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Document 62005FJ0023
Judgment of the Civil Service Tribunal (Third Chamber) of 2 May 2007. # Jean-Louis Giraudy v Commission of the European Communities. # Officials - Action for damages - Re-assignment. # Case F-23/05.
Acórdão do Tribunal da Função Pública (Terceira Secção) de 2 de Maio de 2007.
Jean-Louis Giraudy contra Comissão das Comunidades Europeias.
Funcionários - Acção de indemnização - Reafectação.
Processo F-23/05.
Acórdão do Tribunal da Função Pública (Terceira Secção) de 2 de Maio de 2007.
Jean-Louis Giraudy contra Comissão das Comunidades Europeias.
Funcionários - Acção de indemnização - Reafectação.
Processo F-23/05.
Colectânea de Jurisprudência – Função Pública 2007 I-A-1-00121; II-A-1-00657
ECLI identifier: ECLI:EU:F:2007:75
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA
(Terceira Secção)
2 de Maio de 2007
Processo F‑23/05
Jean‑Louis Giraudy
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«Funcionários – Recurso – Acção de indemnização – Inquérito do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) – Reafectação – Regulamento (CE) n.° 1073/99 – Decisão 1999/396/CE, CECA, Euratom – Erro – Prejuízo – Doença profissional – Tomada em conta das prestações previstas no artigo 73.° do Estatuto»
Objecto: Recurso, interposto nos termos dos artigos 236.° CE e 152.° EA, pelo qual L. Giraudy pede a anulação da decisão de 21 de Fevereiro de 2005 que indefere a sua reclamação de 22 de Setembro de 2004 e que a Comissão seja condenada a pagar‑lhe uma indemnização pelo prejuízo que alega ter sofrido, avaliado num montante de 264 000 euros relativos ao prejuízo material, e num montante de 500 000 euros relativos ao prejuízo moral.
Decisão: A Comissão é condenada a pagar ao recorrente a quantia de 15 000 euros, a título de indemnização pelos danos morais por ele sofridos e que consistiram numa ofensa à sua reputação e à sua honra. O recurso é julgado improcedente quanto ao restante. A Comissão suportará as suas próprias despesas e dois terços das efectuadas pelo recorrente. Este suportará um terço das suas despesas.
Sumário
1. Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) – Regulamento n.° 1073/1999 relativo aos inquéritos feitos pelo OLAF – Modalidades dos inquéritos internos adoptados pelas instituições comunitárias
(Regulamento n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 5.°, segundo parágrafo; Decisão n.° 1999/396 da Comissão, artigo 2.°, primeiro e segundo parágrafos)
2. Funcionários – Responsabilidade extracontratual das instituições – Condições
3. Funcionários – Organização dos serviços – Afectação do pessoal
(Estatuto dos Funcionários, artigo 7.°, n.° 1)
4. Funcionários – Dever de solicitude que incumbe à administração
(Estatuto dos Funcionários, artigos 7.°, n.° 1, primeiro parágrafo, e 25.°, segundo parágrafo)
5. Funcionários – Dever de solicitude que incumbe à administração – Princípio da boa administração
(Estatuto dos Funcionários, artigo 73.°;Regulamento n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, décimo considerando e artigo 8.°, n.° 2)
6. Funcionários – Dever de solicitude que incumbe à administração
(Regulamento n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 8.°, n.° 2)
7. Funcionários – Acção de indemnização – Pedidos dirigidos à reparação do prejuízo resultante da doença do recorrente e da sua declaração de invalidez como consequência de uma falta imputável ao serviço da administração
(Estatuto dos Funcionários, artigo 73.°; Regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional, artigos 19.° e 23.°)
1. A redacção imperativa do artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão n.° 1999/396, relativa às condições e regras dos inquéritos internos em matéria de luta contra a fraude, a corrupção e todas as actividades ilegais lesivas dos interesses das Comunidades, que remete quanto a este ponto para o primeiro parágrafo do mesmo artigo, deixa entender que o secretário‑geral, os directores‑gerais e os chefes de serviço da Comissão têm a obrigação de informar imediatamente o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) quando tenham conhecimento de «elementos de facto que levem à suspeita de eventuais casos de fraude, de corrupção ou de qualquer outra actividade ilegal lesiva dos interesses das Comunidades, ou de factos graves, ligados ao exercício de actividades profissionais, que possam constituir incumprimento das obrigações dos funcionários e agentes das Comunidades, susceptível de processos disciplinares e eventualmente penais». Todavia, a utilização pelo legislador do termo «suspeita» implica necessariamente que as autoridades referidas nessa disposição procedam a uma apreciação mínima sobre a pertinência dos elementos de facto de que têm conhecimento relativamente a uma possível irregularidade e confere‑lhes, portanto, um certo poder de apreciação.
(cf. n.° 98)
2. As disfunções observadas no sistema interno de comunicação de uma instituição que possam ter agravado, de uma forma injustificada, as suspeitas do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) em relação a um funcionário, mas que não tiveram uma relação de causa e efeito determinante na abertura do inquérito contra si, por existir à época um conjunto de outros elementos graves e concordantes que justificavam, por si só, esse inquérito, e não são susceptíveis de determinar a responsabilidade extracontratual dessa instituição por falta imputável ao serviço.
(cf. n.os 109 e 111)
3. A decisão de reafectação, a título cautelar, do funcionário responsável por uma unidade administrativa durante um inquérito interno iniciado pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) sobre possíveis irregularidades no seu seio, resultante de uma recomendação do director‑geral do OLAF destinada a impedir esse funcionário de aceder aos escritórios dessa unidade durante o período considerado, a fim de assegurar o bom desenrolar do inquérito, corresponde ao interesse do serviço. Tendo em conta o amplo poder de apreciação de que dispõe a administração para avaliar esse interesse, tal decisão não é manifestamente desproporcional relativamente ao objectivo prosseguido pela medida, a saber, evitar qualquer risco de conflito de interesses e assegurar o bom desenrolar do inquérito. O facto de outras opções, como aceitar a proposta do recorrente de tirar uma licença ou de lhe ser confiada outra missão, poderem ter sido igualmente conformes ao interesse do serviço e, ao mesmo tempo, mais respeitadoras dos interesses do interessado, não é suficiente, por si só, para tornar desproporcionada a referida medida de reafectação. Esta decisão também não viola o princípio da presunção da inocência dado que, por um lado, não se destina a aplicar uma sanção ao funcionário reafectado, constituindo uma medida cautelar com uma duração limitada à duração do inquérito e, por outro, o interesse do serviço justifica a adopção de uma medida destinada a permitir que um inquérito decorra serenamente, sem que se impute qualquer responsabilidade relativamente às questões objecto de inquérito ao funcionário reafectado.
Por último, uma vez que a legalidade de um acto individual deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o acto foi adoptado, os elementos revelados posteriormente pelo inquérito e que ilibaram o recorrente não podem afectar a legalidade da referida decisão.
(cf. n.os 139 a 146)
Ver:
Tribunal de Primeira Instância: 16 de Abril de 2002, Fronia/Comissão (T‑51/01, ColectFP, pp. I‑A‑43 e II‑187, n.° 55); 4 de Junho de 2003), Del Vaglio/Comissão (T‑124/01 e T‑320/01, ColectFP, pp. I‑A‑157 e II‑767, n.° 77); 7 de Fevereiro de 2007, Clotuche/Comissão (T‑339/03, ainda não publicado na Colectânea, n.os 69, 71 e 76); 7 de Fevereiro de 2007, Caló/Comissão (T‑118/04 e T‑134/04, ainda não publicado na Colectânea, n.os 109, 113 e 114)
4. O facto de a administração anunciar publicamente, numa conferência de imprensa, antes de o ter comunicado pessoalmente ao interessado, antigo responsável de um serviço, que já nada se opõe ao levantamento da medida de reafectação que tenha sido adoptada, a título cautelar, a seu respeito com vista a assegurar o bom desenrolar de um inquérito interno do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) relativo a possíveis irregularidades no seu serviço, viola o interesse legítimo do funcionário a ser informado directamente pela administração, e não por intermédio da imprensa, de uma evolução decisiva da sua situação profissional. Tal comportamento não respeita o equilíbrio de direitos e de obrigações recíprocas que o Estatuto criou entre a autoridade pública e os agentes do serviço público e é, por conseguinte, constitutivo de uma violação do dever de diligência da administração em relação ao funcionário e de uma falta imputável ao serviço susceptíveis de implicar a sua responsabilidade.
(cf. n.os 148, 149 e 183)
5. A regra da confidencialidade dos inquéritos, definida de uma maneira ampla pelo artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999, relativo aos inquéritos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), deve ser interpretada no seu contexto e, em especial, à luz do décimo considerando desse mesmo regulamento, que dispõe que esses inquéritos devem ser conduzidos com pleno respeito pelas liberdades fundamentais. Consequentemente, a referida regra não deve ser interpretada no sentido de que visa unicamente proteger a confidencialidade das informações que se destinam a apurar a verdade, devendo considerar‑se que tem igualmente por finalidade salvaguardar a presunção de inocência e, como tal, a reputação dos funcionários ou agentes objecto desses inquéritos. Para além da protecção específica garantida por essa disposição, tanto o princípio da boa administração como o dever de diligência, bem como o respeito das prorrogativas de inquérito conferidas a um órgão independente como é o OLAF, justificam que a instituição a que pertence o funcionário em causa demonstre a maior prudência e descrição na publicidade dada a alegações ou suspeitas de fraude. Essas considerações impõem‑se tanto mais quanto, em especial tendo em conta o direito de qualquer pessoa à presunção da inocência, num inquérito do OLAF ainda não se tenha chegado a nenhuma conclusão.
Em caso de acusações graves sobre a honorabilidade de um funcionário, incumbe à administração evitar que se publiquem as acusações que não sejam estritamente necessárias e que um funcionário seja objecto de declarações que possam afectar a sua honorabilidade profissional. Por conseguinte, a administração deve, em princípio, por um lado evitar dar à imprensa informações que possam prejudicar o funcionário em causa e, por outro, tomar todas as medidas necessárias para evitar, dentro da instituição, qualquer forma de difusão das informações que possam ter carácter difamatório contra aquele. Assim sendo, há que constatar que se afirmou nas instituições comunitárias uma cultura de responsabilidade, que responde especialmente ao interesse do público de estar informado e de ter a garantia de que as disfunções e as fraudes são identificadas e, se for o caso, devidamente eliminadas e punidas. Esta exigência tem por consequência que os funcionários e os agentes titulares de lugares de responsabilidade na administração comunitária devem ter em conta a possível existência de uma necessidade justificada de comunicar determinadas informações ao público.
Tendo em conta a possível existência de tal necessidade, a intensidade do dever de diligência que incumbe à administração em relação aos seus agentes deve ser acrescida. Este reforço do dever de diligência no âmbito particular de um inquérito é tanto mais necessário num contexto em que os meios de comunicação social podem pôr publicamente em causa a honorabilidade ou a reputação profissional de indivíduos, agravando, assim, os prejuízos que estes já sofreram, a ponto de os tornar irreparáveis.
Com efeito, quando é aberto um inquérito baseado em suspeitas de fraude, é possível que a reputação seja de algum modo afectada, designadamente se esse inquérito der lugar a publicidade no exterior da instituição. A declaração de que não há qualquer acusação contra o interessado na sequência de um inquérito que tenha sido objecto dessa publicidade raramente é suficiente para eliminar integralmente as ofensas que a sua reputação tenha sofrido. No âmbito da responsabilidade extracontratual da Comunidade, o prejuízo causado pelo início e condução de um inquérito só pode ser reparado se a instituição em causa tiver cometido uma falta que envolva a sua responsabilidade, por mais lamentável que isso possa revelar‑se para o indivíduo eventualmente ilibado na sequência desse inquérito. Além disso, se, para além desse prejuízo moral, o inquérito tiver provocado uma doença profissional na acepção do artigo 73.° do Estatuto, esta última disposição permite ao funcionário obter uma compensação sob a forma de um montante fixo, não lhe sendo necessário provar qualquer falta por parte da instituição.
(cf. n.os 161 a 167)
Ver:
Tribunal de Justiça: 11 de Julho de 1974, Guillot/Comissão (53/72, Colect., p. 415; Recueil, p. 791, n.° 3 a 5)
Tribunal de Primeira Instância: 12 de Dezembro de 1995, Connolly/Comissão (T‑203/95 R, Colect., p. II‑2919, n.° 35); 17 de Dezembro de 2003, Chawdhry/Comissão (T‑133/02, ColectFP, pp. I‑A‑329 e II‑1617, n.° 107); 3 de Março de 2004, Vainker/Parlamento (T‑48/01, ColectFP, pp. I‑A‑51 e II‑197, n.° 125)
6. As medidas de informação do público, adoptadas por uma instituição e que visam a reafectação do responsável de uma unidade administrativa para assim assegurar o normal desenrolar de um inquérito interno do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) sobre possíveis irregularidades no seu serviço, não violam os imperativos de confidencialidade próprios dos inquéritos do OLAF e são justificados pelo interesse do serviço quando, nas circunstâncias particulares do caso concreto, o levantamento da confidencialidade, relativo não apenas à adopção da medida de reafectação mas também à identidade do funcionário reafectado, não decorre da vontade da instituição mas é inevitável tendo em conta a natureza do lugar ocupado pelo interessado, que comporta um contacto regular com a imprensa por força das suas funções, e a existência prévia de um interesse dos jornalistas pelas suspeitas de irregularidades, de modo que a falta de informação não deixaria de alimentar diversas especulações susceptíveis de prejudicar tanto os interesses do funcionário como os da instituição.
Não obstante, esta instituição viola o dever de diligência que lhe incumbe em relação aos seus agentes quando toma a iniciativa pouco usual de publicar, além do comunicado do OLAF que anuncia a abertura do inquérito, o seu próprio comunicado de imprensa cujo conteúdo dá a entender que o funcionário reafectado estava pessoalmente implicado nas possíveis irregularidades e, após a sua desresponsabilização, não adopta medidas correctivas que contrabalancem a publicidade negativa anormal concedida pela difusão desse comunicado de imprensa tendo, portanto, em conta os interesses do funcionário de uma forma insuficiente em relação aos seus próprios interesses e não reduzindo ao mínimo os prejuízos que aquele sofreu devido ao início do inquérito.
Tal conduta constitui uma falta imputável ao serviço que pode responsabilizar a instituição. A este respeito, existe uma relação directa e certa de causa e efeito entre essa falta e o prejuízo que decorre, para o funcionário, da ofensa à sua honra e à sua reputação, que vai muito além do prejuízo inevitavelmente sofrido por um funcionário visado num inquérito do OLAF.
(cf. n.os 169, 170, 173, 180, 183 e 206)
7. Devem ser indeferidos os pedidos de reparação do prejuízo material e moral alegadamente sofrido por um funcionário devido à doença de que sofre e da declaração de invalidez dela derivada e que são consequência de uma falta imputável ao serviço da administração e, em particular, do prejuízo moral causado por uma violação do dever de diligência que criou no interessado uma situação de stress e de ansiedade e provocou ou agravou assim um prejuízo associado à sua doença. Com efeito, o Tribunal comunitário não é competente para se pronunciar sobre a relação de causalidade existente entre as condições de serviço de um funcionário e a doença que invoca pois, nos termos do artigo 19.° da Regulamentação de cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários, a decisão relativa ao reconhecimento da origem profissional de uma doença é tomada pela Autoridade Investida do Poder de Nomeação, com base nas conclusões emitidas pelo ou pelos médicos designados pelas instituições e, se o funcionário o requerer, após consulta da comissão médica prevista no artigo 23.° da referida regulamentação. O regime instituído em execução do artigo73.° do Estatuto prevê uma indemnização fixa no caso de acidente ou doença profissional que cubra tanto o prejuízo material como o prejuízo moral, sem que seja necessário que o interessado prove qualquer erro por parte da instituição, só tendo aquele direito a pedir uma compensação complementar quando se verifique que o regime estatutário não permite uma indemnização adequada do prejuízo sofrido.
Esta conclusão não é contrariada num um caso em que o recorrente renunciou ao procedimento apresentado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto para o reconhecimento do carácter profissional da sua doença, tal renúncia não tendo nenhuma incidência sobre a aplicação da regra de direito segundo a qual o reconhecimento da origem profissional de uma doença compete à Autoridade Investida do Poder de Nomeação.
Em contrapartida, os pedidos destinados à reparação do prejuízo moral alegado pelo recorrente, que consiste numa ofensa à sua honra e à sua reputação, devem ser examinados pelo Tribunal pois tal prejuízo não está ligado à doença do interessado e, como tal, não é susceptível de ser reparado de forma fixa ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto.
(cf. n.os 193 a 196 e 198 a 201)
Ver:
Tribunal de Justiça: 8 de Outubro de 1986, Leussink e o./Comissão (169/83 e 136/84, Colect., p. 2801, n.° 13); 9 de Setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão (C‑257/98 P, Colect., p. I‑5251, n.° 22)
Tribunal de Primeira Instância: 14 de Maio de 1998, Lucaccioni/Comissão (T‑165/95, ColectFP, pp. I‑A‑203 e II‑627, n.° 74); 15 de Dezembro de 1999, Latino/Comissão (T‑300/97, ColectFP, pp. I‑A‑259 e II‑1263, n.° 95)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Terceira Secção)
2 de Maio de 2007 (*)
«Funcionários – Recurso – Pedido de indemnização – Inquérito do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) – Reafectação – Regulamento (CE) n.° 1073/99 – Decisão 1999/396/CE, CECA, Euratom – Falta de serviço – Prejuízo – Doença profissional – Tomada em consideração das prestações previstas no artigo 73.° do Estatuto»
No processo F‑23/05,
que tem por objecto um recurso interposto nos termos dos artigos 236.° CE e 152.° EA,
Jean‑Louis Giraudy, antigo funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Paris (França), representado por D. Voillemot, advogado,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Currall e G. Berscheid, na qualidade de agentes,
recorrida,
O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Terceira Secção),
composto por: P. Mahoney (relator), presidente, H. Kanninen e S. Gervasoni, juízes,
secretário: S. Boni, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 11 de Julho de 2006,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias em 20 de Abril de 2005, J.‑L. Giraudy pede:
– a anulação da decisão de 21 de Fevereiro de 2005 que indefere a sua reclamação de 22 de Setembro de 2004;
– a condenação da Comissão das Comunidades Europeias no pagamento de uma indemnização do prejuízo que alega ter sofrido, avaliado num montante de 264 000 euros no que respeita ao prejuízo material e de 500 000 no que respeita ao prejuízo moral.
Quadro jurídico
A – Disposições relativas aos inquéritos em matéria de luta anti‑fraude
2 O considerando 10 do Regulamento (CE) n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativo aos inquéritos efectuados pela Organização Europeia de Luta Antifraude (OLAF) (JO L 136, p. 1) dispõe o seguinte:
«Considerando que estes inquéritos devem ser efectuados em conformidade com o Tratado, designadamente com o protocolo relativo aos privilégios e imunidades das comunidades, no respeito do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime aplicável aos outros agentes [designado ‘estatuto’ pelo presente regulamento], bem como no pleno respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, em particular do princípio de equidade, do direito da pessoa implicada a expressar‑se sobre os factos que lhe dizem respeito e do direito a que apenas os elementos com valor probatório possam constituir a base das conclusões de um inquérito; […]»
3 O n.° 1 do artigo 4.°, intitulado «Inquéritos internos», desse regulamento dispõe o seguinte:
«Nos domínios visados no artigo 1.°, a [O]rganização [Europeia de Luta Antifraude] realizará inquéritos administrativos no interior das instituições, órgãos e organismos [designados ‘inquéritos internos’ pelo presente regulamento].
Tais inquéritos internos serão efectuados no respeito das normas dos Tratados, designadamente o protocolo relativo aos privilégios e imunidades, bem como do estatuto, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento e em decisões adoptadas por cada instituição, órgão e organismo. As instituições concertar‑se‑ão sobre o conteúdo dessa decisão.»
4 Nos termos do segundo parágrafo do artigo 5.°, intitulado «Abertura dos inquéritos», desse regulamento:
«Os inquéritos internos serão instaurados por decisão do director da [O]rganização [Europeia de Luta Antifraude], por iniciativa própria ou mediante pedido da instituição, órgão ou organismo em que deva efectuar‑se o inquérito.»
5 Os n.os 1 e 2 do artigo 8.°, intitulado «Confidencialidade e protecção de dados», do mesmo regulamento, dispõem o seguinte:
«1. As informações obtidas no âmbito dos inquéritos externos, seja qual for a sua forma, ficam protegidas pelas disposições relevantes.
2. As informações comunicadas ou obtidas no âmbito dos inquéritos internos, seja qual for a sua forma, ficam abrangidas pelo segredo profissional e beneficiam da protecção concedida pelas disposições aplicáveis às instituições das Comunidades Europeias.
Essas informações não podem ser comunicadas a outras pessoas além daquelas que, nas instituições das Comunidades Europeias ou nos Estados‑Membros, devam conhecê‑las em razão das suas funções, nem ser utilizadas para outros fins que não sejam os de assegurar a luta contra a fraude, contra a corrupção e contra qualquer outra actividade ilegal.»
6 O artigo 2.° da Decisão da Comissão 1999/396/CE, CECA, Euratom, de 2 de Junho de 1999, relativa às condições e regras dos inquéritos internos em matéria de luta contra a fraude, a corrupção e todas as actividades ilegais lesivas dos interesses das Comunidades (JO L 149, p. 57), intitulado «Obrigação de informação», dispõe nos seus primeiro e segundo parágrafos:
«Os funcionários ou agentes da Comissão que tenham conhecimento de elementos de facto que levem à suspeita de eventuais casos de fraude, de corrupção ou de qualquer outra actividade ilegal lesiva dos interesses das Comunidades, ou de factos graves, ligados ao exercício de actividades profissionais, que possam constituir incumprimento das obrigações dos funcionários e agentes das Comunidades, susceptível de processos disciplinares e eventualmente penais, ou incumprimento de obrigações análogas aplicáveis aos membros da Comissão ou aos membros do seu pessoal não submetidos ao Estatuto, informarão imediatamente o seu chefe de serviço ou director‑geral ou, se o considerarem útil, o secretário‑geral da Comissão ou directamente o Organismo [Europeu de Luta Antifraude].
O secretário‑geral, os directores gerais e os chefes de serviço da Comissão transmitirão imediatamente ao Organismo [Europeu de Luta Antifraude] todos os elementos de facto de que tenham conhecimento e que levem à suspeita de irregularidades previstas no primeiro parágrafo.»
7 O artigo 4.°, intitulado «Informação ao interessado», da Decisão n.° 1999/396 prevê no seu primeiro parágrafo:
«No caso de se revelar a possibilidade de uma implicação pessoal de um membro, funcionário ou agente da Comissão, o interessado deve ser rapidamente informado, desde que tal não seja susceptível de prejudicar o inquérito. Em qualquer caso, na sequência do inquérito, não podem ser extraídas conclusões visando especificamente um membro, funcionário ou agente da Comissão sem que o interessado tenha tido a possibilidade de se exprimir sobre todos os factos que lhe digam respeito.»
B – Disposições relativas à cobertura do risco de doença profissional
8 O artigo 73.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto») prevê que «[e]m conformidade com o estatuído em regulamentação estabelecida de comum acordo pelas instituições das Comunidades, após parecer do Comité do Estatuto, o funcionário está coberto, desde a data de início de funções, contra os riscos de doença profissional e acidentes. […]».
9 O artigo 73.°, n.° 2, alínea b), do Estatuto dispõe que em caso de invalidez total permanente o interessado recebe o pagamento de uma quantia igual a oito vezes o seu vencimento‑base anual calculado com base nos vencimentos mensais processados nos doze meses que precedem o acidente.
10 A regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «regulamentação de cobertura») estabelece, em execução do artigo 73.° do Estatuto, as condições em que o funcionário está coberto contra os riscos de acidente e de doença profissional.
11 O artigo 12.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura prevê que em caso de invalidez permanente total do funcionário resultante de um acidente ou de uma doença profissional, ser‑lhe‑á pago o capital previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 73.° do Estatuto.
12 O artigo 17.°, n.° 2, primeiro e terceiro parágrafos, da regulamentação de cobertura dispõe que a administração procederá a um inquérito com vista à recolha de todos os elementos que permitam estabelecer a natureza da afecção, a respectiva origem profissional bem como as circunstâncias em que essa doença se verificou. Perante o relatório do inquérito, o ou os médicos designados pelas instituições emitirão as conclusões previstas no artigo 19.° da referida regulamentação.
13 Nos termos do artigo 19.° da regulamentação de cobertura, as decisões relativas ao reconhecimento da origem profissional da doença serão adoptadas pela entidade competente para proceder a nomeações (a seguir «AIPN») nos termos do procedimento previsto no artigo 21.° dessa mesma regulamentação, com base em conclusões emitidas pelo(s) médico(s) designado(s) pelas instituições, e, caso o funcionário o requeira, após consulta da Junta Médica prevista no artigo 23.° dessa regulamentação.
C – Disposições relativas às pensões de invalidez
14 O artigo 78.°, primeiro parágrafo, do Estatuto dispõe que o funcionário tem direito a um subsídio de invalidez quando atingido por invalidez permanente considerada total e que o coloque na impossibilidade de exercer funções correspondentes a um lugar do seu grupo de funções. Os quarto e quinto parágrafos desse mesmo artigo prevêem, designadamente, que quando a invalidez resultar de uma doença profissional, a instituição tomará a seu cargo a totalidade da contribuição para o regime de pensões a que o subsídio de invalidez está sujeito.
D – Disposições estatutárias de ordem geral
15 O artigo 7.°, n.° 1 primeiro parágrafo, do Estatuto, na sua redacção aplicável aos factos do caso vertente, dispõe:
«A [AIPN] coloca cada funcionário, mediante nomeação ou transferência, no interesse exclusivo do serviço, e sem ter em conta a nacionalidade, num lugar da sua categoria ou do seu quadro e que corresponda ao seu grau.»
16 O artigo 25.°, segundo parágrafo, do Estatuto dispõe:
«Qualquer decisão individual tomada em cumprimento do presente Estatuto deve ser imediatamente comunicada por escrito ao funcionário interessado. Qualquer decisão que afecte interesses do funcionário deve ser fundamentada.»
17 Nos termos do artigo 62.°, primeiro e segundo parágrafos, do Estatuto:
«Em conformidade com o disposto no anexo VII e salvo disposições expressas em contrário, o funcionário tem direito à remuneração correspondente ao seu grau e ao seu escalão, pelo simples facto da sua nomeação.
O funcionário não pode renunciar a este direito.»
Factos na origem do litígio
18 Em 2002, o recorrente era funcionário de grau A 3, afectado à direcção‑geral (DG) «Imprensa e comunicação», na qualidade de chefe da representação da Comissão em França, em Paris.
19 No segundo semestre de 2000, os serviços da direcção‑geral (DG) «Educação e cultura» procederam a uma auditoria da Info‑Point Europe d’Avignon, gerida pela Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse. O relatório resultante dessa auditoria, com data de 27 de Novembro de 2000, trouxe a lume deficiências na contabilidade desse Info‑Point Europe. Esse relatório foi transmitido em 12 de Dezembro de 2000 ao director‑geral da DG «Educação e cultura», que o transmitiu, em 8 de Fevereiro de 2001, ao chefe do serviço «Imprensa e comunicação» (actual DG «Imprensa e comunicação»), no âmbito da transferência de determinadas actividades da referida direcção‑geral para o serviço «Imprensa e comunicação». Esse relatório foi igualmente transmitido à representação da Comissão em Paris.
20 Na sequência de uma queixa relativa ao funcionamento da Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse, foi efectuada uma inspecção complementar no âmbito da auditoria acima referida. Essa inspecção deu lugar a uma nota de 6 de Dezembro de 2000, que concluía existir um risco de projectos fictícios. A existência de projectos fictícios foi ulteriormente confirmada pelo inquérito externo do OLAF IO/2001/4086 relativo à Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse. A nota de inspecção complementar acima referida não tinha sido transmitida à representação da Comissão em Paris pelo serviço «Imprensa e comunicação» com sede em Bruxelas. Interrogado pelo Tribunal na audiência sobre as razões que explicam a inexistência dessa nota, o representante da Comissão respondeu que «não estava em condições de […] fornecer uma resposta precisa quanto a esse ponto [e que era necessário] considerar que se [tratou] quando muito de um esquecimento administrativo».
21 Por nota de 21 de Março de 2001, assinada conjuntamente, o director‑geral da DG «Educação e cultura», V., e o chefe do serviço «Imprensa e comunicação», F., transmitiram ao OLAF o relatório da auditoria de 27 de Novembro de 2000 bem como a nota da inspecção complementar de 6 de Outubro de 2000, em aplicação do artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão 1999/396. Nessa nota, os signatários indicavam, designadamente, que, paralelamente à informação que transmitiam ao director‑geral do OLAF, o chefe da representação da Comissão em França bem como o chefe da unidade responsável pelas Maisons de l’Europe e pelos Info‑Points Europe tinham sido instados a «apresentarem um relatório» sobre os elementos de que podiam ter tido conhecimento e que fossem susceptíveis de esclarecer o caso. O recorrente afirma que nunca recebeu tal pedido.
22 No início de Novembro de 2002, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação», F., recebeu, de funcionários da sua direcção‑geral que desejam manter o anonimato mas que declarou conhecer bem, denúncias precisas e circunstanciadas de irregularidades relativas, designadamente, às relações entre o recorrente e o presidente da Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse, à atribuição de subsídios para projectos fictícios nessa Maison de l’Europe, à gestão do agrupamento de interesse económico Sources d’Europe e a favoritismo no âmbito de concursos públicos. Em aplicação do artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão 1999/396, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» informou então o OLAF dos factos de que teve conhecimento, por nota de 6 de Novembro de 2002 acompanhada de anexos com os elementos de facto que lhe tinham sido comunicados.
23 Em 15 de Novembro de 2002, o OLAF abriu um inquérito interno sobre possíveis irregularidades na DG «Imprensa e comunicação», mais precisamente na representação da Comissão em Paris (inquérito OF/2002/0513). A abertura desse inquérito foi objecto de um comunicado de imprensa publicado pelo OLAF.
24 Por nota de 15 de Novembro de 2002, que o recorrente afirma ter recebido por correio electrónico na manhã de segunda-feira, dia 18 do mesmo mês, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» informou o recorrente de que o OLAF tinha aberto um inquérito com base em suspeitas de irregularidades fundadas em factos de que a representação da Comissão em Paris tinha tido conhecimento e convidou‑o a apresentar‑se imediatamente em Bruxelas.
25 Em 18 de Novembro de 2002 teve lugar um encontro entre o recorrente e o director-geral em Bruxelas.
26 No mesmo dia 18 de Novembro de 2002, o OLAF deu inicio às suas investigações nos serviços da representação da Comissão em Paris.
27 Na sequência de uma informação telefónica segundo a qual o recorrente, ao regressar à representação da Comissão em Paris em 18 de Novembro de 2002, após o seu encontro com o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação», interrogou o pessoal da referida representação sobre as acções realizadas pelo OLAF durante esse dia, o director‑geral do OLAF recomendou à DG «Imprensa e comunicação» que proibisse o recorrente, bem como o seu adjunto, de aceder aos escritórios da representação durante o período do inquérito, a fim de assegurar a sua boa marcha. O recorrente nega, porém, ter regressado à representação em 18 de Novembro de 2002 e ter interrogado o pessoal e afirma só ter aí voltado na manhã do dia seguinte.
28 Em 19 de Novembro de 2002, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação», actuando na qualidade de AIPN, decidiu, com efeitos a contar dessa mesma data, modificar a afectação do recorrente no interesse do serviço e afectá‑lo na qualidade de «consultor do director-geral da DG ‘Imprensa e comunicação’ em Bruxelas».
29 Essa decisão foi comunicada ao recorrente por nota desse mesmo dia 19 de Novembro de 2002 […] do director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» e continha a informação de que «[a] fim de facilitar a boa marcha do inquérito aberto pelo OLAF relativo ao funcionamento da representação da Comissão em Paris, tinha decidido, no interesse do serviço, mutá‑lo, a contar desse dia, para a DG ‘Imprensa e comunicação’ – Bruxelas e que a sua afectação precisa lhe seria comunicada nos dias seguintes».
30 O adjunto do recorrente também foi alvo de uma medida de reafectação imediata de Paris para Bruxelas.
31 Por nota de 20 de Novembro de 2002, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» informou o pessoal da representação da Comissão em Paris de que essa representação estava a ser objecto de um inquérito com a duração prevista de cerca de um mês.
32 O recorrente manifestou as suas objecções quanto à medida de reafectação de que tinha sido objecto, em diversas notas à atenção do director‑geral da DG «Imprensa e comunicação», de 21, 22 e 27 de Novembro de 2002. Nas suas notas de 21 e 22 de Novembro de 2002 propôs, designadamente, tirar uma licença sem vencimento durante o período de inquérito do OLAF na representação da Comissão em Paris. O director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» respondeu ao recorrente mediante uma breve nota de 27 de Novembro de 2002, em que reafirmava ter decidido reafectá‑lo a outras funções na direcção‑geral, «a fim de assegurar a boa marcha do inquérito e de evitar qualquer situação de eventual conflito de interesses».
33 Em 21 de Novembro de 2002, teve lugar novo encontro entre o recorrente e o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação», no decurso do qual este último informou o interessado de que a medida de reafectação de que era objecto constituía uma medida puramente cautelar.
34 No mesmo dia 21 de Novembro de 2002, a Comissão publicou um comunicado de imprensa nos termos do qual «a DG ‘Imprensa e Comunicação’ tinha pedido ao OLAF que analisasse a possibilidade de abrir um inquérito sobre certas suspeitas de irregularidades na gestão dos subsídios concedidos em França ao abrigo da política de informação e comunicação; de modo a assegurar a boa marcha desse inquérito e a evitar qualquer impressão de conflito de interesses, tinha sido decidido, no interesse do serviço, reafectar a Bruxelas dois funcionários da representação da Comissão em Paris, decisões administrativas que em nada afectavam as conclusões do inquérito». Na véspera da publicação desse comunicado de imprensa, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» tinha telefonado ao recorrente para o informar desse facto.
35 Também no dia 21 de Novembro de 2002, F., actuando desta feita na qualidade de porta‑voz da Comissão, função que também desempenhava, realizou a sua conferência de imprensa regular, no decurso da qual foi interrogado pelos jornalistas acerca do inquérito do OLAF e da reafectação a Bruxelas de dois funcionários da representação da Comissão em Paris. Nas suas respostas às questões dos jornalistas, não nomeou os dois funcionários em causa. Sublinhou que ninguém era objecto de acusações e que as decisões de reafectação a outro serviço na mesma direcção-geral tinham sido tomadas para evitar qualquer conflito de interesses e assegurar a boa marcha do inquérito. Nessa conferência de imprensa, um jornalista perguntou‑lhe, designadamente, se podia «dizer se o responsável do serviço em Paris era responsável pelo conjunto das despesas efectuadas em França e, concretamente, pela Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse uma vez que parecia que era isso que estava em causa, perguntando‑lhe ainda se esse funcionário era ou não responsável pela gestão dessa Maison de l’Europe […]», ao que o porta‑voz da Comissão respondeu, designadamente, que «o caso era mais complicado do que isso, que a gestão dos subsídios incumbia a vários intervenientes; que existia uma Fédération internationale des Maisons de l’Europe em Bruxelas; que existiam evidentemente serviços da Comissão nos diferentes países em causa […]».
36 Em 23 de Novembro de 2002, o jornal Le Monde dedicou um artigo ao inquérito do OLAF e à reafectação dos dois funcionários, em que eram citados os nomes do recorrente e do seu adjunto.
37 Por nota de 28 de Novembro de 2002, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» indicou ao recorrente em que consistia a sua missão na qualidade de «consultor do director‑geral da DG ‘Imprensa e comunicação’ em Bruxelas». Confirmou‑lhe igualmente que a sua reafectação a Bruxelas revestia carácter cautelar e que se destinava a assegurar a boa marcha do inquérito e a evitar qualquer situação de eventual conflito de interesses.
38 Em 20 de Dezembro de 2002, o porta‑voz da Comissão e director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» deu uma conferência de imprensa, na qual anunciou que nada se opunha ao levantamento da medida cautelar de que eram objecto os dois funcionários e que em breve ia discutir com estes últimos em que moldes o levantamento dessa medida se iria processar.
39 A imprensa francesa fez eco do levantamento das medidas cautelares que visavam os dois funcionários, em artigos publicados nos jornais Le Monde (22 e 23 de Dezembro de 2002), Le Figaro (21 e 22 de Dezembro de 2002) e Libération (21 e 22 Dezembro 2002).
40 Em 6 de Janeiro de 2003 teve lugar novo encontro entre o recorrente e o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação», em que foi discutida a reintegração do interessado nas suas funções de chefe da representação da Comissão em Paris.
41 Em 16 de Janeiro de 2003, o recorrente foi ouvido pelos investigadores do OLAF, em conformidade com o disposto no artigo 4.°, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396.
42 Por decisão de 21 de Janeiro de 2003, com efeitos retroactivos a 19 de Dezembro de 2002, a AIPN reintegrou o recorrente nas suas funções precedentes na qualidade de chefe da representação da Comissão em Paris. O recorrente afirma só ter recebido essa decisão em 12 de Fevereiro de 2003. Todavia, devido a doença, nunca chegou a retomar efectivamente o seu trabalho na referida representação da Comissão em Paris.
43 A reintegração dos dois funcionários nas suas funções em Paris foi objecto, em 21 de Janeiro de 2003, de uma questão parlamentar colocada por C. Flesch à Comissão (questão escrita E‑0036/03). No dia 5 de Março seguinte, R. Prodi, presidente da Comissão, respondeu, em nome desta, a essa questão, lamentando, em especial, o facto de os meios de comunicação social terem mencionado os nomes dos interessados.
44 Nesse mesmo dia 5 de Março de 2003, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» informou o recorrente de que certos lugares de chefe de representação da Comissão, entre os quais o da representação em França, seriam em breve objecto de anúncio de vaga.
45 Em 6 de Maio de 2003, o OLAF apresentou o seu relatório final do inquérito. As suas conclusões ilibam o recorrente no que respeita às imputações que levaram à abertura do inquérito e precisam que uma importante nota de inspecção complementar, de 6 de Dezembro de 2000, cujo conteúdo teria permitido ao recorrente e ao seu adjunto fazer uma apreciação mais crítica sobre o funcionamento da Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse, nunca foi transmitida à representação da Comissão em Paris pelos serviços da DG «Imprensa e comunicação». Segundo o relatório do OLAF, «o facto de a sede não ter transmitido à representação a nota de inspecção complementar de 6 de Dezembro de 2000 contribuiu, assim, indirectamente para aumentar as suspeitas do OLAF em relação ao recorrente e ao seu adjunto».
46 Numa conferência de imprensa de 17 de Junho de 2003, em resposta a uma questão colocada por um jornalista, o novo porta‑voz da Comissão, K., manifestou toda a sua simpatia, bem como a da instituição, em relação ao recorrente.
47 Num artigo de 23 de Outubro de 2003, o jornal La Tribune fez referência ao «lamentável ‘caso’ dos serviços da Comissão em Paris, que teve como consequência que a sua direcção foi oferecida numa bandeja à comunicação social, antes de […] o OLAF concluir, discretamente, que as acusações formuladas careciam de fundamento».
48 Em 22 de Março de 2004, a comissão de invalidez declarou que o recorrente sofria de invalidez permanente considerada total que o impedia de exercer as suas funções. A comissão de invalidez não se pronunciou quanto à eventual origem profissional dessa invalidez, considerando que era preferível aguardar pela conclusão do processo iniciado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto. Foi concedido ao recorrente um subsídio de invalidez, nos termos do artigo 53.° do Estatuto, a contar de 1 de Maio de 2004.
49 Por carta de 10 de Dezembro de 2004, o recorrente apresentou um pedido de reconhecimento do carácter profissional da sua doença, ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto.
50 Anteriormente, por carta de 2 de Março de 2004, completada por uma carta de 17 de Junho seguinte, o recorrente tinha apresentado à AIPN um pedido de reparação do prejuízo alegadamente sofrido por ocasião e no decurso do inquérito do OLAF, baseando‑se no artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto.
51 Esse pedido tinha sido indeferido por decisão da AIPN de 8 de Julho de 2004.
52 Em 22 de Setembro de 2004, o recorrente tinha apresentado uma reclamação dessa decisão ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Estatuto. A Comissão recebeu a reclamação no dia 19 de Outubro seguinte.
53 A AIPN indeferiu a reclamação do recorrente mediante decisão de 21 de Fevereiro de 2005.
Tramitação processual e pedidos das partes
54 O presente recurso foi inicialmente registado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância sob o número T‑169/05.
55 Por despacho de 15 de Dezembro de 2005, o Tribunal de Primeira Instância, em aplicação do artigo 3.°, n.° 3, da Decisão 2004/752/CE, Euratom, do Conselho, de 2 de Novembro de 2004, que institui o Tribunal da Função Pública da União Europeia (JO L 333, p. 7), remeteu o presente processo ao Tribunal da Função Pública. O recurso foi registado na Secretaria deste último sob o número F‑23/05.
56 No âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal, por cartas de 22 de Março e de 7 de Junho de 2006, convidou a Comissão a apresentar certos documentos, designadamente o relatório do OLAF de 6 de Maio de 2003. Esta última aquiesceu aos pedidos do Tribunal nos prazos previstos. Por carta de 22 de Março de 2006, o Tribunal convidou o recorrente a informá‑lo da eventual conclusão do processo iniciado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto.
57 Por carta recebida por telecópia na Secretaria do Tribunal em 25 de Setembro de 2006, o recorrente transmitiu ao Tribunal uma carta que tinha enviado à Comissão em 18 de Agosto de 2006, na qual declarava desistir do seu pedido de reconhecimento do carácter profissional da sua doença.
58 O Tribunal decidiu que havia que aceitar, a título excepcional, a junção ao processo desse documento apresentado após o termo da fase oral, na medida em que, por um lado, se referia a uma circunstância posterior à audiência e em que, por outro, era susceptível de ter incidência na solução do litígio.
59 Considerando que, em conformidade com o princípio do contraditório, havia que dar a oportunidade à Comissão de apresentar as suas observações sobre o referido documento, o Tribunal ordenou a reabertura da fase oral, por despacho de 17 de Outubro de 2006, em aplicação do artigo 62.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, aplicável mutatis mutandis ao Tribunal da Função Pública, em virtude do artigo 3.°, n.° 4, da Decisão 2004/752, até à entrada em vigor do Regulamento de Processo deste último.
60 A Comissão apresentou as suas observações sobre esse documento na Secretaria do Tribunal por telecópia de 10 de Novembro de 2006 (tendo o original sido entregue no dia 13 do mesmo mês).
61 Por carta de 16 de Novembro de 2006, o Tribunal convidou o recorrente a apresentar eventuais observações às últimas observações apresentadas pela Comissão.
62 O recorrente apresentou as suas observações na Secretaria do Tribunal por telecópia de 29 de Novembro de 2006 (tendo o original sido entregue no dia 4 de Dezembro seguinte).
63 Por carta do Tribunal de 11 de Dezembro de 2006, as partes foram informadas do encerramento da fase oral.
64 O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– anular a decisão de 21 de Fevereiro de 2005 que indefere a sua reclamação de 22 de Setembro de 2004;
– declarar que as faltas da Comissão causaram um prejuízo certo e determinável e que há um nexo de causalidade entre essas faltas e o referido prejuízo;
– declarar legítima uma reparação financeira pelo prejuízo que sofreu;
– fixar o seu prejuízo material num montante de 264 000 euros e o seu prejuízo moral num montante de 500 000 euros;
– condenar a Comissão nas despesas.
65 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– negar provimento ao recurso;
– decidir quanto às despesas nos termos legais.
Questão de direito
A – Quanto à admissibilidade
66 A Comissão invoca três fundamentos de inadmissibilidade, relativos, respectivamente, à inexistência de um procedimento pré‑contencioso regular, à falta de interesse em agir e ao carácter prematuro do recurso.
1. Quanto à inexistência de um procedimento pré‑contencioso regular
a) Argumentos das partes
67 A Comissão manifesta dúvidas quanto à admissibilidade do recurso, pelo facto de o recorrente alegar um prejuízo resultante da decisão de reafectação de 19 de Novembro de 2002, que não foi impugnada nos termos do procedimento previsto nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto.
68 O recorrente retorque que o seu pedido de reparação não se baseia unicamente na impugnação dessa decisão, mas que, na realidade, apresenta vários argumentos relativos a faltas cometidas pela Comissão, designadamente quando da divulgação do seu comunicado de imprensa de 21 de Novembro de 2002, nas declarações do seu porta‑voz na conferência de imprensa realizada no mesmo dia e na transmissão de documentos ao OLAF. O presente pedido de indemnização, que deve ser considerado no seu conjunto, é, pois, admissível.
b) Apreciação do Tribunal
69 Segundo jurisprudência assente, no sistema das vias processuais instituído pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, uma acção de indemnização, que constitui uma via de direito autónoma relativamente ao recurso de anulação, apenas é admissível se tiver sido precedida de um processo pré‑contencioso em conformidade com as disposições estatutárias. Esse processo difere consoante o prejuízo cuja reparação é pedida resulte de um acto que causa prejuízo, na acepção do n.° 2 do artigo 90.° do Estatuto, ou de um comportamento da administração desprovido de carácter decisório. No primeiro caso, incumbe ao interessado apresentar à AIPN, dentro do prazo fixado, uma reclamação contra o acto em causa. Em contrapartida, no segundo caso, o procedimento administrativo deve iniciar‑se com a apresentação de um requerimento na acepção do n.° 1 do artigo 90.° do Estatuto, destinado a obter uma reparação. Só o indeferimento expresso ou implícito desse requerimento constitui uma decisão que causa prejuízo contra a qual pode ser apresentada uma reclamação, e só depois de uma decisão que indefira expressa ou implicitamente esta reclamação pode ser intentada no Tribunal uma acção de indemnização (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 1991, Marcato/Comissão, T‑5/90, Colect., p. II‑731, n.os 49 e 50, e de 28 de Junho 1996, Y/Tribunal de Justiça, T‑500/93, ColectFP, pp. I‑A‑335 e II‑977, n.os 64 e 66).
70 No caso vertente, antes de interpor o presente recurso no Tribunal, o recorrente apresentou, em 2 de Março de 2004, um pedido de indemnização ao abrigo do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto, e posteriormente, em 22 de Setembro de 2004, uma reclamação ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Estatuto contra a decisão de 8 de Julho de 2004 que indeferiu o seu pedido de indemnização. Assim, o recorrente fez preceder o seu recurso para o Tribunal do procedimento pré‑contencioso aplicável a um pedido de reparação de um prejuízo resultante de comportamentos da administração desprovidos de carácter decisório.
71 Para determinar se o procedimento pré‑contencioso foi regular, há pois que determinar se o prejuízo cuja reparação é pedida resulta, designadamente, de comportamentos da administração desprovidos de carácter decisório.
72 No presente recurso, o recorrente critica diversos actos da administração que, segundo ele, estão na origem do prejuízo que sofreu, a saber, por um lado, a decisão de reafectação adoptada pela AIPN em 19 de Novembro de 2002, por outro, o comunicado de imprensa da Comissão, de 21 de Novembro de 2002, e as declarações do seu porta‑voz na conferência de imprensa do mesmo dia e, por último, a transmissão ao OLAF pelo director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» de elementos de facto que deixavam presumir a existência de irregularidades cometidas na representação da Comissão em Paris. Através das críticas que formula relativamente ao comunicado de imprensa da Comissão de 21 de Novembro de 2002, e às declarações do seu porta‑voz na conferência de imprensa do mesmo dia, bem como através das críticas que formula em relação à comunicação acima referida de elementos de facto ao OLAF, o recorrente contesta em apoio do seu recurso, nomeadamente, os comportamentos da administração desprovidos de carácter decisório.
73 Resulta do que precede que o fundamento de inadmissibilidade relativo à inexistência de procedimento pré‑contencioso regular não pode ser acolhido.
2. Quanto à falta de interesse em agir
a) Argumentos das partes
74 A Comissão manifesta dúvidas quanto à existência de interesse em agir por parte do recorrente, alegando que, no momento da interposição do recurso, a decisão de reafectação de 19 de Novembro de 2002 tinha sido revogada há mais de um ano.
75 O recorrente não toma posição em relação a esse fundamento de inadmissibilidade, mas pede de modo geral ao Tribunal que não acolha a posição da Comissão nas suas objecções processuais.
b) Apreciação do Tribunal
76 Há que declarar que a afirmação na base da argumentação da Comissão, segundo a qual a decisão de reafectação de 19 de Novembro de 2002 foi «revogada» mais de um ano antes da interposição do presente recurso, é inexacta. Com efeito, a decisão de 21 de Janeiro de 2003 que reintegra o recorrente nas suas funções anteriores de chefe da representação da Comissão em Paris, com efeitos retroactivos a 19 de Dezembro de 2002, não substituiu a decisão de reafectação de 19 de Novembro de 2002, que produziu os seus efeitos de 19 de Novembro a 19 de Dezembro de 2002.
77 Por outro lado, o interesse em agir do recorrente não pode ser examinado tendo em conta unicamente o fundamento relativo à decisão de reafectação de 19 de Novembro de 2002, mas deve sê‑lo também atendendo aos pedidos de indemnização formulados pelo recorrente.
78 Há, pois, que julgar improcedente o fundamento de inadmissibilidade relativo à falta de interesse em agir do recorrente
3. Quanto ao carácter prematuro do recurso
a) Argumentos das partes
79 Na sua contestação, a Comissão alegou que o prejuízo do recorrente devia ser apreciado tendo em conta as prestações recebidas ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto, em conformidade com o raciocínio desenvolvido no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de1998, Lucaccioni/Comissão (T‑165/95, ColectFP, pp. I‑A‑203 e II‑627). Deste acórdão a Comissão deduziu que, na medida em que o procedimento iniciado pelo recorrente ao título dessa disposição ainda estava em curso, o Tribunal não estava em condições de apreciar o seu prejuízo e que, por conseguinte, o recurso era prematuro. Na audiência, a Comissão retirou este argumento, considerando que, tendo em conta o facto de o procedimento iniciado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto ser susceptível de durar vários anos, a declaração do carácter prematuro do recurso podia, em certos casos, criar dificuldades ao interessado no que respeita à observância do prazo de cinco anos dentro do qual uma acção de indemnização deve ser intentada.
80 Na sua réplica, o recorrente respondeu que um pedido de reconhecimento do carácter profissional da sua doença, apresentado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto, não o impedia de invocar um direito a reparação do prejuízo moral que considera ter sofrido. Na audiência, o recorrente modificou a sua posição sobre este ponto e pediu que fosse tido em conta o facto de estar disposto a desistir do seu pedido formulado ao abrigo do referido artigo 73.° do Estatuto. Com efeito, insistiu que desejava que o Tribunal decidisse o mais rapidamente possível sobre a totalidade do litígio e, em particular, que declarasse que a Comissão cometeu as faltas na origem do seu prejuízo, declaração que é o único meio de restabelecer a sua honra e a sua reputação e de pôr termo à longa incerteza em que se encontra desde a ocorrência dos factos controvertidos. Por carta entrada por telecópia na Secretaria do Tribunal em 25 de Setembro, o recorrente informou o Tribunal de que desistia do seu pedido apresentado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto.
b) Apreciação do Tribunal
81 Tendo a Comissão, na audiência, desistido do fundamento de inadmissibilidade relativo ao carácter prematuro do recurso, o Tribunal declara que não há que conhecer do mérito do mesmo.
82 Daqui resulta que o recurso deve ser declarado admissível.
B – Quanto ao pedido de suspensão da instância
1. Argumentos das partes
83 Na sua contestação, a Comissão considerou que o prejuízo alegado pelo recorrente devia ser apreciado tendo em conta as prestações recebidas ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto. Ora, na medida em que o procedimento iniciado ao abrigo dessa disposição estava em curso no momento em que a Comissão apresentou a referida contestação, esta sustentou que o Tribunal não estava em condições de apreciar tal prejuízo. Daqui concluiu que a instância no Tribunal devia, no mínimo, ter sido suspensa até à conclusão do procedimento nos termos do artigo 73.° do Estatuto e que, terminado este, o recorrente devia ter sido convidado a apresentar as suas observações sobre as consequências decorrentes da decisão da AIPN relativa ao carácter profissional da sua doença.
84 Na réplica, o recorrente respondeu que um pedido de reconhecimento do carácter profissional da sua doença, apresentado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto, não o impedia de invocar um direito a reparação do prejuízo moral que considera ter sofrido e opôs‑se a essa suspensão da instância, que qualificou de manobra dilatória por parte da Comissão. Na audiência, pediu que se fosse tido em conta o facto de estar disposto a desistir desse pedido. Por carta entrada por telecópia na Secretaria do Tribunal em 25 de Setembro de 2006, informou o Tribunal de que desistia do referido pedido.
2. Apreciação do Tribunal
85 Dado que o recorrente desistiu do seu pedido apresentado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto, o pedido formulado pela Comissão no sentido de ser decretada a suspensão da instância deixou de ter objecto.
86 Por conseguinte, não há necessidade de o Tribunal se pronunciar sobre o pedido de suspensão da instância.
87 De qualquer modo, há que declarar que se, não tendo o recorrente desistido do seu pedido formulado ao abrigo do artigo 73.° Estatuto, tivesse de se pronunciar sobre o pedido de suspensão da instância formulado pela Comissão, o Tribunal não poderia tê-lo acolhido. Com efeito, o recorrente opôs-se ao referido pedido de suspensão. Ora, o artigo 77.°, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância prevê uma única hipótese de suspensão da instância: a pedido conjunto das partes.
C – Quanto ao mérito
88 Segundo jurisprudência assente, a responsabilidade da Comunidade pressupõe a reunião de várias condições respeitantes à ilegalidade do comportamento imputado às instituições, à realidade do prejuízo e à existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo alegado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Fevereiro de 1994, Latham/Comissão, T‑82/91, ColectFP, pp. I‑A‑15 e II‑61, n.° 72, e de 21 de Fevereiro de 1995, Moat/Comissão, T‑506/93, ColectFP, pp. I‑A‑43 e II‑147, n.° 46).
89 Antes de mais, há que determinar se a Comissão cometeu uma ilegalidade susceptível de determinar a sua responsabilidade, analisando os diferentes fundamentos invocados pelo recorrente seguindo a ordem cronológica dos factos a que se referem.
1. Quanto às faltas imputadas à Comissão
a) Quanto ao terceiro fundamento, relativo à inconsistência das acusações feitas ao recorrente e às faltas cometidas pela sua hierarquia
Argumentos das partes
90 No âmbito do seu terceiro fundamento, o recorrente sustenta que o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» cometeu uma falta de extrema gravidade ao transmitir ao OLAF um dossier incriminatório contra a representação da Comissão em Paris, apesar de as condições do artigo 2.°, n.° 2, da Decisão 1999/396 não estarem satisfeitas.
91 Segundo o recorrente, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» não dispunha de elementos de facto suficientes para informar o OLAF em aplicação da disposição acima referida. Alega que esta coloca uma exigência de materialidade, a fim de evitar que acusações sem fundamento sejam erradamente formuladas em relação a funcionários não directamente ou apenas indirectamente implicados em casos de fraude.
92 O recorrente alega, além disso, que a DG «Imprensa e comunicação», por um lado, transmitiu ao OLAF informações erradas no que respeita à responsabilidade da representação da Comissão em Paris no acompanhamento das pretensas irregularidades do Info‑Point Europe d’Avignon, e, por outro, ocultou, voluntariamente ou por negligência, documentos utilizados contra si. Nos termos em que foram apresentadas ao OLAF, as alegações da DG «Imprensa e comunicação» tiveram um carácter calunioso e difamatório.
93 A Comissão considera que a sua decisão de informar o OLAF das suspeitas de irregularidades no Info‑Point Europe d’Avignon era legítima e necessária. Sublinha que há que apreciar essa decisão colocando‑se na data em que a mesma foi adoptada e que esta não pode ser criticada à luz do resultado final do inquérito.
94 A Comissão sustenta que o artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão 1999/396 não impõe ao secretário‑geral, aos directores‑gerais nem aos chefes de serviço da Comissão a obrigação de apreciar a pertinência ou a força probatória dos elementos de facto de que têm conhecimento antes de os transmitirem ao OLAF, mas que essa disposição os submete, pelo contrário, a uma obrigação absoluta. No âmbito da aplicação dessa disposição, a única hipótese em que seria possível equacionar a existência de uma falta de serviço susceptível de dar lugar a reparação seria a de uma instituição ter a intenção de prejudicar um funcionário ou um agente. Ora, a Comissão considera que o recorrente não provou, em nenhum momento, essa intenção de prejudicar, e contesta formalmente a existência de tal intenção.
Apreciação do Tribunal
95 A apreciação do terceiro fundamento, que diz respeito ao comportamento da Comissão na origem da intervenção do OLAF, remete para uma dupla questão. Por um lado, importa determinar se o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» cometeu uma falta de serviço, ao comunicar ao OLAF, por nota de 6 de Novembro de 2002, os elementos de facto de que teve conhecimento. Por outro, importa analisar se algumas disfunções alegadamente existentes no sistema de comunicação interna da Comissão, que podem ter contribuído para a intervenção do OLAF e para a abertura do inquérito, são susceptíveis de constituir uma falta de serviço susceptível de desencadear a responsabilidade da instituição. Com efeito, a responsabilidade extracontratual da Comunidade pode ser desencadeada não só em razão dos actos dos seus agentes, como um director‑geral, mas também devido à organização insuficiente dos seus serviços (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1959, F.E.R.A.M./Alta Autoridades, 23/59, Recueil, p. 501, 517, Colect., p. 361).
– Quanto à informação do OLAF
96 As teses do recorrente e da Comissão divergem quanto ao alcance do poder de apreciação de que dispõem o secretário-geral, os directores-gerais e os chefes de serviço da Comissão, referidos no artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396. Com efeito, segundo o recorrente, estas autoridades devem dispor de elementos materiais suficientes para informar o OLAF. Na falta desses elementos, existe responsabilidade da instituição por falta de serviço. Em contrapartida, a Comissão sustenta que a obrigação de informar o OLAF é uma obrigação absoluta e que só na hipótese de uma instituição ter a intenção de prejudicar um funcionário é possível considerar que existe falta de serviço susceptível de dar lugar a reparação.
97 Importa, pois, a título liminar, determinar o alcance do poder de apreciação de que dispõem o secretário-geral, os directores‑gerais e os chefes de serviço da Comissão, referidos no artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão 1999/396.
98 A redacção imperativa do artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão n.° 1999/396, que remete quanto a este ponto para o primeiro parágrafo do mesmo artigo, deixa entender que o secretário-geral, os directores-gerais e os chefes de serviço da Comissão têm a obrigação de informar imediatamente o OLAF quando tenham conhecimento de «elementos de facto que levem à suspeita de eventuais casos de fraude, de corrupção ou de qualquer outra actividade ilegal lesiva dos interesses das Comunidades, ou de factos graves, ligados ao exercício de actividades profissionais, que possam constituir incumprimento das obrigações dos funcionários e agentes das Comunidades, susceptível de processos disciplinares e eventualmente penais, […]». Todavia, a utilização pelo legislador do termo «suspeita» implica necessariamente que as autoridades referidas nessa disposição procedem a uma apreciação mínima sobre a pertinência dos elementos de facto de que têm conhecimento relativamente a uma possível irregularidade e confere‑lhes, portanto, um certo poder de apreciação.
99 Para decidir sobre a responsabilidade extracontratual da Comunidade, importa determinar se, ao comunicar ao OLAF, por nota de 6 de Novembro de 2002, os elementos de facto de que tinha conhecimento e que deixavam presumir a existência de irregularidades como as referidas no artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão n.° 1999/396, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» não violou de forma manifesta e grave os limites impostos a esse poder de apreciação (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 2006, Camós Grau/Comissão, T‑309/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 104).
100 No caso vertente, há que ter em consideração que, à época, existia um conjunto de elementos que justificavam que o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» transmitisse ao OLAF as informações de que tinha conhecimento.
101 Por um lado, o relatório da auditoria de 27 de Novembro de 2000 e a nota de inspecção complementar de 6 de Dezembro seguinte revelaram a existência de um risco de projectos fictícios na Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse.
102 Por outro lado, as relações profissionais entre o recorrente e o presidente da Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse, P., suspeito de estar na origem das fraudes observadas no âmbito da gestão dessa Maison de l’Europe, mereciam ser exploradas; a este respeito, importa salientar a reacção equívoca do recorrente face às advertências provenientes da representação da Comissão em Marselha e, em particular, as afirmações que proferiu, segundo as quais a Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse era «conhecida pelo seu profissionalismo», tinha «uma reputação incontestável na sua região e era capaz de realizar projectos importantes tendo, no passado, acolhido, vários membros da Comissão» (v. nota à atenção de C., de 4 de Março de 2002, assinada pelo recorrente, e nota à atenção de C., de 19 de Abril de 2002, não assinada, em papel timbrado da representação da Comissão em França, ambas apresentadas pela Comissão a pedido do Tribunal no âmbito das medidas de organização do processo).
103 Por último, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» tinha recebido de funcionários da sua direcção‑geral que desejam manter o anonimato mas que declarou conhecer bem, denúncias precisas e circunstanciadas de irregularidades relativas, designadamente, às relações entre o recorrente e o presidente da Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse, à atribuição de subsídios para projectos fictícios nessa Maison de l’Europe, à gestão do agrupamento de interesse económico Sources d’Europe e a favoritismo no âmbito de concursos públicos.
104 Tendo em conta o conjunto destas circunstâncias, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» podia razoavelmente considerar‑se na obrigação de informar imediatamente o OLAF dos elementos de facto de que tinha conhecimento, para que este procedesse a um inquérito, única diligência susceptível de verificar o bem‑fundado das alegações de fraudes.
105 Assim, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» não violou os limites impostos ao seu poder de apreciação ao comunicar ao OLAF, por nota de 6 de Novembro de 2002, os elementos de facto de que tinha conhecimento, os quais levavam à suspeita da existência de irregularidades como as referidas no artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396.
– Quanto às disfunções observadas no sistema de comunicação interna da Comissão
106 O relatório do OLAF revelou a existência de disfunções no sistema de comunicação interna da Comissão, que podem ter tido consequências desfavoráveis para o recorrente.
107 Com efeito, uma nota de 6 de Dezembro de 2000, sobre as inspecções efectuadas em complemento do relatório de auditoria de 27 de Novembro de 2000 e na qual se mencionava a existência de um risco de projectos fictícios na Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse, não foi transmitida à representação da Comissão em Paris pelos serviços da DG «Imprensa e comunicação» em Bruxelas. Segundo o relatório do OLAF, «o facto de a sede não ter transmitido à representação a nota de inspecção complementar de 6 de Dezembro de 2000 contribuiu, assim, indirectamente para aumentar as suspeitas do OLAF a respeito do recorrente e do seu adjunto».
108 Por outro lado, o director‑geral da DG «Educação e cultura» e o chefe do serviço «Imprensa e comunicação», na nota assinada por ambos em 21 de Março de 2001, tinham indicado que, paralelamente à informação que transmitiam ao director‑geral do OLAF mediante essa nota, tinham convidado o chefe da representação da Comissão em França e o chefe da unidade responsável pelas Maisons de l’Europe e pelos Info‑Points Europe a «apresentarem um relatório» sobre os elementos de que possam ter tido conhecimento e que fossem susceptíveis de esclarecer o assunto. Por alguma razão, que a Comissão não explicou, esse convite nunca chegou ao recorrente. O relatório final do inquérito do OLAF sublinha que «em vez desse relatório comum esperado pelo OLAF como elemento complementar importante no prosseguimento do seu inquérito externo, a DG ‘Imprensa e comunicação’ transmitiu[‑lhe] em Novembro de 2001 duas notas confidenciais redigidas e assinadas pela representação da [Comissão em] Paris mas que expressavam igualmente o ponto de vista da unidade ‘Imprensa’ [dessa DG]».
109 Todavia, ainda que essas disfunções no sistema interno de comunicação da Comissão tenham efectivamente podido agravar de uma forma injustificada as suspeitas do OLAF em relação ao recorrente, existia à época um conjunto de outros elementos graves e concordantes que justificavam, por si sós, a abertura de um inquérito.
110 Por um lado, as denúncias explícitas recebidas pelo director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» fornecidas por certos funcionários continham alegações de fraudes precisas e circunstanciadas. Por outro, o relatório da auditoria de 27 de Novembro de 2000 e a nota de inspecção complementar de 6 de Dezembro seguinte revelaram a existência de deficiências contabilísticas e de um risco de projectos fictícios na Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse.
111 As disfunções observadas no sistema interno de comunicação da Comissão não tiveram, pois, uma relação de causa e efeito determinante na abertura do inquérito do OLAF. Por conseguinte, não parecem susceptíveis de determinar a responsabilidade extracontratual da Comissão por falta de serviço.
112 Daqui resulta que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.
b) Sobre o primeiro fundamento, relativo ao carácter abusivo e injustificado da decisão de reafectação a Bruxelas
Argumentos das partes
113 No âmbito deste fundamento, o recorrente critica a adopção e as modalidades de execução da decisão de 19 de Novembro de 2002 que o reafectaram imediatamente a Bruxelas. Segundo o recorrente, a Comissão cometeu uma falta grave ao adoptar essa decisão, que padece de várias irregularidades: não está suficientemente fundamentada, não foi adoptada no interesse do serviço, é desproporcionada em relação aos factos alegados e constitui uma sanção que viola a presunção de inocência. Além disso, o recorrente salienta a falta de assistência da Comissão para com ele aquando da decisão de 23 de Janeiro de 2003 que o reafectou à representação em Paris. Na sua réplica, o recorrente salientou igualmente que os elementos dos autos convergiam e demonstravam uma intenção de prejudicar por parte da Comissão, em resposta ao argumento desta última segundo o qual só seria possível admitir a existência de uma falta de serviço passível de dar lugar a indemnização na hipótese de haver uma intenção de prejudicar, cuja existência é contestada no caso vertente. Na audiência, o recorrente indicou, todavia, que desistia das suas alegações relativas a essa intenção, mas que considerava que tinha sido cometida uma falta grave na adopção dessa medida de reafectação.
114 Em primeiro lugar, o recorrente alega que a decisão de reafectação a Bruxelas constitui um acto que o lesou e que, por conseguinte, devia ter sido fundamentada, em conformidade com o disposto no artigo 25.°, segundo parágrafo, do Estatuto. Ora, a única indicação constante da nota de 29 de Novembro de 2002 que acompanhava a decisão de reafectação, segundo a qual a referida reafectação tinha sido decidida para «facilitar a boa marcha do inquérito», não constitui uma fundamentação suficiente. O argumento da Comissão segundo o qual essa decisão ocorreu num contexto conhecido do recorrente não é pertinente no caso vertente, uma vez que o relatório final do inquérito do OLAF demonstra que os serviços da DG «Imprensa e comunicação» com sede em Bruxelas mantiveram o recorrente na ignorância de certos factos observados na Info‑Point Europe d’Avignon.
115 Em segundo lugar, o recorrente sublinha que a medida de reafectação de que foi objecto derrogou totalmente as regras habituais de rotação e, por conseguinte, não podia ser equiparada a uma mera reafectação no interesse do serviço.
116 Em terceiro lugar, alega que essa medida de reafectação é desproporcionada em relação aos factos alegados. Sublinha, designadamente, que a proposta que fez à Comissão de tirar uma licença sem vencimento enquanto durasse o inquérito do OLAF teria igualmente sido conforme ao interesse do serviço e, ao mesmo tempo, mais respeitadora dos seus interesses.
117 Em quarto lugar, observa que uma medida de reafectação baseada exclusivamente numa presunção de implicação num caso de fraude não é compatível com o princípio da presunção da inocência nem com o Regulamento n.° 1073/1999, que dispõe no seu considerando 10 que os inquéritos devem ser conduzidos «no respeito do Estatuto […], bem como no pleno respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, em particular do princípio da equidade, do direito da pessoa implicada a expressar‑se sobre os factos que lhe dizem respeito». Sustenta que essa reafectação brusca se assemelhou a uma sanção desproporcionada em relação aos factos alegados, na medida em que só tardiamente foi apresentado como uma medida de natureza cautelar.
118 Por último, o recorrente critica a falta de assistência da Comissão para com ele no momento de reassumir as suas funções em Paris e da apresentação do relatório final do inquérito do OLAF. Alega que a decisão de reafectação na qualidade de chefe da representação da Comissão em Paris, anunciada publicamente em 20 de Dezembro de 2002 numa conferência de imprensa dada pelo porta‑voz da Comissão, só foi assinada pelo director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» em 20 de Janeiro de 2003. Além disso, essa reafectação não foi acompanhada de publicidade adequada, na medida em que, na referida conferência de imprensa, o porta‑voz da Comissão teve o cuidado de sublinhar que o inquérito ainda não estava terminado, convidando os jornalistas a tratar o caso com prudência. Finalmente, o recorrente alega que a breve declaração de simpatia do porta‑voz da Comissão, feita casualmente em resposta a uma pergunta de um jornalista, em 17 de Junho de 2003, não compensa a não difusão de um comunicado de imprensa na sequência da apresentação do relatório final do inquérito do OLAF, que devia ter sido a contrapartida justa do comunicado de 21 de Novembro de 2002.
119 A Comissão contesta que tenha cometido qualquer falta e considera que a decisão de reafectação do recorrente a Bruxelas foi suficientemente fundamentada, foi adoptada no interesse do serviço, foi proporcionada em relação aos factos alegados, constitui uma medida cautelar destinada a assegurar a boa marcha do inquérito, e não era susceptível de violar o princípio da presunção de inocência.
120 A Comissão salienta que essa decisão foi adoptada com base no artigo 7.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Estatuto, na sua redacção aplicável aos factos controvertidos, que previa a possibilidade de a AIPN afectar um funcionário, mediante nomeação ou transferência, no interesse exclusivo do serviço, num lugar correspondente à sua categoria ou ao seu grau. No que respeita ao argumento segundo o qual a reafectação do recorrente derrogou totalmente as regras habituais de rotação, a Comissão responde que a situação não se prestava a uma rotação habitual. Com efeito, uma vez que a situação em causa era excepcional, podia exigir uma resposta igualmente excepcional.
121 No que respeita à acusação de que a medida de reafectação do recorrente a Bruxelas violou o princípio da proporcionalidade, a Comissão alegou, na audiência, que neste caso nenhuma outra medida era possível. No que se refere mais precisamente ao argumento segundo qual aceitar a proposta do recorrente de «tirar uma licença sem vencimento» enquanto durasse o inquérito teria sido uma medida igualmente conforme ao interesse do serviço e, ao mesmo tempo, mais respeitadora dos interesses do interessado, a Comissão observou na audiência que o artigo 62.° do Estatuto impede um funcionário de renunciar ao seu direito de receber a remuneração correspondente ao seu grau e ao seu escalão. Acrescentou igualmente que confiar ao recorrente uma missão em Bruxelas também não era uma solução possível no caso. Com efeito, o que caracteriza uma missão é a sua curta duração. Ora, no momento da adopção da medida de reafectação do recorrente a Bruxelas, não era possível prever a duração do inquérito do OLAF. Além disso, uma missão teria apresentado o inconveniente de gerar despesas suplementares a cargo da instituição.
122 No que respeita à acusação relativa a uma violação do princípio da presunção de inocência, a Comissão alega que a argumentação do recorrente não se baseia nos factos, na medida em que o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» e porta‑voz da Comissão recordou em várias ocasiões que o interessado continuava a beneficiar desse princípio. A Comissão sustenta igualmente que essa argumentação é juridicamente infundada, invocando o artigo 23.° do anexo IX do Estatuto, que prevê a possibilidade de suspender um funcionário, até que esteja concluído o processo disciplinar. Essa suspensão não constitui uma sanção, mas uma mera medida cautelar, que não viola a presunção de inocência. O que se aplica a uma medida de suspensão impõe‑se a fortiori no caso de uma simples reafectação, sem suspensão, pelo tempo necessário para realizar uma fase curta de um inquérito. Segundo a Comissão, a presunção de inocência não pode impedir a adopção de medidas cautelares destinadas a assegurar a serenidade, a objectividade e a eficácia de um inquérito.
123 A título mais geral, a Comissão observa igualmente que uma decisão administrativa deve ser apreciada exclusivamente em função das circunstâncias conhecidas à época dos factos. Ora, no momento dos factos controvertidos, não existia nenhuma razão para o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» não seguir as recomendações do OLAF no sentido de afastar o recorrente da representação da Comissão em Paris durante a fase de inquérito em causa.
Apreciação do Tribunal
124 No âmbito da argumentação desenvolvida no primeiro fundamento, o recorrente formula, em substância, três acusações. As duas primeiras acusações são dirigidas contra a decisão de reafectação de 19 de Novembro de 2002 e dizem respeito, por um lado, à insuficiência da sua fundamentação e, por outro, a violações do interesse do serviço, do princípio da proporcionalidade e do princípio do respeito da presunção de inocência que viciam essa decisão. No âmbito da terceira acusação, o recorrente sustenta que a Comissão violou o seu dever de assistência, por um lado, quando o reintegrou nas suas funções precedentes em Paris e, por outro, no momento da conclusão do relatório final do inquérito do OLAF. A acusação relativa à violação do dever de assistência no momento da conclusão do relatório final do inquérito do OLAF será abordada no âmbito do segundo fundamento.
– Quanto à acusação relativa à insuficiência de fundamentação da decisão de reafectação a Bruxelas
125 As dúvidas manifestadas pela Comissão quanto à admissibilidade do pedido de indemnização no seu conjunto, pelo facto de o recorrente não ter impugnado a decisão de reafectação que o lesou nos termos do procedimento previsto pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, devem ser interpretadas como uma contestação da admissibilidade das acusações dirigidas contra a referida decisão de reafectação.
126 Não obstante esse facto, no caso vertente não há que decidir sobre a admissibilidade da acusação relativa à insuficiência de fundamentação da referida decisão, na medida em que essa acusação é desprovida de fundamento.
127 Com efeito, segundo jurisprudência assente, o dever de fundamentação previsto no artigo 25.°, segundo parágrafo, do Estatuto, que apenas constitui a reprodução do dever geral estabelecido no artigo 253.° CE, tem por objectivo, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente para apreciar o bem‑fundado do acto que o lesa e a oportunidade de interpor um recurso no Tribunal e, por outro, permitir a este último exercer a sua fiscalização da legalidade do acto. Daqui resulta que este dever de fundamentação constitui um princípio essencial do direito comunitário, que só pode ser derrogado em virtude de considerações imperiosas (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 1991, Pérez‑Mínguez Casariego/Comissão, T‑1/90, Colect., p. II‑143, n.° 73, e de 6 de Julho de 2004, Huygens/Comissão, T‑281/01, ColectFP, pp. I‑A‑203 e II‑903, n.° 105).
128 O alcance do dever de fundamentação deve, em cada caso, ser analisado em função das circunstâncias concretas, nomeadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que o destinatário pode ter em receber explicações (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2002, Morello/Comissão, T‑135/00, ColectFP, pp. I‑A‑265 e II‑1313, n.° 28). Em particular, uma decisão está suficientemente fundamentada desde que seja adoptada num contexto conhecido do funcionário em causa que lhe permita compreender o alcance da medida adoptada a seu respeito (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1995, Ojha/Comissão, T‑36/93, ColectFP, pp. I‑A‑161 e II‑497, n.° 60, e de 1 de Abril de 2004, N/Comissão, T‑198/02, ColectFP, pp. I‑A‑115 e II‑507, n.° 70).
129 A jurisprudência precisa igualmente que uma decisão que implique a deslocação de um funcionário contra a sua vontade constitui um acto lesivo na acepção do artigo 25.°, segundo parágrafo, do Estatuto e deve, portanto, ser fundamentado (acórdãos Ojha/Comissão, já referido, n.° 42, e do Tribunal de primeira Instância de 23 de Novembro de 1999, Sabbioni/Comissão, T‑129/98, ColectFP, pp. I‑A‑223 e II‑1139, n.° 28).
130 No caso vertente, a nota de 19 de Novembro de 2002 que comunicava ao recorrente a decisão de reafectação a Bruxelas indicava que essa decisão tinha sido adoptada no interesse do serviço e de modo a facilitar a boa marcha do inquérito que acabava de ser aberto pelo OLAF relativo ao funcionamento da representação da Comissão em Paris. Essa nota indicava igualmente ao recorrente que a sua afectação precisa lhe seria comunicada nos dias seguintes.
131 Antes da comunicação da decisão de 19 de Novembro de 2002, o director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» tinha informado o recorrente da abertura do inquérito do OLAF, mediante uma nota de 15 de Novembro de 2002, e no dia 18 do mesmo mês tinha tido lugar um encontro entre os dois em Bruxelas.
132 Daqui resulta que, ao indicar na nota de 19 de Novembro de 2002 que a decisão de reafectação tinha sido adoptada para facilitar a boa marcha do inquérito, num contexto de que o recorrente tinha sido informado e em que tinha discutido com ele num encontro, a AIPN deu ao recorrente uma indicação suficiente para permitir, por um lado, ao interessado apreciar o bem‑fundado dessa decisão e, por outro, ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade.
133 A acusação relativa à insuficiência de fundamentação da decisão de reafectação de 19 de Novembro de 2002 é, pois, desprovida de fundamento.
– Quanto às acusações relativas à violação do interesse do serviço, do princípio da proporcionalidade e do princípio da presunção de inocência
134 À semelhança da acusação relativa a uma insuficiência de fundamentação de decisão de 19 de Novembro de 2002, não há que conhecer do mérito da contestação implícita, por parte da Comissão, da admissibilidade destas acusações, na medida em que de qualquer modo, estas carecem de fundamento.
135 A título liminar, importa recordar que, embora seja verdade que a administração tem todo o interesse em afectar os funcionários em função das suas aptidões e das preferências pessoais, não se pode, todavia, reconhecer aos funcionários o direito de exercer ou de conservar funções específicas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2001, Campoli/Comissão, T‑100/00, ColectFP, pp. I‑A‑71 e II‑347, n.° 71). Por conseguinte, apesar de o Estatuto, em particular o seu artigo 7.°, não prever expressamente a possibilidade de «reafectar» um funcionário, resulta de jurisprudência assente que as instituições comunitárias dispõem de um amplo poder de apreciação na organização dos respectivos serviços em função das missões que lhes são confiadas e, em atenção a estas, na colocação do pessoal à sua disposição, na condição, no entanto, de que tal afectação se faça no interesse do serviço e no respeito da equivalência dos lugares (acórdãos da do Tribunal de Justiça de 23 de Março de 1988, Hecq/Comissão, 19/87, Colect., p. 1681, e de 12 de Novembro de 1996, Ojha/Comissão, C‑294/95 P, Colect., p. I‑5863).
136 Tendo em conta o alcance do poder de apreciação de que dispõem as instituições para avaliar o interesse do serviço, o Tribunal deve limitar‑se a verificar se a AIPN se manteve dentro de limites não criticáveis e se não usou o seu poder de apreciação de modo manifestamente errado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Dejaiffe/IHMI, T‑223/99, ColectFP, pp. I‑A‑277 e II‑1267, n.° 53, e de 21 de Setembro de 2004, Soubies/Comissão, T‑325/02, ColectFP, pp. I‑A‑241 e II‑1067, n.° 50).
137 Segundo jurisprudência igualmente assente, embora o dever de assistência da administração em relação aos seus agentes reflicta o equilíbrio existente entre os direitos e as obrigações recíprocos criados pelo Estatuto nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público, as exigências desse dever não podem impedir a AIPN de adoptar as medidas que julgue necessárias no interesse do serviço, visto que o preenchimento dos lugares deve ter em conta, em primeiro lugar, o interesse do serviço (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Dezembro de 1993, Turner/Comissão, T‑80/92, Colect., p. II‑1465, n.° 77, e de 24 de Novembro de 2005, Marcuccio/Comissão, T‑236/02, ColectFP, pp. I‑A‑365 e II‑1621, n.° 129).
138 É à luz destes princípios e no âmbito da fiscalização limitada que conferem ao Tribunal que há que examinar as acusações do recorrente baseadas em violações do interesse do serviço, do princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência.
139 No que respeita à acusação segundo a qual a decisão de reafectação de 19 de Novembro de 2002 é contrária ao interesse do serviço, importa recordar, quanto ao contexto factual do caso vertente, que o inquérito interno aberto pelo OLAF dizia respeito a possíveis irregularidades na DG «Imprensa e comunicação», mais precisamente na representação da Comissão em Paris, e que o recorrente assumia uma posição dirigente nessa representação. Além disso, a sua reafectação durante o período do inquérito resultava de uma recomendação do director‑geral do OLAF destinada a impedi‑lo, bem como ao seu adjunto, de aceder aos escritórios da representação durante o período considerado, a fim de assegurar a boa marcha desse inquérito.
140 Segundo a jurisprudência, a serenidade e a boa marcha de investigações desse tipo podem, enquanto se aguarda o seu resultado, justificar uma decisão de reafectação (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2007, Clotuche/Comissão, T‑339/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 69, e Caló/Comissão, T‑118/04 e T‑134/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 113).
141 O objectivo prosseguido pela medida impugnada pelo recorrente obedece, pois, a um interesse do serviço. Contudo, há ainda que determinar se os meios utilizados para atingir esse objectivo legítimo respeitaram as exigências do princípio da proporcionalidade.
142 A este respeito e tendo em conta o amplo poder de apreciação de que dispõe a instituição para avaliar o interesse do serviço, há que declarar que a reafectação do interessado a Bruxelas, durante o período de inquérito do OLAF na representação da Comissão em Paris, não é manifestamente desproporcionada relativamente ao objectivo prosseguido pela medida, a saber, evitar qualquer risco de conflito de interesses e assegurar a boa marcha do inquérito. O facto de outras opções, ou seja, aceitar a proposta do recorrente de tirar uma licença sem vencimento ou de lhe ser confiada outra missão, poderem ter sido igualmente conformes ao interesse do serviço e, ao mesmo tempo, mais respeitadoras dos interesses do interessado, não é suficiente, por si só, para tornar desproporcionada a referida medida de reafectação.
143 No que respeita à acusação relativa a uma violação do princípio da presunção de inocência, importa declarar que a medida de reafectação do recorrente a Bruxelas não tinha por objectivo sancioná-lo, mas constituía uma medida cautelar, cuja duração estava limitada à duração do inquérito do OLAF nas instalações da representação da Comissão em Paris.
144 Além disso, há que recordar que, segundo a jurisprudência, dificuldades relacionais internas ou externas, quando causem tensões prejudiciais ao bom funcionamento do serviço, podem justificar a reafectação de um funcionário no interesse do serviço. Tal medida pode mesmo ser adoptada independentemente da responsabilidade pelos incidentes em causa (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Julho de 1979, List/Comissão, 124/78, Colect., p. 2499, n.° 13, e Ojha/Comissão, já referido, n.° 41). Ora, há que considerar que, se o interesse do serviço justifica a reafectação de um funcionário para pôr termo a um conflito puramente interno que perturba o bom funcionamento do serviço, e isto sem que se demonstre qualquer responsabilidade imputável ao funcionário reafectado, este mesmo interesse justifica igualmente a adopção de uma medida destinada a permitir que um inquérito se realize sem perturbações, igualmente sem que se impute qualquer responsabilidade relativamente às questões objecto de inquérito ao funcionário reafectado (acórdãos Clotuche/Comissão, já referido, n.° 71, e Caló/Comissão, já referido, n.° 109).
145 Por último, importa igualmente sublinhar que a legalidade de um acto individual deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data em que o acto foi adoptado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Junho de 2003, Del Vaglio/Comissão, T‑124/01 e T‑320/01, ColectFP, pp. I‑A‑157 e II‑767, n.° 77). Por conseguinte, os elementos que o inquérito revelou posteriormente à adopção da decisão de reafectação e que ilibaram o recorrente não podem afectar a legalidade da referida decisão, uma vez que o próprio objecto do inquérito bem como as medidas adoptadas para assegurar a sua serenidade e o seu bom desenrolar consistia em determinar se as suspeitas iniciais eram fundadas.
146 Nestas circunstâncias, há que declarar que a Comissão não excedeu os limites do amplo poder de apreciação de que dispõe na matéria ao considerar que a serenidade e a boa marcha do inquérito do OLAF e, designadamente, as audições dos membros da representação da Comissão em Paris, seriam asseguradas mais eficazmente se o recorrente não conservasse as suas funções durante o inquérito na referida representação. Assim, a partir do momento em que a Comissão constatou que a situação preexistente podia revelar‑se prejudicial à boa marcha das investigações decididas pelo OLAF, podia legitimamente considerar, em aplicação do seu amplo poder de apreciação, que o interesse do serviço justificava uma medida de reafectação do recorrente (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Abril de 2002, Fronia/Comissão, T‑51/01, ColectFP, pp. I‑A‑43 e II‑187, n.° 55, Clotuche/Comissão, já referido, n.° 76, e Caló/Comissão, já referido, n.° 114).
147 Consequentemente, as acusações segundo as quais a decisão de reafectação controvertida viola o interesse do serviço, o princípio da proporcionalidade e o princípio da presunção de inocência carecem de fundamento.
– Quanto à acusação relativa à violação do dever de assistência na reintegração do recorrente nas suas funções em Paris
148 No que respeita ao comportamento não decisório da Comissão relativo às modalidades de reintegração do recorrente nas suas funções na representação em Paris, há que declarar que foi por intermédio da imprensa que o recorrente teve conhecimento, em primeiro lugar, da revogação da medida cautelar de reafectação de que tinha sido objecto. Com efeito, o facto de já nada se opor à revogação da referida medida foi anunciado publicamente numa conferência de imprensa dada por F., na qualidade de porta‑voz da Comissão, em 20 de Dezembro de 2002, antes de ser comunicada individualmente ao recorrente em 6 de Janeiro de 2003, num encontro com F., dessa vez na qualidade de director‑geral da DG «Imprensa e comunicação». Entretanto, a imprensa francesa tinha feito eco da revogação dessa medida cautelar. A decisão que reintegrou o recorrente nas suas funções na representação da Comissão em Paris só foi assinada pelo director‑geral da DG «Imprensa e comunicação» em 20 de Janeiro de 2003, com efeitos retroactivos a 19 de Dezembro de 2002. A justificação dada pela Comissão equivale a afirmar que bastava ao recorrente ler a imprensa para saber que já nada se opunha à revogação pela AIPN da medida cautelar de que tinha sido objecto.
149 Ao agir desse modo, a Comissão violou o interesse legítimo do recorrente em ser informado directamente pela AIPN, e não pela imprensa, de uma evolução decisiva da sua situação profissional. Por conseguinte, esse comportamento não respeitou o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocas que o Estatuto criou entre a autoridade pública e os agentes do serviço público e é, por conseguinte, constitutivo de uma violação do dever de assistência da Comissão em relação ao recorrente.
150 Daqui resulta que o primeiro fundamento deve ser acolhido no que se refere à acusação relativa a uma violação do dever de assistência no momento da reintegração do recorrente nas suas funções em Paris, e julgado improcedente quanto ao mais.
c) Quanto ao segundo fundamento, relativo à inobservância da confidencialidade do inquérito
Argumentos das partes
151 O recorrente considera que a Comissão violou o princípio da confidencialidade dos inquéritos do OLAF e que deu à reafectação de que foi objecto uma publicidade inadequada, mediante o seu comunicado de imprensa de 21 de Novembro de 2002 e as declarações do seu porta‑voz na conferência de imprensa do mesmo dia. Sustenta, além disso, que nessa mesma conferência de imprensa o referido porta‑voz fez afirmações públicas susceptíveis de prejudicar a sua reputação.
152 Segundo o recorrente, o comunicado de imprensa de 21 de Novembro de 2002, difundido junto de várias centenas de jornalistas, não teve precedentes e permitiu aos destinatários identificar muito rapidamente os funcionários em causa, tendo em conta a visibilidade dos seus lugares. Esta mediatização inabitual violou o princípio da confidencialidade dos inquéritos do OLAF, previsto no artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999.
153 O recorrente alega igualmente que, ao afirmar erradamente, na conferência de imprensa de 21 de Novembro de 2002, que a gestão dos subsídios controvertidos das Maisons de l’Europe dependia das representações, o porta‑voz da Comissão fez publicamente uma afirmação caluniosa e difamatória, susceptível de lhe atribuir responsabilidades e até a sua cumplicidade, enquanto chefe da representação da Comissão em Paris, nas fraudes alegadas.
154 Segundo o recorrente, essas diferentes afirmações levaram à publicação de um artigo devastador para si no jornal Le Monde de 23 de Novembro 2002.
155 A Comissão contesta ter violado o princípio da confidencialidade dos inquéritos do OLAF e alega que os seus representantes nunca divulgaram o nome do recorrente, tendo sido os jornalistas que tomaram a iniciativa de o fazer. Precisa que o comunicado de imprensa de 21 de Novembro de 2002 foi publicado, entre outros, no interesse do recorrente, de modo a não deixar margem para possíveis especulações e rumores que poderiam ter nascido em razão do interesse que os jornalistas demonstraram pelos factos controvertidos.
156 Além disso, a Comissão nega a existência de qualquer declaração susceptível de prejudicar a reputação do recorrente e precisa que o seu porta‑voz nunca deixou de entender abusivamente, na conferência de imprensa de 21 de Novembro de 2002, que o recorrente era responsável pelo conjunto das despesas realizadas em França, e, designadamente, das despesas relativas à Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse.
157 Em termos mais gerais, a Comissão sustenta que os seus representantes não fazem desencadear a responsabilidade da instituição quando se exprimem sobre factos públicos objecto de questões, desde que o façam com todas as reservas adequadas, o que foi o caso das conferências de imprensa de Novembro e Dezembro de 2002.
158 Por último, a Comissão sublinha que o recorrente beneficiou de uma publicidade adequada tanto no momento da sua reafectação a Paris como na sequência do relatório final do inquérito do OLAF, através das conferências de imprensa de 20 de Dezembro de 2002 e 17 de Junho de 2003.
Apreciação do Tribunal
159 No âmbito da argumentação desenvolvida no segundo fundamento, o recorrente formula, em substância, três acusações, relativas, respectivamente, à violação do dever de confidencialidade dos inquéritos do OLAF, ao carácter inadequado da publicidade dada à reafectação de que foi objecto e à existência de declarações caluniosas e difamatórias a seu respeito por parte do porta‑voz da Comissão na conferência de imprensa de 21 de Novembro de 2002. No âmbito do primeiro fundamento, o recorrente sustenta, além disso, que a Comissão violou o seu dever de assistência no momento da apresentação do relatório final do OLAF.
160 Há que examinar conjuntamente as acusações relativas à violação do dever de confidencialidade dos relatórios do OLAF, ao carácter inadequado da publicidade dada à reafectação de que o recorrente foi objecto bem como à violação do dever de assistência no momento da apresentação do relatório final do inquérito do OLAF, na medida em que estão estreitamente relacionados.
– Quanto às acusações relativas à violação do dever de confidencialidade dos inquéritos do OLAF, ao carácter inadequado da publicidade dada à reafectação de que o recorrente foi objecto e a uma violação do dever de assistência no momento da apresentação do relatório final do inquérito do OLAF
161 O artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999 define em traços largos uma regra de confidencialidade dos inquéritos do OLAF. Esta regra deve ser interpretada no seu contexto e, em especial, à luz do considerando 10 desse mesmo regulamento, que dispõe que os inquéritos do OLAF devem ser conduzidos no pleno respeito das liberdades fundamentais. Consequentemente, a referida regra não deve ser interpretada no sentido de que visa unicamente proteger a confidencialidade das informações que se destinam a apurar a verdade, devendo considerar‑se que tem igualmente por finalidade salvaguardar a presunção de inocência e, como tal, a reputação dos funcionários ou agentes objecto desses inquéritos.
162 Além disso, importa sublinhar que a boa marcha de um inquérito pode implicar que as suas especificidades permaneçam confidenciais e que as pessoas visadas pelas investigações não tenham conhecimento da sua existência. O artigo 4.°, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396 prevê, assim, a possibilidade de um funcionário não ser informado da sua possível implicação nos factos objecto de inquérito, se tal puder prejudicar a investigação. Para além da protecção específica garantida pelo artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999, tanto o princípio da boa administração como o dever de assistência, bem como o respeito das prorrogativas de inquérito conferidas a um órgão independente como é o OLAF, justificam que a instituição a que pertence o funcionário em causa demonstre a maior prudência e descrição na publicidade dada a alegações ou suspeitas de fraude. Essas considerações são ainda mais exigíveis, em especial tendo em conta o direito de qualquer pessoa à presunção da inocência, em situações em que um inquérito do OLAF ainda não tenha chegado a nenhuma conclusão.
163 O dever de assistência implica que quando se pronuncia sobre a situação de um funcionário, a autoridade tome em consideração o conjunto dos elementos susceptíveis de determinar a sua decisão e que, ao fazê‑lo, atenda não apenas ao interesse do serviço mas também ao interesse do funcionário em causa (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 2003, Chawdhry/Comissão, T‑133/02, ColectFP, pp. I‑A‑329 e II‑1617, n.° 107, e de 3 de Março de 2004, Vainker/Parlamento, T‑48/01, ColectFP, pp. I‑A‑51 e II‑197, n.° 125).
164 A jurisprudência precisa que, perante acusações graves que afectem a honorabilidade de um funcionário, incumbe à administração evitar uma publicação das acusações que não seja estritamente necessária (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1974, Guillot/Comissão, 53/72, Recueil, p. 791, n.os 3 a 5, Colect., p. 415). Também segundo a jurisprudência, por força do seu dever de assistência e ao princípio da boa administração, a instituição em questão deve evitar que um funcionário seja objecto de declarações que possam pôr em causa a sua honorabilidade profissional. Daqui decorre que, em princípio, a administração deve, por um lado, evitar fornecer à imprensa informações que possam ser prejudiciais ao funcionário em causa e, por outro, adoptar todas as medidas necessárias para evitar, dentro da instituição, qualquer forma de divulgação de informações que possam ter carácter difamatório para o funcionário em causa (v., despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1995, Connolly/Comissão, T‑203/95 R, Colect., p. II‑2919, n.° 35).
165 Não obstante, há que observar que nas instituições comunitárias se afirmou uma cultura de responsabilidade que obedece, designadamente, à preocupação do público em ser informado e em obter a garantia de que as disfunções e as fraudes são identificadas e, se for caso disso, devidamente eliminadas e sancionadas. Esta exigência tem como consequência que os funcionários e os agentes titulares de lugares de responsabilidade numa administração como a Comissão devem ter em conta a possível existência de uma necessidade justificada de comunicar certas informações ao público.
166 Em seguida, deve salientar‑se que, quando é aberto um inquérito baseado em suspeitas de fraude, é possível que a reputação de alguém seja de algum modo afectada, designadamente se esse inquérito der lugar a publicidade no exterior da instituição. A declaração de que não há qualquer acusação contra o interessado na sequência de um inquérito que tenha sido objecto dessa publicidade raramente é suficiente para eliminar integralmente as ofensas que a sua reputação tenha sofrido. No âmbito da responsabilidade extracontratual da Comunidade, o prejuízo causado pela abertura e a condução de um inquérito só pode ser reparado se a instituição em causa tiver cometido uma falta que envolva a sua responsabilidade, por mais lamentável que isso possa revelar‑se para o indivíduo eventualmente ilibado na sequência desse inquérito. Além disso, se, para além do prejuízo moral, o inquérito tiver provocado uma doença profissional na acepção do artigo 73.° do Estatuto, esta última disposição permite ao funcionário obter uma compensação sob a forma de um montante forfetário, não lhe sendo necessário provar qualquer falta por parte da instituição.
167 Tendo em conta a possível existência de uma necessidade justificada de comunicar certas informações ao público, a intensidade do dever de assistência que incumbe à administração em relação aos seus agentes deve ser acrescida. Este reforço do dever de assistência no âmbito particular de um inquérito é tanto mais necessário num contexto em que os meios de comunicação social podem pôr publicamente em causa a honorabilidade ou a reputação profissional de indivíduos, agravando, assim, os prejuízos que estes já sofreram, a ponto de os tornar irreparáveis.
168 É à luz das considerações que precedem que há que examinar as medidas de publicidade adoptadas pela Comissão relativamente à abertura do inquérito do OLAF e à reafectação do recorrente.
169 No caso vertente, visto que a AIPN tinha optado, no exercício legítimo do seu poder de apreciação, por reafectar o recorrente a Bruxelas durante o inquérito, a instituição tinha o direito de considerar que o interesse do serviço justificava a adopção de medidas de informação do público sobre essa reafectação. Com efeito, tendo em conta, por um lado, o facto de o recorrente estar em contacto regular com a imprensa em virtude das suas funções de chefe da representação da Comissão em Paris e, por outro, o interesse que alguns jornalistas já tinham manifestado em relação às suspeitas de irregularidades na Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse, alguns deles teriam inevitavelmente notado a sua ausência na referida representação se a instituição não tivesse dado nenhuma informação. A constatação dessa ausência não deixaria de alimentar diversas especulações da imprensa, susceptíveis de lesar tanto os interesses do recorrente como os da Comissão.
170 Este inevitável levantamento da confidencialidade em relação não só à adopção da medida de reafectação mas também à identidade do recorrente, que era evidentemente um dos dois funcionários visados pela referida medida, decorria da natureza do lugar ocupado por este último e não da vontade da Comissão, e acarretava um interesse evidente do serviço em recorrer a uma publicidade adequada para evitar rumores prejudiciais para os dois funcionários e para a instituição. Assim, nas circunstâncias particulares do caso vertente, não se pode considerar que a revelação à imprensa da existência de inquérito do OLAF ou a revelação da reafectação dos dois funcionários em causa constituam, por si sós, uma violação dos imperativos de confidencialidade próprios aos inquéritos do OLAF.
171 Resta, porém, determinar se a publicidade dada na matéria pela Comissão permaneceu dentro dos limites do que era justificado pelo interesse do serviço.
172 Ora, há que reconhecer que a informação dada à imprensa pela Comissão durante o inquérito do OLAF não respeitou o justo equilíbrio entre os interesses do recorrente e os da instituição. Embora o objectivo inicial da Comissão de evitar os rumores e especulações que não deixariam de ter surgido na ausência total de informações sobre a reafectação do recorrente fosse legítimo, a publicidade dada pela mesma desde a abertura do inquérito pelo OLAF até à apresentação do relatório final do inquérito deste último afigura-se criticável em vários aspectos.
173 Por um lado, o facto de a Comissão ter tomado a iniciativa de publicar o seu próprio comunicado de imprensa, para além do comunicado de imprensa publicado pelo OLAF anunciando a abertura do inquérito, constitui uma prática relativamente excepcional, como foi indicado pela Comissão na audiência em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal. Esta opção bastante inabitual, que só podia ter por efeito chamar a atenção para os factos controvertidos, impunha, pois, que a Comissão prestasse uma atenção particular aos interesses do recorrente e aplicar garantias especiais para a protecção dos mesmos.
174 Por outro lado, a formulação do comunicado de imprensa publicado pela Comissão deixava entender que os dois interessados reafectados a Bruxelas estavam pessoalmente implicados nas possíveis irregularidades objecto do inquérito do OLAF. Apesar de os funcionários em causa não serem nomeados nesse comunicado de imprensa, o contexto permitia facilmente a sua identificação por qualquer jornalista razoavelmente informado. Assim, o facto, invocado pela Comissão, de não ter citado o nome dos funcionários em causa, é desprovido de pertinência a este respeito.
175 Por último, o comunicado de imprensa contém uma inexactidão. Com efeito, indica que a Comissão pediu ao OLAF que examinasse a possibilidade de abrir um inquérito, quando à data da publicação do referido comunicado, em 21 de Novembro de 2002, a Comissão sabia perfeitamente que já se encontrava em curso um inquérito, uma vez que este último tinha sido aberto em 15 de Novembro de 2002.
176 É verdade que, na conferência de imprensa de 21 de Novembro de 2002, o porta‑voz da Comissão se exprimiu com algumas reservas. Com efeito, teve, designadamente, o cuidado de sublinhar que ninguém era objecto de acusações e que as decisões de reafectação a outro serviço da mesma direcção‑geral tinham sido adoptadas para evitar qualquer conflito de interesses e assegurar a boa marcha do inquérito. Todavia, a relativa prudência com que o referido porta‑voz se exprimiu na conferência de imprensa não foi suficiente para eliminar o prejuízo causado ao recorrente com a publicação do comunicado de imprensa de 21 de Novembro de 2002, que tinha posto em causa os dois funcionários e provocado as questões ulteriores dos jornalistas.
177 Cumpre igualmente assinalar que a Comissão, por sua própria iniciativa, não deu qualquer publicidade ao relatório final do inquérito do OLAF, de 6 de Maio de 2003, cujas conclusões ilibam o recorrente no que respeita às alegações que levaram à abertura desse inquérito. A única tomada de posição pública da Comissão na sequência desse relatório teve lugar em resposta a uma questão colocada por um jornalista, em 17 de Junho de 2003, na conferência de imprensa regular dada pelo porta‑voz da Comissão, o qual, a propósito dessa questão, manifestou toda a sua simpatia, bem como a da instituição, para com o recorrente.
178 Essa tomada de posição, relativamente tardia, não é comparável, nem pela sua forma nem pela sua intensidade, à publicidade que tinha sido dada à reafectação do recorrente no âmbito da abertura do inquérito. Existe, assim, um claro desequilíbrio entre a publicidade dada à reafectação do recorrente no âmbito da abertura do inquérito e a dada na sequência da apresentação do relatório final do OLAF. A grande publicidade dada pela Comissão no momento da reafectação do recorrente, que teve um efeito nefasto evidente para a reputação deste, não foi contrabalançada por qualquer acção correctiva desta última quando o OLAF publicou o seu relatório final do inquérito.
179 O argumento da Comissão segundo o qual o recorrente foi reabilitado pela conferência de imprensa de 20 de Dezembro de 2002, na qual o porta‑voz da Comissão anunciou publicamente a revogação da medida cautelar de reafectação de que o interessado era objecto, não afasta esta conclusão. Com efeito, o inquérito ainda estava em curso a essa data e, como tal, as suspeitas de fraude, de que a imprensa tinha sido informada pelo comunicado de imprensa de 21 de Novembro de 2002, ainda existiam. Contrariamente ao que defende a Comissão, o anúncio da revogação da medida cautelar de que o recorrente era objecto não pode, pois, se considerado uma reabilitação deste último.
180 Assim, ao tomar a iniciativa de publicar um comunicado de imprensa cujo conteúdo deixava entender que o recorrente reafectado a Bruxelas estava pessoalmente implicado nas possíveis irregularidades objecto do inquérito do OLAF e ao não tomar medidas correctivas de natureza a contrabalançar a publicidade negativa anormal dada pela difusão do comunicado de imprensa, a Comissão não teve suficientemente em conta insuficiente os interesses do recorrente em relação com os seus próprios interesses e não reduziu ao mínimo indispensável o prejuízo causado a este último com a abertura do inquérito. Por conseguinte, a Comissão violou o dever de assistência que lhe incumbe em relação aos seus agentes.
– Quanto à acusação relativa a afirmações caluniosas e difamatórias
181 No que respeita à acusação de que ao afirmar, na conferência de imprensa de 21 de Novembro de 2002, que a gestão dos subsídios concedidos pela Comissão às Maisons de l’Europe dependia das representações, o porta‑voz da Comissão difundiu uma afirmação caluniosa e difamatória, importa salientar que, ainda que essa afirmação não fosse muito precisa, o porta‑voz exprimiu‑se com uma certa prudência, mencionando, designadamente, que a gestão desses subsídios cabia a vários intervenientes. Além disso, deve ser tido em conta o facto de essas declarações serem orais, o que não permite que se lhes exija o mesmo grau de precisão e ponderação que no caso de afirmações escritas. Essas declarações não têm, pois, o alcance alegado pelo recorrente.
182 Consequentemente, a acusação segundo a qual o porta‑voz da Comissão fez afirmações caluniosas e difamatórias é desprovida de fundamento.
d) Conclusão do Tribunal sobre a existência de uma falta da Comissão
183 O Tribunal conclui, portanto, que, por um lado, ao violar o interesse legítimo do recorrente em ser directamente informado pelo AIPN, e não pela imprensa, da sua reintegração nas suas funções em Paris e, por outro, ao dar à reafectação do recorrente no âmbito do inquérito do OLAF um grau de publicidade elevado sem reparar de forma adequada o prejuízo decorrente para este dessa publicidade anormal, a Comissão violou o dever de assistência que lhe incumbe em relação aos seus agentes e cometeu faltas de serviço susceptíveis de desencadear a sua responsabilidade.
184 Por conseguinte, há que examinar a realidade dos prejuízos alegados e a existência de um nexo de causalidade entre as faltas constatadas pelo Tribunal e os prejuízos alegados.
2. Quanto aos prejuízos
a) Argumentos das partes
185 Segundo o recorrente, as faltas cometidas pela Comissão provocaram‑lhe um trauma grave, que resultou num estado depressivo profundo e duradouro que levou à declaração da sua invalidez em 1 de Maio de 2004. Em virtude desta declaração de invalidez, sofreu um prejuízo material, constituído pela diferença entre o montante do seu vencimento de base e o do seu subsídio de invalidez, durante um período compreendido entre a data da declaração de invalidez e a data em que pôde pedir uma pensão de aposentação, a saber, um período de 55 meses. O seu prejuízo material eleva‑se, assim, a 264 000 euros.
186 Além disso, as faltas da Comissão lesaram gravemente a sua honorabilidade e a sua reputação e destruíram o final da sua carreira. Deste modo, o recorrente sofreu um prejuízo moral, fortemente agravado pela recusa da AIPN em reconhecer as faltas cometidas, e que deve ser fixado no montante de 500 000 euros.
187 Na fase escrita, a Comissão observou que o prejuízo do recorrente e o nexo de causalidade que estabelecia com as alegadas faltas não podiam ser examinados enquanto o processo iniciado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto não chegasse ao seu termo. Sublinhou em particular que o prejuízo do recorrente devia ser avaliado tendo em conta as prestações recebidas ao abrigo dessa disposição, em conformidade com o acórdão Lucaccioni/Comissão, já referido.
188 Nas suas observações recebidas por telecópia na Secretaria do Tribunal em 10 de Novembro de 2006 (tendo o original sido apresentado no dia 13 de Novembro do mesmo ano), na sequência da desistência do recorrente do processo que tinha iniciado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto, a Comissão considera que esta última circunstância não é susceptível de modificar o âmbito do litígio. Alega que um prejuízo deve ser apreciado objectivamente e que não está na disponibilidade das partes. Por conseguinte, o recorrente não pode, mediante essa desistência, aumentar o âmbito da reparação que pede para compensar o prejuízo alegado. A Comissão assinala, aliás, que o recorrente tem todo o interesse em revogar a sua desistência e pedir que o processo que iniciou ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto seja retomado.
189 Na sua contestação, a Comissão sublinha, a título subsidiário, o carácter excessivo dos montantes reclamados pelo recorrente como indemnização do seu prejuízo moral.
b) Apreciação do Tribunal
190 A título liminar, há que precisar que o prejuízo material e moral que decorre das faltas alegadas pelo recorrente mas cuja existência o Tribunal não declarou, designadamente, as relativas à informação dada pela Comissão ao OLAF quanto à existência de suspeitas de irregularidades no Info‑Point Europe d’Avignon e à decisão de reafectação a Bruxelas, não pode ser tomado em consideração.
191 Quanto ao restante, importa distinguir entre o prejuízo material e o prejuízo moral alegados pelo recorrente.
Quanto ao prejuízo material
192 O recorrente alega um prejuízo material que se consubstancia numa perda de remuneração, devido à sua colocação em situação de invalidez, que resulta da doença de que padece e cujo carácter profissional alegou ao dar início a um procedimento nos termos do artigo 73.° do Estatuto.
193 Ora, há que recordar que o Tribunal não é competente para se pronunciar sobre o nexo de causalidade entre as condições de serviço de um funcionário e a doença que invoca. Com efeito, o artigo 19.° da regulamentação de cobertura prevê que decisões relativas ao reconhecimento da origem profissional da doença serão adoptadas pela AIPN com base em conclusões emitidas pelo(s) médico(s) designado(s) pelas instituições, e, caso o segurado o requeira, após consulta da Junta Médica prevista no artigo 23.° dessa regulamentação. O artigo 12.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura prevê que, em caso de invalidez permanente total do segurado resultante de um acidente ou de uma doença profissional, lhe será pago o capital previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 73.° do Estatuto, a saber, uma quantia igual a oito vezes o vencimento‑base anual do funcionário calculado com base nos vencimentos mensais processados nos doze meses que precederam o acidente.
194 O regime instituído em execução do artigo 73.° do Estatuto prevê, assim, uma indemnização forfetária em caso de acidente ou de doença profissional, não necessitando o interessado de provar qualquer falta por parte da instituição. A jurisprudência precisa que o funcionário só pode pedir uma indemnização complementar quando se afigure que o regime estatutário não permite uma indemnização adequada do prejuízo sofrido (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 1986, Leussink e o./Comissão, 169/83 e 136/84, Colect., p. 2801, n.° 13, e de 9 de Setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, Colect., p. I‑5251, n.° 22; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Lucaccioni/Comissão, já referido, n.° 74, e de 15 de Dezembro de 1999, Latino/Comissão, T‑300/97, ColectFP, pp. I‑A‑259 e II‑1263, n.° 95).
195 Daqui resulta que os pedidos do recorrente no sentido de obter a reparação do prejuízo material alegadamente sofrido em virtude da doença de que padece e da declaração de invalidez dela resultante devem ser julgados improcedentes.
196 Esta conclusão não pode ser posta em causa pela circunstância de o recorrente ter desistido do processo a que tinha dado início ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto. Com efeito, a referida desistência não tem qualquer incidência sobre a aplicação da regra jurídica segundo a qual o reconhecimento da origem profissional de uma doença é da competência da AIPN.
Quanto ao prejuízo moral
197 O recorrente sustenta que as faltas cometidas pela Comissão lhe causaram um prejuízo moral, que consiste, designadamente, numa ofensa à sua honra e à sua reputação profissional bem como numa alteração duradoura da sua saúde.
198 A título liminar, há que recordar que o procedimento previsto em execução do artigo 73.° do Estatuto tem por objectivo reparar de forma fixa tanto o prejuízo material como o prejuízo moral resultantes de uma doença profissional.
199 Daqui resulta que os pedidos do recorrente no sentido de obter a reparação do prejuízo moral sofrido relacionado com a doença de que padece e com a declaração de invalidez dela resultante devem igualmente ser julgados improcedentes.
200 Em particular, o prejuízo causado pela violação do dever de assistência cometida pela Comissão no momento da reintegração do recorrente nas suas funções em Paris, declarada no n.° 163 do presente acórdão, não pode dar lugar a reparação no âmbito do presente pedido de indemnização. Com efeito, há que considerar que essa violação do princípio da assistência, pela sua natureza, só pode ter provocado no recorrente uma situação de tensão e de ansiedade e, assim, ter provocado ou agravado um prejuízo relacionado com a doença de que sofre. Ora, é o procedimento previsto no artigo 73.° do Estatuto que permite, em princípio, a reparação de um prejuízo dessa natureza.
201 Em contrapartida, o aspecto do prejuízo moral alegado pelo recorrente que consiste numa ofensa à sua honra e à sua reputação não está ligado à doença de que padece e, como tal, não é susceptível de ser reparado de forma forfetária ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto.
202 Consequentemente, cumpre examinar a realidade deste aspecto do prejuízo moral invocado pelo recorrente.
203 A este respeito, há que recordar que a publicidade que seguiu a abertura do inquérito do OLAF deixou entender que o recorrente era suspeito de estar implicado nas irregularidades e fraudes objecto desse inquérito. Na medida em que vários artigos publicados na imprensa francesa, que citavam o nome do recorrente, relataram a sua reafectação no âmbito desse inquérito e do contexto mais geral de suspeição de fraudes na Maison de l’Europe d’Avignon et de Vaucluse, o recorrente sofreu uma ofensa à sua honra e à sua reputação profissional não apenas na instituição mas também, mais genericamente, no espírito do público. Este prejuízo não foi eliminado pelo anúncio da Comissão de revogação da medida cautelar de que era objecto, nem pelo testemunho de simpatia do porta‑voz da Comissão na conferência de imprensa de 17 de Junho de 2003.
204 Por conseguinte, cabe ao Tribunal examinar se existe um nexo de causalidade entre as faltas de serviço que constatou e este aspecto do prejuízo moral sofrido pelo recorrente.
3. Quanto ao nexo de causalidade
205 Para que um nexo de causalidade seja admitido, o recorrente deve provar que existe uma relação directa e certa de causa e efeito entre a falta cometida pela instituição em causa e o prejuízo invocado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Setembro de 1999, Hautem/BEI, T‑140/97, ColectFP, pp. I‑A‑171 e II‑897, n.° 85).
206 No caso vertente, foi a publicidade que a Comissão entendeu dar à reafectação do recorrente a Bruxelas, designadamente no comunicado de imprensa de 21 de Novembro de 2002, que não só facilitou a identificação do mesmo por qualquer jornalista razoavelmente informado como deixou entender que estava implicado nas irregularidades objecto do inquérito. Esta iniciativa teve por consequência directa e previsível a publicação na imprensa francesa, designadamente num artigo do jornal Le Monde, de suspeitas de delapidação de fundos implicando o recorrente, ofendendo, assim, a sua honra e a sua reputação numa medida que ultrapassou o prejuízo inevitavelmente sofrido por um funcionário visado por um inquérito do OLAF. Essa ofensa da honra e da reputação do recorrente não foi posteriormente reparada pela Comissão. Em particular, esta absteve‑se de dar ao relatório final do inquérito do OLAF, que ilibava o recorrente relativamente às alegações que levaram à abertura desse inquérito, uma publicidade comparável à que tinha entendido dar no momento da reafectação do interessado no âmbito da abertura desse inquérito. Existe, pois, um nexo directo e certo de causa e efeito entre as faltas de serviço cometidas pela instituição, constatadas no n.° 183 do presente acórdão, e o aspecto do prejuízo moral sofrido pelo recorrente, que consiste num a ofensa da sua honra e da sua reputação.
207 Por conseguinte, há que condenar a Comissão a pagar uma indemnização ao recorrente destinada a reparar esse aspecto do prejuízo moral que sofreu devido às faltas de serviço constatadas pelo Tribunal. Tendo em conta as circunstâncias do caso vertente, o Tribunal fixa ex aequo et bono o montante dessa indemnização em 15 000 euros.
Quanto às despesas
208 Como o Tribunal declarou no seu acórdão de 26 de Abril de 2006, Falcione/Comissão (F‑16/05, ainda não publicado na Colectânea, n.os 77 a 86), enquanto o Regulamento de Processo do Tribunal, designadamente as disposições específicas relativas às despesas não entrarem em vigor, há que aplicar unicamente o Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.
209 Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, primeiro parágrafo, deste último Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas, isto sem prejuízo de, em virtude do artigo 88.° do mesmo regulamento, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas Instituições ficarem a cargo destas.
210 No caso em apreço, tendo o recurso sido julgado parcialmente procedente far‑se‑á uma justa apreciação das circunstâncias da causa decidindo que a Comissão deve suportar, além das suas próprias despesas, dois terços das despesas do recorrente.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Terceira Secção)
decide:
1) A Comissão das Comunidades Europeias é condenada a pagar a J.‑L. Giraudy o montante de 15 000 euros a título de indemnização pelo prejuízo moral que este sofreu, consistente numa ofensa à sua reputação e à sua honra.
2) É negado provimento quanto ao restante.
3) A Comissão das Comunidades Europeias suportará, além das suas próprias despesas, dois terços das despesas de J.‑L. Giraudy.
4) J.‑L. Giraudy suportará um terço das suas despesas.
Mahoney |
Kanninen |
Gervasoni |
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 2 de Maio de 2007.
O secretário |
O presidente |
W. Hakenberg |
P. Mahoney |
Índice
Quadro jurídico
A – Disposições relativas aos inquéritos em matéria de luta anti‑fraude
B – Disposições relativas à cobertura do risco de doença profissional
C – Disposições relativas às pensões de invalidez
D – Disposições estatutárias de ordem geral
Factos na origem do litígio
Tramitação processual e pedidos das partes
Questão de direito
A – Quanto à admissibilidade
1. Quanto à inexistência de um procedimento pré‑contencioso regular
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal
2. Quanto à falta de interesse em agir
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal
3. Quanto ao carácter prematuro do recurso
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal
B – Quanto ao pedido de suspensão da instância
1. Argumentos das partes
2. Apreciação do Tribunal
C – Quanto ao mérito
1. Quanto às faltas imputadas à Comissão
a) Quanto ao terceiro fundamento, relativo à inconsistência das acusações feitas ao recorrente e às faltas cometidas pela sua hierarquia
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal
– Quanto à informação do OLAF
– Quanto às disfunções observadas no sistema de comunicação interna da Comissão
b) Sobre o primeiro fundamento, relativo ao carácter abusivo e injustificado da decisão de reafectação a Bruxelas
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal
– Quanto à acusação relativa à insuficiência de fundamentação da decisão de reafectação a Bruxelas
– Quanto às acusações relativas à violação do interesse do serviço, do princípio da proporcionalidade e do princípio da presunção de inocência
– Quanto à acusação relativa à violação do dever de assistência na reintegração do recorrente nas suas funções em Paris
c) Quanto ao segundo fundamento, relativo à inobservância da confidencialidade do inquérito
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal
– Quanto às acusações relativas à violação do dever de confidencialidade dos inquéritos do OLAF, ao carácter inadequado da publicidade dada à reafectação de que o recorrente foi objecto e a uma violação do dever de assistência no momento da apresentação do relatório final do inquérito do OLAF
– Quanto à acusação relativa a afirmações caluniosas e difamatórias
d) Conclusão do Tribunal sobre a existência de uma falta da Comissão
2. Quanto aos prejuízos
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal
Quanto ao prejuízo material
Quanto ao prejuízo moral
3. Quanto ao nexo de causalidade
Quanto às despesas
Os textos da presente decisão bem como das decisões dos órgãos jurisdicionais comunitários aí citadas e ainda não publicadas na Colectânea estão disponíveis no sítio Internet do Tribunal de Justiça: www.curia.europa.eu
* Língua do processo: francês.