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Document 62005TJ0237

    Acórdão do Tribunal Geral (Sexta Secção) de 9 de Junho de 2010.
    Éditions Odile Jacob SAS contra Comissão Europeia.
    Acesso a documentos das instituições - Regulamento (CE) n.º 1049/2001 - Documentos respeitantes a um processo relativo a uma operação de concentração de empresas - Regulamento n.º 4064/89 - Regulamento (CE) n.º 139/2004 - Regulamento (CE) n.º 802/2004 - Recusa de acesso - Excepção relativa à protecção das actividades de inquérito e de auditoria - Excepção relativa à protecção dos interesses comerciais - Excepção relativa à protecção do processo decisório - Excepção relativa à protecção dos pareceres jurídicos.
    Processo T-237/05.

    Colectânea de Jurisprudência 2010 II-02245

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2010:224

    Processo T‑237/05

    Éditions Odile Jacob SAS

    contra

    Comissão Europeia

    «Acesso aos documentos das instituições – Regulamento (CE) n.° 1049/2001 – Documentos respeitantes a um processo relativo a uma operação de concentração de empresas – Regulamento (CE) n.° 4064/89 – Regulamento (CE) n.° 139/2004 – Regulamento (CE) n.° 802/2004 – Recusa de acesso – Excepção relativa à protecção das actividades de inquérito e de auditoria – Excepção relativa à protecção de interesses comerciais – Excepção relativa à protecção do processo decisório – Excepção relativa à protecção dos pareceres jurídicos»

    Sumário do acórdão

    1.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 – Obrigação da instituição de proceder a um exame concreto e individual do conteúdo dos documentos – Alcance

    (Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 4.°, 9.°, n.° 4, e 11.°, n.° 3)

    2.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 – Excepções ao direito de acesso aos documentos – Protecção dos objectivos das actividades de inspecção, inquérito e auditoria

    (Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão)

    3.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 – Excepções ao direito de acesso aos documentos – Protecção dos objectivos das actividades de inspecção, inquérito e auditoria Protecção dos interesses comerciais de uma pessoa singular ou colectiva

    (Artigo 287.° CE; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 2.°, n.° 3, e 4.°, n.° 2, primeiro e terceiro travessão; Regulamentos n.° 4064/89 do Conselho, artigo 17.°, e n.° 139/2004, artigo. 17.°)

    4.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 – Excepções ao direito de acesso aos documentos – Documentos provenientes de terceiros

    (Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.os 1, 2 e 4)

    5.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 – Excepções ao direito de acesso aos documentos – Protecção do processo decisório

    (Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo)

    6.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 – Excepções ao direito de acesso aos documentos – Protecção dos pareceres jurídicos

    (Regulamento n.° 1049//2001 do Parlamento Europeu e, do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão)

    7.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 Obrigação da instituição de proceder a um exame concreto e individual dos documentos – Exame que se revela particularmente oneroso e inapropriado – Derrogação à obrigação de exame

    (Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 6)

    8.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 – Excepções ao direito de acesso aos documentos – Interesse público superior que justifica a divulgação dos documentos

    (Artigo 255.° CE; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 2.°, n.° 1, e 4.°, n.° 3, segundo parágrafo)

    1.      A obrigação de uma instituição de proceder a uma apreciação concreta e individual do conteúdo dos documentos a que se refere um pedido de acesso a esses documentos é uma solução de princípio, que se aplica a todas as excepções mencionadas nos n.os 1 a 3 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, independentemente do domínio a que pertençam os documentos solicitados.

    Esta solução de princípio não significa, porém, que se exija semelhante exame em todas as circunstâncias. Com efeito, uma vez que o exame concreto e individual a que a instituição deve em princípio proceder em resposta a um pedido de acesso formulado com base no Regulamento n.° 1049/2001 tem por objectivo permitir à instituição em causa apreciar, por um lado, em que medida uma excepção ao direito de acesso é aplicável e, por outro, a possibilidade de um acesso parcial, o referido exame pode não ser necessário quando, em razão das circunstâncias específicas do caso concreto, seja manifesto que o acesso deve ser recusado ou, pelo contrário, concedido.

    Além disso, o carácter genérico da fundamentação em que se baseia uma recusa de acesso assim como a sua brevidade ou o seu carácter estereotipado só constituem um indício de que não foi levada a cabo uma análise concreta nos casos em que é objectivamente possível indicar as razões que justificam a recusa de acesso a cada documento sem divulgar o conteúdo desse documento ou um elemento essencial dele e, portanto, privar a excepção da sua finalidade essencial.

    A necessidade de as instituições não revelarem elementos susceptíveis de, indirectamente, prejudicar os interesses que as referidas excepções têm, especificamente, por objectivo proteger é sublinhada, nomeadamente, pelo artigo 9.°, n.° 4, e artigo 11.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001.

    Por fim, apenas pode ser aplicada uma única e mesma justificação a documentos pertencentes à mesma categoria, o que é nomeadamente o caso se contiverem o mesmo tipo de informações. Cabe seguidamente ao Tribunal verificar se a excepção invocada cobre manifestamente e integralmente os documentos que cabem nessa categoria.

    (cf. n.os 44‑47)

    2.      O artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, deve ser interpretado no sentido de que esta disposição, que visa proteger «os objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria», só é aplicável se a divulgação dos documentos em questão puder pôr em perigo a conclusão dessas.

    Na verdade, os diferentes actos de inquérito ou de inspecção podem ficar abrangidos pela excepção relativa à protecção de actividades de inspecção, inquérito e auditoria enquanto as actividades de inquérito ou de inspecção prosseguem, mesmo que esteja terminado o inquérito ou a inspecção particular que deu lugar ao relatório ao qual o acesso é pedido.

    Todavia, admitir que os diferentes documentos relativos a actividades de inspecção, inquérito ou auditoria estão abrangidos pela excepção constante do artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 enquanto o seguimento a dar a esses procedimentos não estiver decidido equivale a submeter o acesso aos referidos documentos a um acontecimento aleatório, futuro e eventualmente longínquo, dependente da celeridade e da diligência das diferentes autoridades. Esta solução colide com o objectivo que consiste em garantir o acesso do público aos documentos das instituições, com a finalidade de dar aos cidadãos a possibilidade de controlar de forma mais efectiva a legalidade do exercício do poder público.

    (cf. n.os 72‑75)

    3.      Em aplicação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, estabelece que as disposições relativas ao acesso do público aos documentos da Comissão aplicam‑se a todos os documentos na posse dessa instituição, ou seja, a todos os documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de actividade da União Europeia. Por conseguinte, não se pode admitir que, em matéria de concentração, a correspondência entre a Comissão e as partes interessadas seja considerada manifestamente coberta pela excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito ou pela excepção relativa à protecção de interesses comerciais. Embora essas excepções possam, eventualmente, ser aplicáveis a alguns dos documentos elaborados pela Comissão ou que lhe foram comunicados, não é necessariamente o caso de todos os documentos ou desses documentos na íntegra. Pelo menos, cabe à Comissão assegurar‑se disso através de um exame concreto e efectivo de cada documento, exigido pelo artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão, do referido regulamento.

    Na medida em que o público tem direito de acesso a documentos que contenham determinadas informações, não se pode considerar que essas informações estão abrangidas, pela sua natureza, pelo segredo profissional ou pelos segredos do negócio. Nem o artigo 287.° CE nem o artigo 17.° dos Regulamentos n.° 4064/89 e n.° 139/2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas, são susceptíveis de se oporem à divulgação de um documento que não está coberto por uma das excepções previstas pelo Regulamento n.° 1049/2001.

    (cf. n.os 86, 90, 94, 123, 124)

    4.      Nos termos do artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, no caso de documentos emanados de terceiros, a instituição consulta o terceiro em causa, a fim de determinar se é aplicável uma das excepções constantes do artigo 4.°, n.os 1 ou 2, do mesmo regulamento, a menos que seja claro se o documento deve ou não deve ser divulgado. Daqui decorre que as instituições não são obrigadas a consultar o terceiro em causa se for claro que o documento deve ser divulgado ou que não deve sê‑lo. Em todos os outros casos, as instituições devem consultar o terceiro em causa. Assim, a consulta do terceiro em causa constitui, regra geral, uma condição prévia para a determinação da aplicação das excepções ao acesso previstas no artigo 4.°, n.os 1 e 2, do regulamento no caso de documentos que emanam de terceiros. A falta de consulta dos terceiros autores dos documentos só é, portanto, conforme com o referido regulamento se uma das excepções previstas pelo referido regulamento se aplicar claramente aos documentos em causa.

    (cf. n.os 126, 127)

    5.      A aplicação da excepção relativa à protecção do processo decisório prevista no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão pressupõe que seja demonstrado que o acesso aos documentos solicitados era susceptível de prejudicar de uma forma concreta e efectiva a protecção do processo decisório da Comissão e que esse risco de prejuízo era razoavelmente previsível e não puramente hipotético.

    Acresce que, para estar abrangido pela excepção, o prejuízo cometido contra o processo decisório deve ser grave. É assim, nomeadamente, quando a divulgação dos documentos visados tem um impacto substancial no referido processo. A apreciação da gravidade depende de todas as circunstâncias da causa, nomeadamente dos efeitos negativos no processo decisório, invocados pela instituição quanto à divulgação dos documentos visados. As justificações invocadas de maneira geral e abstracta, sem serem sustentadas por argumentações circunstanciadas à luz do conteúdo dos documentos em causa, não podem ser suficientes para justificar a recusa de acesso aos documentos solicitados, sob pena de violarem o princípio da interpretação estrita das excepções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, em especial a prevista no artigo 4.°, n.° 3, do referido regulamento.

    (cf. n.os 140, 141, 143)

    6.      A excepção relativa aos pareceres jurídicos prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, deve ser interpretada no sentido de que visa proteger o interesse da Comissão em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objectivos e completos. O risco de que esse interesse seja prejudicado deve, para poder ser invocado, ser razoavelmente previsível, e não puramente hipotético.

    Ora, o interesse do público em obter a comunicação de um documento ao abrigo da obrigação de transparência, que procura garantir uma melhor participação dos cidadãos no processo decisório e uma maior legitimidade, uma maior eficácia e uma maior responsabilidade da administração em relação aos cidadãos num sistema democrático, não tem o mesmo peso quando esse documento faz parte de um procedimento administrativo com vista à aplicação das regras que regulam o controlo de concentrações ou o direito da concorrência em geral ou quando diz respeito a um processo no âmbito do qual a instituição em causa intervém na qualidade de legislador e um acesso mais amplo aos documentos deveria ser autorizado nos termos do considerando 6 do Regulamento n.° 1049/2001.

    (cf. n.os 156, 161)

    7.      Na medida em que o direito de acesso aos documentos na posse das instituições constitui uma solução de princípio, é a título excepcional e unicamente quando a carga administrativa provocada pelo exame concreto e individual dos documentos se revele particularmente pesada, excedendo assim os limites do que pode ser razoavelmente exigido, que se poderá admitir uma derrogação à obrigação de exame.

    Além disso, é à instituição que invoca uma excepção relacionada com o carácter irrazoável da tarefa exigida pelo pedido de acesso aos documentos Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, que incumbe o ónus da prova da sua amplitude.

    Quando tenha feito a prova do carácter irrazoável da carga administrativa exigida pelo exame concreto e individual dos documentos visados no pedido, a instituição está obrigada a tentar concertar‑se com o requerente a fim de, por um lado, tomar conhecimento ou obter esclarecimentos sobre o seu interesse na obtenção dos documentos em causa e, por outro, prever concretamente as opções que se lhe apresentam para a adopção de uma medida menos restritiva do que um exame concreto e individual dos documentos. A instituição não deixa de estar obrigada, neste contexto, a privilegiar a opção que, não constituindo, em si mesma, uma tarefa que exceda os limites do que pode ser razoavelmente exigido, continue a ser a mais favorável ao direito de acesso do requerente.

    Daqui decorre que a instituição só pode dispensar completamente um exame concreto e individual após ter realmente estudado todas as demais opções possíveis e explicado de forma circunstanciada, na sua decisão, as razões pelas quais estas diversas opções implicam, também elas, uma carga de trabalho irrazoável.

    Uma decisão da Comissão, que recusa globalmente qualquer acesso parcial à recorrente, apenas pode ser legal na hipótese de a Comissão ter previamente explicado, de forma concreta, as razões pelas quais as soluções alternativas a um exame concreto e individual de cada um dos documentos visados constituíam, também, uma carga de trabalho irrazoável.

    (cf. n.os 170‑174)

    8.      Tendo em conta o princípio geral do acesso aos documentos, conforme consagrado no artigo 255.° CE, e os considerandos 1 e 2 do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, o interesse público superior que justifica a divulgação deve ter carácter objectivo e geral e não pode ser confundido com interesses particulares ou privados, por exemplo, relativos à propositura de acções contra as instituições, já que tais interesses não constituem um elemento pertinente para a ponderação de interesses prevista no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, deste regulamento.

    Com efeito, por força do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1049/2001, os beneficiários do direito de acesso aos documentos das instituições são «[t]odos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro». Daí resulta que este regulamento está vocacionado para garantir o acesso de todos aos documentos públicos e não apenas o acesso do recorrente a documentos que lhe dizem respeito. Consequentemente, o interesse particular que pode invocar quem pede o acesso a documentos que lhe dizem pessoalmente respeito, em geral, só é determinante no âmbito tanto da apreciação da existência de um interesse público superior como da ponderação dos interesses ao abrigo do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do regulamento.

    (cf. n.os 191, 192)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

    9 de Junho de 2010 (*)

    «Acesso aos documentos das instituições – Regulamento (CE) n.° 1049/2001 – Documentos respeitantes a um processo relativo a uma operação de concentração de empresas – Regulamento (CE) n.° 4064/89 – Regulamento (CE) n.° 139/2004 – Regulamento (CE) n.° 802/2004 – Recusa de acesso – Excepção relativa à protecção das actividades de inquérito e de auditoria – Excepção relativa à protecção de interesses comerciais – Excepção relativa à protecção do processo decisório – Excepção relativa à protecção dos pareceres jurídicos»

    No processo T‑237/05,

    Éditions Odile Jacob SAS, com sede em Paris (França), representada inicialmente por W. van Weert e O. Fréget, e em seguida por O. Fréget, advogados,

    recorrente,

    contra

    Comissão Europeia, representada por X. Lewis, P. Costa de Oliveira e O. Beynet, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    apoiada por:

    Lagardère SCA, representada inicialmente por A. Winckler, S. Sorinas Jimeno e I. Girgenson, e em seguida por Winckler, F. de Bure e J.‑B. Pinçon, advogados,

    interveniente,

    que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 7 de Abril de 2005 que indefere parcialmente um pedido da recorrente destinado à obtenção de acesso a certos documentos respeitantes a um processo relativo a uma operação de concentração de empresas (Processo COMP/M.2978 – Lagardère/Natexis/VUP),

    O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

    composto por: A. W. H. Meij (presidente), V. Vadapalas e L. Truchot (relator), juízes,

    secretário: E. Coulon,

    vistos os autos e após a audiência de 9 de Setembro de 2009,

    visto o despacho de reabertura da fase oral de 28 de Setembro de 2009 e a resposta da recorrente à questão escrita do Tribunal Geral,

    profere o presente

    Acórdão

     Antecedentes do litígio

    1.     Pedidos de acesso a documentos apresentados pela recorrente

    1        Por carta de 27 de Janeiro de 2005, a recorrente, Éditions Odile Jacob SAS, pediu à Comissão das Comunidades Europeias, em aplicação do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), o acesso a vários documentos respeitantes ao procedimento administrativo (a seguir «procedimento em causa») que conduziu à adopção da Decisão 2004/422/CE da Comissão, de 7 de Janeiro de 2004, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum e o funcionamento do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Processo COMP/M.2978 – Lagardère/Natexis/VUP) (JO L 125, p. 24, a seguir «decisão de compatibilidade»), a fim de os utilizar em apoio do seu recurso no processo Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑279/04, pendente no Tribunal Geral e destinado à anulação da decisão de compatibilidade. Os documentos visados eram:

    a)      a decisão da Comissão de 5 de Junho de 2003 de abrir um inquérito aprofundado acerca do fundamento do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1), no procedimento em causa;

    b)      a versão integral do contrato de cessão assinado em 3 de Dezembro de 2002 pela Natexis Banques populaires SA, por um lado, e pela Segex Sarl e Ecrinvest 4 SA, por outro;

    c)      toda a correspondência trocada entre a Comissão e a Natexis Banques populaires entre o mês de Setembro de 2002 e a notificação da operação de concentração, em 14 de Abril de 2003;

    d)      toda a correspondência trocada entre a Comissão e a Lagardère SCA entre o mês de Setembro de 2002 e a referida notificação;

    e)      o contrato pelo qual a Natexis Banques populaires se tornou titular das participações dos activos da Vivendi Universal Publishing SA (VUP) na Vivendi Universal SA em 20 de Dezembro de 2002;

    f)      a promessa de aquisição da VUP emitida pela Lagardère junto da Vivendi Universal em 22 de Outubro de 2002;

    g)      todos os memorandos internos da Comissão relativos, exclusivamente ou não, à aplicação do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 à aquisição dos activos da VUP pela Natexis SA/Investima 10 SAS, incluindo os memorandos trocados entre a Direcção‑Geral (DG) «Concorrência» da Comissão e o Serviço Jurídico desta última;

    h)      toda a correspondência trocada entre a Comissão e a Natexis respeitante, exclusivamente ou não, à aplicação do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 à aquisição dos activos da VUP pela Natexis/Investima 10.

    2        Por carta de 27 de Janeiro de 2005, a recorrente dirigiu à Comissão um pedido de acesso a outra série de documentos, a fim de os utilizar em apoio do seu recurso no processo Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑452/04, pendente no Tribunal Geral, destinado à anulação da decisão da Comissão de 30 de Julho de 2004 relativa à aprovação da Wendel Investissements SA como adquirente dos activos cedidos pela Lagardère, em conformidade com a decisão de compatibilidade (a seguir «decisão de aprovação»). Os documentos visados eram os seguintes:

    a)      a decisão da Comissão que aprova o mandatário encarregado de zelar pelo respeito dos compromissos assumidos pela Lagardère quando da autorização da concentração pela decisão de compatibilidade;

    b)      o mandato conferido pela Lagardère à Salustro Reydel Management SA para zelar pelo respeito dos compromissos assumidos pela Lagardère quando da autorização da concentração pela decisão de compatibilidade;

    c)      os eventuais pedidos de alteração da Comissão relativos ao projecto de mandato e as respostas dadas pela Lagardère a esse respeito;

    d)      o mandato conferido pela Lagardère ao gestor dos elementos de activo separados (Hold Separate Manager), responsável pela gestão dos activos de acordo com a decisão de compatibilidade;

    e)      a decisão da Comissão que aprova o referido gestor;

    f)      o projecto de acordo assinado em 28 de Maio de 2004 entre a Lagardère e a Wendel Investissement sobre a retoma dos activos cedidos;

    g)      a carta dirigida pela Lagardère à Comissão em 4 de Junho de 2004, pedindo‑lhe que aprovasse a Wendel Investissement como adquirente na retoma dos activos cedidos;

    h)      o pedido de informações, em 11 de Junho de 2004, dirigido à Lagardère pela Comissão, com fundamento no artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, destinado a permitir‑lhe avaliar se as condições de aprovação da sociedade Wendel Investissement estavam preenchidas;

    i)      a resposta da Lagardère, em 21 de Junho de 2004, a esse pedido de informações;

    j)      o relatório do mandatário que aprecia a candidatura da Wendel Investissement como adquirente dos activos cedidos à luz dos critérios de aprovação, entregue à Comissão em 5 de Julho de 2004.

    3        Por fax de 15 de Fevereiro de 2005, o director‑geral da DG «Concorrência» comunicou à recorrente a carta da Comissão de 5 de Fevereiro de 2004, que aprovava a designação do mandatário e do gestor dos elementos de activo separados [documentos visados no n.° 2, alíneas a) e e), supra], e informou‑a de que os restantes documentos não lhe podiam ser comunicados porque estavam abrangidos pelas excepções ao direito de acesso do público aos documentos, definidas no artigo 4.°, n.os 2, primeiro a terceiro travessões, e 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, e porque nenhum interesse público superior justificava a sua divulgação.

    4        Por carta de 18 de Fevereiro de 2005, a recorrente apresentou um pedido confirmativo (a seguir «pedido de acesso») respeitante aos documentos aos quais lhe tinha sido recusado acesso.

    5        Em 14 de Março de 2005, o secretário‑geral da Comissão informou a recorrente de que o prazo de resposta ao seu pedido seria prolongado, em conformidade com o artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001, até 7 de Abril de 2005, em razão da complexidade do pedido de acesso e do número de documentos pedidos.

    2.     Decisão impugnada

    6        Pela decisão D (2005) 3286, de 7 de Abril de 2005 (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão confirmou a sua recusa de divulgação de 15 de Fevereiro de 2005.

    7        A Comissão identificou os documentos visados pelo pedido de acesso e forneceu uma lista detalhada dos mesmos, com excepção dos documentos mencionados no n.° 1, alínea d), supra, com o fundamento de que a correspondência trocada entre a Lagardère e a Comissão correspondia a uma vintena de pastas e a elaboração de uma lista detalhada teria representado uma carga administrativa desproporcionada. Por outro lado, precisou que não possuía o documento mencionado no n.° 1, alínea f), supra e chamou a atenção para que os documentos visados no n.° 1, alínea c), supra incluíam os que figuram na alínea h) do mesmo número.

    8        Na decisão impugnada, a Comissão invoca a excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativa à protecção dos objectivos das actividades de inspecção, de inquérito e de auditoria, para recusar o acesso a todos os documentos pedidos, na medida em que foram comunicados aos serviços da Comissão ou por estes elaborados no quadro de um procedimento de controlo de uma operação de concentração de empresas. A Comissão entende que, na hipótese de o Tribunal anular a decisão de compatibilidade, a Comissão seria levada a adoptar uma nova decisão e, consequentemente, a reabrir o inquérito. O objectivo deste inquérito seria posto em perigo se documentos elaborados ou recebidos no quadro do procedimento de controlo fossem tornados públicos nesta fase. De uma forma mais geral, a Comissão considera que a divulgação de informações que lhe foram fornecidas no quadro de um procedimento de controlo de uma operação de concentração quebraria o clima de confiança e de cooperação existente entre a Comissão e as partes interessadas, clima esse indispensável à recolha das informações de que necessita.

    9        A Comissão invoca igualmente a excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativa à protecção dos interesses comerciais, para justificar a recusa de acesso aos documentos visados no n.° 1, alíneas b) a e) e h), supra e no n.° 2, alíneas b), c) (em parte), d), f), g), i) e j), supra, na medida em que contêm informações sensíveis relativas às estratégias comerciais das empresas em causa, transmitidas por estas à Comissão apenas para efeitos do controlo da operação de concentração prevista. A Comissão considera que os documentos visados no n.° 1, alínea a), supra e no n.° 2, alíneas c) (no que respeita a uma carta da Comissão dirigida à Lagardère) e h), supra, todos elaborados por ela, contêm também informações comercialmente sensíveis, relativas às empresas em causa.

    10      Além disso, a Comissão invoca a excepção prevista no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, relativa à protecção do processo decisório da instituição, para justificar a recusa de acesso a duas das três notas internas da Comissão visadas no n.° 1, alínea g), supra. Uma dessas notas consiste num pedido de parecer da DG «Concorrência» ao Serviço Jurídico; a outra é uma nota destinada ao membro da Comissão encarregado da concorrência, que resume o estado do dossier. A Comissão entende que estas duas notas reflectem pareceres e consultas preliminares internos, tendo em vista a adopção da decisão de compatibilidade, e que o seu processo decisório seria prejudicado se deliberações internas fossem tornadas públicas. Afirma que os seus serviços devem ter a possibilidade de exprimir livremente os seus pontos de vista, ao abrigo de todas as pressões exteriores, a fim de esclarecer a Comissão com vista à tomada de decisão.

    11      Por último, a Comissão baseia‑se na excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativa à protecção dos pareceres jurídicos, para justificar a recusa de acesso a um dos documentos visados no n.° 1, alínea g), supra. Sublinha que é essencial que os pareceres jurídicos possam ser dados com toda a franqueza, objectividade e independência. Entende que, se o Serviço Jurídico tivesse sido obrigado a ter em conta a ulterior publicação do seu parecer, não se teria exprimido com total independência.

    12      No que respeita aos documentos emanados de terceiros, a Comissão considera que não há lugar à sua consulta nos termos do artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1049/2001, visto que uma das excepções acima invocadas é aplicável e, por conseguinte, não há dúvidas de que os documentos em causa não devem ser divulgados.

    13      A Comissão afirma ter examinado a possibilidade de dar à recorrente acesso parcial aos documentos em causa, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001, mas afastou‑a em razão do grande número de documentos pedidos e atendendo ao facto de que a quase totalidade do respectivo conteúdo está coberto pelas excepções anteriormente enumeradas. A identificação das partes desses documentos susceptíveis de ser comunicadas acarretaria uma carga administrativa desproporcionada relativamente ao interesse do público em aceder aos fragmentos resultante desse exercício.

    14      Por outro lado, a Comissão sublinha que nenhum interesse público superior justifica a divulgação dos documentos visados, uma vez que o pedido de acesso se baseia na defesa dos interesses da recorrente num litígio pendente no Tribunal Geral, defesa essa que é do interesse privado, não público.

    15      A Comissão chama a atenção da recorrente para a existência de outras regras de acesso específicas, previstas, por um lado, pelo Regulamento n.° 4064/89 e, por outro, pelas disposições dos Regulamentos de Processo do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, que permitem a uma parte, no âmbito de um processo judicial, solicitar a adopção de medidas de organização do processo que podem consistir em requerer a apresentação de documentos relativos ao processo em curso.

    16      Por último, a Comissão salienta que o facto de ter comunicado pedidos de informações baseados no artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89 em anexo à sua contestação no processo T‑279/04 não pode significar que está obrigada a divulgar o pedido de informações dirigido à Lagardère nos termos da mesma disposição, visado no n.° 2, alínea h), supra. Recorda que os documentos juntos aos articulados apresentados no Tribunal de Justiça e no Tribunal Geral são comunicados exclusivamente para efeitos do processo em causa e não se destinam a ser tornados públicos, ao passo que a comunicação de um documento nos termos do Regulamento n.° 1049/2001 equivale a uma publicação desse documento.

    17      Posteriormente à decisão impugnada, em 5 de Julho de 2005, a recorrente apresentou um requerimento de medidas de organização do processo ao abrigo do artigo 64.° do Regulamento de Processo no processo T‑279/04, pedindo que o Tribunal Geral ordenasse à Comissão que apresentasse os documentos visados no n.° 1, alíneas a) a h), supra. A Comissão comunicou à recorrente, em anexo às suas observações sobre esse pedido, o documento visado no referido n.° 1, alínea a), a saber, a sua decisão de 5 de Junho de 2003 de abrir um inquérito aprofundado acerca do fundamento do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89 no procedimento em causa.

     Tramitação processual e pedidos das partes

    18      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de Junho de 2005, a recorrente interpôs um recurso de anulação da decisão impugnada.

    19      Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de Setembro de 2005, a Lagardère pediu autorização para intervir no presente litígio em apoio da Comissão.

    20      Uma vez que a composição das Secções do Tribunal Geral foi alterada, o juiz‑relator foi afectado à Sexta Secção, à qual, consequentemente, o presente processo foi distribuído.

    21      Por despacho do presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral de 6 de Março de 2009, a Lagardère foi autorizada a intervir no presente processo.

    22      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral e, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, colocou questões escritas às partes, a que estas responderam no prazo fixado para o efeito.

    23      Por despacho de 10 de Julho de 2009, em conformidade com os artigos 65.°, alínea b), 66.°, n.° 1, e 67.°, n.° 3, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, o Tribunal ordenou à Comissão que apresentasse todos os documentos pedidos com excepção dos visados nos n.os 1, alínea f), e 2, alíneas a) e e), supra, tendo sido precisado que esses documentos não seriam comunicados à recorrente nem à interveniente no quadro do presente processo. Essa ordem foi cumprida.

    24      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 9 de Setembro de 2009.

    25      Por despacho de 28 de Setembro de 2009, foi reaberta a fase oral a fim de colocar uma questão escrita à recorrente.

    26      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    –        anular a decisão impugnada;

    –        condenar a Comissão nas despesas.

    27      A Comissão, apoiada pela interveniente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    –        negar provimento ao recurso;

    –        condenar a recorrente nas despesas.

     Questão de direito

    1.     Quanto ao objecto do litígio

    28      Vários documentos a que a recorrente pediu acesso nos termos do Regulamento n.° 1049/2001 foram‑lhe transmitidos pela Comissão, integralmente ou parcialmente, em anexo às suas contestações nos processos T‑279/04 e T‑452/04 e às suas observações sobre o pedido de adopção de uma medida de organização do processo apresentado pela recorrente no processo T‑279/04. Os documentos assim comunicados são os seguintes:

    –        uma versão não confidencial do documento visado no n.° 1, alínea a), supra, a saber, a decisão da Comissão de 5 de Junho de 2003 tomada em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89 no procedimento em causa;

    –        uma versão não confidencial do contrato de venda assinado em 3 de Dezembro de 2002 entre a Segex e a Ecrinvest 4, por um lado, e a Lagardère, por outro; este contrato corresponde ao documento visado no n.° 1, alínea b), supra, como confirmaram a Comissão e a Lagardère em resposta a uma questão escrita do Tribunal;

    –        parte do documento visado no n.° 1, alínea c), supra, isto é, a correspondência trocada entre a Comissão e a Natexis no período compreendido entre Setembro de 2002 e a notificação da operação de concentração, em 14 de Abril de 2003;

    –        o documento visado no n.° 2, alínea h), supra, a saber, o pedido de informações, datado de 11 de Junho de 2004, que a Comissão dirigiu à Lagardère;

    –        uma versão não confidencial do documento visado no n.° 2, alínea j), supra, a saber, o relatório do mandatário acerca da candidatura da Wendel Investissement.

    29      Em resposta às questões escritas do Tribunal, a recorrente indicou que considerava que o seu interesse em agir se extinguiu no que respeita a esses documentos, uma vez que o pedido de acesso foi satisfeito na parte que lhes dizia respeito com as transmissões assim operadas.

    30      Por conseguinte, já não há lugar a decidir sobre a legalidade da decisão impugnada na parte em que a Comissão recusou o acesso aos documentos visados nos n.os 1, alíneas a) a c), e 2, alíneas h) e j), supra.

    31      Por outro lado, a recorrente não contestou a afirmação da Comissão segundo a qual o documento visado no n.° 1, alínea f), supra não está em sua posse.

    32      Consequentemente, o litígio passou a ter como objecto a legalidade da decisão impugnada na parte em que a Comissão recusou o acesso, integral e parcial, aos documentos visados nos n.os 1, alíneas d), e), g) e h), e 2, alíneas b) a d), f), g) e i) (a seguir «documentos controvertidos»).

    2.     Quanto à admissibilidade de um dos argumentos aduzidos a título preliminar pela interveniente

     Argumentos das partes

    33      A interveniente alega, a título preliminar, que o pedido de acesso controvertido deve ser apreciado no contexto especial de um procedimento de controlo das concentrações. A esse título, sustenta, nomeadamente, que o acesso ao dossier nos procedimentos de controlo das concentrações está sujeito a regras específicas, previstas no artigo 17.° do Regulamento (CE) n.° 802/2004 da Comissão, de 7 de Abril de 2004, de execução do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 133, p. 1). Segundo ela, o regime estabelecido é estrito. O acesso ao dossier não está aberto a terceiros à operação de concentração. A exclusão inclui as informações confidenciais e os documentos internos da Comissão ou das autoridades competentes dos Estados‑Membros. O acesso apenas é concedido sob condição de os documentos obtidos serem utilizados exclusivamente para as necessidades do procedimento de concentração em causa. De acordo com o adágio lex specialis derogat legi generali, as regras especiais derrogam as regras gerais. Assim, a jurisprudência aceitou que o direito de acesso previsto pelo artigo 255.° CE e pelo Regulamento n.° 1049/2001 seja afastado pelas normas especiais relativas ao sigilo dos trabalhos dos júris dos concursos. Da mesma maneira, em matéria de controlo de concentrações, a existência de regras especiais deve impedir – ou pelo menos limitar – a aplicação das regras gerais de acesso do público aos documentos. Não sendo assim, as regras previstas pelo Regulamento n.° 802/2004 seriam privadas de efeito útil.

    34      A recorrente contesta o mérito desta observação preliminar da interveniente.

     Apreciação do Tribunal

    35      Nos termos do artigo 113.° do Regulamento de Processo, o Tribunal pode, a qualquer momento, suscitar oficiosamente qualquer excepção de inadmissibilidade de ordem pública, entre as quais figura a admissibilidade de um argumento aduzido por um interveniente.

    36      Nos termos do artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.° do referido estatuto, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar‑se a sustentar os pedidos de uma das partes. Além disso, nos termos do artigo 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o interveniente aceita o processo no estado em que este se encontrar no momento da sua intervenção. Ora, embora estas disposições não se oponham a que um interveniente apresente argumentos diferentes dos da parte que apoia, apenas o permitem na condição de que não alterem o objecto do litígio e de que a intervenção tenha sempre por objectivo apoiar os pedidos apresentados por esta última.

    37      No caso vertente, as partes principais não aduziram qualquer argumento relativo à aplicação exclusiva das regras relativas ao acesso ao dossier previstas no domínio do controlo das concentrações. Ora, pressupondo que pudesse ser admitido pelo Tribunal, o referido argumento conduziria à anulação da decisão impugnada com o fundamento de que esta foi erradamente adoptada com base no Regulamento n.° 1049/2001, e não, como deveria ter sido, nas disposições relativas ao acesso ao dossier previstas em matéria de controlo de concentrações. Por conseguinte, esse argumento não viria apoiar o pedido da Comissão, a qual conclui pela negação de provimento ao recurso de anulação.

    38      Consequentemente, o argumento aduzido pela interveniente a título preliminar e relativo à aplicação das regras relativas ao acesso ao dossier previstas no domínio do controlo das concentrações deve ser rejeitado como inadmissível.

    3.     Quanto ao mérito

    39      A recorrente invoca quatro fundamentos para o seu recurso, relativos à falta de exame concreto e individual dos documentos visados pelo pedido de acesso, a erro manifesto de apreciação da Comissão na aplicação das excepções previstas pelo artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1049/2001, à inobservância do direito a um acesso, pelo menos parcial, aos documentos pedidos e à violação do princípio da proporcionalidade resultante da falta de ponderação das excepções invocadas com o interesse público superior que justifica a divulgação dos referidos documentos.

    40      Uma vez que o primeiro e segundo fundamentos estão intimamente relacionados, devem ser analisados em conjunto.

     Quanto ao primeiro e segundo fundamentos, relativos à falta de exame concreto e individual dos documentos visados pelo pedido de acesso e a erro manifesto de apreciação da Comissão na aplicação das excepções previstas pelo artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1049/2001

    41      Segundo jurisprudência assente, o exame exigido para o tratamento de um pedido de acesso a documentos deve revestir carácter concreto. Com efeito, por um lado, a simples circunstância de um documento dizer respeito a um interesse protegido por uma excepção não basta para justificar a aplicação dessa excepção (acórdãos do Tribunal Geral de 26 de Abril de 2005, Sison/Conselho, T‑110/03, T‑150/03 e T‑405/03, Colect., p. II‑1429, n.° 75, e de 6 de Julho de 2006, Franchet e Byk/Comissão, T‑391/03 e T‑70/04, Colect., p. II‑ 2023, n.° 115). Em princípio, essa aplicação apenas pode ser justificada na hipótese de a instituição ter previamente apreciado, primeiro, se o acesso ao documento é susceptível de lesar concretamente e efectivamente o interesse protegido e, segundo, nas hipóteses visadas no artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1049/2001, se não existe um interesse superior que justifique a divulgação do documento visado. Por outro lado, o risco de lesão de um interesse protegido deve ser razoavelmente previsível e não puramente hipotético. Por conseguinte, o exame a que a instituição deve proceder a fim de aplicar uma excepção deve ser efectuado de forma concreta e deve resultar dos fundamentos da decisão (acórdãos do Tribunal Geral de 13 de Abril de 2005, Verein für Konsumenteninformation/Comissão, T‑2/03, Colect., p. II‑1121, a seguir «acórdão VKI», n.° 69, e Franchet e Byk/Comissão, já referido, n.° 115).

    42      Este exame concreto deve, por outro lado, ser realizado para cada documento a que se refere o pedido. Com efeito, decorre do Regulamento n.° 1049/2001 que todas as excepções mencionadas nos n.os 1 a 3 do seu artigo 4.° são enunciadas no sentido de que devem ser aplicadas «a um documento» (acórdãos VKI, já referido no n.° 41 supra, n.° 70, e Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 116). Além disso, no que diz respeito à aplicação ratione temporis dessas mesmas excepções, o artigo 4.°, n.° 7, do referido regulamento dispõe que só são aplicáveis durante o período em que a protecção se justifique com base no «conteúdo do documento».

    43      Por conseguinte, um exame concreto e individual é, em todo o caso, necessário porquanto, mesmo na hipótese de ser claro que um pedido de acesso se refere a documentos cobertos por uma excepção, apenas este exame pode permitir à instituição apreciar a possibilidade de conceder um acesso parcial ao requerente, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001 (acórdãos VKI, já referido no n.° 41 supra, n.° 73, e Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 117). Aliás, no âmbito de aplicação do referido regulamento, o Tribunal já considerou em princípio insuficiente uma apreciação de documentos efectuada por categorias e não com base nos elementos de informação concretos contidos nesses documentos, devendo o exame que se exige a uma instituição permitir‑lhe apreciar concretamente se uma excepção invocada se aplica realmente ao conjunto das informações constantes dos referidos documentos (acórdão VKI, já referido no n.° 41 supra, n.os 74 e 76).

    44      A obrigação das instituições de procederem a uma apreciação concreta e individual do conteúdo dos documentos a que se refere o pedido de acesso é uma solução de princípio (acórdão VKI, já referido no n.° 41 supra, n.os 74 e 75), que se aplica a todas as excepções mencionadas nos n.os 1 a 3 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, independentemente do domínio a que pertençam os documentos solicitados.

    45      Esta solução de princípio não significa, porém, que se exija semelhante exame em todas as circunstâncias. Com efeito, uma vez que o exame concreto e individual a que a instituição deve em princípio proceder em resposta a um pedido de acesso formulado com base no Regulamento n.° 1049/2001 tem por objectivo permitir à instituição em causa apreciar, por um lado, em que medida uma excepção ao direito de acesso é aplicável e, por outro, a possibilidade de um acesso parcial, o referido exame pode não ser necessário quando, em razão das circunstâncias específicas do caso concreto, seja manifesto que o acesso deve ser recusado ou, pelo contrário, concedido. Poderá ser esse o caso, designadamente, se determinados documentos estiverem, desde logo, manifestamente cobertos na sua totalidade por uma excepção ao direito de acesso ou, pelo contrário, forem manifestamente acessíveis na sua totalidade, ou, por último, tiverem sido já objecto de uma apreciação concreta e individual por parte da instituição em circunstâncias similares (acórdão VKI, já referido no n.° 41 supra, n.° 75).

    46      Além disso, o carácter genérico da fundamentação em que se baseia uma recusa de acesso assim como a sua brevidade ou o seu carácter estereotipado só constituem um indício de que não foi levada a cabo uma análise concreta nos casos em que é objectivamente possível indicar as razões que justificam a recusa de acesso a cada documento sem divulgar o conteúdo desse documento ou um elemento essencial dele e, portanto, privar a excepção da sua finalidade essencial (v., neste sentido, acórdão Sison/Conselho, já referido no n.° 41 supra, n.° 84; v., por analogia, quanto ao código de conduta de 1993, acórdão do Tribunal Geral de 5 de Março de 1997, WWF UK/Comissão,T‑105/95, Colect., p. II‑313, n.° 65). Como o Tribunal de Justiça esclareceu, a necessidade de as instituições não revelarem elementos susceptíveis de lesarem indirectamente os interesses que as referidas excepções têm especificamente por objectivo proteger é sublinhada, nomeadamente, pelos artigos 9.°, n.° 4, e 11.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001 (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2007, Sison/Conselho, C‑266/05 P, Colect., p. I‑1233, n.° 83).

    47      Por fim, apenas pode ser aplicada uma única e mesma justificação a documentos pertencentes à mesma categoria, o que é nomeadamente o caso se contiverem o mesmo tipo de informações. Cabe seguidamente ao Tribunal verificar se a excepção invocada cobre manifestamente e integralmente os documentos que cabem nessa categoria.

     Quanto à excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inspecção, de inquérito e de auditoria, prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001

    –       Argumentos das partes

    48      A recorrente alega que a Comissão adoptou uma abordagem abstracta e geral, sem proceder a um exame concreto e individual destinado a verificar se a comunicação de cada um dos documentos pedidos lesava efectivamente o interesse protegido pela excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

    49      Afirma que a preocupação da Comissão de manter um clima de confiança com as partes interessadas, no quadro de um procedimento de controlo de concentrações, é secundária, porquanto estas últimas estão legalmente obrigadas a comunicar à Comissão todos os documentos que esta exija a esse título.

    50      O risco de lesão da protecção do objectivo das actividades de inquérito alegado pela Comissão é, em qualquer dos casos, puramente hipotético, e como tal insuficiente para justificar uma recusa de acesso. A Comissão não pode demonstrar a existência de um risco dessa natureza, porquanto a maioria dos documentos pedidos dizem respeito a questões estritamente jurídicas, em particular, à aplicação do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, e não a questões de análise concorrencial, únicas susceptíveis de lesar o objectivo da actividade de inquérito da Comissão em caso de novo exame da operação sob a perspectiva do controlo das concentrações.

    51      Além disso, esses documentos foram transmitidos à Comissão pelas empresas em causa antes da notificação da concentração, ou seja, fora de qualquer procedimento formal de inquérito.

    52      A Comissão alega ter examinado concretamente e individualmente cada documento, como demonstra o facto de terem sido todos claramente identificados e enumerados, com excepção dos documentos visados no n.° 1, alínea d), supra, não apenas na lista em anexo à decisão impugnada como na própria decisão, em função das excepções que os cobrem.

    53      A fundamentação da decisão impugnada salienta o carácter individual, concreto e aprofundado do exame levado a cabo. Apenas um exame cuidadoso e individual poderia ter permitido determinar, por exemplo, que os documentos mencionados no n.° 1, alínea h), supra já estavam reportoriados na alínea c) do mesmo número, ou que o documento visado no n.° 2, alínea e), supra era o mesmo que o da alínea a) do referido número.

    54      A Comissão sustenta que uma fundamentação individual pode lesar o interesse protegido pela excepção em causa e que a jurisprudência reconheceu que uma fundamentação detalhada relativamente ao conteúdo de um documento é susceptível de divulgar informações protegidas por uma das excepções previstas pelo Regulamento n.° 1049/2001.

    55      Quanto aos documentos que figuram no n.° 1, alínea d), supra, isto é, toda a correspondência entre a Comissão e a Lagardère entre o mês de Setembro de 2002 e a notificação da operação de concentração, a Comissão alega que não se exige um exame concreto e individual quando é claro que os documentos em causa devem ou não devem ser divulgados. No caso vertente, os documentos visados pertencem claramente à mesma categoria, tendo em conta as suas características comuns.

    56      O exame concreto e individual de cada um dos documentos em causa, bem como o exame sumário dos documentos visados no n.° 1, alínea d), supra, demonstrou assim que todos os documentos estavam abrangidos pela excepção visada no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, relativa à protecção das actividades de inquérito, e que, além disso, outros documentos estavam totalmente ou parcialmente cobertos por outras excepções.

    57      A Comissão sublinha que o inquérito, embora terminado quanto ao seu desenrolamento, não pode ser considerado encerrado, pois a decisão de compatibilidade é objecto de um recurso de anulação, cujo exame está pendente no Tribunal, e em caso de anulação o inquérito deverá ser reaberto. A divulgação dos documentos aos quais o acesso foi recusado por esse motivo exporia a Comissão a pressões exteriores, que impediriam de levar a cabo o seu inquérito de forma correcta em caso de reabertura.

    58      A Comissão contesta o argumento da recorrente segundo o qual o clima de confiança entre a Comissão e os actores económicos, no quadro do controlo das concentrações, tem pouca importância, atendendo ao facto de esses actores estarem legalmente obrigados a fornecer à Comissão todas as informações úteis no quadro dos seus inquéritos. Sublinha que uma obrigação legal pode ser cumprida de diversas formas e que os inquéritos podem ser mais eficazes se as empresas não se contentarem em preencher as suas obrigações mínimas, mas cooperarem num espírito de boa vontade. As partes em causa não esperam que a Comissão utilize as informações obtidas para fins diversos daqueles para os quais foram comunicadas, pois tal seria contrário ao artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações entre empresas (JO L 24, p. 1). Por conseguinte, o perigo representado, para essa relação de confiança, pela divulgação a terceiros dos documentos fornecidos pelas empresas em causa não é puramente hipotético. A Comissão ilustra esse risco citando a publicação de um escritório de advogados que evoca o risco de informações comunicadas no quadro de uma operação de concentração serem seguidamente divulgadas pela Comissão.

    59      A Comissão recorda que a jurisprudência exige que o risco de lesão de um interesse protegido seja razoavelmente previsível, e não que seja feita a prova certa e circunstanciada desse risco. Alega que o facto de os documentos visados terem sido transmitidos antes da data de notificação da operação de concentração é irrelevante, uma vez que o interesse protegido pela excepção em causa é a preservação do objectivo do inquérito, e não apenas do inquérito enquanto tal, limitado às suas fases formais. O carácter estritamente confidencial das trocas prévias à referida notificação é sublinhado pela Comissão num documento por esta elaborado e intitulado «Melhores práticas para a condução de procedimentos de controlo das concentrações» e a sua divulgação viola as obrigações de confidencialidade que se lhe impõem por força do Regulamento n.° 139/2004 e do artigo 287.° CE.

    60      A interveniente alega que, se as regras de acesso ao dossier previstas pelos diplomas aplicáveis em matéria de controlo de concentrações e o Regulamento n.° 1049/2001 tiverem de ser aplicados concomitantemente, com o fundamento de que esses diplomas prosseguem objectivos distintos, convém zelar por que as regras de acesso ao dossier previstas em matéria de controlo de concentrações não sejam esvaziadas do seu sentido em virtude de uma aplicação incorrecta do Regulamento n.° 1049/2001. Sustenta que as informações fornecidas pelas empresas a montante da notificação oficial da operação de concentração devem beneficiar da mesma protecção que as fornecidas quando do procedimento formal, que têm por objecto preparar. Qualquer outra solução lesaria gravemente a confiança legítima que as empresas puderam ter com base na prática da Comissão que convida a desenvolver contactos previamente a essa notificação oficial.

    61      A interveniente entende que a jurisprudência admitiu que o interesse do público em obter a comunicação de um documento a título da transparência não tem o mesmo peso no que respeita a um documento relativo a um procedimento administrativo que visa a aplicação das regras que regulam o controlo das concentrações ou o direito da concorrência em geral e no que respeita a um documento relativo a um processo no âmbito do qual a instituição comunitária intervém na qualidade de legislador. Baseia‑se no considerando 6 do Regulamento n.° 1049/2001, nos termos do qual deverá ser concedido maior acesso aos documentos nos casos em que as instituições ajam na qualidade de legislador.

    62      Os outros argumentos apresentados pela interveniente são, no essencial, semelhantes aos da Comissão.

    –       Apreciação do Tribunal

    63      Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, as instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a protecção dos objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

    64      Na decisão impugnada, a Comissão considerou que todos os documentos controvertidos estão cobertos pela excepção relativa à protecção do objectivo das actividades de inquérito prevista pelo artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

    65      Importa sublinhar que cabia à instituição em causa examinar, em aplicação dos princípios acima recordados nos n.os 41 a 47, se, primeiro, o documento objecto do pedido de acesso estava abrangido pelo âmbito de aplicação de uma das excepções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, segundo, a divulgação desse documento lesava concretamente e efectivamente o interesse protegido e, terceiro, em caso de resposta afirmativa, a necessidade de protecção se aplicava a todo o documento (acórdão do Tribunal Geral de 30 de Janeiro de 2008, Terezakis/Comissão, T‑380/04, não publicado na Colectânea, n.° 88).

    66      Importa, desde logo, determinar se a Comissão teve razão em considerar que todos os documentos a que foi pedido acesso tinham a ver com actividades de inquérito. A este respeito, a recorrente sustenta que certos documentos visados pelo pedido de acesso foram transmitidos pelas empresas em causa antes da notificação da operação de concentração, fora de qualquer procedimento formal previsto pelo Regulamento n.° 4064/89.

    67      Os documentos comunicados antes de 14 de Abril de 2003 foram‑no a título do procedimento informal, dito «de pré‑notificação». Não obstante o carácter informal deste procedimento quando da transmissão dos documentos, deve considerar‑se que os mesmos fazem parte do inquérito levado a cabo pela Comissão a título do seu controlo das operações de concentração. Os referidos documentos foram juntos ao dossier de instrução da Comissão no procedimento em causa, como indicam a carta da DG «Concorrência» datada de 14 de Fevereiro de 2005, que identifica esses documentos como parte integrante desse dossier, assim como a decisão impugnada, a qual precisa que todos os documentos pedidos foram «elaborados ou recebidos no quadro do tratamento [do procedimento em causa]». Daqui resulta que todos os documentos pedidos dizem efectivamente respeito a uma actividade de inquérito.

    68      Ora, a circunstância de um documento respeitar a uma actividade de inquérito não basta, por si só, para justificar a aplicação da excepção invocada. Segundo a jurisprudência, qualquer excepção ao direito de acesso aos documentos da Comissão deve ser interpretada e aplicada em termos estritos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2007, Suécia/Comissão, C‑64/05 P, Colect., p. I‑11389, n.° 66, e de 1 de Julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, Colect., p. I‑4723, a seguir «acórdão Turco», n.° 36; acórdão Franchet e Byk, já referido no n.° 41 supra, n.° 84).

    69      Quanto à aplicação ratione temporis das referidas excepções, o artigo 4.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1049/2001 prevê ainda que as excepções visadas nos n.os 1 a 3 do dito regulamento se aplicam unicamente durante o período em que a protecção se justifique com base «no conteúdo do documento».

    70      Por conseguinte, há que determinar se a excepção relativa à protecção do objectivo das actividades de inquérito era ainda aplicável, ratione temporis, quando o inquérito em causa conduziu à adopção de duas decisões da Comissão, a decisão de compatibilidade e a decisão de aprovação, que ainda não eram definitivas, tendo em conta os dois recursos pendentes no Tribunal, destinados à sua anulação (processos T‑279/04 e T‑452/04).

    71      É dado assente que o inquérito levado a cabo pela Comissão no quadro do seu controlo da operação de concentração, que conduziu à adopção da decisão de compatibilidade, em 7 de Janeiro de 2004, e da decisão de aprovação, em 30 de Julho de 2004, estava terminado no momento da adopção da decisão impugnada, em 7 de Abril de 2005. A Comissão alega, porém, que, em caso de anulação da decisão de compatibilidade, seria levada a adoptar uma nova decisão e, portanto, a reabrir o inquérito, e que o objectivo desse inquérito seria claramente posto em perigo se documentos elaborados ou recebidos no quadro do procedimento de controlo em causa fossem tornados públicos.

    72      Segundo a jurisprudência, o artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 deve ser interpretado no sentido de que esta disposição, que visa proteger «os objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria», só é aplicável se a divulgação dos documentos em questão puder pôr em perigo a conclusão dessas (acórdão Franchet e Byk, já referido no n.° 41 supra, n.° 109).

    73      Na verdade, os diferentes actos de inquérito ou de inspecção podem ficar abrangidos pela excepção relativa à protecção de actividades de inspecção, inquérito e auditoria enquanto as actividades de inquérito ou de inspecção prosseguem, mesmo que esteja terminado o inquérito ou a inspecção particular que deu lugar ao relatório ao qual o acesso é pedido (v. acórdão Franchet e Byk, já referido no n.° 41 supra, n.° 110 e jurisprudência referida).

    74      Todavia, admitir que os diferentes documentos relativos a actividades de inspecção, inquérito ou auditoria estão abrangidos pela excepção constante do artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 enquanto o seguimento a dar a esses procedimentos não estiver decidido equivale a submeter o acesso aos referidos documentos a um acontecimento aleatório, futuro e eventualmente longínquo, dependente da celeridade e da diligência das diferentes autoridades (acórdão Franchet e Byk, já referido no n.° 41 supra, n.° 111).

    75      Esta solução colide com o objectivo que consiste em garantir o acesso do público aos documentos das instituições, com a finalidade de dar aos cidadãos a possibilidade de controlar de forma mais efectiva a legalidade do exercício do poder público (v., neste sentido, acórdão Franchet e Byk, já referido no n.° 41 supra, n.° 112).

    76      No caso vertente, admitir que os documentos pedidos continuam a estar abrangidos pela excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 ao passo que as decisões de compatibilidade e de aprovação adoptadas na sequência do inquérito em causa não são definitivas, isto é, enquanto o Tribunal Geral e, sendo caso disso, o Tribunal de Justiça não tenham negado provimento aos recursos interpostos contra elas ou, em caso de anulação, enquanto não tenham sido adoptadas novas decisões pela Comissão, equivaleria a submeter o acesso a esses documentos a um acontecimento aleatório, futuro e eventualmente longínquo.

    77      Resulta das considerações precedentes que, quando da adopção da decisão impugnada, os documentos pedidos já não estavam abrangidos pelo âmbito de aplicação da excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito.

    78      Importa sublinhar que, mesmo admitindo que os referidos documentos pudessem estar abrangidos pelo âmbito de aplicação da excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito, não resulta de modo algum dos fundamentos da decisão impugnada que a Comissão tenha levado a cabo um exame concreto e individual dos documentos pedidos.

    79      Para justificar a sua recusa de divulgar os documentos pedidos, a Comissão começa por invocar, na decisão impugnada, o perigo em que ficaria colocado o objectivo do inquérito que teria de reabrir em caso de anulação da decisão de compatibilidade, se documentos elaborados ou recebidos no quadro do procedimento de controlo que conduziu à adopção dessa decisão fossem tornados públicos nessa fase.

    80      Em seguida, a Comissão afirma, na decisão impugnada, que, de uma forma mais geral, a divulgação de informações que lhe são fornecidas no quadro de um procedimento de controlo das concentrações quebraria o clima de confiança e de cooperação entre ela e as partes interessadas, indispensável para lhe permitir obter todas as informações de que precisa a fim de levar a cabo esses inquéritos e tomar decisões fundadas sobre a matéria.

    81      Por último, a Comissão explica que cada um dos documentos visados contém informações relativas à estratégia comercial das empresas em causa, comentários e pedidos da sua parte ou reacções das empresas aos pontos de vista por ela manifestados.

    82      Essas informações são demasiado vagas e gerais e não se baseiam em nenhum elemento específico do caso vertente. O mesmo raciocínio pode aplicar‑se a todos os documentos fornecidos no quadro de qualquer procedimento de controlo de uma concentração, uma vez que a fundamentação abstracta e geral fornecida pela Comissão não se refere ao conteúdo dos documentos em causa.

    83      O argumento da Comissão segundo o qual, por um lado, uma fundamentação individual é susceptível de lesar o interesse protegido e, por outro, uma fundamentação detalhada relativamente ao conteúdo de um documento é susceptível de divulgar informações protegidas por uma das excepções previstas pelo Regulamento n.° 1049/2001 deve ser rejeitado. A Comissão podia, relativamente a cada documento em causa, demonstrar e explicar os motivos pelos quais esse documento estava, parcialmente ou não, abrangido pela excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito, sem por esse motivo privar a excepção da respectiva finalidade, nem comprometer a confidencialidade das informações destinadas, em razão da referida excepção, a permanecerem secretas.

    84      Por outro lado, importa sublinhar que nem a elaboração de um inventário detalhado dos documentos pedidos, nem a repartição desses documentos entre as diferentes excepções invocadas pela Comissão para justificar a sua recusa de acesso, nem o acesso facultado a certos documentos pedidos são, por si só, de natureza a demonstrar que foi efectuado um exame concreto e individual dos documentos aos quais foi recusado acesso.

    85      Quanto aos documentos acima mencionados no n.° 1, alínea d), isto é, toda a correspondência entre a Comissão e a Lagardère entre o mês de Setembro de 2002 e a notificação da operação de concentração, a Comissão sustenta que não se exige um exame concreto e individual quando é claro que os documentos em causa devem ou não devem ser divulgados.

    86      Como foi sublinhado no n.° 45 supra, é verdade que a jurisprudência admite que um exame concreto e individual possa não ser necessário quando seja manifesto que o acesso deve ser recusado ou, pelo contrário, concedido. Não é, no entanto, o que se verifica no caso vertente. Com efeito, o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001 estabelece que as disposições relativas ao acesso do público aos documentos da Comissão aplicam‑se a todos os documentos na posse dessa instituição, ou seja, a todos os documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de actividade da União Europeia. Por conseguinte, não se pode admitir que, em matéria de concentração, a correspondência entre a Comissão e as partes interessadas seja considerada manifestamente coberta pela excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito. Embora essa excepção possa ser eventualmente aplicável a alguns dos documentos elaborados pela Comissão ou que lhe foram comunicados, não é necessariamente o caso de todos os documentos ou desses documentos na íntegra. Pelo menos, cabe à Comissão assegurar‑se disso através de um exame concreto e efectivo de cada documento, exigido pelo artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

    87      O argumento da Comissão segundo o qual, de um modo geral, a divulgação de informações que lhe foram fornecidas no quadro de um procedimento de controlo de uma concentração quebraria o clima de confiança e de cooperação entre ela e as partes interessadas deve também ser rejeitado. Essas considerações são igualmente demasiado vagas e demasiado gerais para demonstrar a existência de um verdadeiro risco, razoavelmente previsível e não puramente hipotético, de lesar o interesse protegido em causa. O exame a que a instituição deve proceder a fim de aplicar uma excepção deve ser efectuado de forma concreta e resultar dos fundamentos da decisão (acórdãos VKI, já referido no n.° 41 supra, n.° 69, e Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 115). No caso vertente, a Comissão pronunciou‑se in abstracto acerca do prejuízo que a divulgação dos documentos em causa poderia provocar à sua actividade de inquérito, sem demonstrar de forma suficiente que a divulgação desses documentos lesaria concretamente e efectivamente a protecção do objectivo das actividades de inquérito.

    88      É verdade que a Comissão procurou ilustrar esse risco referindo, na contestação, a publicação de um escritório de advogados, na sequência do acórdão VKI, já referido no n.° 41 supra, convidando as empresas objecto de um inquérito da Comissão a fazer prova de prudência quando transmitam informações à Comissão, tendo em conta o risco de posterior divulgação a título do direito de acesso aos documentos. Além de o carácter concreto do exame a que a Comissão procedeu dever resultar dos fundamentos da decisão, e não dos seus memorandos perante o Tribunal, esse elemento não é, por si só, de natureza a demonstrar que o risco alegado pela Comissão é razoavelmente previsível e não puramente hipotético. Qualquer que seja a prudência a que se considerem obrigadas, por motivos que lhes são próprios, as empresas em causa não se podem exonerar do seu dever regulamentar de fornecer as informações solicitadas pela Comissão a título do controlo das concentrações.

    89      O argumento da Comissão relativo ao artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004, nos termos do qual «as informações obtidas em aplicação do [referido] regulamento só podem ser utilizadas para os efeitos visados pelo pedido de informações, pela investigação ou pela audição», também não é convincente. Esta disposição, cuja letra é, no essencial, semelhante na versão invocada pela Comissão e na versão aplicável ao presente processo, a saber, o Regulamento n.° 4064/89, visa a forma como a Comissão pode utilizar as informações fornecidas e não regula o acesso aos documentos garantido pelo Regulamento n.° 1049/2001. A referida disposição não pode ser interpretada no sentido de que obsta ao exercício do direito de acesso aos documentos garantido pelo artigo 255.° CE e pelo Regulamento n.° 1049/2001. Além disso, deve ser interpretada à luz do n.° 2 do artigo 17.° do Regulamento n.° 139/2004, que exclui apenas a divulgação de informações «que, pela sua natureza, estejam abrangidas pelo sigilo profissional». Por conseguinte, as empresas notificantes devem contar com a possibilidade de que se divulguem as informações obtidas não abrangidas pelo segredo profissional.

    90      Ora, segundo a jurisprudência, na medida em que o público tem direito de acesso a documentos que contenham determinadas informações, não se pode considerar que essas informações estejam abrangidas, pela sua natureza, pelo segredo profissional (acórdão do Tribunal Geral de 30 de Maio de 2006, Bank Austria Creditanstalt/Comissão, T‑198/03, Colect., p. II‑1429, n.° 74). A obrigação de segredo profissional não reveste, portanto, um alcance tal que possa justificar uma recusa de acesso geral e abstracto aos documentos transmitidos no quadro da notificação de uma concentração. É verdade que nem o artigo 287.° CE nem os Regulamentos n.° 4064/89 e n.° 139/2004 indicam de forma exaustiva as informações que, pela sua natureza, estão abrangidas pelo segredo profissional. Resulta, porém, da formulação do artigo 17.°, n.° 2, desses regulamentos que nem todas as informações obtidas estão necessariamente abrangidas pelo segredo profissional. Por conseguinte, a apreciação do carácter confidencial de uma informação necessita que se pondere, por um lado, os interesses legítimos que se opõem à sua divulgação e, por outro, o interesse geral que quer que as actividades das instituições comunitárias se desenrolem no maior respeito possível do princípio da abertura (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral, Bank Austria Creditanstalt/Comissão, já referido, n.° 71, e de 12 de Outubro de 2007, Pergan Hilfsstoffe für industrielle Prozesse/Comissão, T‑474/04, Colect., p. II‑4225, n.os 63 a 66).

    91      Ao proceder ao exame concreto e individual dos documentos pedidos, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, a Comissão pode desse modo garantir o efeito útil das disposições aplicáveis em matéria de concentração, em plena coerência com o Regulamento n.° 1049/2001. Daqui decorre que a obrigação de segredo profissional, resultante do artigo 287.° CE e do artigo 17.° dos Regulamentos n.° 4064/89 e n.° 139/2004, não é de natureza a dispensar a Comissão do exame concreto de cada documento em causa, exigido pelo artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001.

    92      Por último, na tréplica, a Comissão sustenta que a divulgação dos documentos transmitidos pelas empresas em causa antes da notificação da operação de concentração viola as obrigações de confidencialidade que lhe são impostas por força do artigo 287.° CE, do artigo 17.° do Regulamento n.° 139/2004 e de um documento por ela elaborado, intitulado «Melhores práticas para a condução de procedimentos comunitários de controlo de concentrações».

    93      Este argumento deve igualmente ser rejeitado, pelos motivos expostos no n.° 90 supra.

    94      Resulta das considerações precedentes que nem o artigo 287.° CE nem o artigo 17.° dos Regulamentos n.° 4064/89 e n.° 139/2004 são susceptíveis de se oporem à divulgação de um documento que não está coberto por uma das excepções previstas pelo Regulamento n.° 1049/2001.

    95      Idênticas considerações se aplicam, a fortiori, relativamente às orientações que figuram num documento elaborado pela Comissão e intitulado «Melhores práticas para a condução de procedimentos comunitários de controlo de concentrações». Sem que seja necessário apreciar a questão de saber se se trata de um instrumento jurídico vinculativo e, em particular, determinar se se trata de um acto que produz efeitos jurídicos, há que referir que esse documento, publicado no Jornal Oficial e cujo ponto 2.4 precisa expressamente que não cria nem modifica os direitos ou as obrigações estabelecidos pelo Tratado que institui a Comunidade Europeia, não se pode opor à divulgação de um documento cujo acesso está garantido pelo artigo 255.° CE e pelo Regulamento n.° 1049/2001.

    96      Não há, portanto, que examinar se as informações que figuram nos documentos pedidos estão abrangidas pelo segredo profissional, além da do exame da legalidade da decisão impugnada à luz do Regulamento n.° 1049/2001.

    97      Resulta de todas as considerações precedentes que a Comissão cometeu um erro de direito ao recusar o acesso aos documentos pedidos com o fundamento de que estavam cobertos pela excepção prevista pelo artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativa à protecção dos objectivos das actividades de inspecção, de inquérito e de auditoria, quando, no momento da adopção da decisão impugnada, esses documentos já não estavam abrangidos pelo âmbito de aplicação da referida excepção e, em qualquer dos casos, sem que resulte dos fundamentos da decisão impugnada que tenha sido levado a cabo um exame concreto e individual de cada um desses documentos.

    98      Por conseguinte, a decisão impugnada é ilegal quanto a esse ponto.

    99      Todos os documentos controvertidos aos quais foi recusado o acesso pela Comissão continuam, porém, segundo a decisão impugnada, a estar cobertos por uma das outras excepções ao direito de acesso previstas pelo Regulamento n.° 1049/2001. Por conseguinte, há que examinar a legalidade da recusa na medida em que se funda nas excepções relativas à protecção dos interesses comerciais, do processo decisório da Comissão e dos pareceres jurídicos.

    Quanto à excepção relativa à protecção dos interesses comerciais, prevista pelo artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001

    –       Argumentos das partes

    100    A recorrente alega que a Comissão adoptou uma abordagem abstracta e geral, sem proceder a um exame concreto e individual destinado a verificar se a comunicação de cada um dos documentos pedidos lesaria efectivamente o interesse protegido por essa excepção. A Comissão não demonstrou que o risco de lesão do interesse protegido era razoavelmente previsível e não puramente hipotético.

    101    Segundo a recorrente, cabia à Comissão identificar e isolar os segredos comerciais susceptíveis de ser objecto de protecção especial e fornecer uma versão não confidencial dos documentos em causa. Por outro lado, contesta que os documentos pedidos possam conter tantas informações comerciais sensíveis, uma vez que em grande parte dizem respeito à aplicação do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, ou seja, a uma questão de natureza jurídica, e não comercial.

    102    A recorrente sublinha que a Comissão não consultou as empresas cujos interesses comerciais estão em causa e que comunicou, no quadro de outro processo pendente no Tribunal, certos documentos relativamente aos quais sustenta que estão abrangidos pelo segredo de negócios, sem referir os respectivos autores.

    103    A Comissão sublinha ter enumerado, precisamente na decisão impugnada, os documentos aos quais a excepção em questão se aplica e ter indicado a natureza das informações que continham, a saber, informações sensíveis relativas às estratégias comerciais das empresas em causa. Procedeu a um exame individual e concreto dos documentos pedidos, salvo no que respeita aos documentos visados no n.° 1, alínea d), supra, cujo exame sumário permitiu concluir que não podiam ser divulgados sem lesar os interesses comerciais das empresas em causa. Sustenta que uma fundamentação individual seria susceptível de prejudicar o interesse protegido e que a jurisprudência reconheceu que uma fundamentação detalhada relativamente ao conteúdo de um documento é susceptível de divulgar informações protegidas.

    104    Não lhe foi possível fornecer uma versão não confidencial dos documentos pedidos e dar, assim, um acesso parcial a esses documentos, uma vez que estão cobertos, na sua totalidade, por uma ou várias excepções. As versões não confidenciais transmitidas à Comissão pelas empresas em causa tinham como finalidade única permitir às partes interessadas exercer os seus direitos de defesa e não podem, portanto, nessa simples base, ser divulgados ao público em aplicação do Regulamento n.° 1049/2001. De outra forma, as regras específicas previstas em matéria de acesso ao dossier no quadro do controlo das concentrações seriam esvaziadas de sentido.

    105    O conteúdo dos documentos não se limita a questões estritamente jurídicas, porquanto deles fazem parte o contrato de cessão e a correspondência trocada a esse respeito, o contrato pelo qual a Natexis se tornou proprietária das participações VUP, o mandato relativo à verificação do respeito dos compromissos da Lagardère, o mandato confiado ao gestor dos elementos de activo separados, o projecto de acordo entre a Lagardère e a Wendel Investissement e documentos relacionados com esse projecto de acordo. Todos estes documentos reflectem a estratégia comercial das empresas em causa. As partes notificantes indicaram expressamente o carácter confidencial dos documentos que submeteram à Comissão. O facto de essas informações serem recentes não permite afirmar que perderam a sua confidencialidade com o tempo.

    106    No que diz respeito a documentos emanados de terceiros, a Comissão considera que, nos termos do artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1049/2001, não está obrigada a consultar o terceiro em causa a fim de determinar se alguma das excepções é aplicável, quando seja claro se o documento deve ou não deve ser divulgado. É esse o caso vertente. Quanto aos documentos de que é autora, a Comissão sublinha que não podia consultar os terceiros em causa, uma vez que essa consulta apenas está prevista pelo Regulamento n.° 1049/2001 para os documentos elaborados por um terceiro.

    107    A comunicação dos documentos pedidos está, além disso, proibida pelo artigo 287.° CE, que impõe aos membros e aos funcionários das instituições que não divulguem informações cobertas pelo segredo profissional, o qual inclui os segredos de negócios. Esta obrigação de não divulgar as informações abrangidas pelo segredo profissional figura igualmente no artigo 17.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, que substituiu o Regulamento n.° 139/2004. O artigo 18.°, n.° 3, destes dois regulamentos sujeita também o acesso ao dossier ao respeito do interesse legítimo das empresas em que os seus segredos de negócios não sejam divulgados.

    108    A interveniente sustenta nomeadamente que os segredos de negócios beneficiam, em matéria de controlo das concentrações, de uma protecção especial, ao abrigo do artigo 287.° CE, do artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1), da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral e do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 802/2004. Os outros argumentos apresentados pela interveniente são, no essencial, semelhantes aos da Comissão.

    –       Apreciação do Tribunal

    109    Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, as instituições recusarão o acesso a um documento no caso de a sua divulgação lesar a protecção de «interesses comerciais das pessoas singulares ou colectivas, incluindo a propriedade intelectual».

    110    O artigo 4.°, n.° 4, do referido regulamento prevê que, «[n]o que diz respeito a documentos de terceiros, a instituição consultará os terceiros em causa tendo em vista avaliar se qualquer das excepções previstas nos n.os 1 ou 2 é aplicável, a menos que seja claro se o documento deve ou não ser divulgado».

    111    A Comissão entende que, entre os documentos controvertidos, os documentos visados nos n.os 1, alíneas d), e) e h), e 2, alíneas b), c) (em parte), d), f), g), e i), supra estão cobertos, ao menos parcialmente, pela excepção relativa à protecção dos interesses comerciais.

    112    É à luz dos princípios acima recordados no n.° 65 que importa examinar a aplicação que a Comissão fez da excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 para recusar o acesso aos documentos pedidos.

    113    No caso vertente, em primeiro lugar, certos documentos para os quais esta excepção é invocada são susceptíveis de conterem informações confidenciais que entram no âmbito de aplicação da excepção relativa à protecção dos interesses comerciais. Com efeito, em razão do seu próprio objecto, esses documentos são, como sublinha a decisão impugnada, susceptíveis de conter informações relativas às estratégias comerciais das empresas em causa.

    114    Em segundo lugar, importa examinar a questão de saber se a divulgação dos documentos que entram no âmbito de aplicação da excepção relativa à protecção dos interesses comerciais lesa concretamente e efectivamente o interesse protegido.

    115    Cabe recordar que, segundo a jurisprudência, o exame a que a instituição deve proceder a fim de aplicar uma excepção deve ser efectuado de forma concreta e deve resultar dos fundamentos da decisão.

    116    Na decisão impugnada, a Comissão recusou a divulgação dos documentos enumerados no n.° 111 supra com o fundamento de que esses documentos contêm informações sensíveis relativas às estratégias comerciais das empresas em causa. A sua divulgação violaria, portanto, claramente os interesses comerciais das empresas em causa.

    117    Não resulta, porém, desses fundamentos que tenha sido levado a cabo um exame individual dos referidos documentos. A fundamentação abstracta e geral fornecida pela Comissão não se refere ao conteúdo dos documentos em causa. Justificação semelhante poderia aplicar‑se a todos os documentos fornecidos no quadro de qualquer procedimento de controlo de uma concentração.

    118    Por outro lado, as circunstâncias em que a instituição em causa pode, segundo a jurisprudência (acórdão VKI, já referido no n.° 41 supra, n.° 75), dispensar um exame concreto e individual não estão reunidas.

    119    Com efeito, decorre da constatação operada no n.° 86 supra que não se pode aceitar que todos os documentos a que o acesso foi recusado em aplicação da excepção relativa à protecção dos interesses comerciais estejam manifestamente abrangidos na íntegra por essa excepção.

    120    De igual modo, não se pode sustentar que era objectivamente impossível indicar as razões que justificam a recusa de acesso a cada documento sem divulgar o conteúdo desse documento ou um elemento essencial dele e, portanto, sem privar a excepção da sua finalidade essencial, o que poderia justificar a generalidade, a brevidade e o carácter estereotipado da fundamentação (acórdão de 1 de Fevereiro de 2007, Sison/Conselho, já referido no n.° 46 supra, n.° 83, e acórdão de 26 de Abril de 2005, Sison/Conselho, já referido no n.° 41 supra, n.° 84; v., por analogia, no que respeita ao código de conduta de 1993, acórdão WWF UK/Comissão, já referido no n.° 46 supra, n.° 65).

    121    Com efeito, a Comissão podia descrever o conteúdo de cada documento e precisar a natureza das informações confidenciais sem por isso as revelar. A obrigação, para as empresas que forneceram informações à Comissão, de assinalar as que consideram confidenciais e de transmitir uma versão não confidencial dos documentos não comunicados, prevista no artigo 17.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão, de 1 de Março de 1998, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento n.° 4064/89 (JO L 61, p. 1), permite à Comissão, pelo menos, fundamentar de forma precisa a recusa de acesso relativamente a cada documento, sem divulgar as informações confidenciais que nele figuram.

    122    Quanto à inexistência de uma lista que identifique os documentos que figuram no n.° 1, alínea d), supra, isto é, a correspondência trocada entre a Comissão e a Lagardère, a Comissão argumenta que essa correspondência está repartida por uma vintena de pastas, pelo que a elaboração de uma lista detalhada por documento individual representaria uma carga administrativa desproporcionada. Indica, na decisão impugnada, ter tomado em consideração a categoria dos documentos no seu conjunto e afirma, nos seus articulados, que estava autorizada a recusar o acesso a esses documentos no termo de um exame sumário, uma vez que se encontram manifestamente e integralmente cobertos pela excepção relativa à protecção dos interesses comerciais.

    123    Esta argumentação deve ser rejeitada. Como foi acima referido no n.° 86, em aplicação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001, as disposições relativas ao acesso do público aos documentos da Comissão aplicam‑se a todos os documentos na posse dessa instituição, ou seja, a todos os documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de actividade da União Europeia. Por conseguinte, não se pode aceitar que, em matéria de concentração, a correspondência entre a Comissão e as partes interessadas seja considerada manifestamente coberta pela excepção relativa à protecção dos interesses comerciais. Embora essa excepção seja, eventualmente, aplicável a certos documentos elaborados pela Comissão ou que lhe foram comunicados, não é esse necessariamente o caso de todos os documentos ou desses documentos na íntegra. Pelo menos, cabe à Comissão assegurar‑se disso através de um exame concreto e efectivo de cada documento, exigido pelo artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

    124    O argumento da Comissão e da interveniente relativo ao respeito do segredo profissional, garantido pelo artigo 287.° CE e pelo artigo 17.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, e dos segredos de negócios, garantido pelo artigo 18.°, n.° 3, deste regulamento, deve igualmente ser rejeitado. Como foi recordado no n.° 90 supra, segundo a jurisprudência, na medida em que o público tem direito de acesso a documentos que contenham determinadas informações, não se pode considerar que essas informações estejam abrangidas, pela sua natureza, pelo segredo profissional ou pela protecção dos segredos de negócios (v., neste sentido, acórdão Bank Austria Creditanstalt/Comissão, já referido no n.° 90 supra, n.° 74).

    125    A recorrente censura também a Comissão por não ter consultado as empresas cuja protecção dos interesses comerciais poderia ter sido lesada pela divulgação dos documentos em causa.

    126    A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1049/2001, no caso de documentos emanados de terceiros, a instituição consulta o terceiro em causa, a fim de determinar se é aplicável uma das excepções constantes do artigo 4.°, n.os 1 ou 2, do mesmo regulamento, a menos que seja claro se o documento deve ou não deve ser divulgado. Daqui decorre que as instituições não são obrigadas a consultar o terceiro em causa se for claro que o documento deve ser divulgado ou que não deve sê‑lo. Em todos os outros casos, as instituições devem consultar o terceiro em causa. Assim, a consulta do terceiro em causa constitui, regra geral, uma condição prévia para a determinação da aplicação das excepções ao acesso previstas no artigo 4.°, n.os 1 e 2, do regulamento no caso de documentos que emanam de terceiros (acórdãos do Tribunal Geral de 30 de Novembro de 2004, IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds/Comissão, T‑168/02, Colect., p. II‑4135, n.° 55, e Terezakis/Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.° 54).

    127    A falta de consulta dos terceiros autores dos documentos só é, portanto, conforme com o Regulamento n.° 1049/2001 se uma das excepções previstas pelo referido regulamento se aplicar claramente aos documentos em causa. Não é esse o caso vertente, como foi referido nos n.os 63 a 98 supra, no que respeita à excepção relativa ao objectivo das actividades de inquérito, e nos n.os 109 a 124 supra, no que respeita à protecção dos interesses comerciais.

    128    Quanto aos documentos emanados da Comissão, esta teve razão em alegar que o Regulamento n.° 1049/2001 não prevê um procedimento de consulta dos terceiros para este tipo de documentos. Por conseguinte, a objecção formulada pela recorrente não tem fundamento legal no que respeita aos documentos de que a Comissão é autora.

    129    Resulta de todas as considerações precedentes que a decisão impugnada enferma de um vício de direito na medida em que aplicou a excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 aos documentos visados nos n.os 1, alíneas d), e) e h), e 2, alíneas b), c) (em parte), d), f), g) e i), supra sem que resulte dos fundamentos da decisão impugnada que tenha sido levado a cabo um exame concreto e individual de cada um desses documentos e sem que os terceiros autores de alguns desses documentos tenham sido consultados no que respeita à divulgação dos documentos que emanaram deles.

    Quanto à excepção relativa à protecção do processo decisório, prevista no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001

    –       Argumentos das partes

    130    A recorrente alega que a Comissão adoptou uma abordagem abstracta e geral, sem proceder a um exame concreto e individual destinado a verificar se a comunicação de cada um dos documentos pedidos lesaria efectivamente o interesse protegido por essa excepção. A Comissão não demonstrou que o risco de lesão do interesse protegido era razoavelmente previsível e não puramente hipotético.

    131    A recorrente afirma que, ao invocar essa excepção para recusar o acesso aos documentos visados no n.° 1, alínea g), supra, a Comissão contradiz a argumentação que desenvolve em sua defesa no processo T‑279/04, através da qual sustenta que a decisão de aplicar o artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 à aquisição dos activos da VUP pela Natexis/Investima 10 não teve nenhuma consequência na decisão de compatibilidade e, portanto, que uma eventual aplicação errada desta disposição não pode afectar a validade dessa decisão. A Comissão viola assim o princípio venire contra factum proprium.

    132    Segundo a recorrente, esses documentos respeitam à interpretação de uma questão jurídica e não podem constituir, portanto, actos preparatórios cuja divulgação deva ser recusada. Em qualquer dos casos, a comunicação desses documentos é do interesse público, porquanto esclarece as condições de aplicação do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89.

    133    A Comissão observa que a apreciação da validade da decisão de compatibilidade é uma questão distinta da questão da legalidade da aplicação das excepções previstas pelo Regulamento n.° 1049/2001 e contesta, por conseguinte, a pertinência do argumento da recorrente. Os dois documentos pedidos aos quais foi recusado o acesso a fim de proteger o processo decisório da Comissão são documentos internos da Comissão, que contêm deliberações internas relativas ao procedimento em causa. A divulgação desses documentos prejudicaria gravemente o processo decisório na medida em que é indispensável para preservar a capacidade dos serviços da Comissão de instruírem livremente os processos de que estão encarregados, ao abrigo de pressões exteriores, a fim de permitir à Comissão tomar as suas decisões em plena consciência de causa.

    134    A protecção desses documentos preparatórios é, assim, tanto mais necessária quanto a decisão tomada com base nos referidos documentos é objecto de um recurso de anulação e, por conseguinte, se mantêm pertinentes em caso de anulação.

    135    Os argumentos aduzidos pela interveniente são, no essencial, semelhantes aos da Comissão.

    –       Apreciação do Tribunal

    136    Nos termos do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, «[o] acesso a documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, será recusado mesmo após ter sido tomada a decisão, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação».

    137    O acesso a duas das três notas da Comissão visadas no n.° 1, alínea g), supra foi recusado pela Comissão nos termos da excepção prevista no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001. Trata‑se de uma nota de 10 de Fevereiro de 2002 da DG «Concorrência» ao Serviço Jurídico da Comissão, pedindo um parecer sobre a aplicação do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, e de uma nota de 4 de Novembro de 2002 que resume o estado do dossier, elaborada pelo membro da Comissão encarregado da concorrência.

    138    Em primeiro lugar, importa referir que esses documentos, que foram comunicados ao Tribunal (v. n.° 23 supra), são preparatórios da decisão final e foram trocados no seio da Comissão para permitir a elaboração dos documentos que formalizam a tomada de posição da instituição. Contêm «pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares», na acepção do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, e estão, portanto, abrangidos pelo âmbito de aplicação desta disposição.

    139    Em segundo lugar, cabe examinar se a recusa de acesso aos documentos internos pedidos é, no caso vertente, justificada pela excepção relativa à protecção do processo decisório da instituição.

    140    Segundo jurisprudência assente, a aplicação desta excepção pressupõe que seja demonstrado que o acesso aos documentos solicitados era susceptível de prejudicar de uma forma concreta e efectiva a protecção do processo decisório da Comissão e que esse risco de prejuízo era razoavelmente previsível e não puramente hipotético (v. acórdão do Tribunal Geral de 18 de Dezembro de 2008, Muñiz/Comissão, T‑144/05, não publicado na Colectânea, n.° 74 e jurisprudência referida).

    141    Acresce que, para estar abrangido pela excepção prevista no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, o prejuízo cometido contra o processo decisório deve ser grave. É assim, nomeadamente, quando a divulgação dos documentos visados tem um impacto substancial no referido processo. Ora, a apreciação da gravidade depende de todas as circunstâncias da causa, nomeadamente dos efeitos negativos no processo decisório, invocados pela instituição quanto à divulgação dos documentos visados (acórdão Muñiz/Comissão, já referido no n.° 140 supra, n.° 75).

    142    No caso vertente, a decisão impugnada evoca o prejuízo sério que o processo decisório sofreria se as deliberações internas dos serviços da Comissão relativas a esse processo fossem tornadas públicas. Sublinha a importância dada ao facto de que a Comissão possa preparar as suas decisões com toda a serenidade, ao abrigo de qualquer pressão exterior, e de que os seus serviços possam exprimir livremente os seus pontos de vista a fim de esclarecer a tomada de decisão. Segundo ela, a faculdade, para o pessoal da Comissão, de formular esses pontos de vista seria seriamente reduzida se a eventualidade de uma publicação devesse ser tida em conta.

    143    Há que constatar que essas justificações são invocadas de maneira geral e abstracta, sem serem sustentadas por argumentações circunstanciadas à luz do conteúdo dos documentos em causa. Essas considerações são, assim, susceptíveis de ser invocadas a propósito de qualquer documento da mesma natureza. Por conseguinte, não podem ser suficientes para justificar a recusa de acesso aos documentos solicitados no caso vertente, sob pena de violarem o princípio da interpretação estrita das excepções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, em especial a prevista no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do referido regulamento.

    144    Portanto, a Comissão não demonstrou que a excepção prevista no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 se aplicava aos documentos internos solicitados.

    145    Por conseguinte, a recusa de acesso integral aos documentos internos pedidos deve ser anulada por erro de direito, sem que seja necessário examinar a questão da existência de um interesse público superior.

    Quanto à excepção relativa à protecção dos pareceres jurídicos, prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001

    –       Argumentos das partes

    146    A recorrente alega que a Comissão adoptou uma abordagem abstracta e geral, sem proceder a um exame concreto e individual destinado a verificar que a comunicação da nota do Serviço Jurídico pedida lesava efectivamente o interesse protegido por esta excepção. A Comissão não demonstrou que o risco de lesão do interesse protegido era razoavelmente previsível e não puramente hipotético.

    147    A recorrente considera que o parecer do Serviço Jurídico da Comissão, visado no n.° 1, alínea g), supra, deveria ser divulgado, a fim de permitir a terceiros e ao Tribunal fiscalizar a forma como a regra jurídica prevista no artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 foi interpretada e aplicada pela Comissão.

    148    Segundo a recorrente, a Comissão não pode invocar a protecção da independência do seu Serviço Jurídico para recusar o acesso a esse documento, porquanto está obrigada a respeitar a obrigação de transparência, garante, nos termos do preâmbulo do Regulamento n.° 1049/2001, de uma maior legitimidade, eficácia, e responsabilidade da administração perante os cidadãos num sistema democrático. A recusa de acesso oposta pela Comissão, longe de reforçar a independência dos seus pareceres jurídicos, vem reforçar a ideia de que a decisão de compatibilidade não foi tomada com total independência.

    149    A Comissão observa que o acesso aos documentos previsto pelo Regulamento n.° 1049/2001 é concedido ou recusado independentemente dos interesses particulares ou dos motivos pelos quais o recorrente pretende ter acesso aos documentos pedidos. Os argumentos invocados pela recorrente são, portanto, desprovidos de pertinência. A divulgação do parecer jurídico em causa depende unicamente do prejuízo que essa divulgação poderia causar à independência e à imparcialidade dos referidos pareceres. A excepção relativa aos pareceres jurídicos visa proteger a sua independência e garantir que possam ser dados com toda a franqueza e objectividade. O parecer em causa destinou‑se apenas a esclarecer os serviços da Comissão e a sua divulgação conduziria o Serviço Jurídico desta instituição a elaborar os seus pareceres com mais reserva, privando assim a instituição em causa de um instrumento essencial à boa execução da sua missão.

    150    A Comissão sublinha que o exercício do direito de acesso aos documentos ao abrigo do artigo 255.°, n.° 2, CE é regulado por limites. Por conseguinte, o facto de a recorrente invocar a obrigação de transparência não pode obstar às excepções previstas pelo Regulamento n.° 1049/2001.

    151    A Comissão rejeita a alegação de que a recusa de acesso ao documento pedido permite suspeitar que não adoptou a sua decisão com total independência. Recorda que está obrigada a recusar o acesso a um documento quando as condições de aplicação de uma excepção prevista pelo Regulamento n.° 1049/2001 estão reunidas e que não pode conceder o acesso a um documento abrangido por uma excepção a fim de refutar acusações de fraude.

    –       Apreciação do Tribunal

    152    Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, as instituições recusam o acesso a um documento no caso em que a sua divulgação lese a protecção dos processos judiciais e dos pareceres jurídicos, a menos que um interesse público superior justifique a divulgação do documento pedido.

    153    A Comissão recusou divulgar o parecer do seu Serviço Jurídico de 10 de Outubro de 2002 relativo à aplicação do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, documento visado no n.° 1, alínea g), supra, com base nesta disposição.

    154    Antes de mais, há que constatar que esse documento, comunicado ao Tribunal (v. n.° 23 supra), contém, além da sua denominação, um parecer jurídico emitido pelo Serviço Jurídico da Comissão. O referido documento deve, portanto, ser considerado, na íntegra, um parecer jurídico na acepção do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, susceptível de recair no âmbito de aplicação da excepção prevista por esta disposição.

    155    Em seguida, há que determinar se a divulgação desse parecer jurídico lesa a protecção dos pareceres jurídicos na acepção do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

    156    A este respeito, há que recordar que a excepção relativa aos pareceres jurídicos deve ser interpretada no sentido de que visa proteger o interesse da Comissão em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objectivos e completos. O risco de que esse interesse seja prejudicado deve, para poder ser invocado, ser razoavelmente previsível, e não puramente hipotético (acórdão Turco, já referido no n.° 68 supra, n.os 42 e 43).

    157    No caso vertente, a decisão impugnada justifica a recusa de divulgação do parecer em causa com o fundamento de que os pareceres jurídicos constituem documentos internos que têm por objectivo essencial oferecer à Comissão e aos seus serviços opiniões sobre questões jurídicas, com base nas quais a Comissão e os seus serviços adoptam as suas posições definitivas. É essencial que esses pareceres possam ser dados com toda a franqueza e com toda a objectividade. No caso vertente, a comunicação do parecer do Serviço Jurídico da Comissão, bem como das questões que lhe foram colocadas pela DG «Concorrência», teria como efeito tornar pública uma discussão interna relativa ao alcance do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89. Se devesse ter em conta a ulterior publicação do seu parecer, o referido Serviço Jurídico não se teria pronunciado com toda a independência. Por conseguinte, a elaboração de um parecer escrito sobre esta questão perderia todo o interesse, o que privaria a Comissão de um instrumento essencial à boa execução das suas tarefas.

    158    Importa referir que o facto de o documento em causa ser um parecer jurídico não é a única circunstância invocada pela Comissão na decisão impugnada para justificar a aplicação da excepção em causa, mas também o facto de a divulgação desse parecer implicar o risco de transmitir ao público informações sobre o estado das discussões internas entre a DG «Concorrência» e o seu Serviço Jurídico, relativas ao alcance do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89.

    159    Ora, a divulgação da nota em causa seria susceptível de conduzir o Serviço Jurídico da Comissão a, no futuro, adoptar uma posição de reserva e de prudência na redacção dessas notas para não afectar a capacidade de decisão da Comissão nas matérias em que intervém na qualidade de administração.

    160    Refira‑se além disso que, no caso vertente, o risco, previsto no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, de se prejudicar a protecção dos pareceres jurídicos é razoavelmente previsível e não puramente hipotético. Com efeito, para além das razões indicadas nos n.os 157 e 159 supra, a divulgação destes pareceres comporta o risco de pôr a Comissão na situação delicada de o seu Serviço Jurídico poder ser obrigado a defender no Tribunal uma posição diferente daquela que tinha defendido internamente no âmbito do seu papel de consultor dos serviços responsáveis pelo dossier ao longo do procedimento administrativo. Ora, o risco de essa oposição se produzir pode afectar significativamente a liberdade de opinião do referido Serviço Jurídico e, ao mesmo tempo, a sua possibilidade de defender eficazmente perante o juiz da União, em pé de igualdade com os outros representantes legais das diferentes partes no processo judicial, a posição definitiva da Comissão e, simultaneamente, o processo decisório interno desta última. Com efeito, a Comissão decide enquanto órgão colegial, em função da missão particular de que está incumbida, e deve ter liberdade para defender uma posição jurídica diferente da inicialmente tomada pelo seu Serviço Jurídico.

    161    Por outro lado, diversamente dos casos em que as instituições agem na qualidade de legislador, em que um acesso mais amplo aos documentos deveria ser autorizado nos termos do considerando 6 do Regulamento n.° 1049/2001 (acórdão Turco, já referido no n.° 68 supra, n.° 46), o parecer jurídico controvertido foi elaborado no âmbito das funções puramente administrativas da Comissão. Ora, o interesse do público em obter a comunicação de um documento ao abrigo da obrigação de transparência, que procura garantir uma melhor participação dos cidadãos no processo decisório e uma maior legitimidade, uma maior eficácia e uma maior responsabilidade da administração em relação aos cidadãos num sistema democrático, não tem o mesmo peso quando esse documento faz parte de um procedimento administrativo com vista à aplicação das regras que regulam o controlo de concentrações ou o direito da concorrência em geral ou quando diz respeito a um processo no âmbito do qual a instituição em causa intervém na qualidade de legislador.

    162    Por conseguinte, há que rejeitar a objecção da recorrente segundo a qual a divulgação do parecer do Serviço Jurídico visado no n.° 1, alínea g), supra não prejudica a protecção dos pareceres jurídicos.

    163    Resulta de todas as considerações precedentes que o primeiro e segundo fundamentos devem ser julgados procedentes, salvo no que respeita à recusa de divulgação do parecer do Serviço Jurídico visado no n.° 1, alínea g), supra.

     Quanto ao terceiro fundamento, relativo à inobservância do direito a um acesso, pelo menos parcial, aos documentos pedidos

     Argumentos das partes

    164    A recorrente contesta a recusa da Comissão de lhe conceder um acesso parcial aos documentos pedidos nos termos do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001. Entende que a Comissão não apreciou a carga administrativa que a elaboração de versões não confidenciais dos documentos pedidos representaria, pois não procedeu a um exame concreto e individual dessas peças. A jurisprudência faz primar o direito de acesso do público sobre o princípio da boa administração e só em casos muito limitados e de forma restritiva é que se pode admitir uma excepção a esse direito.

    165    Por outro lado, não cabe à Comissão apreciar o interesse que representaria para a recorrente a comunicação dos fragmentos que podiam, eventualmente, ser tornados públicos em caso de acesso parcial.

    166    A Comissão afirma ter procedido a um exame concreto e individual dos documentos pedidos, para além dos visados no n.° 1, alínea d), supra. No termo desse exame, a Comissão considerou que apenas alguns fragmentos poderiam ser divulgados e que a carga administrativa que a identificação dessas partes teria representado era desproporcionada relativamente ao interesse do público em aceder‑lhes, de acordo com o princípio da boa administração.

     Apreciação do Tribunal

    167    O artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001 dispõe que, «[q]uando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das excepções, as restantes partes do documento serão divulgadas».

    168    O artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001 implica um exame concreto e individual do conteúdo de cada documento. Com efeito, apenas este exame pode permitir à instituição apreciar a possibilidade de conceder um acesso parcial ao requerente. Uma apreciação de documentos efectuada por categorias e não com base nos elementos de informação concretos contidos nesses documentos é em princípio insuficiente, devendo o exame que se exige a uma instituição permitir‑lhe apreciar concretamente se uma excepção invocada se aplica realmente ao conjunto das informações constantes dos referidos documentos (v., neste sentido, acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 117 e jurisprudência referida).

    169    No caso vertente, não decorre dos fundamentos da decisão impugnada que tenha sido levado a cabo um exame dessa natureza dos documentos pedidos. Com efeito, a Comissão entendeu que esse exame daria lugar a uma carga administrativa desproporcionada relativamente ao interesse público em ter acesso aos fragmentos que resultariam desse exercício.

    170    Segundo a jurisprudência, é a título excepcional e unicamente quando a carga administrativa provocada pelo exame concreto e individual dos documentos se revele particularmente pesada, excedendo assim os limites do que pode ser razoavelmente exigido, que se poderá admitir uma derrogação à obrigação de exame (acórdão VKI, já referido no n.° 41 supra, n.° 112).

    171    Além disso, na medida em que o direito de acesso aos documentos na posse das instituições constitui uma solução de princípio, é à instituição que invoca uma excepção relacionada com o carácter irrazoável da tarefa exigida pelo pedido que incumbe o ónus da prova da sua amplitude (acórdão VKI, já referido no n.° 41 supra, n.° 113, e acórdão do Tribunal Geral de 10 de Setembro de 2008, Williams/Comissão, T‑42/05, não publicado na Colectânea, n.° 86).

    172    Por último, quando tenha feito a prova do carácter irrazoável da carga administrativa exigida pelo exame concreto e individual dos documentos visados no pedido, a instituição está obrigada a tentar concertar‑se com o requerente a fim de, por um lado, tomar conhecimento ou obter esclarecimentos sobre o seu interesse na obtenção dos documentos em causa e, por outro, prever concretamente as opções que se lhe apresentam para a adopção de uma medida menos restritiva do que um exame concreto e individual dos documentos. Uma vez que o direito de acesso aos documentos representa o princípio, a instituição não deixa de estar obrigada, neste contexto, a privilegiar a opção que, não constituindo, em si mesma, uma tarefa que exceda os limites do que pode ser razoavelmente exigido, continue a ser a mais favorável ao direito de acesso do requerente (acórdão VKI, já referido no n.° 41 supra, n.° 114).

    173    Daqui decorre que a instituição só pode dispensar completamente um exame concreto e individual após ter realmente estudado todas as demais opções possíveis e explicado de forma circunstanciada, na sua decisão, as razões pelas quais estas diversas opções implicam, também elas, uma carga de trabalho irrazoável (acórdão VKI, já referido no n.° 41 supra, n.° 115).

    174    No caso vertente, cabe concluir que a decisão impugnada, que recusa globalmente qualquer acesso parcial à recorrente, apenas pode ser legal na hipótese de a Comissão ter previamente explicado, de forma concreta, as razões pelas quais as soluções alternativas a um exame concreto e individual de cada um dos documentos visados constituíam, também, uma carga de trabalho irrazoável.

    175    Ora, não resulta dos fundamentos da decisão impugnada que a Comissão tenha apreciado de forma concreta e exaustiva as diversas opções de que dispunha para realizar diligências que não lhe impusessem uma carga de trabalho irrazoável, mas em contrapartida aumentassem as hipóteses de a recorrente poder beneficiar, pelo menos quanto a uma parte do seu pedido de acesso, de uma comunicação parcial dos documentos pedidos. Em particular, não resulta da decisão impugnada que a Comissão tenha estudado concretamente a opção que consiste em perguntar às empresas que comunicaram certos documentos pedidos se podia ser comunicada à recorrente uma versão não confidencial dos referidos documentos.

    176    Resulta das considerações precedentes que a decisão impugnada deve ser anulada, na medida em que recusa o acesso parcial a todos os documentos pedidos, sem que resulte dos seus fundamentos que tenha sido levado a cabo um exame individual e concreto de cada um desses documentos e sem que a Comissão tenha explicado, de forma concreta, as razões pelas quais as soluções diferentes de um exame concreto e individual de cada um dos documentos visados representaria uma carga de trabalho irrazoável.

     Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

     Argumentos das partes

    177    A recorrente sublinha que o pedido de acesso não visa defender exclusivamente interesses privados. Tem igualmente por objecto a preservação de uma concorrência não falseada nos mercados editoriais em França e evitar desvios às regras relativas ao controlo das concentrações através da utilização fraudulenta do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89. Um interesse público superior justifica, portanto, nos termos do artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1049/2001, a divulgação dos documentos pedidos.

    178    A Comissão sustenta que a recorrente não demonstrou a existência de um interesse público superior que justifique a divulgação dos documentos pedidos. A utilização pela recorrente dos documentos pedidos em apoio do seu recurso contra a decisão de compatibilidade não pode ser considerada um interesse público superior. Com efeito, um recurso desta natureza está subordinado à existência de um interesse pessoal em agir e seria inadmissível se a recorrente agisse em nome do interesse público.

    179    Além disso, mesmo admitindo que o recurso da recorrente tenha por objecto o interesse público, não é o uso que o requerente pretende fazer dos documentos que é pertinente, mas a divulgação é que deve ser justificada por um interesse público superior. São as características particulares dos documentos que devem justificar a sua divulgação em nome de um interesse público superior, independentemente do objectivo prosseguido pela recorrente. Não é esse o caso vertente.

    180    Por último, a Comissão alega que é ao juiz chamado a conhecer da legalidade da decisão impugnada no processo T‑279/04 que cabe apreciar a necessidade dos documentos pedidos para a defesa da recorrente nesse processo.

    181    A recorrente sublinha que pode ser, ao mesmo tempo, uma pessoa colectiva directamente e individualmente afectada pela decisão impugnada e uma pessoa colectiva da União autorizada a obter o acesso aos documentos pedidos. Alega que a divulgação dos documentos solicitados e a utilização que deles seria feita prosseguem os mesmos fins, a saber, a salvaguarda de uma concorrência não falseada e a aplicação transparente do direito da concorrência.

    182    A recorrente considera que é permitido a uma parte numa instância em que a produção de documentos poderia ser ordenada pelo Tribunal contestar, no quadro de um processo paralelo, uma decisão que recusou o acesso a esses documentos a título do Regulamento n.° 1049/2001.

    183    A Comissão alega que, segundo a jurisprudência, o interesse público superior visado no artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1049/2001 deve, em princípio, distinguir‑se dos princípios subjacentes ao referido regulamento, entre os quais figura a obrigação de transparência invocada pela recorrente.

    184    A interveniente sublinha que nenhum interesse público justifica a divulgação dos documentos pedidos pela recorrente, cujo pedido de acesso aos referidos documentos se baseia em interesses puramente privados. Sustenta igualmente, nas suas observações preliminares, que o pedido de acesso da recorrente aos documentos é abusivo e contrário à vocação do Regulamento n.° 1049/2001, porquanto se baseia no seu interesse particular, a saber, a defesa dos seus direitos nos processos T‑279/04 e T‑452/04. Alega que a jurisprudência indicou que o Regulamento n.° 1049/2001 não tem por objecto proteger o interesse específico que esta ou aquela pessoa possa ter em aceder a um documento das instituições. A jurisprudência reconheceu igualmente que este regulamento se destina a garantir o acesso de todos aos documentos públicos e não apenas o acesso do requerente a documentos que o visam, e que o referido regulamento não deve permitir a prossecução de interesses privados relativos, por exemplo, à interposição de um recurso contra as instituições.

     Apreciação do Tribunal

    185    O artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1049/2001 precisa que as excepções previstas naqueles números se aplicam «excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação».

    186    Na decisão impugnada, a Comissão recusou considerar que existia um interesse público superior que justificava a divulgação, com o fundamento de que o pedido de acesso se baseia na defesa dos interesses da recorrente num litígio pendente no Tribunal Geral. Esse interesse é manifestamente privado e não público. Ora, nos termos do regulamento, apenas um interesse público pode primar sobre a necessidade de proteger os interesses visados nos n.os 2 e 3 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001.

    187    Tendo em conta as conclusões retiradas pelo Tribunal segundo as quais a Comissão cometeu um erro de direito ao invocar as excepções relativas à protecção do objectivo das actividades de inquérito, dos interesses comerciais e do processo decisório, não há que examinar a eventual existência de um interesse público superior que justifique a divulgação dos documentos aos quais o acesso foi recusado com base nessas excepções.

    188    A título preliminar, importa rejeitar o argumento da interveniente segundo o qual o pedido de acesso da recorrente é abusivo por se fundar em interesses estritamente privados. Com efeito, o artigo 6.°, n.° 1, última frase, do Regulamento n.° 1049/2001 dispõe que o requerente não está obrigado a justificar o seu pedido. Uma vez que este regulamento tem por objecto abrir ao público em geral um direito de acesso aos documentos das instituições, o interesse específico que esta ou aquela pessoa possa ter em aceder a um deles não tem de ser tomado em conta pela instituição chamada a pronunciar‑se sobre o pedido de acesso (v., neste sentido, acórdão de 1 de Fevereiro de 2007, Sison/Conselho, já referido no n.° 46 supra, n.os 43 a 47). Um pedido de acesso fundado em interesses estritamente privados não pode, portanto, ser qualificado de abusivo.

    189    Em contrapartida, há que examinar a eventual existência de um interesse público superior susceptível de justificar a divulgação do parecer do Serviço Jurídico visado no n.° 1, alínea g), supra.

    190    Segundo a jurisprudência, os interesses públicos superiores susceptíveis de justificar a divulgação de um documento abrangido por uma excepção são, nomeadamente, os que subjazem ao Regulamento n.° 1049/2001 (acórdão Turco, já referido no n.° 68 supra, n.os 67, 75 e 76). Contrariamente às afirmações da Comissão, o interesse público superior susceptível de justificar a divulgação não é, por conseguinte, distinto dos princípios subjacentes ao referido regulamento.

    191    Tendo em conta o princípio geral do acesso aos documentos, conforme consagrado no artigo 255.° CE, e os considerandos 1 e 2 do Regulamento n.° 1049/2001, o interesse público superior que justifica a divulgação deve ter carácter objectivo e geral e não pode ser confundido com interesses particulares ou privados, por exemplo, relativos à propositura de acções contra as instituições, já que tais interesses não constituem um elemento pertinente para a ponderação de interesses prevista no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, deste regulamento.

    192    Com efeito, por força do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1049/2001, os beneficiários do direito de acesso aos documentos das instituições são «[t]odos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro». Daí resulta que este regulamento se destina a garantir o acesso de todos aos documentos públicos e não apenas o acesso do requerente a documentos que lhe dizem respeito (acórdão de 26 de Abril de 2005, Sison/Conselho, já referido no n.° 41 supra, n.° 50). Consequentemente, o interesse particular que pode invocar quem pede o acesso a documentos que lhe dizem pessoalmente respeito, em geral, só é determinante no âmbito tanto da apreciação da existência de um interesse público superior como da ponderação dos interesses ao abrigo do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001.

    193    Assim, mesmo admitindo que os documentos pedidos se revelem necessários à defesa da recorrente no âmbito de uma acção judicial, questão esta a examinar no âmbito dessa acção, esta circunstância não é pertinente para apreciar a ponderação dos interesses públicos (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 26 de Abril de 2005, Sison/Conselho, já referido no n.° 41 supra, n.° 55, e despacho do Tribunal Geral de 8 de Junho de 2005, SIMSA/Comissão, T‑287/03, não publicado na Colectânea, n.° 34).

    194    A circunstância de os documentos pedidos poderem permitir à recorrente fazer valer melhor os seus argumentos no quadro dos recursos de anulação que interpôs da decisão de compatibilidade e da decisão de aprovação não pode, portanto, ser constitutiva de um interesse público superior que justifique a divulgação do parecer jurídico em causa.

    195    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual essa divulgação teria por efeito favorecer a preservação de uma concorrência não falseada nos mercados editoriais em França e evitar desvios às regras relativas ao controlo das concentrações através da utilização fraudulenta do artigo 3.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, não resulta dos elementos dos autos e do conteúdo do parecer do Serviço Jurídico da Comissão, comunicado ao Tribunal (v. n.° 23 supra), que a divulgação desse parecer se justifique por um interesse público superior dessa natureza.

    196    Por conseguinte, há que rejeitar o presente fundamento, na medida em que visa demonstrar a existência de um interesse público superior que justifique a divulgação do parecer jurídico visado no n.° 1, alínea g), supra.

    197    Resulta de todas as considerações precedentes que a decisão impugnada deve ser anulada na parte em que recusa o acesso, integral e parcial, a todos os documentos pedidos, com excepção do parecer jurídico visado no n.° 1, alínea g), supra, e na parte em que recusa o acesso parcial ao referido parecer jurídico.

     Quanto às despesas

    198    Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal Geral pode determinar que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

    199    Nas circunstâncias do caso vertente, tendo em conta que a Comissão foi vencida na maior parte dos seus pedidos, será feita uma justa apreciação da causa condenando‑a a suportar as suas próprias despesas, bem como nove décimos das despesas da recorrente.

    200    A interveniente suportará as suas próprias despesas.

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

    decide:

    1)      Já não há que decidir da legalidade da decisão D (2005) 3286 da Comissão das Comunidades Europeias, de 7 de Abril de 2005, na parte em que recusa o acesso, integral e parcial, aos documentos visados nos n.os 1, alíneas a) a c), e 2, alíneas h) e j), do presente acórdão.

    2)      A decisão D (2005) 3286 é anulada na parte em que recusa o acesso integral aos documentos visados nos n.os 1, alíneas d), e), g) e h), e 2, alíneas b) a d), f), g) e i), do presente acórdão, com excepção do parecer do Serviço Jurídico da Comissão visado no n.° 1, alínea g), do presente acórdão.

    3)      A decisão D (2005) 3286 é anulada na parte em que recusa o acesso parcial aos documentos visados nos n.os 1, alíneas d), e), g) e h), e 2, alíneas b) a d), f), g) e i), do presente acórdão.

    4)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

    5)      A Comissão suportará as suas próprias despesas, bem como nove décimos das despesas da Éditions Odile Jacob SAS.

    6)      A Lagardère SCA suportará as suas próprias despesas.

    Meij

    Vadapalas

    Truchot

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Junho de 2010.

    Assinaturas


    * Língua do processo: francês.

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