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Document 62005CJ0376

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 30 de Novembro de 2006.
A. Brünsteiner GmbH (C-376/05) e Autohaus Hilgert GmbH (C-377/05) contra Bayerische Motorenwerke AG (BMW).
Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha.
Concorrência - Acordo de distribuição de veículos automóveis - Isenção por categoria - Regulamento (CE) n.º 1475/95 - Artigo 5.º, n.º 3 - Resolução pelo fornecedor - Reorganização da rede - Entrada em vigor do Regulamento (CE) n.º 1400/2002 - Artigo 4.º, n.º 1 - Restrições graves - Consequências.
Processos apensos C-376/05 e C-377/05.

Colectânea de Jurisprudência 2006 I-11383

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:753

Processos apensos C‑376/05 e C‑377/05

A. Brünsteiner GmbH e Autohaus Hilgert GmbH

contra

Bayerische Motorenwerke AG

(pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Bundesgerichtshof)

«Concorrência – Acordo de distribuição de veículos automóveis – Isenção por categoria – Regulamento (CE) n.° 1475/95 – Artigo 5.°, n.° 3 – Resolução pelo fornecedor – Reorganização da rede – Entrada em vigor do Regulamento (CE) n.º 1400/2002 – Artigo 4.°, n.° 1 – Restrições graves – Consequências»

Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed apresentadas em 28 de Setembro de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 30 de Novembro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Questões prejudiciais – Submissão ao Tribunal de Justiça – Determinação das questões a submeter – Competência exclusiva do juiz nacional

(Artigo 234.° CE)

2.     Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Proibição – Isenção por categorias – Acordos no sector automóvel – Entrada em vigor do Regulamento n.° 1400/2002

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamentos da Comissão n.° 1475/95, artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, e n.° 1400/2002, artigo 10.°)

3.     Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Proibição – Isenção por categorias – Acordos no sector automóvel – Entrada em vigor do Regulamento n.° 1400/2002– Período transitório – Termo do prazo

(Artigo 81.°, n.os 1 e 3, CE; Regulamentos da Comissão n.° 1475/95 e n.° 1400/2002, artigos 4.° e 10.°)

1.     Do quadro de um processo prejudicial, compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio definir o objecto das questões que pretende submeter. Com efeito, compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, aos quais é submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade da decisão judicial a proferir, apreciar, face às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para poderem proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça.

Nestas condições, quando nos seus pedidos de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende apenas obter a interpretação das disposições de um regulamento comunitário e não refere que tem dúvidas quanto à validade destas disposições ou que essa questão lhe foi colocada nos processos principais, o Tribunal de Justiça não pode ser obrigado a apreciar a validade do direito comunitário apenas porque esta questão lhe foi submetida por uma das partes nas suas observações escritas, já que o artigo 234.° CE não é uma via de recurso das partes no litígio no órgão jurisdicional nacional.

(cf. n.os 26‑28)

2.     A entrada em vigor do Regulamento n.° 1400/2002, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado a certas categorias de acordos verticais e práticas concertadas no sector automóvel, não torna, por si só, necessária a reorganização da rede de distribuição de um fornecedor, na acepção do artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós‑venda de veículos automóveis. Todavia, essa entrada em vigor pode tornar necessárias, em função da organização específica da rede de distribuição de cada fornecedor, a introdução de alterações de tal modo significativas que constituam uma verdadeira reorganização da referida rede, na acepção dessa disposição. Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais e às instâncias arbitrais apreciar, se for esse o caso, em função de todos os elementos concretos do litígio que lhes foi submetido.

A este respeito, apesar de o Regulamento n.° 1400/2002 ter, sem dúvida, introduzido modificações substanciais em relação ao regime de isenção por categoria instituído pelo Regulamento n.° 1475/95, as alterações que os fornecedores podiam efectuar nos seus acordos de distribuição para assegurar que estes continuariam a ser abrangidos pela isenção por categoria podiam resultar de uma simples adaptação dos contratos em vigor à data do termo da vigência deste último regulamento, durante o período transitório de um ano previsto no artigo 10.° do Regulamento n.° 1400/2002. Esta adaptação não implica automaticamente a necessidade, à luz do direito nacional aplicável, de rescindir esses contratos nem, em qualquer caso, a necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da referida rede de distribuição.

Por outro lado, uma «reorganização da totalidade ou de uma parte substancial da rede» na acepção do referido artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95, exige uma modificação significativa, tanto no plano material como no plano geográfico, das estruturas de distribuição do fornecedor em causa, que pode incidir, designadamente, sobre a natureza ou a forma dessas estruturas, o seu objecto, a repartição das tarefas internas no seio dessas estruturas, as modalidades de fornecimento dos produtos e serviços em causa, o número ou a qualidade dos participantes nessas estruturas e a sua cobertura geográfica. Se nada o impõe, também nada exclui que esta reorganização possa resultar da alteração das cláusulas de um acordo de distribuição na sequência da entrada em vigor de um novo regulamento de isenção, como o Regulamento n.° 1400/2002 que introduziu modificações substanciais em relação ao regime de isenção por categoria instituído pelo Regulamento n.° 1475/95, prevendo regras mais rigorosas do que as estabelecidas por este último regulamento para a isenção de determinadas restrições da concorrência abrangidas pela proibição prevista no artigo 81.°, n.° 1, CE.

Quanto à condição prevista no artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95, relativa à «necessidade» de reorganização, esta condição exige que a reorganização possa ser justificada de forma plausível por motivos de eficácia económica baseados em circunstâncias objectivas internas ou externas à empresa do fornecedor, que, sem uma reorganização rápida da rede de distribuição e tendo em conta o ambiente concorrencial em que o fornecedor opera, poderiam prejudicar a eficácia das estruturas existentes dessa rede. Por conseguinte, o simples facto de o fornecedor considerar, baseando‑se numa apreciação comercial subjectiva da situação da sua rede de distribuição, que é necessária uma reorganização desta última não basta, por si só, para demonstrar a necessidade de tal reorganização, na acepção do artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95. Pelo contrário, são relevantes a este respeito as eventuais consequências económicas desfavoráveis que um fornecedor poderia sofrer na hipótese de rescindir o acordo de distribuição com um pré‑aviso de dois anos.

(cf. n.os 31‑38, 41, disp. 1)

3.     O artigo 4.° do Regulamento n.° 1400/2002, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado a certas categorias de acordos verticais e práticas concertadas no sector automóvel, deve ser interpretado no sentido de que, após o termo do período transitório previsto no artigo 10.° deste regulamento, a isenção por categoria nele prevista era inaplicável a todos os contratos que preenchessem as condições de isenção por categoria previstas pelo Regulamento n.° 1475/95, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós‑venda de veículos automóveis, mas que tivessem por objecto pelo menos uma das restrições graves enunciadas no referido artigo 4.°, pelo que todas as cláusulas contratuais restritivas da concorrência contidas nestes contratos podiam ser proibidas pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, se os requisitos de uma isenção nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE não estivessem preenchidos.

Com efeito, o artigo 10.° do Regulamento n.° 1400/2002 que visa instaurar um período transitório a fim de permitir que todos os operadores tenham tempo para adaptar a este regulamento os acordos compatíveis com o Regulamento n.° 1475/95 que estavam ainda em vigor à data do termo da vigência deste último regulamento e que prevê, para este efeito, que a proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE não é aplicável a tais acordos decorre claramente dos próprios termos desta disposição que a proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE era aplicável a partir de 1 de Outubro de 2003 aos acordos que não tivessem sido adaptados a fim de satisfazer as condições de isenção previstas no Regulamento n.° 1400/2002.

As consequências da proibição das cláusulas contratuais incompatíveis com o artigo 81.° CE para todos os outros elementos do acordo e para outras obrigações que dele resultem não são, contudo, abrangidas pelo direito comunitário. Portanto, compete também ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz do direito nacional aplicável, o alcance e as consequências, para o conjunto das relações contratuais, de uma eventual proibição de certas cláusulas contratuais em virtude do artigo 81.° CE.

(cf. n.os 43‑48, 51, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

30 de Novembro de 2006 (*)

«Concorrência – Acordo de distribuição de veículos automóveis – Isenção por categoria – Regulamento (CE) n.° 1475/95 – Artigo 5.°, n.° 3 – Resolução pelo fornecedor – Reorganização da rede – Entrada em vigor do Regulamento (CE) n.º 1400/2002 – Artigo 4.°, n.° 1 – Restrições graves – Consequências»

Nos processos apensos C‑376/05 e C‑377/05,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisões de 26 de Julho de 2005, entrados no Tribunal de Justiça em 12 de Outubro de 2005, nos processos

A. Brünsteiner GmbH (C‑376/05),

Autohaus Hilgert GmbH (C‑377/05)

contra

Bayerische Motorenwerke AG (BMW),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, J. Malenovský, A. Borg Barthet, U. Lõhmus e A. Ó Caoimh (relator), juízes,

advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

secretário: K. Sztranc‑Slawiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Setembro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da A. Brünsteiner GmbH e da Autohaus Hilgert GmbH, por F. C. Genzow e C. Bittner, Rechtsanwälte,

–       em representação da Bayerische Motorenwerke AG (BMW), por R. Bechtold, Rechtsanwalt,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A. Whelan, K. Mojzesowicz e M. Schneider, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de Setembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento (CE) n.° 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado […] a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós‑venda de veículos automóveis (JO L 145, p. 25), e do artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 1400/2002 da Comissão, de 31 de Julho de 2002, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado a certas categorias de acordos verticais e práticas concertadas no sector automóvel (JO L 203, p. 30).

2       Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a A. Brünsteiner GmbH (a seguir «Brünsteiner») e a Autohaus Hilgert GmbH (a seguir «Hilgert») à Bayerische Motorenwerke AG (a seguir «BMW»), a propósito da legalidade da resolução por esta última, com um pré‑aviso de um ano, dos acordos que tinha concluído com a Brünsteiner e a Hilgert (a seguir «demandantes no processo principal»), para distribuição de veículos automóveis da marca BMW na Alemanha.

 Quadro jurídico

3       Nos termos do décimo nono considerando do Regulamento n.° 1475/95:

«O n.° 2, pontos 2 e 3, e o n.° 3 do artigo 5.° fixam condições mínimas de isenção no que se refere à duração e à resolução do acordo de distribuição e de serviço de venda e pós‑venda, porque, devido aos investimentos do distribuidor para melhorar a estrutura da distribuição e do serviço de assistência dos produtos contratuais, a dependência do distribuidor face ao fornecedor é consideravelmente acrescida em caso de acordos concluídos a curto prazo ou resolúveis a curto prazo. Todavia, para não entravar o desenvolvimento de estruturas flexíveis e eficazes de distribuição, é conveniente reconhecer ao fornecedor um direito extraordinário de pôr termo ao acordo, caso se revele necessário proceder à reorganização de toda a sua rede ou de uma parte substancial da mesma. […]»

4       O artigo 1.° do Regulamento n.° 1475/95 isenta da proibição prevista no artigo 81.°, n.° 1, CE os acordos através dos quais um fornecedor encarrega um revendedor autorizado de promover a distribuição dos produtos contratuais num território determinado e se compromete a reservar‑lhe, no âmbito desse território, o fornecimento de veículos e de peças sobresselentes.

5       O artigo 4.°, n.° 1, do mesmo regulamento prevê que não constitui obstáculo à isenção a obrigação de o distribuidor observar exigências mínimas na distribuição e no serviço de venda e pós‑venda que, nomeadamente, digam respeito ao equipamento dos estabelecimentos comerciais ou à reparação e à manutenção de produtos contratuais.

6       O artigo 5.°, n.os 2 e 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95 prevê:

«2.      Quando o distribuidor tiver assumido obrigações referidas no n.° 1 do artigo 4.° para melhorar a estrutura da distribuição e do serviço de venda e pós‑venda, a isenção aplica‑se desde que:

[…]

2)      A duração do acordo seja, pelo menos, de cinco anos ou o pré‑aviso para a denúncia do acordo celebrado por período indeterminado seja, pelo menos, de dois anos para as duas partes; […]

[…]

3.      As condições de isenção previstas nos n.os 1 e 2 não prejudicam:

–       o direito de o fornecedor resolver o acordo mediante um pré‑aviso de pelo menos um ano em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da rede».

7       Na sua brochura explicativa relativa ao Regulamento n.° 1475/95, a Comissão das Comunidades Europeias refere o que se segue na resposta à questão 16, alínea a), intitulada «É possível rescindir antecipadamente o contrato?»:

«O construtor tem o direito de rescindir antecipadamente o acordo (mediante um pré‑aviso de um ano) em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da rede. A necessidade de reorganização é determinada de comum acordo entre as partes ou, se o distribuidor o pedir, por um perito independente ou por um árbitro. O recurso a um perito independente ou a um árbitro não prejudica o direito das partes de recorrerem a um tribunal nacional, nos termos das disposições de direito nacional aplicáveis [artigo 5.°, n.° 3]. Quando o fornecedor se reserve no contrato um direito de rescisão unilateral que exceda os limites fixados pelo regulamento, perde automaticamente o benefício da isenção por categoria [artigo 6.°, n.° 1, ponto 5, v. secção 1.2 supra].

Esta possibilidade de rescisão antecipada foi introduzida para que o construtor possa readaptar com flexibilidade o seu aparelho de distribuição [décimo nono considerando]. Pode ser necessário proceder a uma reorganização em virtude do comportamento dos concorrentes ou da evolução das circunstâncias económicas, quer esta evolução seja provocada por decisões internas de um construtor quer por acontecimentos externos, como o encerramento de uma empresa com um número considerável de empregados numa determinada região. Dada a variedade de situações que se podem apresentar, seria irrealista pretender enumerar todos os motivos de reorganização possíveis.

É o exame da organização específica da rede de um construtor que permite decidir, em cada caso, se uma parte ‘substancial’ da rede é ou não afectada. O termo ‘substancial’ envolve um aspecto simultaneamente económico e geográfico, que se pode limitar à rede num determinado Estado‑Membro ou a uma parte dessa rede. Em todo o caso, o construtor deve chegar a um acordo quer seja com o distribuidor cujo contrato de distribuição pretende rescindir, com o perito independente ou com o árbitro, sem ter de consultar os outros distribuidores indirectamente afectados.»

8       A partir de 1 de Outubro de 2002, o Regulamento n.° 1475/95 foi substituído pelo Regulamento n.° 1400/2002.

9       Nos termos do décimo segundo considerando deste último regulamento:

«Independentemente da quota de mercado das empresas em causa, o presente regulamento não abrange acordos verticais que incluam certos tipos de restrições significativamente anticoncorrenciais (restrições graves), que limitem em geral de forma apreciável a concorrência, mesmo a nível de quotas de mercado reduzidas, e que não sejam indispensáveis para atingir os referidos efeitos positivos. É o caso, nomeadamente, dos acordos verticais que incluam restrições como preços de revenda mínimos ou fixos e, com certas excepções, restrições do território em que o distribuidor ou oficina de reparação pode vender os bens ou os serviços contratuais ou do território em que se situem os respectivos clientes. Tais acordos não devem beneficiar da isenção.»

10     O trigésimo sexto considerando do mesmo regulamento enuncia:

«O [Regulamento n.° 1475/95] é aplicável até 30 de Setembro de 2002. A fim de permitir que todos os operadores tenham tempo para adaptar os acordos verticais, que sejam compatíveis com essa regulamentação e que estejam ainda em vigor quando a isenção terminar, afigura‑se apropriado que tais acordos beneficiem de um período transitório até 1 de Outubro de 2003, período durante o qual devem ser isentos da proibição estabelecida no n.° 1 do artigo 81.° ao abrigo do presente regulamento.»

11     O artigo 4.° do Regulamento n.° 1400/2002, intitulado «Restrições graves», prevê no seu n.° 1, primeiro período, que a isenção não é aplicável a acordos verticais que, directa ou indirectamente, isoladamente ou em combinação com outros factores tenham por objecto certas restrições enunciadas a seguir nessa disposição.

12     O artigo 10.° deste regulamento dispõe:

«A proibição estabelecida no n.° 1 do artigo 81.° [CE] não é aplicável durante o período de 1 de Outubro de 2002 a 30 de Setembro de 2003 relativamente aos acordos já em vigor em 30 de Setembro de 2002, que não satisfaçam as condições de isenção previstas no presente regulamento mas que satisfaçam as condições de isenção previstas no Regulamento (CE) n.° 1475/95.»

13     Na sua brochura explicativa relativa ao Regulamento n.° 1400/2002, a Comissão, na resposta à questão 20, intitulada «De que forma se podem rescindir contratos que se encontrem em conformidade com o Regulamento n.° 1475/95 durante o período transitório?», refere designadamente o seguinte:

«O termo da vigência do Regulamento n.° 1475/95, em 30 de Setembro de 2002, e a sua substituição por um novo regulamento não implicam, por si só, uma reorganização da rede. No entanto, após a entrada em vigor do novo regulamento, um fabricante de veículos pode decidir reorganizar substancialmente a sua rede. Para dar cumprimento ao Regulamento n.° 1475/95 e, por conseguinte, beneficiar do período transitório, o pré‑aviso de rescisão dos contratos deve efectuar‑se com dois anos de antecedência, a menos que seja decidida uma reorganização ou que exista a obrigação de pagar uma compensação.»

14     Além disso, o n.° 4 da resposta à questão 68 da referida brochura, intitulada «O acordo prevê um prazo mínimo de pré‑aviso de denúncia?», indica:

«A necessidade de reorganização da rede é uma questão objectiva e o facto de o fornecedor considerar que esta reorganização é necessária não basta para resolver a questão em caso de litígio. Neste caso, incumbirá ao juiz nacional ou ao árbitro decidir a questão, tendo em conta as circunstâncias do caso.»

 Processos principais e questões prejudiciais

15     Em 1996, as demandantes no processo principal celebraram com a BMW um acordo de distribuição de veículos automóveis fabricados por esta última. A cláusula 11.6 deste acordo previa o seguinte:

«11.6 .       Rescisão do contrato por reorganização da rede de distribuição

«Em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da sua rede de distribuição, a BMW tem o direito de resolver o contrato mediante um pré‑aviso de doze meses.

O mesmo é válido no caso de o quadro jurídico em que se baseia esse contrato ser alterado em domínios essenciais.»

16     Em Setembro de 2002, a BMW rescindiu todos os acordos de distribuição da sua rede europeia de distribuição com efeitos a partir de 30 de Setembro de 2003, com base em que o Regulamento n.° 1400/2002 introduziu alterações jurídicas e estruturais consideráveis no sector da distribuição de veículos automóveis. A BMW celebrou posteriormente com a maioria dos seus anteriores distribuidores novos contratos com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2003 e ajustados às exigências do Regulamento n.° 1400/2002.

17     Às demandantes no processo principal não foi proposta a celebração destes novos contratos. Por esse motivo, as mesmas impugnaram judicialmente a legalidade da resolução dos acordos de distribuição no órgão jurisdicional alemão competente, alegando que esta resolução apenas podia produzir efeitos no termo do prazo de pré‑aviso de dois anos que viria a expirar em 30 de Setembro de 2004.

18     Em Fevereiro de 2004, o Oberlandesgericht München, em sede de recurso, julgou as acções improcedentes com o fundamento de que as modificações resultantes da adopção do Regulamento n.° 1400/2002 tinham tornado necessária a reorganização da rede de distribuição da BMW. No entender deste órgão jurisdicional, as restrições da concorrência que, até àquela data, eram conformes com o Regulamento n.° 1475/95 constituíam, com efeito, a partir de então, restrições graves na acepção do artigo 4.° do Regulamento n.° 1400/2002, pelo que, mesmo sem a resolução dos acordos de distribuição com efeitos a partir de 30 de Setembro de 2003, todas as cláusulas restritivas da concorrência contidas nos referidos acordos passariam a ser nulas a partir de 1 de Outubro de 2003. Ora, não se podia exigir à BMW que aceitasse, mesmo que só até 30 de Setembro de 2004, acordos de distribuição sem as suas cláusulas restritivas da concorrência, ou uma situação de vazio contratual no âmbito da distribuição, se estes acordos caducassem por força do direito nacional.

19     As demandantes no processo principal interpuseram recurso de revista destas decisões para o Bundesgerichtshof.

20     Nos seus despachos de reenvio, este órgão jurisdicional, referindo embora que, segundo um entendimento mais estrito, baseado nas brochuras explicativas da Comissão relativas aos Regulamentos n.os 1475/95 e 1400/2002, a necessidade de reorganização não se pode justificar apenas com a entrada em vigor do Regulamento n.° 1400/2002, mas com base em razões económicas, considera que a referida entrada em vigor tem inevitavelmente consequências na estrutura interna dos sistemas de distribuição. Com efeito, não só razões económicas, mas também jurídicas podiam tornar necessária a reestruturação de uma rede de distribuição. Além disso, o sistema de distribuição é um componente estrutural da referida rede. Por último, o Regulamento n.° 1400/2002 cria a necessidade de uma alteração de amplitude desconhecida, uma vez que a combinação, até esse momento largamente difundida, de distribuição exclusiva e de distribuição selectiva deixou de estar isenta. Os fabricantes devem escolher entre um destes dois sistemas. Ora, no quadro da distribuição selectiva, quase sempre escolhido, as restrições territoriais e a protecção territorial dos concessionários já não são autorizadas. Além disso, a venda e os serviços pós‑venda devem ser dissociados e a exclusividade da marca desaparece em grande parte.

21     Ora, caso não fosse possível a um fabricante adaptar ou denunciar atempadamente os contratos existentes e celebrar novos contratos, antes do termo da fase de transição, todas as cláusulas restritivas da concorrência passariam a ser nulas a partir de 1 de Outubro de 2003, em conformidade com o artigo 81.° CE, uma vez que as restrições admitidas ao abrigo do Regulamento n.° 1475/95 constituiriam, em parte, restrições graves por força do artigo 4.° do Regulamento n.° 1400/2002, que teriam como consequência a inaplicabilidade da isenção de todas as cláusulas restritivas da concorrência dos referidos acordos. Daí resultaria, dentro da rede de distribuição, uma situação jurídica dual, em que os distribuidores que não estivessem dispostos a aceitar uma adaptação do seu acordo ao novo regulamento teriam uma posição mais livre. Ora, um fabricante não pode aceitar estas perturbações, mesmo que apenas por um período de um ano.

22     Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se mesmo sobre se a questão da legalidade da resolução do acordos de distribuição não carece de objecto. Com efeito, por força do direito nacional, a invalidade das cláusulas restritivas da concorrência determina a inaplicabilidade total dos acordos em causa a partir de 1 de Outubro de 2003. Segundo este órgão jurisdicional, as indicações fornecidas pela Comissão na sua brochura explicativa relativa ao Regulamento n.° 1400/2002 opõem‑se , contudo, a esta consequência e abonam a favor de uma interpretação restritiva do artigo 4.° deste regulamento.

23     Nestas condições, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do [Regulamento n.° 1475/95] deve ser interpretado no sentido de que a necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da rede de distribuição e o direito, dependente desta necessidade, de o fornecedor denunciar os contratos com os distribuidores da sua rede de distribuição mediante um pré‑aviso de um ano podem também resultar do facto de, na sequência da entrada em vigor do [Regulamento n.° 1400/2002], se terem tornado necessárias modificações profundas no sistema de distribuição até aí praticado pelo fornecedor e pelos seus distribuidores, que era baseado no [Regulamento n.° 1475/95] e estava isento por força deste regulamento?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão:

O artigo 4.° do [Regulamento n.° 1400/2002] deve ser interpretado no sentido de que as cláusulas restritivas da concorrência incluídas num contrato de concessão que, segundo este regulamento, constituem, em si, restrições graves [‘lista negra’ das cláusulas proibidas] não devem excepcionalmente conduzir à inaplicabilidade da isenção da proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE a todas as cláusulas restritivas da concorrência constantes desse contrato, após o termo, em 30 de Setembro de 2003, do prazo transitório de um ano previsto no artigo 10.° desse regulamento, se esse contrato tiver sido celebrado na vigência do [Regulamento n.° 1475/95], em conformidade com este regulamento e estiver isento ao abrigo do mesmo?

Isto aplica‑se também, em qualquer caso, se, nos termos do direito nacional, a nulidade, prescrita pelo direito comunitário, de todas as cláusulas do contrato restritivas da concorrência tiver como consequência a nulidade de todo o contrato?»

24     Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2006, os processos C‑376/05 e C‑377/05 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

25     Nas observações apresentadas no Tribunal de Justiça e na audiência, a BMW contestou a validade das disposições do artigo 5.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1475/95, essencialmente por estas serem contrárias ao artigo 81.°, n.° 3, CE, designadamente, por um lado, porque subordinam a aplicação da isenção por categoria a restrições da concorrência suplementares que não são indispensáveis nem para benefício dos consumidores e, por outro, na medida em que se fundamentam em considerações de ordem social sem relação com a concorrência.

26     Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, apenas ao órgão jurisdicional de reenvio cabe definir o objecto das questões que pretende submeter. Com efeito, compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, aos quais é submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade da decisão judicial a proferir, apreciar, face às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para poderem proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdãos de 16 de Março de 1999, Castelletti, C‑159/97, Colect., p. I‑1597, n.° 14, e de 6 de Julho de 2006, Kersbergen‑Lap e D. Dams‑Schipper, C‑154/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 21).

27     Ora, com os seus pedidos de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende apenas obter a interpretação das disposições do artigo 5.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1475/95. Não indica que tem dúvidas quanto à validade destas disposições ou que esta questão lhe foi colocada nos processos principais.

28     Nestas condições, uma vez que o artigo 234.° CE não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional, o Tribunal de Justiça não pode ser obrigado a apreciar a validade do direito comunitário apenas porque esta questão foi invocada perante o mesmo por uma destas partes nas suas observações (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2000, ATB e o., C‑402/98, Colect., p. I‑5501, n.os 30 e 31, e de 10 de Janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, Colect., p. I‑403, n.° 28).

29     Consequentemente, como a Comissão alegou com razão na audiência, não há que examinar a questão da validade das disposições do artigo 5.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1475/95 suscitada pela BMW.

 Quanto à primeira questão

30     Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta no essencial se a entrada em vigor do Regulamento n.° 1400/2002 podia tornar necessária a reorganização da totalidade ou de uma parte substancial da rede de distribuição de um fornecedor na acepção do artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95 e, portanto, justificar a aplicação do direito de resolução com o pré‑aviso de um ano previsto nesta disposição.

31     Importa recordar que, no acórdão de 7 de Setembro de 2006, Vulcan Silkeborg (C‑125/05, ainda não publicado na Colectânea), o Tribunal de Justiça já respondeu a esta questão, decidindo que, embora a entrada em vigor do Regulamento n.° 1400/2002 não tenha tornado, por si só, necessária a reorganização da rede de distribuição de um fornecedor, na acepção do artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95, esta entrada em vigor pode, no entanto, ter tornado necessária, em função da organização específica da rede de distribuição de cada fornecedor, a introdução de alterações de tal modo significativas que constituam uma verdadeira reorganização da totalidade ou de uma parte substancial da referida rede, na acepção dessa disposição.

32     A esse respeito, o Tribunal de Justiça assinalou, porém, nos n.os 59 a 61 deste acórdão que, apesar de o Regulamento n.° 1400/2002 ter, sem dúvida, introduzido modificações substanciais em relação ao regime de isenção por categoria instituído pelo Regulamento n.° 1475/95, as alterações que os fornecedores podiam efectuar nos seus acordos de distribuição para assegurar que estes continuariam a ser abrangidos pela isenção por categoria podiam resultar de uma simples adaptação dos contratos em vigor à data do termo da vigência deste último regulamento, durante o período transitório de um ano previsto no artigo 10.° do Regulamento n.° 1400/2002. Esta adaptação não implicaria automaticamente nem a necessidade, à luz do direito nacional aplicável, de rescindir esses contratos nem, em qualquer caso, a necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da referida rede de distribuição.

33     Como o Tribunal de Justiça decidiu no n.° 64 do acórdão Vulcan Silkeborg, já referido, é aos órgãos jurisdicionais nacionais ou às instâncias arbitrais que compete apreciar, em função de todos os elementos concretos do litígio que lhes foi submetido, se as alterações realizadas por um fornecedor constituem, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95, uma reorganização da totalidade ou de uma parte substancial da sua rede de distribuição e se esta se tornou necessária com a entrada em vigor do Regulamento n.° 1400/2002.

34     A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou nos n.os 29 e 30 deste mesmo acórdão que uma «reorganização da totalidade ou de uma parte substancial da rede» na acepção do referido artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, exige uma modificação significativa, tanto no plano material como no plano geográfico, das estruturas de distribuição do fornecedor em causa, que pode incidir, designadamente, sobre a natureza ou a forma dessas estruturas, o seu objecto, a repartição das tarefas internas no seio dessas estruturas, as modalidades de fornecimento dos produtos e serviços em causa, o número ou a qualidade dos participantes nessas estruturas e a sua cobertura geográfica.

35     Contrariamente ao alegado, no caso em apreço, pelas demandantes no processo principal, se nada o impõe, também nada exclui que esta reorganização possa resultar da alteração das cláusulas de um acordo de distribuição na sequência da entrada em vigor de um novo regulamento de isenção. O Tribunal de Justiça declarou, de resto, no n.° 54 do acórdão Vulcan Silkeborg, já referido, que o Regulamento n.° 1400/2002 introduziu modificações substanciais em relação ao regime de isenção por categoria instituído pelo Regulamento n.° 1475/95, prevendo regras mais rigorosas do que as estabelecidas por este último regulamento para a isenção de determinadas restrições da concorrência abrangidas pela proibição prevista no artigo 81.°, n.° 1, CE.

36     Quanto à condição prevista no artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95, relativa à «necessidade» de reorganização, o Tribunal de Justiça referiu no n.° 37 do acórdão Vulcan Silkeborg, já referido, que esta condição exige que a reorganização possa ser justificada de forma plausível por motivos de eficácia económica baseados em circunstâncias objectivas internas ou externas à empresa do fornecedor, que, sem uma reorganização rápida da rede de distribuição e tendo em conta o ambiente concorrencial em que o fornecedor opera, poderiam prejudicar a eficácia das estruturas existentes dessa rede.

37     Por conseguinte, contrariamente ao defendido pela Comissão, o simples facto de o fornecedor considerar, baseando‑se numa apreciação comercial subjectiva da situação da sua rede de distribuição, que é necessária uma reorganização desta última não basta, por si só, para demonstrar a necessidade de tal reorganização, na acepção do artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95. Pelo contrário, são relevantes a este respeito as eventuais consequências económicas desfavoráveis que um fornecedor poderia sofrer na hipótese de rescindir o acordo de distribuição com um pré‑aviso de dois anos (acórdão Vulcan Silkeborg, já referido, n.° 38).

38     Por conseguinte, há que responder à primeira questão que a entrada em vigor do Regulamento n.° 1400/2002 não tornou, por si só, necessária a reorganização da rede de distribuição de um fornecedor, na acepção do artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95. Todavia, essa entrada em vigor pode ter tornado necessária, em função da organização específica da rede de distribuição de cada fornecedor, a introdução de alterações de tal modo significativas que constituam uma verdadeira reorganização da referida rede, na acepção dessa disposição. Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais e às instâncias arbitrais apreciar se é este o caso, em função de todos os elementos concretos do litígio que lhes foi submetido.

 Quanto à segunda questão

39     Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o facto de um acordo de distribuição que preenche as condições de isenção previstas pelo Regulamento n.° 1475/95 conter restrições à concorrência proibidas pelo artigo 4.° do Regulamento n.° 1400/2002 implica necessariamente que, após o termo do prazo de transição previsto no artigo 10.° deste último regulamento, a isenção por categoria prevista neste passa a ser inaplicável a todas as cláusulas restritivas da concorrência constantes desse acordo, em particular quando, por força do direito nacional, daí resulte a nulidade de todo o acordo.

40     Resulta do despacho de reenvio que esta questão é colocada para o caso de a resolução de um acordo com pré‑aviso de um ano efectuada na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.° 1400/2002, como a efectuada pela BMW no caso em apreço, ser considerada contrária ao artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se este acordo, não tendo sido rescindido legalmente pelo fornecedor, está, de qualquer modo, por força do direito nacional, ferido de nulidade total a partir de 1 de Outubro de 2003, não podia, em qualquer caso, ser executado, como pedem as demandantes no processo principal, em relação ao período que decorre até 30 de Setembro de 2004. Este órgão jurisdicional pergunta, por conseguinte, se, a título excepcional, o artigo 4.° do Regulamento n.° 1400/2002 não deve ser interpretado no sentido de que, neste caso, a disposição em causa não conduz à inaplicabilidade da isenção por categoria ao referido acordo.

41     Resulta da resposta à primeira questão que a entrada em vigor do Regulamento n.° 1400/2002 pode, em determinados casos, justificar a aplicação do direito de resolução com o pré‑aviso de um ano previsto no artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1475/95. Todavia, como se referiu no n.° 38 do presente acórdão, compete unicamente ao órgão jurisdicional nacional apreciar, em função de todos os elementos concretos dos litígios que lhe foram submetidos, se as condições previstas nesta última disposição estão preenchidas nos processos principais.

42     Nestas circunstâncias, uma vez que não se pode excluir que a resolução dos acordos com pré‑aviso de um ano efectuada no caso vertente não preencha estas condições, importa responder de igual forma à segunda questão, a fim de fornecer a este órgão jurisdicional todos os elementos que possam ser úteis para a apreciação do litígio que lhe foi submetido (v., neste sentido, acórdãos de 29 de Abril de 2004, Weigel, C‑387/01, Colect., p. I‑4981, n.° 44, e de 21 de Fevereiro de 2006, Ritter‑Coulais, C‑152/03, Colect., p. I‑1711, n.° 29).

43     A este respeito, importa recordar que o artigo 10.° do Regulamento n.° 1400/2002 visa, como resulta do trigésimo sexto considerando do referido regulamento, instaurar um período transitório a fim de permitir que todos os operadores tenham tempo para adaptar a este regulamento os acordos compatíveis com o Regulamento n.° 1475/95 que estavam ainda em vigor à data do termo da vigência deste último regulamento. Para este efeito, a referida disposição prevê que a proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE não é aplicável a estes acordos durante o período de 1 de Outubro de 2002 a 30 de Setembro de 2003

44     Resulta assim claramente dos próprios termos do artigo 10.° do Regulamento n.° Por conseguinte, resulta claramente dos próprios termos do artigo 10.° do Regulamento n.° 1400/2002 que a proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE era aplicável a partir de 1 de Outubro de 2003 aos acordos que não tivessem sido adaptados a fim de satisfazer as condições de isenção previstas no referido regulamento.

45     Ora, segundo a própria redacção do artigo 4.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1400/2002 e como resulta do seu décimo segundo considerando, a própria redacção do artigo 4.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1400/2002, e como resulta do décimo segundo considerando deste, a isenção prevista pelo referido regulamento não é aplicável a acordos que tenham por objecto pelo menos uma das restrições graves enunciadas no referido artigo 4.°, n.° 1.

46     Daí resulta que, contrariamente ao sugerido pelo órgão jurisdicional de reenvio, e como alegaram todas as partes que apresentaram observações, após o termo do referido período de transição, a isenção por categoria prevista pelo Regulamento n.° 1400/2002, como referiu correctamente o advogado‑geral no n.° 30 das suas conclusões, era inaplicável aos acordos que, embora concluídos em conformidade com o Regulamento n.° 1475/95, tivessem por objecto uma das referidas restrições graves.

47     Quando um acordo não preenche as condições previstas por um regulamento de isenção, as cláusulas contratuais nele contidas podem ser proibidas pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, se as condições de aplicação desta disposição estiverem reunidas e os requisitos de uma isenção nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE não se encontrarem preenchidos.

48     As consequências da proibição das cláusulas contratuais incompatíveis com o artigo 81.° CE para todos os outros elementos do acordo e para outras obrigações que dele resultem não são, contudo, abrangidas pelo direito comunitário. Portanto, compete também ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz do direito nacional aplicável, o alcance e as consequências, para o conjunto das relações contratuais, de uma eventual proibição de certas cláusulas contratuais em virtude do artigo 81.° CE (v., neste sentido, acórdãos de 18 de Dezembro de 1986, VAG France, 10/86, Colect., p. 4071, n.os 14 e 15, e de 30 de Abril de 1998, Cabour, C‑230/96, Colect., p. I‑2055, n.° 51).

49     As demandantes no processo principal consideram, no entanto, que, atendendo ao primado do artigo 5.° do Regulamento n.° 1475/95 e dos artigos 4.° e 10.° do Regulamento n.° 1400/2002, o direito nacional deve ser interpretado em conformidade com o direito comunitário, de forma a que a proibição das cláusulas contratuais restritivas da concorrência não conduza automaticamente à nulidade total do acordo. Segundo as mesmas, esta consequência só deveria ser considerada se o distribuidor recusasse, sem motivo sério, as cláusulas contratuais propostas pelo fornecedor para se adaptar à alteração da situação jurídica.

50     Esta tese não pode ser aceite. Com efeito, quando um acordo tem por objecto uma das restrições graves enumeradas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1400/2002, não é absolutamente contrário ao direito comunitário que a proibição das cláusulas contratuais restritivas da concorrência deste acordo conduza, segundo o direito nacional, à nulidade total do acordo, uma vez que esta disposição, por um lado, enuncia, como resulta do décimo segundo considerando do referido regulamento, as restrições mais graves à concorrência no sector em causa e, por outro, prevê a inaplicabilidade da isenção por categoria a todo o acordo referido.

51     Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 4.° do Regulamento n.° 1400/2002 deve ser interpretado no sentido de que, após o termo do período transitório previsto no artigo 10.° deste regulamento, a isenção por categoria nele prevista era inaplicável a todos os contratos que preenchessem as condições de isenção por categoria previstas pelo Regulamento n.° 1475/95, mas que tivessem por objecto pelo menos uma das restrições graves enunciadas no referido artigo 4.°, pelo que todas as cláusulas contratuais restritivas da concorrência contidas nestes contratos podiam ser proibidas pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, se os requisitos de uma isenção nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE não estivessem preenchidos.

 Quanto às despesas

52     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      A entrada em vigor do Regulamento (CE) n.° 1400/2002 da Comissão, de 31 de Julho de 2002, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado a certas categorias de acordos verticais e práticas concertadas no sector automóvel, não tornou, por si só, necessária a reorganização da rede de distribuição de um fornecedor, na acepção do artigo 5.°, n.° 3, primeiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento (CE) n.° 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado […] a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós‑venda de veículos automóveis. Todavia, essa entrada em vigor pode ter tornado necessária, em função da organização específica da rede de distribuição de cada fornecedor, a introdução de alterações de tal modo significativas que constituam uma verdadeira reorganização da referida rede, na acepção dessa disposição. Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais e às instâncias arbitrais apreciar se é este o caso, em função de todos os elementos concretos do litígio que lhes foi submetido.

2)      O artigo 4.° do Regulamento n.° 1400/2002 deve ser interpretado no sentido de que, após o termo do período transitório previsto no artigo 10.° deste regulamento, a isenção por categoria nele prevista era inaplicável a todos os contratos que preenchessem as condições de isenção por categoria previstas pelo Regulamento n.° 1475/95, mas que tivessem por objecto pelo menos uma das restrições graves enunciadas no referido artigo 4.°, pelo que todas as cláusulas contratuais restritivas da concorrência contidas nestes contratos podiam ser proibidas pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, se os requisitos de uma isenção nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE não estivessem preenchidos.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

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