceda o dos produtos abrangidos pelo contrato. O contrato em questão no presente processo inclui quer produtos (licenças de software) quer serviços (formação e manutenção), cujos valores relativos não se extraem, de forma clara, dos documentos no processo. Não é, por isso, claro se deve ser qualificado como um contrato de fornecimento de produtos ou um contrato de prestação de serviços. Porém, o valor‑limiar para incluir o contrato no âmbito de aplicação da Directiva 89/665 é, em ambos os casos, o mesmo.
5 – V. nota 3. Podem encontrar‑se disposições idênticas às do artigo 10.°, n.° 1 e n.° 1‑A, da Directiva 93/36, respeitantes aos contratos públicos de fornecimentos, no artigo 18.°, n.os 1 e 2, da Directiva 92/50. Ambos os conjuntos normativos foram, posteriormente, substituídos pelo artigo 38.°, n.os 2 e 4, da Directiva 2004/18.
6 – Nota não relevante para a versão portuguesa.
7 – Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen, de 26 de Agosto de 1998 (BGBl I, p. 2521). A parte IV engloba os §§ 97 a 129. Está dividida em três secções, a segunda das quais (§§ 102 a 124) respeita aos recursos.
8 – O § 127, n.° 1, da GWB atribui ao governo federal, com o acordo do Bundesrat, a competência para transpor para a ordem jurídica alemã, através de um regulamento, os valores‑limiar previstos nas directivas comunitárias relativas à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos.
9 – «[E]rkennbar» no original alemão.
10 – Verordnung über die Vergabe öffentlicher Aufträge, de 9 de Janeiro de 2001 (BGBl I, p. 110).
11 – V. nota 8 supra.
12 – Versão de 2002, de 17 de Setembro de 2002, Bundesanzeiger n.° 216a. As secções 1 e 2 referem‑se, respectivamente, às adjudicações de contratos com valores inferiores e superiores aos limiares comunitários. Os correspondentes parágrafos em cada secção têm o mesmo número. Em cada secção, a redacção do § 17, n.º 1, segundo parágrafo, alínea c), é idêntica.
13 – «Diese Bekanntmachung soll mindestens folgende Angaben enthalten: […] Art und Umfang der Leistung», no original alemão.
14 – Nota não relevante para a versão portuguesa.
15 – Na sua carta de 6 de Abril de 2005 (v. n. ° 20 infra), o Land de Bremen afirmou que a licença para o Land se referia a um número ilimitado de licenças para utilização em Bremen e em Bremerhaven.
16 – Parece que o Land de Bremen utilizou o procedimento de concurso nacional na sequência de uma estimativa de 150 000 EUR (efectuada em 2004) com base em 150 e não em 310 licenças.
17 – A Lämmerzahl refere‑se a esta disposição do VOL/A como sendo «não imperativa». O órgão jurisdicional de reenvio afirma, contudo, que a palavra «soll» («deve») indica, geralmente, uma obrigação de obediência, na ausência de motivos de força maior em contrário. V. n.° 12 supra e a correspondente nota de rodapé. O órgão jurisdicional de reenvio retira a sua interpretação da palavra «soll» da secção «Considerações Gerais» constante da parte final do VOL/A.
18 – O Tribunal de Justiça decidiu que a fixação de prazos de recurso razoáveis é compatível com o artigo 1.° da Directiva 89/665: acórdão de 12 de Dezembro de 2002, Universale‑Bau e o. (C‑470/99, Colect., p. I‑11617, n.os 75 a 79).
19 – O legislador comunitário impôs certos requisitos harmonizados relativamente aos contratos cujo valor exceda o limiar relevante: v. nota 3 supra.
20 – Nas minhas conclusões no processo Comissão/Finlândia, acórdão de 26 de Abril de 2007 (C‑195/04, Colect., p. I‑0000), analisei longamente este argumento.
21 – V., por exemplo, acórdãos de 14 de Dezembro de 1995, Peterbroeck (C‑312/93, Colect., p. I‑4599, n.° 12 e jurisprudência aí referida), e de 13 de Março de 2007, Unibet (C‑432/05, Colect., p. I‑0000, n.° 43, e jurisprudência aí referida).
22 – V. acórdão de 16 de Maio de 2000, Preston e o. (C‑78/98, Colect., p. I‑3201, n.° 33 e jurisprudência aí referida).
23 – Já referido na nota 18 supra.
24 – Acórdão Universale‑Bau, n.os 76 e 77.
25 – Acórdão de 27 de Fevereiro de 2003, Santex (C‑327/00 Colect., p. I‑1877, n.os 49 a 66).
26 – Acórdão Peterbroeck (já referido na nota 21 supra, n.° 14).
27 – Idem, n.os 56 e 57.
28 – Acórdão de 12 de Fevereiro de 2004, Grossmann Air Service (C‑230/02, Colect., p. I‑1829, n.° 37).
29 – O recorrente naquele processo entendeu que as especificações do concurso o discriminavam. Antes da decisão de adjudicação, não recorreu daquelas especificações nem apresentou uma proposta. O Tribunal de Justiça enunciou que a recusa em reconhecer o interesse de um recorrente em obter um determinado contrato, nas circunstâncias do caso em apreço, não punha em causa a aplicação eficaz da Directiva 89/665.
30 – Acórdão Santex, n.° 60.
31 – Acórdão de 19 de Junho de 2003, GAT (C‑315/01, Colect., p. I‑6351, n.os 53 e 54), e ainda o n.° 46 das conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed.
32 – Acórdão GAT (já referido na nota 31 supra, n.os 51 a 54).
33 – V. n.° 13 supra.
34 – V. n.° 8 supra.
35 – Uma pesquisa levada a cabo pelos departamentos competentes do Tribunal de Justiça indica que estes prazos para a impugnação dos concursos públicos se situam nos limites da duração média dos prazos de caducidade fixados por outros Estados‑Membros. São os seguintes os prazos que se aplicam nos países analisados, que consideram que o anúncio de concurso é um acto recorrível e prevêem um recurso desse anúncio, expressamente ou como parte de um sistema geral de recursos contenciosos: 7 ou 14 dias, dependendo do tipo de procedimento (Áustria e Polónia), 14 dias (Finlândia), 15 dias (Hungria), um mês (Portugal), o prazo para apresentação de propostas (Eslovénia), dois meses (Grécia e Espanha), três meses (Irlanda e Reino Unido). Não foi fixado qualquer prazo na França e no Luxemburgo. Na Dinamarca, nos Países Baixos e na Suécia o anúncio de concurso pode ser impugnado mesmo após o contrato ter sido assinado.
36 – Acórdão de 18 de Outubro de 2001, SIAC (C‑19/00, Colect., p. I‑7725, n.° 42). Uma formulação alternativa, proveniente do domínio da protecção da confiança legítima, é a de um «operador económico prudente e avisado»: v. acórdão de 22 de Junho de 2006, Bélgica e Forum 187 ASBL/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, Colect., p. I‑5479). O Land de Bremen e a Comissão sugeriram outras formulações possíveis (n.os 42 e 44 supra).
37 – V. anexo VII A da Directiva 2004/18 (nota 3 supra), que entrou em vigor em momento posterior à ocorrência dos factos no presente processo. Nos anúncios de concurso, o valor total estimado da empreitada, do fornecimento ou dos serviços nos acordos‑quadro deve ser publicitado. Nos anúncios de pré‑informação para contratos públicos de fornecimento tem de ser mencionada a quantidade ou o valor dos produtos a fornecer.
38 – V. n.° 30 supra.
39 – Acórdão SIAC (já referido na nota 36 supra, n.os 40 e 42).
40 – V. n.° 29 supra, in fine.
41 – A inconsistência entre as diferentes gamas de quantidades de licenças e o número de 310 empregados não pode ser plenamente explicada pela possibilidade de fornecer, alternativamente, licenças genéricas ou licenças apenas de leitura. O número máximo de licenças para o qual foi pedido um preço foi de 100; e as primeiras três gamas, para as quais foi pedido o preço total das licenças genéricas, ficavam abaixo do valor (210) necessário para que o número total fosse de 310.
42 – V. acórdão Santex (já referido na nota 25 supra, n.os 63 a 65 e jurisprudência aí referida).
43 – V. acórdão de 2 de Junho de 2005, Koppensteiner (C‑15/04, Colect., p. I‑4855, n.° 38).