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Document 62005TJ0452

Acórdão do Tribunal Geral (Quinta Secção) de 28 de Abril de 2010.
Belgian Sewing Thread (BST) NV contra Comissão Europeia.
Concorrência - Acordos, decisões e práticas concertadas - Mercado europeu do fio industrial - Decisão que dá por provada uma infracção ao artigo 81.º CE e ao artigo 53.º do acordo EEE - Coimas - Gravidade da infracção - Circunstâncias atenuantes - Cooperação - Responsabilidade extracontratual - Divulgação de informações com carácter confidencial - Prejuízo - Nexo de causalidade.
Processo T-452/05.

Colectânea de Jurisprudência 2010 II-01373

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2010:167

Processo T‑452/05

Belgian Sewing Thread (BST) NV

contra

Comissão Europeia

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado europeu do fio industrial – Decisão que declara provada uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo EEE – Coimas – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes – Cooperação – Responsabilidade extracontratual – Divulgação de informações com carácter confidencial – Prejuízo – Nexo de causalidade»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordos e práticas concertadas constitutivos de uma infracção única – Empresas que podem ser acusadas de uma infracção que consiste na participação num acordo global – Critérios

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

2.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Elementos de apreciação

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

3.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Imputação a uma empresa – Responsabilidade por comportamentos de outras empresas no quadro da mesma infracção – Admissibilidade – Critérios

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

4.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Fixação da coima proporcionalmente aos elementos de apreciação da gravidade da infracção – Importância relativa da reduzida dimensão do mercado em causa

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2)

5.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Relevância do volume de negócios realizado com os produtos objecto de uma prática restritiva

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

6.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Medida da capacidade efectiva para causar um prejuízo ao mercado afectado

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

7.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

8.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Situação financeira da empresa em causa

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

9.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Participação em reuniões de empresas com objecto anticoncorrencial – Necessidade de a empresa em causa demonstrar a não execução dos acordos concluídos celebrados nas reuniões

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

10.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes – Papel passivo ou seguidista da empresa

(Artigo 81.°, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, pontos 2 e 3)

11.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Redução do montante da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada – Requisitos

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 11.°, n.os 4 e 5)

12.    Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Ilicitude – Prejuízo – Nexo de causalidade – Conceito – Ónus da prova

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

1.      Uma empresa pode ser considerada responsável por um acordo global mesmo que se prove que só participou directamente em um ou alguns dos seus elementos constitutivos.

O facto de diferentes empresas terem desempenhado diferentes papéis na prossecução de um objectivo comum não elimina a identidade de objecto anticoncorrencial e de infracção, desde que cada empresa tenha contribuído, ao seu próprio nível, para a prossecução do objectivo comum.

Não constituem infracções distintas, mas sim uma infracção única, os acordos e as práticas concertadas que se inscrevam, em virtude da identidade do seu objecto, em sistemas de reuniões periódicas, de fixação dos objectivos de preços e de quotas, sistemas esses que se inscrevem por sua vez numa série de esforços das empresas que prosseguem falsear a evolução dos preços.

Quando uma empresa conhece os comportamentos ilícitos dos outros participantes ou pode razoavelmente prevê‑los e está pronta a aceitar o risco, é responsável, por todo o período da sua participação na infracção, pelos comportamentos levados a cabo por outras empresas no âmbito da mesma infracção. Essa conclusão não põe em causa o princípio do carácter pessoal da responsabilidade por essas infracções.

Basta que a Comissão demonstre que a empresa em causa participou em reuniões em que foram celebrados acordos de natureza anticoncorrencial, sem a isso se ter manifestamente oposto, para prova bastante da participação dessa empresa no cartel. Quando a participação em tais reuniões tiver sido demonstrada, incumbe a essa empresa apresentar indícios que possam demonstrar que a sua participação nas referidas reuniões era desprovida de qualquer espírito anticoncorrencial, demonstrando que indicou aos seus concorrentes que participava nessas reuniões numa óptica diferente da deles. A razão subjacente a este princípio de direito é que, tendo participado na referida reunião sem se distanciar publicamente do seu conteúdo, a empresa deu a entender aos outros participantes que subscrevia o seu resultado e que actuaria em conformidade com ele. Isto vale também para a participação de uma empresa na execução de um acordo único. Para provar a participação de uma empresa nesse acordo, a Comissão tem de provar que a empresa quis contribuir, através do seu próprio comportamento, para os objectivos comuns prosseguidos por todos participantes e que tinha conhecimento dos comportamentos materiais planeados ou postos em prática por outras empresas na prossecução dos mesmos objectivos, ou que, razoavelmente, os podia prever e estava pronta a aceitar o risco.

(cf. n.os 32, 33, 37)

2.      Não se pode confundir a apreciação da gravidade da infracção, que serve para determinar o nível de partida da coima, e a apreciação da gravidade da participação de cada uma das empresas, devendo esta última questão ser examinada no âmbito da eventual aplicação de circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Por outro lado, enquanto o montante de partida da coima é fixado em função da infracção, a sua gravidade relativa é determinada por referência a muitos factores, sobre os quais a Comissão dispõe de uma margem de apreciação. Além disso, resulta das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.° 2 do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA. que a apreciação da gravidade da infracção é feita em duas etapas. Num primeiro momento, a gravidade geral é apreciada unicamente em função dos elementos específicos da infracção, tais como a sua natureza e o seu impacto no mercado, e, num segundo momento, a apreciação da gravidade relativa é modulada em função das circunstâncias específicas da empresa em causa, o que leva ainda a Comissão a tomar em consideração não só as eventuais circunstâncias agravantes mas também, sendo caso disso, as circunstâncias atenuantes. Isso permite, nomeadamente no âmbito de infracções que envolvam várias empresas, ter em conta, na apreciação da gravidade da infracção, o papel desempenhado por cada empresa e a sua atitude para com a Comissão durante o procedimento.

(cf. n.os 46, 48)

3.      Uma empresa que tenha participado numa infracção multiforme às normas comunitárias da concorrência por comportamentos próprios, que integram os conceitos de acordo ou de prática concertada com um objectivo anticoncorrencial, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, e que visam contribuir para a realização da infracção, no seu conjunto, pode igualmente ser responsável pelos comportamentos postos em prática por outras empresas no âmbito da mesma infracção relativamente a todo o período em que nela participou quando se provar que a empresa em questão conhecia os comportamentos ilícitos dos outros participantes ou podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco.

(cf. n.° 33)

4.      O princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do que for apropriado e necessário para atingir o fim desejado.

No contexto do cálculo das coimas, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos e não se deve atribuir a nenhum desses outros elementos uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação.

O princípio da proporcionalidade implica neste contexto que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infracção e que deve aplicar estes elementos de forma coerente e objectivamente justificada.

Nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado, a Comissão pode aplicar coimas às empresas cujo montante não exceda 10% do volume de negócios realizado no exercício social anterior por cada uma das empresas participantes na infracção. Para determinar o montante da coima dentro desse limite, essas disposições mandam que se tome em conta a gravidade e a duração da infracção. Além disso, em conformidade com as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.° 2 do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA, a Comissão fixa o montante de partida da coima em função da gravidade da infracção tendo em conta a sua própria natureza, o seu impacto concreto no mercado, se for mensurável, e a dimensão do mercado geográfico.

Assim, nem o Regulamento n.° 17 nem o Regulamento n.° 1/2003 nem as orientações prevêem que o montante das coimas seja fixado directamente em função da dimensão do mercado afectado, sendo esse factor apenas um entre outros. Este quadro jurídico não impõe, portanto, enquanto tal, que a Comissão tenha em conta a pequena dimensão do mercado dos produtos. Contudo, na apreciação da gravidade de uma infracção, compete à Comissão ter em conta um grande número de elementos cujo carácter e importância variam segundo o tipo e as circunstâncias particulares da infracção. Não se pode excluir a possibilidade de, entre estes elementos que atestam a gravidade de uma infracção, surgir, consoante o caso, a dimensão do mercado do produto. Por conseguinte, embora a dimensão do mercado possa constituir um elemento a ter em conta na determinação da gravidade da infracção, a sua importância varia em função do tipo e das circunstâncias específicas da infracção.

As práticas que consistam em as empresas trocarem informações sensíveis sobre listas de preços e/ou os preços facturados aos diferentes clientes, em acordarem subidas de preços e/ou objectivos em termos de preços, em evitarem fazer concorrência pelos preços, com vantagem do fornecedor existente e em repartirem entre si os clientes são uma restrição horizontal do tipo «cartel de preços», na acepção das orientações, assim constituindo uma infracção «muito grave» por natureza. Neste contexto, a alegada pequena dimensão do mercado em causa, admitindo‑a demonstrada, tem pouca importância face a todos os outros elementos demonstrativos da gravidade da infracção.

(cf. n.os 60‑65)

5.      Há que lembrar primeiro que a referência expressa só ao volume de negócios global de uma empresa participante na infracção prevista no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado, diz respeito ao limite máximo que o montante de uma coima não pode exceder. Dentro desse limite, a Comissão pode, em princípio, fixar a coima a partir do volume de negócios que escolher, em termos de base geográfica e de produtos em causa, sem ter de se basear com precisão no volume de negócios global ou no volume de negócios realizado no mercado geográfico ou no mercado dos produtos em causa. Além disso, embora as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.° 2 do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA, não prevejam o cálculo das coimas em função de um volume de negócios determinado, não se opõem a que o volume de negócios realizado por essas empresas no mercado em causa seja tido em conta na determinação do montante da coima a fim de serem respeitados os princípios gerais do direito da União e quando as circunstâncias o exijam. O volume de negócios pode assim constituir um dos elementos que servem para calcular o montante das coimas nos termos do ponto 1 A, quarto e sexto parágrafos, das orientações.

Daí resulta que a Comissão é livre de tomar em consideração o volume de negócios que entender, desde que este não se revele despropositado em função das circunstâncias do caso. Do mesmo modo, a Comissão não é obrigada a assegurar, no caso de serem aplicadas coimas a várias empresas envolvidas numa mesma infracção, que os montantes finais das coimas traduzam todas as diferenças entre elas quanto ao seu volume de negócios global ou quanto ao seu volume de negócios relevante.

Quanto à escolha que a Comissão pode fazer entre os volumes de negócios, na análise da capacidade económica efectiva dos infractores para prejudicarem a concorrência, que implica uma apreciação da importância real dessas empresas no mercado em causa, isto é, da sua influência nesse mercado, o volume de negócios global apenas dá uma visão incompleta da situação real. Com efeito, não se pode excluir a possibilidade de uma empresa poderosa com muitas actividades diferentes ter uma presença acessória num mercado de produtos específico. Do mesmo modo, não se pode excluir a possibilidade de uma empresa com uma posição considerável num mercado geográfico diferente do da União apenas dispor de uma pequena posição nesse mercado ou no mercado do Espaço Económico Europeu. Nesses casos, o simples facto de a empresa realizar um grande volume de negócios global não significa necessariamente que exerce uma influência determinante no mercado afectado. É por isso que o volume de negócios de uma empresa no mercado em causa, apesar de não ser determinante para se concluir que essa empresa pertence a uma entidade económica poderosa, é importante para determinar a influência que pôde exercer no mercado.

Assim, a parte do volume de negócios proveniente da venda das mercadorias objecto da infracção é susceptível de dar uma justa indicação da dimensão da infracção no mercado em causa. Com efeito, o volume de negócios resultante das mercadorias objecto da infracção é susceptível de dar uma justa indicação da responsabilidade de cada empresa no mercado em causa, visto constituir um elemento objectivo que dá uma justa medida da nocividade do comportamento ilícito para o jogo normal da concorrência e representa, portanto, um bom indicador da capacidade de cada empresa para prejudicar a concorrência.

(cf. n.os 76‑79)

6.      A Comissão pode basear a sua avaliação da capacidade económica efectiva dos agentes de uma infracção às normas de concorrência para prejudicarem significativamente os outros operadores, para efeitos da apreciação da gravidade dessa infracção e da fixação do montante de partida da coima, nos dados relativos ao volume de negócios e às quotas de mercado no mercado em causa, a menos que determinadas circunstâncias específicas, tais como as características desse mercado, sejam susceptíveis de reduzir sensivelmente a importância desses dados e de impor, para a apreciação da influência das empresas no mercado, que sejam tidos em conta outros factores relevantes, nomeadamente, se for caso disso, a integração vertical e a extensão da gama de produtos.

(cf. n.° 82)

7.      A Comissão não é obrigada, ao proceder à determinação do montante das coimas, a assegurar, no caso de serem aplicadas coimas a várias empresas envolvidas numa mesma infracção, que os montantes finais das coimas traduzam todas as diferenças entre elas quanto ao seu volume de negócios global ou quanto ao seu volume de negócios relevante.

A esse respeito, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado, também não exigem que, no caso de serem aplicadas coimas a várias empresas envolvidas na mesma infracção, o montante da coima aplicada a uma empresa de pequena ou média dimensão não seja superior, em percentagem do volume de negócios, ao das coimas aplicadas às empresas maiores. Com efeito, resulta dessas disposições que, tanto para as empresas de pequena ou média dimensão como para as empresas de dimensão superior, há que tomar em consideração, na determinação do montante da coima, a gravidade e a duração da infracção. Na medida em que a Comissão aplique a cada uma das empresas envolvidas na mesma infracção coimas justificadas, relativamente à gravidade e à duração da infracção, não merece qualquer reparo o facto de, para algumas delas, o montante da coima ser superior, face ao volume de negócios, ao de outras empresas.

(cf. n.os 89, 90)

8.      A Comissão não é obrigada a ter em conta a situação financeira deficitária de uma empresa quando fixa o montante de uma coima. Ter isso em conta levaria a conferir uma vantagem concorrencial injustificada às empresas menos adaptadas às condições do mercado. Admitindo que uma medida tomada por uma instituição provoque a liquidação de uma empresa, essa liquidação da empresa sob a sua forma jurídica, embora possa prejudicar os interesses financeiros dos proprietários, accionistas ou detentores de quotas, não significa que os elementos pessoais, materiais e imateriais representados pela empresa percam também o seu valor.

(cf. n.os 95, 96)

9.      Para demonstrar o facto de não terem sido postos em prática os acordos celebrados em reuniões com um objecto anticoncorrencial, a empresa arguida num procedimento administrativo aberto por acordos proibidos deve demonstrar que, durante o período em que aderiu aos acordos ilícitos, se subtraiu efectivamente à sua aplicação adoptando um comportamento concorrencial no mercado ou, no mínimo, que violou claramente e de modo considerável as obrigações destinadas a pô‑los em prática, a ponto de ter perturbado o seu funcionamento.

(cf. n.° 111)

10.    O papel passivo que as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA permitem qualificar como circunstância atenuante na realização de um acordo proibido implica a adopção pela empresa em causa de uma «atitude discreta», ou seja, não participar activamente na elaboração do ou dos acordos anticoncorrenciais. Entre os elementos susceptíveis de revelar o papel passivo de uma empresa num acordo podem ser tidos em conta o carácter sensivelmente mais esporádico das suas participações nas reuniões relativamente aos membros normais do acordo, assim como a sua entrada tardia no mercado objecto da infracção, independentemente da duração da sua participação nesta, ou ainda a existência de declarações expressas neste sentido dos representantes de empresas terceiras que participaram na infracção.

O facto de uma empresa, cuja participação numa concertação ilegal por força do artigo 81.°, n.° 1, CE está provada, não se ter comportado no mercado da forma acordada com os seus concorrentes não constitui necessariamente um elemento a ter em conta. Com efeito, uma empresa que, apesar da concertação com os seus concorrentes, prossegue uma política que se afasta da acordada pode simplesmente estar a tentar tirar partido do cartel em seu proveito.

(cf. n.os 119, 120, 129)

11.    Na determinação do montante das coimas por infracção às normas comunitárias da concorrência, uma cooperação no inquérito que não ultrapasse o que resulta das obrigações que incumbem às empresas por força do artigo 11.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 17 não justifica uma redução do seu montante. Em contrapartida, justifica‑se essa redução quando a empresa tiver dado informações que vão muito além daquelas cuja apresentação pode ser exigida pela Comissão nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17.

Quando a empresa arguida não se limita a fornecer dados de facto, mas provas importantes da infracção em causa e não contesta a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações, deve ser-lhe concedida uma redução superior à das empresas cuja cooperação foi qualificada de inútil pela Comissão em comparação com a da empresa em causa.

(cf. n.os 147‑151)

12.    É à parte que pretende responsabilizar a Comunidade que incumbe apresentar provas da existência ou da dimensão do dano que alega e demonstrar que entre esse dano e o comportamento em questão existe um nexo suficientemente directo de causa/efeito. A esse respeito, na determinação do valor de lucros cessantes e, portanto, necessariamente do valor de operações económicas hipotéticas, pode ser difícil ou mesmo impossível o demandante quantificar exactamente o dano que alega ter sofrido. Nesses casos o julgador pode limitar‑se a decidir com base em valores estatísticos médios. Contudo, isso não dispensa a recorrente de qualquer ónus de prova do dano alegado. Com efeito, embora o valor de lucros cessantes represente necessariamente um dado hipotético que deve ser avaliado por estimativa visto não poder ser calculado de forma certa, também é necessário que os dados em que se baseia essa estimativa possam e devam, na medida do possível, ser provados pela parte que os invoca.

(cf. n.os 167, 168)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

28 de Abril de 2010 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado europeu do fio industrial – Decisão que declara provada uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo EEE – Coimas – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes – Cooperação – Responsabilidade extracontratual – Divulgação de informações com carácter confidencial – Prejuízo – Nexo de causalidade»

No processo T‑452/05,

Belgian Sewing Thread (BST) NV, com sede em Deerlijk (Bélgica), representada por H. Gilliams e J. Bocken, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Bouquet e K. Mojzesowicz, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido, por um lado, de anulação da decisão C (2005) 3452 da Comissão, de 14 de Setembro de 2005, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE, conforme alterada pela decisão C (2005) 3765 da Comissão, de 13 de Outubro de 2005, e, a título subsidiário, um pedido de redução do montante da coima aplicada à recorrente nessa decisão, e, por outro, um pedido de condenação da Comissão numa indemnização, por responsabilidade extracontratual da Comunidade Europeia, pelo dano sofrido pela recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. Prek (relator) e V. M. Ciucǎ, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Dezembro de 2008,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1.     Objecto do litígio

1        Pela decisão C (2005) 3452, de 14 de Setembro de 2005, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.337 – PO/Fil, a seguir «decisão recorrida»), conforme alterada pela decisão C (2005) 3765 da Comissão, de 13 de Outubro de 2005, da qual foi publicado um resumo no Jornal Oficial da União Europeia de 26 de Janeiro de 2008 (JO C 21, p. 10), a Comissão das Comunidades Europeias declarou que a recorrente, Belgian Sewing Thread (BST) NV, tinha participado num conjunto de acordos e práticas concertadas no mercado do fio industrial, com exclusão do sector automóvel, nos países do Benelux e na Dinamarca, na Finlândia, na Suécia e na Noruega (a seguir «países nórdicos»), no período compreendido entre Junho de 1991 e Setembro de 2001.

2        A Comissão aplicou à recorrente uma coima no valor de 0,979 milhão de euros pela sua participação no cartel no mercado do fio industrial, com exclusão do sector automóvel, nos países do Benelux e nos países nórdicos.

2.     Procedimento administrativo

3        Em 7 e 8 de Novembro de 2001, a Comissão procedeu a inspecções, nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de aplicação dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), nas instalações de vários produtores de fio. Essas inspecções eram efectuadas no seguimento de informações prestadas em Agosto de 2000 pela The English Needle & Tackle Co.

4        Em 26 de Novembro de 2001, a Coats Viyella plc (a seguir «Coats») apresentou um pedido de clemência ao abrigo da Comunicação da Comissão sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»), ao qual estavam juntos determinados documentos apresentados como prova da existência dos seguintes acordos: em primeiro lugar, um acordo sobre o mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE, em segundo lugar, um acordo sobre o mercado do fio destinado à indústria do Reino Unido e, em terceiro lugar, um acordo sobre o mercado do fio industrial com exclusão do sector automóvel nos países do Benelux e nos países nórdicos (a seguir «cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos»).

5        Com base nos documentos apreendidos nas inspecções e nos documentos comunicados pela Coats, a Comissão pediu informações às empresas em causa em Março e Agosto de 2003, de acordo com o artigo 11.° do Regulamento n.° 17.

6        Em 15 de Março de 2004, a Comissão deduziu uma comunicação de acusações que dirigiu a várias empresas pela sua participação num ou mais dos cartéis acima referidos no n.° 4, incluindo o no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos. Todas as empresas tiveram acesso ao processo instrutor da Comissão por cópia em CD‑ROM que lhes foi enviada em 7 de Abril de 2004.

7        Todas as empresas destinatárias da comunicação de acusações apresentaram observações escritas.

8        Procedeu‑se a uma audição em 19 e 20 de Julho de 2004.

9        Em 24 de Setembro de 2004, foi facultada às partes uma versão não confidencial das respostas à comunicação de acusações e as observações das partes na audição, tendo‑lhes sido concedido um prazo para novas observações.

10      Em 14 de Setembro de 2005, a Comissão adoptou a decisão recorrida.

3.     Decisão recorrida

 Definição do mercado em causa

11      Na decisão recorrida, é feita uma distinção entre o fio destinado à indústria automóvel, por um lado, e o fio industrial com exclusão do sector automóvel, por outro. Na mesma decisão recorrida, a Comissão indicou que o mercado de produtos que tinha servido para a análise da infracção imputada à recorrente fora o do fio industrial.

12      O mercado geográfico abrangido pela infracção imputada à recorrente é o dos países do Benelux e o dos países nórdicos.

 Dimensão e estrutura do mercado em causa

13      Na decisão recorrida, a Comissão precisou que o volume de vendas no mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos era de cerca de 50 milhões de euros em 2000 e de cerca de 40 milhões de euros em 2004.

14      A Comissão indicou ainda que, no final dos anos 90, os principais fornecedores de fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos eram nomeadamente a recorrente, a Gütermann AG (a seguir «Gütermann»), a Zwicky & Co. AG (a seguir «Zwicky»), a Amann und Söhne GmbH & Co. KG (a seguir «Amann»), a Barbour Threads Ltd (a seguir «Barbour») antes da sua aquisição pela Coats, e a Coats.

 Descrição dos comportamentos ilícitos

15      A Comissão indicou na decisão recorrida, que a infracção imputada à recorrente no mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos tinha sido praticada nos anos de 1990 a 2001.

16      Segundo a Comissão, as empresas em causa encontraram‑se pelo menos uma vez por ano e essas reuniões foram organizadas em duas sessões, uma dedicada ao mercado dos países do Benelux, a outra ao dos países nórdicos, sendo o seu objectivo manter os preços a um nível elevado em cada um desses dois mercados.

17      Os participantes trocaram listas de preços e informações sobre os descontos, sobre a aplicação dos aumentos dos preços de catálogo, sobre as reduções de descontos e sobre o aumento de preços especiais aplicáveis a certos clientes. Foram também celebrados acordos sobre as futuras listas de preços, sobre a taxa máxima de descontos, sobre as reduções de descontos e sobre o aumento dos preços especiais aplicáveis a certos clientes, e ainda acordos destinados a evitar praticar preços inferiores aos do fornecedor existente e para repartir os clientes entre si (decisão recorrida, considerandos 99 a 125).

 Dispositivo da decisão recorrida

18      No artigo 1.°, n.° 1, da decisão recorrida, a Comissão deu por provado que oito empresas, entre as quais a recorrente, tinham cometido uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE ao participarem em acordos e práticas concertadas no mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos, no período compreendido entre Junho de 1991 e Setembro de 2001, no que respeita à recorrente.

19      Nos termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão recorrida, foram aplicadas coimas pelo cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos, nomeadamente às seguintes empresas:

–        Coats: 15,05 milhões de euros;

–        Amann: 13,09 milhões de euros;

–        a recorrente: 0,979 milhão de euros;

–        Gütermann: 4,021 milhões de euros;

–        Zwicky: 0,174 milhão de euros.

20      No artigo 3.° da decisão recorrida, a Comissão intimou as empresas destinatárias a porem imediatamente termo às infracções apuradas, caso não o tivessem já feito. Obrigou‑as ainda a não praticarem qualquer acto dos referidos no artigo 1.° da decisão recorrida e qualquer acto ou prática com objectivo ou efeito equivalente.

4.     Tramitação do processo e pedidos das partes

21      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de Dezembro de 2005, a recorrente interpôs o presente recurso.

22      Tendo sido modificada a composição das Secções do Tribunal Geral, o juiz‑relator foi afectado à Quinta Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, distribuído.

23      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 1.° da decisão impugnada, no que lhe diz respeito,

–        anular o artigo 2.° da decisão recorrida na medida em que a Comissão lhe aplica uma coima de 0,979 milhão de euros ou, a título subsidiário, reduzir substancialmente o montante dessa coima;

–        condenar a Comissão a indemnizá‑la pelos danos sofridos, na medida indicada na petição;

–        designar um perito para determinar a parte do dano ainda não quantificável;

–        condenar a Comissão nas despesas.

24      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso de anulação;

–        julgar improcedente o pedido de indemnização;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

25      O presente recurso contém, por um lado, um pedido de anulação parcial da decisão recorrida ou, a título subsidiário, um pedido de redução do montante da coima aplicada e, por outro, um pedido de indemnização.

1.     Quanto ao pedido de anulação do artigo 1.° da decisão recorrida no que respeita à recorrente

 Observações preliminares

26      A título preliminar, há que observar que, no âmbito do primeiro fundamento de anulação do artigo 1.° da decisão recorrida, a recorrente alega que os factos constitutivos da infracção que não nega ter cometido não podem ser equiparados à infracção «muito grave» que lhe é imputada no artigo 1.° da decisão recorrida. A esse respeito, alega que a infracção que admite ter cometido deve ser distinguida das infracções cometidas pelas outras empresas. Alega, assim, no essencial, que a infracção que cometeu não se integra na infracção única e continuada no mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos a que se refere esse artigo 1.° Há que considerar, portanto, que, com esses argumentos, a recorrente contesta a existência da infracção que lhe é imputada.

27      Contudo, uma grande parte da argumentação desenvolvida pela recorrente no âmbito deste fundamento respeita à apreciação feita pela Comissão da gravidade da infracção e à correlativa fixação do montante da coima à luz do papel individual da recorrente nessa infracção. Assim, essa argumentação não é relativa à própria existência da infracção, antes pretendendo contestar a coima e o seu montante. Portanto, é no âmbito dos fundamentos dedicados à anulação ou à redução da coima que essa argumentação será analisada.

 Argumentos das partes

28      Embora a recorrente não ponha em causa a materialidade dos factos referidos na comunicação de acusações de 15 de Março de 2004, contesta que os factos que lhe são imputados possam ser equiparados à infracção cometida pelas empresas que a conceberam e organizaram. A esse respeito, alega que o cartel foi concebido e organizado por outras empresas sem ter sido envolvida nessas operações.

29      A Comissão conclui pela improcedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal

30      Há que analisar o argumento da recorrente de que, no essencial, não se pode considerar que os factos que lhe são imputados se integram na infracção única e continuada no mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos dada por provada no artigo 1.° da decisão recorrida e que deveriam por isso ter sido apreciados de forma distinta e específica.

31      Antes de mais, resulta da jurisprudência que, tendo em conta a natureza das infracções às regras de concorrência, bem como a natureza e o grau de severidade das sanções que lhe foram associadas, a responsabilidade pelo cometimento dessas infracções tem carácter pessoal. Com efeito, os acordos e práticas concertadas a que se refere o artigo 81.°, n.° 1, CE resultam necessariamente do concurso de várias empresas, que são todas co‑autoras da infracção, mas cuja participação pode revestir diversas formas, nomeadamente em função das características do mercado em causa e da posição de cada empresa no mercado, das finalidades prosseguidas e das modalidades de execução escolhidas ou planeadas. Todavia, a simples circunstância de cada empresa participar na infracção de forma específica não basta para excluir a sua responsabilidade no conjunto da infracção, incluindo nos comportamentos materialmente praticados por outras empresas participantes, mas que partilham o mesmo objectivo ou mesmo efeito anticoncorrencial (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.os 78 a 80).

32      Assim, uma empresa pode ser considerada responsável por um acordo global mesmo que se prove que só participou directamente em um ou alguns dos seus elementos constitutivos, quando, por um lado, sabia, ou devia necessariamente saber, que a colusão em que participava, em especial através de reuniões regulares organizadas durante vários anos, se inscrevia num dispositivo de conjunto destinado a falsear o jogo normal da concorrência e, por outro, quando esse dispositivo compreende o conjunto dos elementos constitutivos do acordo (acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, Corus UK/Comissão, T‑48/00, Colect., p. II‑2325, n.° 176). De igual modo, o facto de diferentes empresas terem desempenhado diferentes papéis na prossecução de um objectivo comum não elimina a identidade de objecto anticoncorrencial e, por conseguinte, de infracção, desde que cada empresa tenha contribuído, ao seu próprio nível, para a prossecução do objectivo comum (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 4123).

33      Por último, quando os acordos e as práticas concertadas observados se tiverem inscrito, em virtude da identidade do seu objecto, em sistemas de reuniões periódicas, de fixação dos objectivos de preços e de quotas, sistemas esses que se inscrevem por sua vez numa série de esforços das empresas em causa que prosseguem um único fim económico, a saber, falsear a evolução dos preços, seria artificial subdividir esse comportamento contínuo, caracterizado por uma única finalidade, aí vendo diversas infracções distintas, quando se trata, pelo contrário, de uma única infracção que se concretizou progressivamente tanto através dos acordos como das práticas concertadas. Uma empresa que tenha participado em tal infracção através de comportamentos próprios, que integram os conceitos de acordo ou de prática concertada com um objectivo anticoncorrencial, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, e que visam contribuir para a realização da infracção, no seu conjunto, é igualmente responsável, relativamente a todo o período em que participou na referida infracção, pelos comportamentos postos em prática por outras empresas no âmbito da mesma infracção. É o que se passa, com efeito, quando se prova que a empresa em questão conhecia os comportamentos ilícitos dos outros participantes ou podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco. Esta conclusão não viola o princípio segundo o qual a responsabilidade por essas infracções tem carácter pessoal. Com efeito, corresponde a uma concepção amplamente difundida nas ordens jurídicas dos Estados‑Membros quanto à imputação da responsabilidade por infracções cometidas por diversos autores em função da sua participação no conjunto da infracção e que, nesses sistemas jurídicos, não é considerada contrária ao carácter pessoal da responsabilidade (v., neste sentido, acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, referido no n.° 31 supra, n.os 82 a 84).

34      Há que determinar, portanto, se os factos imputados à recorrente se inscrevem num dispositivo de conjunto destinado a falsear o jogo normal da concorrência no mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos e, por isso, se integram efectivamente na infracção única e continuada que constitui o cartel nesse mercado.

35      A esse respeito, a recorrente não impugna ter participado em reuniões relativas ao mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos. Também não põe em causa o facto de, nessas reuniões, os participantes terem trocado listas de preços e informações sobre os descontos, sobre a aplicação de aumentos de preços de catálogo, sobre reduções de descontos e sobre o aumento de preços especiais aplicáveis a certos clientes, de terem chegado a acordo sobre futuras listas de preços, sobre a taxa máxima de desconto, sobre a redução de descontos e sobre o aumento de preços especiais aplicáveis a certos clientes, a fim de evitar praticar preços inferiores aos do fornecedor existente e repartir os clientes, e terem instituído contactos destinados a persuadir os fornecedores que não participavam nessas reuniões a passarem a fazê‑lo.

36      Além disso, a recorrente reconhece ter participado nessas reuniões com a consciência de que os respectivos organizadores tinham a intenção de a envolver em acordos anticoncorrenciais. Declara mesmo que esperava que a Comissão a condenasse por uma infracção.

37      Por outro lado, segundo a jurisprudência, basta que a Comissão demonstre que a empresa em causa participou em reuniões em que foram celebrados acordos de natureza anticoncorrencial, sem a isso se ter manifestamente oposto, para prova bastante da participação dessa empresa no cartel. Quando a participação em tais reuniões tiver sido demonstrada, incumbe a essa empresa apresentar indícios que possam demonstrar que a sua participação nas referidas reuniões era desprovida de qualquer espírito anticoncorrencial, demonstrando que indicara aos seus concorrentes que participava nessas reuniões numa óptica diferente da deles (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colect., p. I‑4287, n.° 155, e Comissão/Anic Partecipazioni, referido no n.° 31 supra, n.° 96). A razão subjacente a este princípio de direito é que, tendo participado na referida reunião sem se distanciar publicamente do seu conteúdo, a empresa deu a entender aos outros participantes que subscrevia o seu resultado e que actuaria em conformidade com ele. Isto vale também para a participação de uma empresa na execução de um acordo único. Para provar a participação de uma empresa nesse acordo, a Comissão tem de provar que a empresa quis contribuir, através do seu próprio comportamento, para os objectivos comuns prosseguidos por todos participantes e que tinha conhecimento dos comportamentos materiais planeados ou postos em prática por outras empresas na prossecução dos mesmos objectivos, ou que, razoavelmente, os podia prever e estava pronta a aceitar o risco (acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, referido no n.° 31 supra, n.° 87).

38      Ora, a recorrente não demonstrou que tivesse indicado aos seus concorrentes que participava nas referidas reuniões numa óptica diferente da deles.

39      Resulta do exposto que a Comissão decidiu bem ao considerar que a recorrente era responsável pela infracção única cometida no mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos, como referida no artigo 1.° da decisão recorrida.

40      Assim sendo, improcede o fundamento pelo qual a recorrente contesta ter cometido a infracção referida no artigo 1.° da decisão recorrida.

2.     Quanto ao pedido de anulação do artigo 2.° da decisão recorrida na parte respeitante à recorrente ou, a título subsidiário, de redução do montante da coima

41      A recorrente invoca, no essencial, quatro fundamentos de impugnação da coima e do seu montante. O primeiro é relativo à apreciação errada da infracção em causa como «muito grave». O segundo, com quatro alegações, respeita à fixação errada do montante de partida e à classificação errada da recorrente na segunda categoria, por não terem sido tidas em conta, respectivamente, a dimensão do mercado em causa, a capacidade económica efectiva para prejudicar a concorrência, a situação da recorrente face às outras empresas nem a sua precária situação financeira. O terceiro é relativo à apreciação errada das circunstâncias atenuantes. O quarto é relativo à apreciação errada da cooperação.

 Quanto ao fundamento relativo à qualificação errada da infracção de «muito grave»

 Argumentos das partes

42      A recorrente alega que a Comissão qualificou erradamente de «muito grave» a infracção que lhe é imputada. Critica a Comissão por ter considerado que não devia ter em conta as circunstâncias específicas relativas unicamente ao seu papel pessoal. A Comissão não teve, portanto, em conta o seu papel na infracção em causa nem as circunstâncias concretas da sua participação nas reuniões relativas ao mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos. A esse respeito, a recorrente alega que não teve absolutamente nenhum papel na concepção e organização da infracção em causa, não teve o objectivo, ao participar nessas reuniões, de celebrar acordos anticoncorrenciais nem pôs nunca em prática os acordos celebrados nessas reuniões.

43      A Comissão pede que este fundamento seja julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal

44      Antes de mais, como acima se observa no âmbito do fundamento de impugnação da infracção e, em particular, no n.° 39, a Comissão teve razão ao considerar que a recorrente tinha participado na infracção única e continuada no mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos referida no artigo 1.° da decisão recorrida.

45      Seguidamente, a infracção única e continuada no mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos consistiu essencialmente em as empresas trocarem informações sensíveis sobre listas de preços e/ou os preços facturados aos diferentes clientes, em acordarem subidas de preços e/ou objectivos em termos de preços e em evitarem praticar preços inferiores aos do fornecedor existente, a fim de repartir entre si os clientes (considerandos 99 a 125 e 345 da decisão recorrida). Essas práticas são uma restrição horizontal do tipo «cartel de preços», na acepção das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»), assim constituindo uma infracção «muito grave» por natureza. A Comissão não cometeu, pois, qualquer erro ao qualificar essa infracção de «muito grave».

46      Por último, os argumentos da recorrente para contestar a gravidade dos factos que lhe são imputados são relativos ao seu papel individual na infracção em causa, pelo que não podem pôr em causa a sua qualificação de «muito grave». Com efeito, esses argumentos resultam de uma confusão entre a apreciação da gravidade da infracção, que serve para determinar o nível de partida da coima e a da gravidade da participação de cada uma das empresas, devendo esta última questão ser examinada no âmbito da eventual aplicação de circunstâncias agravantes ou atenuantes.

47      Há que julgar também improcedente o argumento da recorrente de que o montante de partida geral da coima fixado correlativamente à gravidade geral da infracção deve estar ligado à sua participação individual.

48      Com efeito, enquanto o montante de partida da coima é fixado em função da infracção, a sua gravidade relativa é determinada por referência a muitos factores, sobre os quais a Comissão dispõe de uma margem de apreciação (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2006, SGL Carbon/Comissão, C‑308/04 P, Colect., p. I‑5977, n.° 71). Por outro lado, resulta das orientações que a apreciação da gravidade da infracção é feita em duas etapas. Num primeiro momento, a gravidade geral é apreciada unicamente em função dos elementos específicos da infracção, tais como a sua natureza e o seu impacto no mercado, e, num segundo momento, a apreciação da gravidade relativa é modulada em função das circunstâncias específicas da empresa em causa, o que leva ainda a Comissão a tomar em consideração não só as eventuais circunstâncias agravantes mas também, sendo caso disso, as circunstâncias atenuantes. Isso permite, nomeadamente no âmbito de infracções que envolvam várias empresas, ter em conta, na apreciação da gravidade da infracção, o papel desempenhado por cada empresa e a sua atitude para com a Comissão durante o procedimento (acórdão do Tribunal Geral de 12 de Julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão, T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, Colect., p. II‑2035, n.° 109). Assim, admitindo que fosse despiciendo, o papel individual da recorrente não pode pôr em causa a qualificação de «muito grave» da infracção única.

49      O argumento da recorrente de que a sua participação nas reuniões se inscrevia numa perspectiva de venda da empresa e que não tinha, portanto, qualquer intenção de aí fazer acordos anticoncorrenciais também não colhe. Com efeito, a eventualidade de uma venda em nada justifica a participação em reuniões com um objecto anticoncorrencial. Além disso, há que rejeitar o argumento da recorrente de que a sua participação nas reuniões tinha resultado também de uma forte pressão exercida por outras empresas envolvidas. Por um lado, a existência dessas alegadas pressões nada muda quanto à gravidade da infracção em que a recorrente participou. Por outro lado, mesmo admitindo que a recorrente tivesse sofrido pressões, não as pode invocar, pois podia tê‑las denunciado às autoridades competentes e apresentado à Comissão uma denúncia nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, em vez de participar nessas actividades (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 29 de Novembro de 2005, Union Pigments/Comissão, T‑62/02, Colect., p. II‑5057, n.° 63).

50      Em conclusão, improcede o fundamento relativo à qualificação errada da infracção de «muito grave».

 Quanto ao fundamento relativo à fixação errada do montante de partida da coima e do montante da coima e à classificação errada da recorrente na segunda categoria

 Argumentos das partes

51      São apresentadas quatro alegações em apoio do fundamento relativo à fixação errada do montante de partida da coima e do montante da coima, bem como à classificação errada da recorrente na segunda categoria. Consistem, respectivamente, em não ser tido em conta a pequena dimensão do mercado em causa, na apreciação errada da capacidade económica efectiva da recorrente para prejudicar a concorrência, na desproporção do montante de partida da coima aplicada à recorrente em comparação com as de outras empresas e em não ter sido tida em conta a sua situação financeira deficitária.

52      Em primeiro lugar, a recorrente critica a Comissão por não ter tido em conta a pequena dimensão do mercado em causa e, portanto, por ter fixado um montante de partida da coima demasiado alto face a essa dimensão. Entende que a Comissão teve em conta a pequena dimensão do mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE ao fixar o montante de partida das coimas em 5 milhões de euros para um mercado avaliado em 20 milhões de euros em 1999. Ora, quanto ao mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos, a Comissão fixou o montante de partida das coimas em 14 milhões de euros para um mercado avaliado em 40 milhões de euros em 2004.

53      A recorrente alega ainda que a Comissão avaliou erradamente o mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos em 40 milhões de euros em 2004, pois não teve em conta o facto de que a maior parte do fio industrial vendido no EEE era comprado por operadores que o exportavam para empresas estabelecidas fora do EEE. Afirma que o volume de negócios representativo das exportações de produtos acabados deveria ter sido deduzido do volume de negócios de 40 milhões de euros e que o mercado em causa deveria, assim, ter sido avaliado em menos de 20 milhões de euros. A recorrente conclui que, ao não ter em conta a pequena dimensão desse mercado na fixação do montante de partida para o cálculo das coimas, a Comissão violou os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade. Entende ainda que a decisão está insuficientemente fundamentada nesse ponto.

54      Em segundo lugar, a recorrente critica a Comissão por ter apreciado erradamente a sua capacidade económica efectiva para causar danos significativos aos outros operadores, em particular os consumidores. Entende que a Comissão devia ter tido em conta a sua quota de mercado e o «volume de negócios global que realiza com os artigos em causa».

55      Primeiro, a recorrente alega que a Comissão afirma erradamente que a capacidade económica efectiva de as empresas em causa prejudicarem a concorrência podia ser avaliada com base nos fornecimentos efectuados no mercado em causa. Em seu entender, a Comissão não fez a prova da alegação de que a recorrente tinha, no mercado em causa, um poder de mercado correspondente ao volume de negócios que realiza nos países do Benelux e nos países nórdicos. Alega que a influência exercida pelas empresas em causa na concorrência não pode ser avaliada correctamente sem ter em conta as quatro circunstâncias específicas que caracterizam o mercado. Antes de mais, a maior parte do fio vendido nos países do Benelux e nos países nórdicos destina‑se a exportação imediata. Seguidamente, o fio industrial é objecto de trocas comerciais intensas. Além disso, não existe qualquer entrave técnico ou legal ao comércio do fio. Por último, o fio é fácil de armazenar e transportar. Por outro lado, a Comissão reconheceu a existência dessas circunstâncias, sem que isso a fizesse extrair as devidas consequências na apreciação da sua capacidade económica efectiva de prejudicar a concorrência. Segundo, a recorrente entende que a Comissão não teve em conta a quota de mercado das empresas em causa. Terceiro, a recorrente alega que a Comissão também não teve em conta o facto de a recorrente não estar «integrada verticalmente» nem ter qualquer capacidade de produção fora do EEE. Quarto, baseia‑se na Decisão 2002/759/CE da Comissão, de 5 de Dezembro de 2001, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/37.800/F3 – Cervejeiras luxemburguesas) (JO 2002, L 253, p. 21), em que a Comissão aplicou montantes nitidamente mais baixos.

56      Em terceiro lugar, a recorrente entende que o montante de partida da coima que lhe foi aplicada é demasiado alto em comparação com os montantes de partida das coimas aplicadas às outras empresas envolvidas, devido ao seu diferente papel desempenhado na infracção em causa, à dimensão das outras empresas em causa e ao poder de mercado dessas empresas superior ao seu. O modo de cálculo aplicado pela Comissão baseia‑se na infundada e não fundamentada hipótese de ela deter um poder de mercado correspondente ao volume de negócios realizado no mercado em causa. Mesmo admitindo que a Comissão pudesse legitimamente limitar‑se a esse volume de negócios, este foi tido em conta de forma desproporcionada face aos outros elementos de apreciação (integração vertical, capacidade de produção nos países de baixos salários e volume das importações oriundas desses países), o que deu origem à fixação de um montante de partida da coima excessivo. A recorrente refere, por último, que, mesmo após a aplicação da regra do limite de 10% do volume de negócios realizado no exercício social anterior por cada uma das empresas participantes na infracção e após a redução pela cooperação, a coima aplicada representa 8% do seu volume de negócios mundial de 2004, quando a coima aplicada ao «líder do mercado» mal representa 1,1% do seu volume de negócios mundial.

57      Em quarto lugar, a recorrente alega que o montante de partida da coima que lhe foi aplicada é manifestamente exagerado face à sua precária situação financeira acima referida, reflectida pelo seu diminuto volume de negócios.

58      A Comissão refuta todos estes argumentos e conclui pela improcedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto à alegação de não ser tido em conta a pequena dimensão do mercado em causa

59      Em primeiro lugar, a recorrente alega, no essencial, que a Comissão não teve em conta a dimensão do mercado em causa e por isso fixou um montante de partida para o cálculo das coimas desproporcionado face a essa dimensão.

60      Refira‑se antes de mais que o princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do que for apropriado e necessário para atingir o fim desejado. No contexto do cálculo das coimas, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos e não se deve atribuir a nenhum desses outros elementos uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação. O princípio da proporcionalidade implica neste contexto que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infracção e que deve aplicar estes elementos de forma coerente e objectivamente justificada (acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colect., p. II‑3435, n.os 226 a 228).

61      Quanto à alegação de a Comissão não ter tido em conta a dimensão do mercado em causa, há que lembrar que, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão pode aplicar coimas às empresas cujo montante não exceda 10% do volume de negócios realizado no exercício social anterior por cada uma das empresas participantes na infracção. Para determinar o montante da coima dentro desse limite, essas disposições mandam que se tome em conta a gravidade e a duração da infracção. Além disso, em conformidade com as orientações, a Comissão fixa o montante de partida da coima em função da gravidade da infracção tendo em conta a sua própria natureza, o seu impacto concreto no mercado, se for mensurável, e a dimensão do mercado geográfico.

62      Assim, nem o Regulamento n.° 17 nem o Regulamento n.° 1/2003 nem as orientações prevêem que o montante das coimas seja fixado directamente em função da dimensão do mercado afectado, sendo esse factor apenas um entre outros. Este quadro jurídico não impõe, portanto, enquanto tal, que a Comissão tenha em conta a pequena dimensão do mercado dos produtos (acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Roquette Frères/Comissão, T‑322/01, Colect., p. II‑3137, n.° 148).

63      Contudo, segundo a jurisprudência, na apreciação da gravidade de uma infracção, compete à Comissão ter em conta um grande número de elementos cujo carácter e importância variam segundo o tipo e as circunstâncias particulares da infracção (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 120). Não se pode excluir a possibilidade de, entre estes elementos que atestam a gravidade de uma infracção, surgir, consoante o caso, a dimensão do mercado do produto.

64      Por conseguinte, embora a dimensão do mercado possa constituir um elemento a ter em consideração para determinar a gravidade da infracção, a sua importância varia em função das circunstâncias particulares da infracção.

65      No caso, a infracção consistiu essencialmente em as empresas trocarem informações sensíveis sobre listas de preços e/ou os preços facturados aos diferentes clientes, em acordarem subidas de preços e/ou objectivos em termos de preços, em evitarem praticar preços inferiores aos do fornecedor existente e em repartirem entre si os clientes (considerandos 99 a 125 e 345 da decisão recorrida). Essas práticas são uma restrição horizontal do tipo «cartel de preços», na acepção das orientações, assim constituindo uma infracção «muito grave» por natureza. Neste contexto, a pequena dimensão do mercado em causa, admitindo‑a demonstrada, tem pouca importância face a todos os outros elementos demonstrativos da gravidade da infracção.

66      De qualquer forma, há que ter em conta que a Comissão considerou que a infracção devia ser considerada muito grave na acepção das orientações, que, para esses casos, dispõem que a Comissão pode «prever» um montante de partida superior a 20 milhões de euros. No caso, a Comissão repartiu as empresas em causa em várias categorias consoante a respectiva importância no mercado em causa. Resulta do considerando 358 da decisão recorrida que a Comissão apenas fixou um montante de partida de 14 milhões de euros às empresas da primeira categoria, de 5,2 milhões de euros à empresa da segunda categoria (a recorrente), de 2,2 milhões de euros às da terceira categoria e de 0,1 milhão de euros à da quarta categoria. Daí resulta que o montante de partida que serviu de ponto de partida para o cálculo da coima aplicada à recorrente correspondeu a um montante claramente inferior àquele que, de acordo com as orientações, a Comissão poderia ter «previsto» para infracções muito graves. Essa determinação do montante de partida da coima confirma que a dimensão do mercado de produtos em causa foi efectivamente tida em conta.

67      Improcede, pois, o argumento da recorrente de que a Comissão não teve em conta a dimensão do mercado em causa e assim fixou um montante de partida para o cálculo das coimas desproporcionado face a essa dimensão.

68      Em segundo lugar, a recorrente alega erradamente que os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento foram violados na fixação do montante de partida da coima por alegadamente, ao contrário do cálculo feito sobre a infracção em causa, a Comissão ter tido em conta a pequena dimensão do mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE, assim determinando um montante de partida da coima proporcionado à dimensão desse mercado.

69      Com efeito, o princípio da igualdade de tratamento proíbe tratar situações comparáveis de modo diferente e situações diferentes de maneira idêntica, salvo se esse tratamento for objectivamente justificado. No caso, o cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE e o cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos são duas infracções diferentes que respeitam a mercados de produtos e geográficos distintos. A recorrente não está, portanto, numa situação idêntica à das empresas envolvidas no cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE, pelo que não pode validamente invocar uma violação do princípio da igualdade de tratamento a esse respeito.

70      Em terceiro lugar, não colhe o argumento da recorrente de que a dimensão do mercado em causa deveria ser reduzida, após dedução das exportações de produtos acabados, para um montante de 20 milhões de euros. Com efeito, por um lado, as transacções relativas a esses produtos incorporados nos produtos acabados exportados para fora do mercado em causa foram efectivamente feitas nesse mercado, pelo que são parte integrante dele. Por outro lado, a recorrente em nada demonstrou que a exportação para o exterior do mercado em causa de produtos acabados que incorporam os produtos em causa negociados nesse mercado diminui a dimensão deste.

71      Por outro lado, improcede o argumento relativo à alegada violação do dever de fundamentação. Com efeito, resulta necessariamente dos n.os 65 e 66 supra que a decisão recorrida contém suficientes elementos sobre a determinação do montante de partida da coima.

72      Resulta do exposto que improcede a alegação de não ser tido em conta a pequena dimensão do mercado em causa.

–       Quanto à alegação de apreciação errada da capacidade económica efectiva da recorrente para prejudicar a concorrência

73      A recorrente alega, no essencial, que, contra as orientações, a Comissão determinou o montante de partida da coima independentemente do seu volume de negócios global e que não teve em conta a capacidade económica efectiva das empresas em causa para prejudicarem a concorrência, assim violando o princípio da proporcionalidade.

74      Resulta da decisão recorrida que, para determinar o montante de partida da coima, a Comissão tomou primeiro em consideração a natureza específica da infracção, o seu impacto concreto no mercado e a dimensão geográfica deste. Em face destes factores, a Comissão concluiu pelo carácter «muito grave» da infracção cometida pelas empresas em causa (considerandos 344 a 353 da decisão recorrida).

75      Seguidamente, a Comissão considerou necessário proceder a um tratamento diferenciado das empresas participantes nos cartéis para ter em conta a sua capacidade económica efectiva para prejudicar a concorrência e fixar a coima num nível que garanta um suficiente efeito dissuasor. Acrescentou que era necessário ter em conta o peso específico do comportamento ilícito de cada empresa, e, portanto, o seu impacto real na concorrência. Realçou ter tomado como base de comparação da importância relativa das empresas em causa o volume de negócios realizado por cada uma no mercado e com o produto em causa. Consequentemente, agrupou as empresas em quatro categorias. A Amann e a Coats, com um volume de negócios entre 14 e 18 milhões de euros, foram classificadas na primeira categoria. A recorrente, com um volume de negócios de 6 milhões de euros, foi colocada na segunda categoria. A Gütermann, a Barbour e a Bieze Stork BV, com um volume de negócios entre 2 e 4 milhões de euros, na terceira categoria e a Zwicky, com um volume de negócios de 0 a 1 milhão de euros, na quarta categoria. Com base nestas considerações, a Comissão fixou um montante de partida da coima em função da gravidade da infracção de 14 milhões de euros à Coats e à Amann, de 5,2 milhões de euros à recorrente, de 2,2 milhões de euros à Gütermann, à Barbour e à Bieze Stork e de 0,1 milhão de euros à Zwicky (considerandos 356 a 358 da decisão recorrida).

76      Em primeiro lugar, na medida em que a recorrente afirma que o seu volume de negócios no mercado em causa não permitia só por si determinar a sua capacidade económica efectiva para prejudicar a concorrência e que teria sido necessário ter em conta o seu volume de negócios global, isto é, o volume de negócios realizado com a venda de todos os fios industriais a nível mundial, há que lembrar primeiro que a referência expressa só ao volume de negócios global de uma empresa participante na infracção prevista no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 diz respeito ao limite máximo que o montante de uma coima não pode exceder. Dentro desse limite, a Comissão pode, em princípio, fixar a coima a partir do volume de negócios que escolher, em termos de base geográfica e de produtos em causa, sem ter de se basear com precisão no volume de negócios global ou no volume de negócios realizado no mercado geográfico ou no mercado dos produtos em causa. Além disso, embora as orientações não prevejam o cálculo das coimas em função de um volume de negócios determinado, também não se opõem a que o volume de negócios realizado por essas empresas no mercado em causa seja tido em conta na determinação do montante da coima a fim de serem respeitados os princípios gerais do direito da União e quando as circunstâncias o exijam. O volume de negócios pode assim entrar em linha de conta na consideração dos diversos elementos acima enumerados no n.° 75, contidos no ponto 1 A, quarto e sexto parágrafos, das orientações (acórdãos do Tribunal Geral de 9 de Julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, Colect., p. II‑2473, n.° 82, e de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, n.° 195).

77      Daí resulta que, para efeitos da determinação do montante da coima, a Comissão é livre de tomar em consideração o volume de negócios que entender, desde que este não se revele despropositado em função das circunstâncias do caso. Do mesmo modo, a Comissão não é obrigada, ao proceder à determinação do montante das coimas, a assegurar, no caso de serem aplicadas coimas a várias empresas envolvidas numa mesma infracção, que os montantes finais das coimas traduzam todas as diferenças entre elas quanto ao seu volume de negócios global ou quanto ao seu volume de negócios relevante (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 12; acórdãos do Tribunal Geral de 18 de Julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão, T‑241/01, Colect., p. II‑2917, n.° 166, e de 4 de Julho de 2006, Hoek Loos/Comissão, T‑304/02, Colect., p. II‑1887, n.° 84).

78      Quanto à escolha que a Comissão pode fazer entre os volumes de negócios, a jurisprudência precisou que, na análise, para efeitos de fixação do montante de uma coima por infracção às normas de concorrência, da capacidade económica efectiva dos infractores para prejudicarem a concorrência, que implica uma apreciação da importância real dessas empresas no mercado em causa, isto é, da sua influência nesse mercado, o volume de negócios global apenas dá uma visão incompleta da situação real. Com efeito, não se pode excluir a possibilidade de uma empresa poderosa com muitas actividades diferentes ter uma presença acessória num mercado de produtos específico. Do mesmo modo, não se pode excluir a possibilidade de uma empresa com uma posição considerável num mercado geográfico diferente do da União apenas dispor de uma pequena posição nesse mercado ou no mercado do EEE. Nesses casos, o simples facto de a empresa realizar um grande volume de negócios global não significa necessariamente que exerce uma influência determinante no mercado afectado (acórdãos do Tribunal Geral, Cheil Jedang/Comissão, referido no n.° 76 supra, n.° 88, e de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.° 194). É por isso que o volume de negócios de uma empresa no mercado em causa, apesar de não ser determinante para se concluir que essa empresa pertence a uma entidade económica poderosa, é importante para determinar a influência que pôde exercer no mercado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 29 de Novembro de 2005, SNCZ/Comissão, T‑52/02, Colect., p. II‑5005, n.° 65, e Union Pigments/Comissão, referido no n.° 49 supra, n.° 152).

79      Assim, a parte do volume de negócios proveniente da venda das mercadorias objecto da infracção é susceptível de dar uma justa indicação da dimensão da infracção no mercado em causa (acórdãos Cheil Jedang/Comissão, referido no n.° 76 supra, n.° 91, e Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 78 supra, n.° 196). Com efeito, o volume de negócios resultante das mercadorias objecto da infracção é susceptível de dar uma justa indicação da responsabilidade de cada empresa no mercado em causa, visto constituir um elemento objectivo que dá uma justa medida da nocividade do comportamento ilícito para o jogo normal da concorrência e representa, portanto, um bom indicador da capacidade de cada empresa para prejudicar a concorrência. No caso, a opção da Comissão pelo volume de negócios no mercado em causa para determinar essa capacidade de cada empresa foi, portanto, coerente e objectivamente justificada.

80      As circunstâncias específicas invocadas pela recorrente não põem isto em causa. Com efeito, há que lembrar desde logo que o cartel não tinha um âmbito geográfico mundial e que a concorrência restringida pela infracção se limitava ao mercado do fio industrial nos países do Benelux e nos países nórdicos. Seguidamente, a recorrente não demonstra que a Comissão cometeu um erro ao considerar que os volumes de negócios realizados pelas empresas no mercado em causa englobaram os volumes de negócios que elas realizaram com os fios industriais produzidos noutros países diferentes dos países do Benelux e dos países nórdicos, mas negociados no mercado em causa, ou os volumes de negócios que realizaram com os fios industriais inicialmente produzidos nos países do Benelux ou nos países nórdicos e posteriormente exportados para outros países. Por último, o raciocínio da recorrente é contraditório na medida em que pressupõe que se tome em consideração o volume de negócios global das empresas em causa para as repartir em diversas categorias e, por outro, que o volume de negócios realizado por elas no mercado em causa seja escolhido para determinar o montante de partida da coima de cada uma.

81      Em segundo lugar, a recorrente não pode criticar a Comissão por não ter tido em conta as quotas de mercado das empresas em causa. Com efeito, há que observar, antes de mais, que, no considerando 356 da decisão recorrida, a Comissão entendeu que as informações sobre as quotas de mercado não eram, de um modo geral, suficientemente precisas para se poder basear nelas. Admitindo, como defende a recorrente, que as informações prestadas sobre a sua quota de mercado nos países do Benelux e nos países nórdicos tivessem sido suficientemente precisas para se poder basear nela, essas informações não teriam podido, porém, ser utilizadas, dada a insuficiência das informações sobre as quotas de mercado dos outros participantes no cartel. Nestas circunstâncias, a Comissão teve razão ao basear‑se no volume de negócios realizado no mercado em causa, que melhor reflectiu, na determinação do peso relativo dos participantes no cartel para efeitos da sua repartição em grupos, esse peso dessas empresas.

82      Em terceiro lugar, há que refutar o argumento da recorrente de que a Comissão devia ter em conta o facto de a recorrente não estar integrada verticalmente, ao contrário de outras empresas envolvidas. Com efeito, a Comissão pode basear a sua avaliação da capacidade económica efectiva dos agentes de uma infracção às normas de concorrência para prejudicarem a concorrência nos dados relativos ao volume de negócios e às quotas de mercado no mercado em causa para efeitos da apreciação da gravidade dessa infracção e da fixação do montante de partida da coima. Contudo, determinadas circunstâncias específicas, tais como as características desse mercado, podem ser susceptíveis de reduzir sensivelmente a importância desses dados e de impor, para a apreciação da influência das empresas no mercado, que sejam tidos em conta outros factores relevantes, nomeadamente a integração vertical e a extensão da gama de produtos (acórdão do Tribunal Geral de 15 de Março de 2006, Daiichi Pharmaceutical/Comissão, T‑26/02, Colect., p. II‑713, n.os 61 e 63). Com efeito, embora a integração vertical e a extensão da gama de produtos possam eventualmente constituir elementos relevantes para se apreciar a influência que uma empresa consegue exercer no mercado e constituir indícios complementares dessa influência relativamente às quotas de mercado ou aos volumes de negócios no mercado em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.os 67 a 72 e 78 a 81), há que considerar que, no caso, os argumentos da recorrente sobre a integração vertical das outras empresas em causa não demonstram que elas tivessem vantagens concorrenciais particulares e significativas no mercado em causa. Acresce que, como acima referido no n.° 80, a recorrente não demonstrou que os volumes de negócios realizados pelas outras empresas com os fios industriais produzidos em países diferentes dos países do Benelux e dos países nórdicos, mas negociados no mercado em causa, ou os volumes de negócios por elas realizados com fios industriais inicialmente produzidos nos países do Benelux ou nos países nórdicos e posteriormente exportados para outros países não foram englobados nos seus volumes de negócios no mercado em causa.

83      Em quarto lugar, a comparação efectuada pela recorrente entre a decisão recorrida e a decisão «Cervejeiras luxemburguesas» (n.° 55 supra) não é relevante. Com efeito, para fixar o montante da coima, a Comissão usou a sua margem de apreciação no respeito do Regulamento n.° 17 e do Regulamento n.° 1/2003, bem como as normas que impôs a si própria nas orientações. Acresce que a prática decisória anterior da Comissão não serve só por si de quadro jurídico das coimas em matéria de concorrência (acórdãos do Tribunal Geral de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 234, e de 8 de Julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, Colect., p. II‑1333, n.° 275).

84      Improcede, portanto, esta alegação.

–       Quanto à alegação de violação do princípio da proporcionalidade devido à aplicação de um montante de partida manifestamente exagerado em comparação com os aplicados a outras empresas envolvidas

85      Em primeiro lugar, a recorrente alega erradamente que o montante de partida da coima que lhe foi aplicada, 5,2 milhões de euros, é desproporcionado em comparação com os montantes de partida fixados para o cálculo das coimas aplicadas a outras empresas envolvidas.

86      Por um lado, como acima se observa a propósito da primeira alegação, a Comissão teve razão ao basear‑se, no presente caso, no volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa para determinar a sua importância relativa nesse mercado.

87      Por outro lado, há que lembrar que resulta das orientações que o montante de partida previsto para as infracções muito graves é pelo menos de 20 milhões de euros. Uma vez que os montantes de partida da coima traduzem de forma proporcional a diferença entre as empresas em causa e, tendo em conta os elementos acima referidos no n.° 74, a Comissão os fixou em níveis claramente inferiores ao mínimo fixado nas orientações, não se pode considerar demonstrada qualquer violação do princípio da proporcionalidade.

88      Em segundo lugar, há que rejeitar também o argumento da recorrente sobre o carácter exagerado do montante de partida e do montante final da coima que lhe foi aplicada face aos das coimas aplicadas às outras empresas em causa. Com efeito, a recorrente não pode validamente concluir por um tratamento discriminatório ou desproporcionado, visto que o ponto de partida da coima fixado se justifica à luz do critério seguido pela Comissão na apreciação da importância de cada uma das empresas no mercado relevante (v., neste sentido, acórdão LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 83 supra, n.° 304), observando‑se ainda que o montante de partida de 5,2 milhões de euros fixado corresponde a um limite muito inferior ao previsto nas orientações para as infracções «muito graves».

89      Por outro lado, como acima referido no n.° 77, a Comissão não tem de assegurar que os montantes finais das coimas aplicadas a várias empresas envolvidas na mesma infracção traduzam qualquer diferenciação entre essas empresas quanto ao seu volume de negócios global ou relevante.

90      Acrescente‑se que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 também não exigem que, no caso de serem aplicadas coimas a várias empresas envolvidas na mesma infracção, o montante da coima aplicada a uma empresa de pequena ou média dimensão não seja superior, em percentagem do volume de negócios, ao das coimas aplicadas às empresas maiores. Com efeito, resulta dessas disposições que, tanto para as empresas de pequena ou média dimensão como para as empresas de dimensão superior, há que tomar em consideração, na determinação do montante da coima, a gravidade e a duração da infracção. Na medida em que a Comissão aplique a cada uma das empresas envolvidas na mesma infracção coimas justificadas, relativamente à gravidade e à duração da infracção, não merece qualquer reparo o facto de, para algumas delas, o montante da coima ser superior, face ao volume de negócios, ao de outras empresas (acórdão do Tribunal Geral de 5 de Dezembro de 2006, Westfalen Gassen Nederland/Comissão, T‑303/02, Colect., p. II‑4567, n.° 174).

91      Em face do exposto, não se pode concluir validamente pelo carácter desproporcionado do montante de partida, do montante de base nem do montante final da coima aplicada à recorrente.

92      Improcede, portanto, esta alegação.

–       Quanto à alegação de fixação de um montante de partida excessivo face à precária situação financeira da recorrente

93      Há que julgar improcedente a alegação da recorrente relativa ao carácter excessivo do montante de partida da coima que lhe foi aplicada, devido à sua precária situação financeira e ao risco de a coima levar ao seu desaparecimento.

94      Com efeito, o montante de partida da coima apenas constitui um montante intermédio que, na aplicação do método definido pelas orientações, é depois adaptado em função da duração da infracção e das circunstâncias agravantes ou atenuantes apuradas (v., neste sentido, acórdão Cheil Jedang/Comissão, referido no n.° 76 supra, n.° 95). Daí resulta que o simples facto de o montante de partida da coima representar 32% do volume de negócios global da recorrente em 2001 não permite concluir pelo seu carácter excessivo.

95      Em qualquer caso, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, a Comissão, na determinação do montante da coima, não é obrigada a ter em conta a situação financeira deficitária de uma empresa, pois o reconhecimento dessa obrigação levaria a conferir uma vantagem concorrencial injustificada às empresas menos adaptadas às condições do mercado (acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 77 supra, n.° 327, e SGL Carbon/Comissão, referido no n.° 48 supra, n.° 105; v., ainda, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.os 54 e 55).

96      Por outro lado, admitindo que uma medida tomada por uma instituição provoque a liquidação de uma empresa, essa liquidação da empresa sob a sua forma jurídica em causa, embora possa prejudicar os interesses financeiros dos proprietários, accionistas ou detentores de quotas, não significa que os elementos pessoais, materiais e imateriais representados pela empresa percam também o seu valor (acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, referido no n.° 76 supra, n.° 372).

97      Em face do exposto, há que julgar improcedente o fundamento relativo à fixação errada do montante de partida da coima e do montante da coima, bem como à classificação errada da recorrente na segunda categoria.

 Quanto ao fundamento relativo à apreciação errada das circunstâncias atenuantes

 Argumentos das partes

98      Em primeiro lugar, a recorrente alega nunca ter posto nem tencionado pôr em prática os acordos celebrados nas reuniões.

99      Em primeiro lugar, a recorrente assinala que a Comissão não apreciou de forma efectiva o seu comportamento individual.

100    Em segundo lugar, a recorrente alega que a «não aplicação efectiva dos acordos ou práticas ilícitos» é confirmada pela falta de comunicação das suas listas «de preços reais» e pela transmissão de listas de «preços de base fictícios». A esse respeito, alega só negociar e fazer acordos sobre preços com os seus compradores numa base individual, pelo que não pratica uma política de reduções dos preços de catálogo comunicados aos clientes. Alega só aplicar tabelas internas no âmbito da sua relação com os seus intermediários (agentes e distribuidores). A comparação entre os preços de base fictícios, por um lado, e os preços realmente facturados aos seus clientes e as tabelas fornecidas aos seus agentes, por outro, demonstram claramente a inexistência de qualquer correlação entre esses tipos de preços.

101    Em terceiro lugar, a recorrente alega que não adaptou o seu comportamento em matéria de preços no mercado segundo as listas de «preços de base fictícios» que comunicou. Entende ter demonstrado com números que a evolução dos preços efectivamente praticados por ela eram totalmente independentes da evolução dos preços distribuídos nas reuniões durante todo o período de 1994 a 2001. Refere que a tentativa de aumento de 3,5% nos fornecimentos aos Países Baixos que a Comissão lhe imputa não surge na sequência de um dos alegados acordos celebrados na reunião de 19 de Setembro de 2000 em Budapeste, mas de um regulamento nesse sentido da federação belga do têxtil (Febeltex). Do mesmo modo, o aumento de preços de 6% aplicado na Suécia é relativo apenas aos fios de «nylon» e deve‑se unicamente ao aumento da cotação da libra britânica.

102    Em segundo lugar, a recorrente alega que, ao aplicar‑lhe apenas uma redução 15% do montante da coima, a Comissão não teve em consideração o facto de o seu papel ter sido consideravelmente mais limitado no tempo, uma vez que só começou a participar nas discussões sobre os países nórdicos em 1997. A Comissão também não teve em conta o facto de ela ser a única das empresas que não concebeu nem organizou a infracção e que só tinha começado a participar nas reuniões sobre os países do Benelux em 1991. A recorrente não compreende, portanto, que tenha sido aplicada à Bieze Stork a mesma percentagem de redução do montante da coima, apesar de esta ter participado nas discussões relativas aos países do Benelux desde o início da infracção. A recorrente realça só ter participado em cerca de 85% das reuniões relativas aos países do Benelux, em 35% das reuniões sobre os países nórdicos e, em média, em 60% da duração total da infracção. Entende, assim, que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento e o princípio da proporcionalidade.

103    A Comissão refuta todos estes argumentos e pede que o fundamento seja julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal

104    As orientações prevêem, no seu ponto 3, a diminuição do montante de base em função de «circunstâncias atenuantes específicas», como, por exemplo, a não aplicação efectiva dos acordos ilícitos, o papel exclusivamente passivo ou seguidista na prática da infracção, a cessação das infracções logo com as primeiras intervenções da Comissão e outras circunstâncias não referidas expressamente.

105    Em primeiro lugar, há que analisar a alegação de não ser tido em conta a não aplicação efectiva dos acordos ilícitos alegada pela recorrente.

106    Em primeiro lugar, quanto ao argumento da recorrente de que apenas transmitiu preços de base fictícios às empresas concorrentes, há que lembrar que forneceu duas séries de listas de preços alegando que a primeira, isto é, as listas que tinha transmitido aos participantes no cartel nas reuniões, continha preços de base fictícios e que a segunda reproduzia os preços reais. Do mesmo modo, há que realçar que as listas dos preços reais contêm vários preços por tipo de fio, mencionados em oito colunas, enquanto as listas de preços de base alegadamente fictícios têm apenas um preço de base para cada tipo de fio, indicado na primeira coluna.

107    Não se pode deixar de observar que os montantes reproduzidos na primeira coluna das duas séries das respectivas listas de preços reais e de preços de base alegadamente fictícios são quase iguais. A esse respeito, a recorrente afirmou que só a tarifa real mencionada na oitava coluna era relevante.

108    Refira‑se, como faz a Comissão, que, nas listas de preços reais, havia vários tipos de fio que não tinham qualquer preço indicado na oitava coluna, mas apenas preços de base mencionados nas quatro primeiras colunas. Parece, portanto, difícil admitir que só os preços referidos na oitava coluna eram relevantes. Acresce que resulta do processo da Comissão que os diferentes preços eram aplicáveis em função das quantidades encomendadas. Assim, os preços variam consoante o peso dos produtos (por exemplo, para os fios para os sacos de poliéster, os preços mencionados na primeira coluna correspondiam a um peso de 10 quilos, os preços mencionados na segunda coluna correspondiam a um peso de 25 quilos, etc.) ou consoante a unidade de acondicionamento dos produtos (por exemplo, para a poliamida, os preços mencionados na primeira coluna correspondiam a quantidades encomendadas inferiores a uma unidade de acondicionamento, os preços mencionados na segunda coluna correspondiam a quantidades encomendadas iguais à unidade de acondicionamento mais pequena, etc.). Pode deduzir‑se daí que o preço mencionado na primeira coluna é, na realidade, o preço comunicado para a categoria das pequenas compras, pelo que em nada é fictício. Mesmo admitindo que, como alega a recorrente, os preços mencionados nas primeiras quatro colunas constassem das listas de preços reais de 2001 unicamente como «referência histórica», não deixa de ser verdade, por um lado, que esses preços não eram puramente fictícios e, por outro, que não se pode excluir a possibilidade de as empresas concorrentes, a partir dos preços de base mencionados na primeira coluna, terem uma ideia dos preços aplicáveis às maiores encomendas. Portanto, é possível considerar que as listas de preços comunicadas pela recorrente às empresas concorrentes não eram fictícias, mas apenas imprecisas ou incompletas.

109    Assim, a Comissão concluiu bem, no considerando 170 da decisão recorrida, que a recorrente não tinha demonstrado o carácter fictício dos seus preços de base mencionados na primeira coluna.

110    A esse respeito, o argumento da recorrente, apoiado em estudos juntos aos seus articulados, de que os preços aplicados aos seus clientes eram mais baixos que os discutidos nas reuniões não basta para pôr em causa essa conclusão da Comissão. Com efeito, a Comissão de modo nenhum negou a existência de uma diferença entre os preços efectivamente aplicados pela recorrente aos seus clientes e os preços discutidos nas reuniões, mas salientou com razão que essa diferença não era surpreendente, pois cada fornecedor concedia descontos aos seus clientes.

111    Em segundo lugar, quanto à alegação da recorrente de não terem sido postos em prática os acordos celebrados nas reuniões, há que analisar se os argumentos que apresenta podem demonstrar que, durante o período em que aderiu aos acordos ilícitos, se subtraiu efectivamente à sua aplicação adoptando um comportamento concorrencial no mercado ou, no mínimo, se violou claramente e de modo considerável as obrigações destinadas a pô‑los em prática, a ponto de ter perturbado o seu funcionamento (v., neste sentido, acórdão Daiichi Pharmaceutical/Comissão, referido no n.° 82 supra, n.° 113).

112    No caso, há que lembrar desde logo que a Comissão fez prova de que a recorrente tinha participado em muitas reuniões do cartel e em encontros bilaterais, tendo participado repetidamente em várias práticas ilícitas referidas na decisão recorrida.

113    Seguidamente, no que respeita à afirmação da recorrente de que nunca deu sequência ou execução às reuniões, resulta dos considerandos 139, alínea b), e 143 da decisão recorrida que por duas vezes anunciou ter aumentado os preços.

114    Por um lado, no considerando 139, alínea b), da decisão recorrida, a Comissão indicou que, na reunião realizada em Praga, em 8 de Setembro de 1998, a recorrente informou de que tinha aumentado os seus preços em 6% ao seu distribuidor na Suécia. A recorrente nega ter realmente posto em prática esse aumento, mas apenas justifica a sua afirmação pelo facto de o preço realmente aplicado na Suécia se ter mantido inalterado no período de 1997‑1998. Essa explicação não é convincente, pois a própria recorrente confirmou, tanto na resposta à comunicação de acusações como nos articulados, que a tendência geral do mercado era seriamente de descida entre 1992 e 2002. A Comissão não cometeu, pois, qualquer erro de apreciação ao considerar que normalmente os preços deveriam ter descido. Daí resulta que a estabilidade de preços praticada pela recorrente na Suécia tende mais a demonstrar que foram artificialmente mantidos num certo nível e permite presumir, na falta de explicação convincente da recorrente, que ela pôs em prática, pelo menos parcialmente, alguns dos acordos celebrados.

115    Por outro lado, resulta do considerando 143 da decisão recorrida que foi celebrado um acordo na reunião de 19 de Setembro de 2000 em Budapeste, com o fim de aumentar os preços em 3,5% nos fornecimentos nos Países Baixos em 2001, aumento esse que seria aplicado primeiro pela recorrente. Esta não impugna ter efectivamente aumentado esses preços em 3,5%.

116    Contudo, a recorrente alega sem razão que esse aumento foi feito na sequência de um pedido, dirigido em Outubro de 2000 pela Febeltex, de aumentar os preços em 5%. Com efeito, no considerando 170 da decisão recorrida, a Comissão considerou acertadamente que essa justificação não era relevante dada a existência de indícios suficientemente concordantes em sentido contrário. Antes de mais, o acordo previa um aumento de preços de 3,5% entre Janeiro e Março de 2001. Ora, a recorrente não impugna ter aplicado esse aumento a partir de 1 de Janeiro de 2001. Seguidamente, a carta da Febeltex contém uma data posterior à do acordo. Por último, o aumento aplicado pela recorrente foi de 3,5% e não de 5%.

117    Nestas circunstâncias, a recorrente alega erradamente que a Comissão deveria ter‑lhe reconhecido uma circunstância atenuante pela «não aplicação efectiva dos acordos».

118    Em segundo lugar, quanto ao argumento relativo ao seu alegado papel passivo ou seguidista na realização da infracção em causa, há que considerá‑lo desprovido de fundamento.

119    Com efeito, há que lembrar que um papel passivo implica a adopção pela empresa em causa de uma «atitude discreta», ou seja, não participar activamente na elaboração do ou dos acordos anticoncorrenciais (acórdão Cheil Jedang/Comissão, referido no n.° 76 supra, n.° 167).

120    A esse respeito, resulta da jurisprudência que entre os elementos susceptíveis de revelar o papel passivo de uma empresa num acordo podem ser tidos em conta o carácter sensivelmente mais esporádico das suas participações nas reuniões relativamente aos membros normais do acordo, assim como a sua entrada tardia no mercado objecto da infracção, independentemente da duração da sua participação nesta, ou ainda a existência de declarações expressas neste sentido dos representantes de empresas terceiras que participaram na infracção (acórdãos Cheil Jedang/Comissão, referido no n.° 76 supra, n.° 168; Tokai Carbon e o./Comissão, referido no n.° 76 supra, n.° 331; e Union Pigments/Comissão, referido no n.° 49 supra, n.° 126).

121    No caso, a Comissão teve precisamente em conta a participação mais esporádica da recorrente e da Bieze Stork nas reuniões relativas aos países nórdicos, ao aplicar, a cada, uma redução de 15% do montante de base da coima (considerando 372 da decisão recorrida). Com efeito, a recorrente e a Bieze Stork só tinham participado nas discussões sobre os países nórdicos, respectivamente, a partir de 1997 e 1998.

122    Em primeiro lugar, a recorrente invoca sem razão uma violação do princípio da igualdade de tratamento por alegadamente a Bieze Stork ter beneficiado da mesma percentagem de redução do montante da coima apesar de ter participado desde o início na infracção. O raciocínio da recorrente procede de uma confusão entre a questão da duração da infracção e a da existência de circunstâncias atenuantes. Quanto à duração da infracção, a Comissão aplicou aos montantes de partida das coimas da recorrente e da Bieze Stork percentagens proporcionais à duração das respectivas participações na infracção, isto é, 100% à primeira e 115% à segunda. A recorrente tem ainda menos razão para invocar uma violação do princípio da igualdade de tratamento quando a redução que lhe foi aplicada é idêntica à da Bieze Stork quando esta participou nas discussões sobre o fio industrial nos países nórdicos uma ano depois dela.

123    Em segundo lugar, a recorrente não pode validamente defender que o princípio da proporcionalidade da coima foi violado alegadamente por a redução de 15% aplicada a título de circunstâncias atenuantes ser insuficiente.

124    Antes de mais, a própria recorrente reconheceu nos articulados ter estado presente em cerca de 85% das reuniões relativas aos países do Benelux. Esteve, portanto, presente na grande maioria das reuniões ilícitas e não pode basear nisso qualquer circunstância atenuante relativa a qualquer papel passivo. Além disso, o facto de ter unicamente participado em 35% das reuniões relativas aos países nórdicos e o facto de apenas ter estado presente nas reuniões durante 60% da duração total da infracção nada muda a esse respeito. Quando a Comissão aplica uma redução por essa circunstância atenuante, não pode ser obrigada a fazer um cálculo puramente matemático que consista na aplicação de uma percentagem directamente proporcional à taxa de participação de cada empresa nas reuniões organizadas no âmbito do cartel. Tendo em conta as circunstâncias do caso, a taxa de 15% aplicada à recorrente pela sua participação tardia nas reuniões relativas aos países nórdicos revela‑se razoável.

125    Seguidamente, não é o facto de a recorrente ter começado a participar na infracção após o lançamento das reuniões que implica que não participou na concepção ou na organização dessa infracção. Com efeito, como acertadamente realça a Comissão, o funcionamento do cartel não foi organizado e consolidado unicamente nas primeiras reuniões.

126    Por último, resulta tanto do considerando 139, alínea e), da decisão recorrida como das declarações da recorrente em resposta à comunicação de acusações que ela não teve um papel puramente passivo ou seguidista. Com efeito, na reunião de 8 de Setembro de 1998, em Praga, foi acordado, a pedido da Amann, que a recorrente estabeleceria laços com a Danfield para a persuadir a exercer influência no seu importador e distribuidor único na Alemanha e nos países do Benelux, a sociedade Heinke, que praticava preços muito reduzidos. A recorrente reconhece que não recusou abertamente aceder a esse pedido e justifica isso com o facto de não se poder permitir essa recusa, dada a fraqueza da sua posição face à Coats e à Amann. Contudo, a alegada pressão da Coats e da Amann sobre ela de modo nenhum pode constituir um facto justificativo, pois podia perfeitamente denunciar as pressões a que estava sujeita às autoridades competentes e apresentar à Comissão uma denúncia nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17.

127    Acresce que, no considerando 139, alínea b), da decisão recorrida, a Comissão indicou que, na reunião de 8 de Setembro de 1998, em Praga, a recorrente tinha informado as empresas participantes de que tinha aumentado os preços aplicáveis ao seu distribuidor em 6% em Fevereiro de 1998. A recorrente não impugna ter transmitido essa informação. Por outro lado, não põe em causa a afirmação feita pela Comissão no considerando 143 da decisão recorrida de que foi a primeira a aplicar um aumento de preços de 3,5% na Dinamarca e na Suécia.

128    Há que precisar que a questão de saber se a recorrente tomou efectivamente contacto com a Danfield ou se realmente aumentou os seus preços e foi a primeira a fazê‑lo não é relevante no caso, uma vez que o papel passivo ou não de uma empresa deve ser determinado unicamente pelo seu comportamento nas reuniões ilícitas.

129    A esse respeito, o facto de uma empresa, cuja participação numa concertação ilegal por força do artigo 81.°, n.° 1, CE está provada, não se ter comportado no mercado da forma acordada com os seus concorrentes não constitui necessariamente um elemento a ter em conta. Com efeito, uma empresa que, apesar da concertação com os seus concorrentes, prossegue uma política que se afasta da acordada pode simplesmente estar a tentar tirar partido do cartel em seu proveito (v., neste sentido, acórdão Union Pigments/Comissão, referido no n.° 49 supra, n.° 130).

130    Daí resulta que a Comissão concluiu acertadamente que a recorrente não podia invocar a circunstância atenuante de papel passivo ou seguidista na infracção.

131    Em face de todas as considerações expostas, há que julgar improcedente o presente fundamento.

 Quanto ao fundamento relativo a uma apreciação errada da cooperação

 Argumentos das partes

132    Em primeiro lugar, a recorrente considera que a redução de 20% do montante da coima, concedida nos termos das disposições do ponto D, n.° 2, da comunicação sobre a cooperação, é insuficiente face aos elementos que entende poder invocar e que resultam expressamente da decisão recorrida. Afirma não ter contestado a materialidade dos factos, ter fornecido provas que ajudaram a Comissão a demonstrar a infracção, ter sido uma importante fonte (muitas vezes a única) de informações sobre factos reproduzidas na comunicação de acusações, ter prestado informações que demonstraram o conteúdo de muitas reuniões, tal como o essencial do acordo de Zurique de 9 de Setembro de 1997, e, por último, ter sido a única a fornecer as listas de preços que tinha recebido dos seus concorrentes, assim transmitindo mais informações do que lhe tinham sido pedidas e importantes provas. Transmitiu também muitos dados que a incriminavam a si própria e entregou mesmo os seus livros de contas anuais, uma estrutura completa dos seus custos e das suas tabelas internas. Assim, a sua cooperação extremamente forte deveria ter sido recompensada por uma redução de, pelo menos, 40%.

133    Em segundo lugar, a recorrente entende que o princípio da proporcionalidade e o princípio da igualdade de tratamento foram violados na medida em que a redução de 20% que lhe foi concedida pela sua cooperação na investigação é largamente insuficiente em comparação com a de 15% concedida à Amann, à Gütermann e à Zwicky mesmo apesar de a Comissão ter qualificado de inúteis as informações por estas fornecidas.

134    A Comissão afirma que já tinha obtido um número relativamente grande de informações graças às inspecções e à cooperação da Coats. O contributo da recorrente deveu‑se em grande parte à sua obrigação de apresentar os documentos que lhe teriam sido pedidos no âmbito de um pedido válido de informações. Além disso, a Comissão entende que a não impugnação dos factos que foi tida em consideração para a redução da coima era relativamente limitada, tendo a recorrente minimizado o seu próprio papel. Por último, a recorrente não contestou que a redução devia situar‑se entre 10% e 50%, nos termos do título D da comunicação sobre a clemência, que o número de 20% estava dentro desse intervalo e que, em face da cooperação limitada a respostas a um pedido válido de informações e não sendo impugnados os factos, a redução de 20% podia ser qualificada de normal.

135    Quanto à primeira alegação, relativa à violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da igualdade de tratamento, a Comissão entende que é improcedente. Afirma que as considerações da recorrente se destinam mais a demonstrar que a redução de 15% concedida às três empresas acima referidas é ilegal, apesar de uma ilegalidade cometida a favor de outrem não poder aproveitar a ninguém. Refere, por último, que a recorrente não chega ao ponto de equiparar a sua cooperação à da Coats, pedindo, porém, uma redução comparável.

 Apreciação do Tribunal

136    Na comunicação sobre a cooperação, a Comissão definiu as condições com base nas quais as empresas que com ela cooperem durante as suas investigações sobre um acordo, decisão ou prática concertada podem ser dispensadas da coima ou beneficiar de uma redução do montante da coima que, de outra forma, lhes seria aplicada (ponto A, n.° 3, da comunicação sobre a cooperação).

137    O ponto D da comunicação sobre a cooperação dispõe:

«1. A partir do momento em que uma empresa se propõe cooperar sem se encontrarem preenchidas todas as condições expostas nos pontos B ou C, a mesma beneficiará de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação.

2. Esta situação pode verificar‑se, nomeadamente, se:

–        uma empresa, antes do envio de uma comunicação de acusações, fornecer à Comissão informações, documentação ou outras provas que contribuam para confirmar a existência da infracção,

–        uma empresa, após ter recebido a comunicação de acusações, informar a Comissão de que não contesta a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações.»

138    No presente caso, a recorrente beneficiou de um redução de 40% do montante da sua coima ao abrigo do ponto D da comunicação sobre a cooperação.

139    Para justificar a sua apreciação, a Comissão alega o seguinte no considerando 393 da decisão recorrida:

«A BST apresentou à Comissão elementos de prova que a ajudaram consideravelmente a demonstrar as infracções e lhe permitiram fazer mais facilmente a respectiva prova. A BST é também referida na comunicação de acusações como uma fonte importante das conclusões de facto a que a Comissão chegou. O anexo 14 da resposta da BST ao pedido de informações da Comissão ajudou‑a a demonstrar o conteúdo de muitas reuniões e o essencial do conteúdo dos acordos do início dos anos 90, o conteúdo da reunião de Viena e o conteúdo do acordo de Zurique de 9 de Setembro de 1997. A BST foi a única a fornecer à Comissão as listas de preços que recebeu no momento dos acordos com os seus concorrentes. Na carta de 23 de Abril de 2003, a BST não se limitou a fornecer dados de facto, mas no ponto 4.3, ‘Conteúdo das discussões nas reuniões informais’, forneceu efectivamente à Comissão provas importantes.»

140    A Comissão observou igualmente que, após ter recebido a comunicação de acusações, a recorrente a informou de que não contestava a materialidade dos factos em que a Comissão baseou as suas acusações (considerando 392 da decisão recorrida).

141    Refira‑se ainda que a Amann, a Gütermann e a Zwicky beneficiaram de uma redução de 15% do montante da coima. Nos considerandos 395 e 396 da decisão recorrida, a Comissão justifica essa redução com base em duas razões. Por um lado, essas três empresas tinham fornecido informações, documentos e outras provas que tinham contribuído materialmente para a prova da existência da infracção, salientando‑se, porém, que as informações por elas fornecidas não podiam ser consideradas úteis em comparação com as entregadas pela recorrente. Por outro lado, não tinham impugnado de forma substancial os factos em que a Comissão baseava as suas alegações.

142    Além disso, no âmbito da apreciação da cooperação por parte dos membros de um cartel, só um erro manifesto de apreciação por parte da Comissão pode ser censurado, uma vez que esta última beneficia de uma ampla margem de apreciação na avaliação da qualidade e da utilidade da cooperação prestada por uma empresa, nomeadamente em comparação com os contributos de outras empresas (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2007, SGL Carbon/Comissão, C‑328/05 P, Colect., p. I‑3921, n.° 88). Contudo, no âmbito dessa apreciação, não pode violar o princípio da igualdade de tratamento.

143    À luz desta jurisprudência, há que verificar, portanto, se a Comissão podia, sem violar o princípio da igualdade de tratamento e sem ultrapassar a sua margem de apreciação, conceder uma redução de 20% da coima à recorrente pela sua cooperação.

144    Em primeiro lugar, saliente‑se que as considerações da Comissão feitas no considerando 393 da decisão recorrida não se prestam a qualquer confusão quanto ao grande alcance da cooperação da recorrente no procedimento administrativo. Desde logo, essa cooperação ajudou «consideravelmente» a Comissão a fazer prova das infracções. Seguidamente, reconhece inequivocamente que a recorrente foi uma fonte «importante» das conclusões de facto a que chegou e foi «a única» a fornecer as listas de preços trocadas nas reuniões. Esses documentos têm uma importância evidente para demonstrar a existência de uma infracção, como a do presente caso, que consiste essencialmente na troca de informações sensíveis sobre listas de preços e/ou os preços facturados aos diferentes clientes e em acordarem subidas de preços e/ou objectivos em termos de preços. Por último, a Comissão assinalou que a recorrente «não se limitou» a apresentar dados de facto, mas transmitiu também «importantes provas».

145    As explicações da Comissão que visam atenuar a importância da cooperação da recorrente tal como descrita na decisão recorrida não convencem. Com efeito, o facto de a Comissão já ter obtido um número relativamente grande de informações com as inspecções e com a cooperação da Coats não diminui só por si a importância do papel da recorrente no procedimento administrativo. Admitindo, como defende a Comissão, que a Coats já a tinha posto ao corrente da realização de várias reuniões referidas pela recorrente, não deixa de ser verdade que resulta dos considerandos 131, 133, 135, 137, 139 e 146 da decisão recorrida que a recorrente é frequentemente referida como a única fonte de informações sobre essas reuniões.

146    A esse respeito, nos articulados, a Comissão tenta igualmente minimizar a cooperação da recorrente na investigação, alegando que são as frequentes remissões para as listas de preços que dão a impressão de se basear frequentemente nos documentos da recorrente. Essas frequentes referências ao anexo 14 transmitido pela recorrente e a menção expressa que lhe é feita no considerando 393 da decisão recorrida tendem, pelo contrário, a demonstrar a importância que a Comissão deu a esses elementos de prova. Assim, como acima referido no n.° 144, esses elementos de prova têm uma importância ainda mais evidente quando a infracção consistiu num cartel de preços.

147    Há que rejeitar também a afirmação da Comissão de que o contributo da recorrente se devia em grande parte à sua obrigação de apresentar os documentos que lhe tinham sido pedidos no âmbito de um pedido válido de informações. Recorde‑se que uma cooperação no inquérito que não ultrapasse o que resulta das obrigações que incumbem às empresas por força do artigo 11.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 17 não justifica uma redução da coima (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T‑12/89, Colect., p. II‑907, n.os 341 e 342). Em contrapartida, justifica‑se essa redução quando a empresa tiver dado informações que vão muito além daquelas cuja apresentação pode ser exigida pela Comissão nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, Cascades/Comissão, T‑308/94, Colect., p. II‑925, n.os 260 e 262, e de 9 de Julho de 2003, Daesang e Sewon Europe/Comissão, T‑230/00, Colect., p. II‑2733, n.° 137). No caso, a Comissão admitiu expressamente que a recorrente não se tinha limitado a fornecer dados de facto, mas também que tinha efectivamente fornecido provas importantes da infracção em causa.

148    Em segundo lugar, a Comissão lembrou que a recorrente não contestou a materialidade dos factos em que baseava as suas acusações.

149    Em terceiro lugar, as cooperações da Amann, da Gütermann e da Zwicky foram qualificadas de inúteis em comparação com a da recorrente. Além disso, essas três empresas não contestaram «de forma substancial» os factos.

150    Não se pode deixar de observar que, tendo em conta os esforços suplementares feitos pela recorrente, esta foi recompensada apenas com uma redução superior em 5% à da Amann, da Gütermann e da Zwicky, apesar de estas não terem feito esses esforços no procedimento administrativo. Essa diferença entre a redução do montante da coima da recorrente e a redução da coima dessas três empresas é injustificadamente pequena.

151    Por todas estas razões, há que considerar que a redução de 20% aplicada à recorrente pela sua cooperação é insuficiente e que, portanto, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

152    Daí resulta ser procedente o fundamento da recorrente relativo a uma apreciação errada da cooperação.

153    Nestas condições, cabe ao Tribunal fixar uma taxa de redução adequada. Com efeito, por força do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal conhece com plena jurisdição, na acepção do artigo 229.° CE, dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima e pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada. No exercício do seu poder de plena jurisdição, o Tribunal entende que há que conceder à recorrente, com base na sua cooperação, uma redução adicional de 10% à de 20% já concedida. Assim, há que aplicar uma redução de 30% do montante da coima depois da regra do limite de 10% do volume de negócios, isto é, 1,224 milhão de euros, o que leva a fixar o montante final da coima em 856 800 euros.

3.     Quanto ao pedido de indemnização

 Argumentos das partes

154    A recorrente verifica que a Comissão divulgou, por erro, listas internas de preços que lhe tinha transmitido na investigação relativa ao cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos. A recorrente entende que existe responsabilidade extracontratual da Comunidade Europeia quando estiverem reunidos os três seguintes pressupostos indispensáveis.

155    Segundo a recorrente, está preenchido o primeiro desses pressupostos da responsabilidade, isto é, a existência de um ilícito extracontratual. Com efeito, esse pressuposto implica que uma norma jurídica que confira direitos aos particulares tenha sido violada de forma suficientemente caracterizada, o que é aqui o caso.

156    Em primeiro lugar, a norma alegadamente violada, a saber, o dever de confidencialidade previsto no artigo 287.° CE e no artigo 28.° do Regulamento n.° 1/2003, bem como o princípio da protecção da confiança legítima, tem por objectivo conferir direitos aos particulares.

157    Em segundo lugar, a recorrente alega que essa violação dessa norma jurídica é, só por si, suficientemente caracterizada. Com efeito, entende que essa norma é tão incontestável e imperativa que apenas deixa um papel muito limitado à instituição em causa, ou mesmo nenhuma margem de apreciação.

158    Para todos os fins úteis, a recorrente procede à análise concreta do ilícito para demonstrar que este é «caracterizado». Refere, em primeiro lugar, que foram divulgados segredos de negócios que não têm qualquer ligação com a infracção em causa (isto é, as tabelas de 2002 e 2003 relativas à Irlanda, Espanha, Itália e Reino Unido) ou que são irrelevantes para o efeito (isto é, as tabelas relativas aos Países Baixos e à Suécia, com excepção, porém, de 2000 e 2001). Em segundo lugar, a recorrente entende que a Comissão não pode razoavelmente sustentar que não sabia nem tinha de saber que eram informações extremamente sensíveis e confidenciais sobre os preços. Quanto a esse aspecto, a recorrente remete para o ponto 18 da Comunicação da Comissão relativa às regras de acesso ao processo nos casos de aplicação dos artigos 81.° e 82.° do Tratado CE, artigos 53.°, 54.° e 57.° do Acordo EEE e do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho (JO 2005, C 325, p. 7). A recorrente entende ter indicado claramente, na sua carta de 18 de Abril de 2004, o carácter confidencial dessas informações, o que de resto a própria Comissão confirma no seu ofício de 15 de Janeiro de 2004. Em terceiro lugar, a Comissão não tomou qualquer medida para limitar o dano que lhe causou.

159    A recorrente alega ainda que as listas divulgadas respeitavam também a outros países não abrangidos pelas reuniões relativas ao mercado em causa e aos anos de 2002 e 2003 e que essas listas eram muito mais detalhadas e mais volumosas. A recorrente refuta o argumento da Comissão de que essas listas podiam não ser confidenciais. Com efeito, mesmo que isso lhe tivesse sido pedido, nunca poderia aceitar comunicar a sua estrutura tarifária completa e detalhada aos seus concorrentes. Além disso, a hipótese avançada pela Comissão, segundo a qual poderia ter obtido uma decisão vinculativa do consultor‑auditor é irrelevante, pois está demonstrado que a Comissão não seguiu o procedimento «Akzo» e, por isso, os seus direitos e interesses de modo nenhum foram tidos em consideração.

160    Quanto ao seu dano, a recorrente alega que consiste, por um lado, em lucros cessantes correspondentes à diferença entre os rendimentos que teria obtido sem a divulgação das suas tabelas de preços e os que efectivamente obteve e, por outro, em custos estruturais ligados à compensação da descida do volume de negócios resultante da perda de rendimentos. Salienta que o seu dano ainda não se manifestou integralmente, mas que uma parte dele já é quantificável e resulta da perda do seu principal cliente, a VF Europe.

161    Segundo a recorrente, o nexo de causalidade entre o ilícito cometido pela Comissão e a perda do seu principal cliente está também demonstrado. Com efeito, a American & Efird teve conhecimento (directamente e através da sua filial Bieze Stork) da estrutura de preços da recorrente, tendo assim conseguido fazer à VF Europe propostas inferiores às da recorrente. A VF Europe confirmou nunca ter transmitido as propostas da recorrente a outros produtores de fio como a American & Efird.

162    A Comissão conclui pela improcedência deste pedido.

 Apreciação do Tribunal

163    Resulta de jurisprudência assente que a responsabilidade extracontratual da Comunidade, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, decorrente de actuação ilícita dos seus órgãos está sujeita à verificação de um conjunto de pressupostos, a saber, a ilegalidade do comportamento imputado à instituição, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16, e acórdão do Tribunal Geral de 14 de Dezembro de 2005, Beamglow/Parlamento e o., T‑383/00, Colect., p. II‑5459, n.° 95).

164    Quando não esteja preenchido um dos três pressupostos da responsabilidade extracontratual da Comunidade, os pedidos de indemnização devem ser julgados improcedentes, sem que seja necessário analisar os outros dois (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1994, KYDEP/Conselho e Comissão, C‑146/91, Colect., p. I‑4199, n.° 81, e acórdão do Tribunal Geral de 20 de Fevereiro de 2002, Förde‑Reederei/Conselho e Comissão, T‑170/00, Colect., p. II‑515, n.° 37), não tendo, além disso, o julgador comunitário de seguir determinada ordem na sua análise (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, Colect., p. I‑5251, n.° 13).

165    A esse respeito, há que lembrar previamente que, desde logo no que respeita ao dano, este último deve ser real e certo (acórdão do Tribunal Geral de 2 de Julho de 2003, Hameico Stuttgart e o./Conselho e Comissão, T‑99/98, Colect., p. II‑2195, n.° 67), bem como quantificável (acórdão do Tribunal Geral de 16 de Janeiro de 1996, Candiotte/Conselho, T‑108/94, Colect., p. II‑87, n.° 54). Ao invés, um dano simplesmente hipotético e indeterminado não confere direito a reparação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T‑267/94, Colect., p. II‑1239, n.os 72 e 73).

166    Seguidamente, quanto ao pressuposto do nexo de causalidade, a Comunidade só pode ser considerada responsável por um dano que resulte de modo suficientemente directo do comportamento ilícito da instituição em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1979, Dumortier e o./Conselho, 64/76, 113/76, 167/78, 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Recueil, p. 3091, n.° 21; acórdãos do Tribunal Geral de 13 de Fevereiro de 2003, Meyer/Comissão, T‑333/01, Colect., p. II‑117, n.° 32, e de 27 de Novembro de 2007, Pitsiorlas/Conselho e BCE, T‑3/00 e T‑337/04, Colect., p. II‑4779, n.° 292). A prova desse nexo de causa/efeito, certo e directo, entre o ilícito cometido pela instituição e o dano alegado deve ser feita pelo demandante (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 1987, GAEC de la Ségaude/Conselho e Comissão, 253/84, Colect., p. 123, n.° 20, e de 30 de Janeiro de 1992, Finsider e o./Comissão, C‑363/88 e C‑364/88, Colect., p. I‑359, n.° 25; acórdão do Tribunal Geral de 30 de Setembro de 1998, Coldiretti e o./Conselho e Comissão, T‑149/96, Colect., p. II‑3841, n.° 101).

167    Por último, é à parte que pretende responsabilizar a Comunidade que incumbe apresentar provas da existência ou da dimensão do dano que alega e demonstrar que entre esse dano e o comportamento em questão existe um nexo suficientemente directo de causa/efeito (acórdão Dumortier e o./Conselho, referido no n.° 166 supra, n.° 21, e acórdão do Tribunal Geral de 24 de Outubro de 2000, Fresh Marine/Comissão, T‑178/98, Colect., p. II‑3331, n.° 118).

168    A esse respeito, na determinação do valor de lucros cessantes e, portanto, necessariamente do valor de operações económicas hipotéticas, pode ser difícil ou mesmo impossível o demandante quantificar exactamente o dano que alega ter sofrido. Nesses casos o julgador pode limitar‑se a decidir com base em valores estatísticos médios (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 2000, Mulder e o./Conselho e Comissão, C‑104/89 e C‑37/90, Colect., p. I‑203, n.os 63 a 65). Contudo, isso não dispensa a recorrente de qualquer ónus de prova do dano alegado. Com efeito, embora o valor de lucros cessantes represente necessariamente um dado hipotético que deve ser avaliado por estimativa visto não poder ser calculado de forma certa, também é necessário que os dados em que se baseia essa estimativa possam e devam, na medida do possível, ser provados pela parte que os invoca (despacho do Tribunal Geral de 29 de Agosto de 2007, SELEX Sistemi Integrati/Comissão, T‑186/05, não publicado na Colectânea, n.° 27).

169    É à luz desta jurisprudência que há que analisar se, por ter divulgado por erro as listas de preços da recorrente de cuja confidencialidade esta não tinha prescindido, está constituída a responsabilidade extracontratual da Comunidade.

170    Observe‑se desde logo que não se verifica pelo menos um dos pressupostos da responsabilidade extracontratual da Comunidade.

171    Quanto ao dano alegado pela recorrente, refira‑se que, segundo afirma, esse dano consiste não só numa clara diminuição dos seus rendimentos consecutiva à perda do seu cliente principal mas também noutras perdas de rendimentos que alega sofrer quotidianamente e em custos estruturais ligados à compensação da descida do seu volume de negócios resultante da perda de rendimentos.

172    Por um lado, no que respeita às «outras perdas de rendimentos» e aos custos estruturais, a recorrente não apresenta provas que permitam determinar se esses elementos do dano são reais e certos.

173    A esse respeito, o único documento junto pela recorrente é um quadro que revela uma descida significativa do seu volume de negócios entre Maio de 2003 e Janeiro de 2004, isto é, antes da divulgação das informações presumivelmente confidenciais. A existir dano, não pode, em qualquer caso, abranger a perda de rendimentos nesse período.

174    Por outro lado, no que respeita à diminuição de rendimentos consecutiva à perda do principal cliente, refira‑se em primeiro lugar que o contrato celebrado entre esse cliente e um concorrente da recorrente foi assinado apenas por dois anos, 2005 e 2006. Portanto, nada impedia a recorrente de reconquistar, a partir de 2007, esse cliente que tinha perdido. Assim, o dano não pode ser considerado real e certo para além de 2005 e 2006.

175    Em segundo lugar, as provas juntas pela recorrente para demonstrar a realidade do seu dano são obscuras. Com efeito, o quadro reproduzido na petição, que visa demonstrar a redução da margem bruta resultante da perda do cliente principal da recorrente, contém dados que nenhum documento demonstra. Além disso, os dados que constam do quadro são difíceis de interpretar.

176    Contudo, não é necessário adiantar mais a questão de saber se esse elemento apresentado pela recorrente faz prova bastante do dano resultante da perda do cliente, para se abordar desde já a questão do nexo de causalidade entre o ilícito e o alegado dano. Com efeito, mesmo admitindo demonstrado o dano resultante da perda da VF Europe em 2005 e 2006, não se verifica estar preenchido o pressuposto de um nexo de causalidade directo entre esse facto e o ilícito da Comissão.

177    A perda do principal cliente da recorrente pode, com efeito, explicar‑se perfeitamente pela decisão do grupo VF Corporation USA de centralizar as suas decisões de compra. Observe‑se, aliás, que, em carta de 2 de Março de 2005 enviada à Comissão, isto é, após a divulgação das listas de preços, a própria recorrente realçou que já não era a VF Europe, mas a VF Corporation USA, quem decidia do aprovisionamento e da repartição das encomendas. Acresce que o aprovisionamento do seu cliente principal passou a ser inteiramente confiado a empresas anglo‑americanas.

178    A afirmação da recorrente nessa mesma carta segundo a qual propôs espontaneamente ao seu cliente principal, no final de 2004, uma redução dos seus preços em 10% a partir de Janeiro de 2005 tende igualmente a confirmar a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre o comportamento imputado à Comissão e a perda desse cliente. Com efeito, como acertadamente salienta a Comissão, se um concorrente tivesse querido propor preços inferiores aos preços anteriores da recorrente, a proposta desta teria continuado a ser claramente inferior. O eventual conhecimento dos preços da recorrente não pode, pois, ser a verdadeira razão da perda do seu cliente principal.

179    Daí resulta que o pressuposto do nexo de causalidade não está preenchido.

180    Em face disso, os pedidos de indemnização devem ser julgados improcedentes na íntegra.

 Quanto às despesas

181    Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se cada parte obtiver vencimento parcial o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

182    Tendo sido dado provimento parcial ao recurso, será feita uma justa apreciação das circunstâncias da causa decidindo que a recorrente suportará 90% das suas próprias despesas e 90% das despesas da Comissão, suportando esta 10% das suas próprias despesas e 10% das despesas da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      É fixado em 856 800 euros o montante da coima aplicada à Belgian Sewing Thread (BST) NV no artigo 2.° da decisão C (2005) 3452 da Comissão, de 14 de Setembro de 2005, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.337 – PO/Fil).

2)      O pedido de anulação é julgado improcedente quanto ao restante.

3)      O pedido de indemnização é julgado improcedente.

4)      A BST suportará 90% das suas próprias despesas e 90% das despesas da Comissão Europeia, que suportará 10% das suas próprias despesas e 10% das despesas da BST.

Vilaras

Prek

Ciucă

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Abril de 2010.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

1.  Objecto do litígio

2.  Procedimento administrativo

3.  Decisão recorrida

Definição do mercado em causa

Dimensão e estrutura do mercado em causa

Descrição dos comportamentos ilícitos

Dispositivo da decisão recorrida

4.  Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

1.  Quanto ao pedido de anulação do artigo 1.° da decisão recorrida no que respeita à recorrente

Observações preliminares

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

2.  Quanto ao pedido de anulação do artigo 2.° da decisão recorrida na parte respeitante à recorrente ou, a título subsidiário, de redução do montante da coima

Quanto ao fundamento relativo à qualificação errada da infracção de «muito grave»

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao fundamento relativo à fixação errada do montante de partida da coima e do montante da coima e à classificação errada da recorrente na segunda categoria

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

–  Quanto à alegação de não ser tido em conta a pequena dimensão do mercado em causa

–  Quanto à alegação de apreciação errada da capacidade económica efectiva da recorrente para prejudicar a concorrência

–  Quanto à alegação de violação do princípio da proporcionalidade devido à aplicação de um montante de partida manifestamente exagerado em comparação com os aplicados a outras empresas envolvidas

–  Quanto à alegação de fixação de um montante de partida excessivo face à precária situação financeira da recorrente

Quanto ao fundamento relativo à apreciação errada das circunstâncias atenuantes

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao fundamento relativo a uma apreciação errada da cooperação

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

3.  Quanto ao pedido de indemnização

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: neerlandês.

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