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Document 62005CJ0447

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 8 de Março de 2007.
    Thomson Multimedia Sales Europe (C-447/05) e Vestel France (C-448/05) contra Administration des douanes et droits indirects.
    Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel de Paris - França.
    Código Aduaneiro Comunitário - Medidas de aplicação - Regulamento (CEE) n.º 2454/93 - Anexo 11 - Origem não preferencial das mercadorias - Aparelhos receptores de televisão - Conceito de transformação ou complemento de fabrico substancial - Critério do valor acrescentado - Validade.
    Processos apensos C-447/05 e C-448/05.

    Colectânea de Jurisprudência 2007 I-02049

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:151

    Processos apensos C‑447/05 e C‑448/05

    Thomson Multimedia Sales Europe

    e

    Vestel France

    contra

    Administration des douanes et droits indirects

    (pedidos de decisão prejudicial apresentados pela cour d’appel de Paris)

    «Código Aduaneiro Comunitário – Medidas de aplicação – Regulamento (CEE) n.° 2454/93 – Anexo 11 – Origem não preferencial das mercadorias – Aparelhos receptores de televisão – Conceito de transformação ou complemento de fabrico substancial – Critério do valor acrescentado – Validade»

    Sumário do acórdão

    Origem das mercadorias – Determinação – Transformação ou complemento de fabrico substancial – Operação de montagem

    (Regulamento n.° 2913/92 do Conselho, artigos 24.° e 249.°; Regulamento n.° 2454/93 da Comissão, anexo 11)

    Uma operação de montagem de vários elementos constitui uma transformação ou complemento de fabrico substancial que pode ser considerada constitutiva da origem, quando represente, do ponto de vista técnico e para efeitos da definição da mercadoria em causa, o estádio de produção determinante no decurso do qual se concretiza o destino dos componentes utilizados e no decurso do qual são conferidas à mercadoria em causa as suas propriedades qualitativas específicas.

    Contudo, tendo em conta a variedade das operações que se inscrevem no conceito de montagem, há situações em que a análise com base em critérios de ordem técnica pode não ser conclusiva para a determinação da origem de uma mercadoria. Nesses casos, há que ter em consideração o valor acrescentado pela montagem como critério subsidiário.

    A este respeito, cabe à Comissão, no âmbito da margem de apreciação de que dispõe para tomar as medidas necessárias à aplicação das disposições do Código Aduaneiro Comunitário, nomeadamente das relativas à origem das mercadorias, aprovar disposições de carácter geral que, numa preocupação de segurança jurídica, levem em conta, no período em causa, a situação de conjunto de um sector industrial e que, por isso, não podem ser afectadas pela situação particular, em determinado momento, de uma ou outra empresa desse sector.

    Deste modo, a decisão da Comissão de levar em conta a grande variedade das operações abrangidas pelo conceito de montagem no conjunto do sector industrial em causa pode justificar o recurso ao critério do valor acrescentado.

    (cf. n.os 26, 27, 36‑37, disp.)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    8 de Março de 2007 (*)

    «Código Aduaneiro Comunitário – Medidas de aplicação – Regulamento (CEE) n.º 2454/93 – Anexo 11 – Origem não preferencial das mercadorias – Aparelhos receptores de televisão – Conceito de transformação ou complemento de fabrico substancial – Critério do valor acrescentado – Validade»

    Nos processos apensos C‑447/05 e C‑448/05,

    que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pela cour d’appel de Paris (França), por decisões de 18 de Novembro de 2005, entrados no Tribunal de Justiça em 16 de Dezembro de 2005, nos processos

    Thomson Multimedia Sales Europe (C‑447/05),

    Vestel France (C‑448/05)

    contra

    Administration des douanes et droits indirects,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, E. Juhász, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis e J. Malenovský (relator), juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: J. Swedenborg, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 29 de Novembro de 2006,

    vistas as observações apresentadas:

    –        em representação da Thomson Multimedia Sales Europe, por F. Goguel, avocat,

    –        em representação da Vestel France, por F. Goguel, avocat, e P. de Baere, advocaat,

    –        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e G. Le Bras, na qualidade de agentes,

    –        em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. Albenzio, avvocato dello Stato,

    –        em representação do Governo do Reino Unido, por C. White e K. Beal, na qualidade de agentes,

    –        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por X. Lewis e J. Hottiaux, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a validade das disposições que constam da coluna 3, na posição 8528 da Nomenclatura Combinada, referida no Anexo 11 do Regulamento (CEE) n.º 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 253, p. 1, a seguir «disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93»).

    2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios relativos à determinação da origem de aparelhos receptores de televisão, pela administração francesa das alfândegas e dos impostos indirectos (a seguir «Administração Aduaneira»), em informações vinculativas em matéria de origem não preferencial (a seguir «IVO») emitidas em 2003 a pedido da sociedade Thomson Sales Europe, anteriormente Thomson Multimedia Sales Europe (a seguir «Thomson»), e da sociedade Vestel France (a seguir «Vestel»).

     Quadro jurídico

     O Código Aduaneiro Comunitário

    3        O artigo 24.º da secção 1, intitulada «Origem não preferencial das mercadorias», do capítulo 2 do título II do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «Código Aduaneiro Comunitário»), dispõe:

    «Uma mercadoria em cuja produção intervieram dois ou mais países é originária do país onde se realizou a última transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, economicamente justificada, efectuada numa empresa equipada para esse efeito e que resulta na obtenção de um produto novo ou represente uma fase importante do fabrico.»

    4        O artigo 249.º do Código Aduaneiro Comunitário dispõe que a Comissão das Comunidades Europeias deverá aprovar as medidas necessárias à aplicação do referido código.

     O Regulamento n.º 2454/93

    5        Nos termos do artigo 39.º, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2454/93:

    «Em relação aos produtos obtidos enumerados no Anexo 11, consideram‑se como operações de complemento de fabrico ou transformações que conferem carácter de produto originário, em conformidade com o artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, as operações de complemento de fabrico ou transformações incluídas na coluna 3 do referido anexo.»

    6        O Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93 dispõe:



    Código NC



    Designação das mercadorias

    Operação de complemento de fabrico ou transformação com materiais não originários que confere o carácter de produto originário

    (1)

    (2)

    (3)

    [...]

    ex 8528

    [...]

    Aparelhos receptores de televisão (excluindo gravadores de cassetes vídeo, teleprojectores e monitores de vídeo) mesmo combinados num mesmo invólucro com um aparelho receptor de radiodifusão ou com um aparelho de gravação ou de reprodução de som ou de imagem

    [...]

    Fabrico no qual o aumento do valor adquirido resultante das operações de montagem e, eventualmente, da incorporação de peças originárias do país onde é efectuada a montagem represente pelo menos 45% do preço à saída da fábrica dos aparelhos

    Se não for atingida a percentagem de 45%, a origem dos aparelhos é a do país de que são originárias as peças cujo preço à saída da fábrica representa mais de 35% do preço à saída da fábrica dos aparelhos

    Se a regra dos 35% for observada em dois países a origem é a do país de que são originárias as peças que representam a percentagem mais elevada

     Os litígios nos processos principais e as questões prejudiciais

     No processo C‑447/05

    7        A Thomson comercializa em França aparelhos receptores de televisão fabricados na Polónia com peças originárias da Polónia e de outros países. O tubo catódico, originário da Coreia, representa 42,43% do preço de um aparelho receptor de televisão à saída da fábrica. Os componentes dos aparelhos receptores de televisão originários da Polónia e as operações de fabrico efectuadas nesse país representam 31,49% do preço à saída da fábrica.

    8        A pedido da Thomson, a Administração Aduaneira, com base no artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, no artigo 34.º do Regulamento n.º 2454/93 e no Anexo 11 deste último regulamento, emitiu, em 11 de Julho de 2003, uma IVO que designava a Coreia como país de origem dos referidos aparelhos receptores de televisão.

    9        Impugnando a validade das disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93 face ao artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, a Thomson recorreu para o tribunal d’instance du 7ème arrondissement de Paris, onde pediu a anulação da IVO e que o tribunal declarasse que a Polónia era o país de origem dos aparelhos em causa.

    10      O referido tribunal d’instance julgou o pedido improcedente por sentença de 8 de Junho de 2004, da qual a Thomson recorreu para a cour d’appel de Paris. Tendo dúvidas quanto à validade das disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93, este último tribunal suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O Anexo 11 do Regulamento [...] n.° 2454/93 [...] é inválido por contrariar o artigo 24.º do [...] Código Aduaneiro Comunitário, na medida em que leva a que se considere originário da Coreia um aparelho receptor de televisão fabricado na Polónia nas condições descritas nos autos?»

     No processo C‑448/05

    11      A Vestel comercializa em França aparelhos receptores de televisão fabricados na Turquia com peças originárias desse e de outros países. O tubo catódico, originário da China, representa 43,1141% do preço de um aparelho receptor de televisão à saída da fábrica. Os componentes dos aparelhos receptores de televisão originários da Turquia e as operações de fabrico efectuadas nesse país representam 38,47% do preço à saída da fábrica.

    12      A pedido da Vestel, a Administração Aduaneira, com base no artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, no artigo 34.º do Regulamento n.º 2454/93 e no Anexo 11 deste último regulamento, emitiu, em 24 de Março de 2003, uma IVO que designava a China como país de origem dos referidos aparelhos receptores de televisão.

    13      Impugnando a validade das disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93 face ao artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, a Vestel recorreu para o tribunal d’instance du 7ème arrondissement de Paris, onde pediu a anulação da IVO e que o tribunal declarasse que a República da Turquia era o país de origem dos aparelhos em causa.

    14      O referido tribunal d’instance julgou o pedido improcedente por sentença de 8 de Junho de 2004, da qual a Vestel recorreu para a cour d’appel de Paris. Tendo dúvidas quanto à validade das disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93, este último tribunal suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O Anexo 11 do Regulamento [...] n.º 2454/93 [...] é inválido por contrariar o artigo 24.º do [...] Código Aduaneiro Comunitário, na medida em que leva a que se considere originário da China um aparelho receptor de televisão fabricado na Turquia nas condições descritas nos autos?»

    15      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2006, os processos C‑447/05 e C‑448/05 foram apensos para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

     Quanto às questões prejudiciais

    16      Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93 são inválidas, na medida em que exigem que o valor adquirido devido às operações de montagem e, eventualmente, à incorporação das peças originárias represente pelo menos 45% do preço à saída da fábrica de aparelhos receptores de televisão, para que o seu fabrico lhes confira a origem do país onde se procedeu a essa montagem.

    17      As recorrentes nos processos principais alegam essencialmente que, ao recorrer dessa forma a um critério baseado no valor acrescentado, que qualificam de «quantitativo» e que consideram incompatível com os critérios, que chamam de «qualitativos», previstos no artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, a Comissão excedeu os poderes que o Conselho da União Europeia lhe conferiu para a execução das normas que aprovou no referido código.

    18      A título preliminar, há que observar que a questão da validade das disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93 foi suscitada no âmbito de litígios nos processos principais em que se impugna a legalidade de IVO relativas a aparelhos receptores de televisão, montados, uns, na Polónia e, outros, na Turquia. Os requerimentos que deram origem a essas IVO foram apresentados, em 2003, por empresas com sede em França e que pretendiam conhecer a origem não preferencial desses aparelhos, tal como definida em aplicação das normas referidas nos artigos 22.º a 26.º do Código Aduaneiro Comunitário.

    19      Esses requerimentos não se destinavam a conhecer a origem preferencial de mercadorias, tal como definida no artigo 27.º do Código Aduaneiro Comunitário, nem se destinavam a determinar se essas mercadorias beneficiavam de medidas tarifárias preferenciais constantes de acordos que a Comunidade Europeia celebrou com certos países ou grupos de países.

    20      Nestas condições, apesar de a República da Polónia e a República da Turquia beneficiarem, na data da emissão das IVO, de um estatuto específico na sua relação aduaneira com as Comunidades Europeias, isso não é, só por si, susceptível de pôr em causa a pertinência das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

    21      A esse respeito, há que lembrar em primeiro lugar que, de acordo com o artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, uma mercadoria em cuja produção intervieram dois ou mais países é originária do país onde se realizou a última transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, economicamente justificada, efectuada numa empresa equipada para esse efeito e que resulta no fabrico de um produto novo ou que represente uma fase importante do fabrico.

    22      Este artigo reproduz os termos do artigo 5.º do Regulamento (CEE) n.° 802/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, relativo à definição comum da noção de origem das mercadorias (JO L 148, p. 1; EE 02 F1 p. 5), aplicável antes da entrada em vigor do referido código. Para a interpretação desse regulamento, o Tribunal de Justiça considerou que resulta desse artigo 5.º que o critério determinante é o da última transformação ou complemento de fabrico substancial (acórdão de 13 de Dezembro de 1989, Brother International, C‑26/88, Colect., p. I‑4253, n.° 15).

    23      Em segundo lugar, há que lembrar que o artigo 249.º do Código Aduaneiro Comunitário constitui uma base de habilitação suficiente para permitir à Comissão adoptar as modalidades de aplicação do referido código (acórdão de 11 de Novembro de 1999, Söhl & Söhlke, C‑48/98, Colect., p. I‑7877, n.° 35).

    24      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a Comissão tem o poder de adoptar todas as medidas de aplicação necessárias ou úteis para a implementação da regulamentação de base, desde que não sejam contrárias a esta ou à regulamentação de aplicação do Conselho (v., nomeadamente, acórdão Söhl & Söhlke, já referido, n.° 36).

    25      Por outro lado, no exercício do poder que o Conselho lhe conferiu para a aplicação do artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação que lhe permite precisar os conceitos abstractos dessa disposição para efeitos de transformações ou complementos de fabrico específicos (v. acórdão de 23 de Março de 1983, Cousin e o., 162/82, Recueil, p. 1101, n.° 17).

    26      Quanto à questão de saber se uma operação de montagem de vários elementos constitui uma transformação ou complemento de fabrico substancial, o Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que uma operação desse tipo pode ser considerada constitutiva da origem, quando represente, do ponto de vista técnico e para efeitos da definição da mercadoria em causa, o estádio de produção determinante no decurso do qual se concretiza o destino dos componentes utilizados e no decurso do qual são conferidas à mercadoria em causa as suas propriedades qualitativas específicas (acórdãos de 31 de Janeiro de 1979, Yoshida, 114/78, Recueil, p. 151, Colect., p. 85, e Brother International, já referido, n.° 19).

    27      Contudo, o Tribunal de Justiça considerou que, tendo em conta a variedade das operações que se inscrevem no conceito de montagem, há situações em que a análise com base em critérios de ordem técnica pode não ser conclusiva para a determinação da origem de uma mercadoria. Nesses casos, há que ter em consideração o valor acrescentado pela montagem como critério subsidiário (acórdão Brother International, já referido, n.° 20).

    28      O Tribunal de Justiça precisou que a relevância desse critério era, de resto, confirmada pela Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros (Convenção de Quioto), da qual vários anexos foram aceites em nome da Comunidade pela Decisão 77/415/CEE do Conselho, de 3 de Junho de 1977 (JO L 166, pp. 1 e 3; EE 02 F4 p. 7), cujas notas referentes à norma 3 do anexo D.1 precisam que o critério da transformação substancial se pode exprimir, na prática, pela regra da percentagem ad valorem, quando a percentagem do valor dos produtos utilizados ou a percentagem da mais‑valia adquirida atinja determinado nível (acórdão Brother International, já referido, n.° 21).

    29      Refira‑se, aliás, que, pela Decisão 94/800/CE, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1), o Conselho aprovou, nomeadamente, o Acordo sobre as regras de origem, anexo à acta final assinada em Marraquexe em 15 de Abril de 1994 (JO L 336, p. 144), segundo o qual, na criação dessas regras, se pode utilizar o critério da percentagem ad valorem.

    30      A esse respeito, há que lembrar que os acordos internacionais, a partir da sua entrada em vigor, fazem parte integrante do ordenamento jurídico comunitário (v., nomeadamente, acórdão de 10 de Janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, Colect., p. I‑403, n.° 36). Segundo jurisprudência assente, os textos de direito comunitário derivado devem ser interpretados, na medida do possível, em conformidade com esses acordos (v., nomeadamente, acórdão de 9 de Janeiro de 2003, Petrotub e Republica/Conselho, C‑76/00 P, Colect., p. I‑79, n.° 57).

    31      Resulta do exposto que a escolha do critério do valor acrescentado não é, em si mesma, incompatível com o artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário e que o recurso a esse critério, só por si, não demonstra que a Comissão tenha ultrapassado os poderes de execução que lhe advêm do artigo 249.º do referido código.

    32      Há que entender que as recorrentes nos processos principais alegam igualmente que a situação no sector industrial do fabrico de aparelhos receptores de televisão é tal que a análise das operações de montagem dos ditos aparelhos, com base em critérios de ordem técnica, pode ser conclusiva na determinação da origem dessa mercadoria, pelo que se opõe a que a Comissão tome em consideração, como fez nas disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93, o critério do valor acrescentado, que tem apenas carácter subsidiário.

    33      A esse respeito, há que lembrar que, para a aplicação do Regulamento n.º 802/68, a Comissão tinha adoptado o Regulamento (CEE) n.° 2632/70, de 23 de Dezembro de 1970, relativo à determinação da origem dos aparelhos receptores de radiodifusão e de televisão (JO L 279, p. 35; EE 02 F1 p. 83), cujas disposições, que têm como referência o critério do valor acrescentado, foram, no essencial, reproduzidas nas disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93.

    34      De acordo com o segundo considerando do Regulamento n.º 2632/70, a montagem dos aparelhos receptores de radiodifusão e de televisão pode abranger processos mais ou menos complexos, conforme o tipo de aparelhos montados e segundo os meios utilizados e as condições em que é efectuada. O terceiro considerando do referido regulamento refere também que as operações de montagem, «no estado actual da técnica neste ramo industrial», não constituem geralmente, por si só, um estádio importante de fabrico na acepção do artigo 5.º do Regulamento n.° 802/68, podendo, porém, a situação ser diferente em certos casos como, por exemplo, quando estas operações dizem respeito a aparelhos de grande complexidade técnica ou requerem um controlo rigoroso das peças utilizadas, ou quando comportam igualmente a montagem dos elementos constitutivos dos aparelhos. O quarto considerando do Regulamento n.º 2632/70 acrescenta que a diversidade das operações abrangidas pelo conceito de montagem não permite determinar, com base num critério de ordem técnica, os casos em que estas operações representam um estádio importante de fabrico e que convém, nestas condições, ter em conta o valor acrescentado por estas operações.

    35      Ora, esses fundamentos podem justificar a manutenção do critério do valor acrescentado nas disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93.

    36      Com efeito, cabe à Comissão, no âmbito da margem de apreciação de que dispõe para tomar as medidas necessárias à aplicação das disposições do Código Aduaneiro Comunitário, nomeadamente das relativas à origem das mercadorias, aprovar disposições de carácter geral que, numa preocupação de segurança jurídica, levem em conta, no período em causa, a situação de conjunto de um sector industrial e que, por isso, não podem ser afectadas pela situação particular, em determinado momento, de uma ou outra empresa desse sector.

    37      Nestas condições, a decisão da Comissão de levar em conta a grande variedade das operações abrangidas pelo conceito de montagem no conjunto do sector industrial em causa justificava o recurso ao critério do valor acrescentado.

    38      Observe‑se, aliás, que as próprias recorrentes nos processos principais salientam, nas suas observações escritas, que as operações de montagem dos diferentes componentes dos aparelhos em causa nos processos principais se inserem num processo industrial complexo. Além disso, os autos no Tribunal de Justiça não permitem considerar que esse processo é idêntico para todos os fabricantes de aparelhos receptores de televisão. Não permitem concluir, em todos os casos, que é necessária a grande variedade das operações abrangidas pelo conceito de montagem no conjunto do sector industrial em causa.

    39      Nesse contexto, a exigência de aplicação uniforme das regras aduaneiras em todo o território aduaneiro da Comunidade implicava que os conceitos abstractos de última transformação ou de complemento de fabrico substancial, a que se refere, relativamente a todas as mercadorias, o artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário, fossem precisados, relativamente a produtos específicos como os aparelhos receptores de televisão, por disposições particulares que pudessem tomar em conta a diversidade do processo de fabrico desses aparelhos. Assim, visto que o recurso a um critério claro e objectivo, como o do valor acrescentado, permite exprimir, relativamente a esse tipo de mercadorias de composição complexa, em que consiste a transformação substancial que lhes confere a origem, não pode proceder de um erro de direito.

    40      O facto de a Comissão ter sido levada, pelas razões acima referidas, a especificar dessa forma as regras relativas à determinação da origem dos aparelhos receptores de televisão, recorrendo ao critério do valor acrescentado, não implica de maneira nenhuma que esse critério seja, em si mesmo e de uma forma geral, mais rigoroso que os critérios gerais enunciados no artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário e que, necessariamente, coloque esses produtos numa situação mais desfavorável que os produtos, mesmo de natureza comparável, a que se apliquem esses critérios gerais ou outros. As recorrentes nos processos principais não podem, pois, impugnar com sucesso a validade das disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93, invocando a apreciação feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão Cousin e o., já referido, sobre disposições de um regulamento cujo carácter discriminatório resultava do recurso a critérios consideravelmente mais rigorosos para a definição de origem de um produto do que para a de outro produto comparável.

    41      Além disso, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a aplicação desse critério do valor acrescentado seja, como alegam as recorrentes nos processos principais, mais difícil que a resultante da aplicação dos conceitos de carácter geral a que se refere o artigo 24.º do Código Aduaneiro Comunitário. A esse respeito, não é referida nenhuma dificuldade da Administração Aduaneira encarregue da instrução dos pedidos de IVO apresentados pelas interessadas, quando essa Administração aplicou, no caso presente, o critério do valor acrescentado que consta das disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93.

    42      É certo que, embora, como também alegam as recorrentes nos processos principais, o tubo catódico tenha passado a representar sempre, pelo menos, 35% do preço dos aparelhos receptores de televisão à saída da fábrica, há a possibilidade de essa peça conferir, na maior parte das vezes, a sua origem aos referidos aparelhos. Contudo, só no caso de o tubo catódico representar, pelo menos, 55% do preço à saída da fábrica é que o requisito acima mencionado nunca poderá estar preenchido. Em contrapartida, os casos referidos no órgão jurisdicional de reenvio não implicam sempre que esse requisito não será preenchido. A aplicação das disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93 não pode, pois, ter por efeito a equiparação da origem dos aparelhos receptores de televisão à origem dos tubos catódicos.

    43      As disposições em causa estão redigidas em termos gerais e não conferem importância decisiva alguma, na determinação da origem do produto em causa, a um componente específico deste, como o tubo catódico. As referidas disposições, ao contrário do que alegam as recorrentes nos processos principais, não são comparáveis às que estavam em causa no processo que deu origem ao acórdão Yoshida, já referido, e que, precisamente, davam essa importância a um dos componentes do produto em causa nesse processo.

    44      Há que observar ainda que, embora a situação invocada pelas recorrentes nos processos principais resulte da evolução das técnicas de fabrico dos aparelhos receptores de televisão, não se verifica que essa situação tivesse, nestas condições, um carácter que não fosse circunstancial, quando, de resto, tal como resulta das observações apresentadas na audiência, a evolução das técnicas actuais de fabrico, como as de ecrãs de plasma, é eventualmente susceptível de pôr substancialmente em causa essa situação alegada. Daí resulta que esta não pode ser invocada com sucesso para se contestar o fundado do recurso ao critério do valor acrescentado.

    45      Por último, há que observar que, ao exigirem que o valor adquirido devido às operações de montagem e, eventualmente, à incorporação de peças originárias represente, pelo menos, 45% do preço dos aparelhos à saída da fábrica, para que o seu fabrico lhes confira a origem do país onde se efectuou essa montagem com matérias provenientes de vários países, as disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93 fixam uma percentagem suficiente para se considerar que essas operações dão origem a um aumento sensível do valor comercial do produto acabado (v., neste sentido, acórdão Brother International, já referido, n.° 22). Assim, essa percentagem não está ferida de erro manifesto de apreciação.

    46      Em face do exposto, há que responder que a análise das questões submetidas não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade das disposições controvertidas do Anexo 11 do Regulamento n.º 2454/93.

     Quanto às despesas

    47      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

    A análise das questões submetidas não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade das disposições que constam da coluna 3, na posição 8528 da Nomenclatura Combinada, referida no Anexo 11 do Regulamento (CEE) n.º 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário.

    Assinaturas


    * Língua do processo: francês.

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