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Document 62005CJ0284

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 15 de Dezembro de 2009.
Comissão Europeia contra República da Finlândia.
Incumprimento de Estado - Importação de equipamento militar com isenção de direitos aduaneiros.
Processo C-284/05.

Colectânea de Jurisprudência 2009 I-11705

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:778

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

15 de Dezembro de 2009 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Importação de equipamento militar com isenção de direitos aduaneiros»

No processo C-284/05,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.o CE, entrada em 15 de Julho de 2005,

Comissão Europeia, representada por G. Wilms e P. Aalto, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República da Finlândia, representada por T. Pynnä, E. Bygglin, J. Heliskoski e A. Guimaraes-Purokoski, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

apoiada por:

Reino da Dinamarca, representado por J. Molde, na qualidade de agente,

República Federal da Alemanha, representada por M. Lumma e U. Forsthoff, na qualidade de agentes,

República Helénica, representada por E.-M. Mamouna e K. Boskovits, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. De Bellis, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, na qualidade de agente,

Reino da Suécia, representado por A. Falk, na qualidade de agente,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, E. Levits e C. Toader, presidentes de secção, C. W. A. Timmermans, A. Borg Barthet (relator), M. Ilešič, J. Malenovský e U. Lõhmus, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Novembro de 2008,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 10 de Fevereiro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede que o Tribunal de Justiça declare que a República da Finlândia não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 26.o CE, do artigo 20.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «Código Aduaneiro Comunitário»), e, consequentemente, da pauta aduaneira comum, ao isentar de direitos aduaneiros a importação de equipamento militar, durante os anos de 1998 a 2002, e também não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 2.o e 9.o a 11.o do Regulamento (CEE, Euratom) n.o 1552/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, relativo à aplicação da Decisão 88/376/CEE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (JO L 155, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (Euratom, CE) n.o 1355/96 do Conselho, de 8 de Julho de 1996 (JO L 175, p. 3, a seguir «Regulamento n.o 1552/89»), e dos mesmos artigos do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1150/2000 do Conselho, de 22 de Maio de 2000, relativo à aplicação da Decisão 94/728/CE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (JO L 130, p. 1), ao recusar-se a calcular, a apurar e a pôr à disposição da Comissão os recursos próprios relativos a essa importação e ao recusar-se a pagar os juros de mora devidos por não ter posto à disposição da Comissão os referidos recursos próprios.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

2

O artigo 2.o, n.o 1, das Decisões 88/376/CEE, Euratom do Conselho de 24 de Junho de 1988 relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (JO L 185, p. 24), e 94/728/CE, Euratom do Conselho, de 31 de Outubro de 1994, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO L 293, p. 9), prevê:

«Constituem recursos próprios inscritos no orçamento das Comunidades as receitas provenientes:

[…]

b)

Dos direitos da Pauta Aduaneira Comum e dos outros direitos estabelecidos ou a estabelecer pelas instituições das Comunidades sobre as trocas comerciais com países não membros e dos direitos aduaneiros sobre os produtos abrangidos pelo Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço;

[…]»

3

O artigo 20.o do Código Aduaneiro Comunitário dispõe:

«1.   Os direitos legalmente devidos em caso de constituição de uma dívida aduaneira serão baseados na Pauta Aduaneira das Comunidades Europeias.

[…]

3.   A Pauta Aduaneira das Comunidades Europeias compreende:

a)

A Nomenclatura Combinada das mercadorias;

[…]

c)

As taxas e os outros elementos de cobrança normalmente aplicáveis às mercadorias abrangidas pela Nomenclatura Combinada no que respeita:

aos direitos aduaneiros e

[…]

d)

As medidas pautais preferenciais incluídas em acordos que a Comunidade tenha concluído com determinados países ou grupos de países e que prevejam a concessão de um tratamento pautal preferencial;

e)

As medidas pautais preferenciais adoptadas unilateralmente pela Comunidade em benefício de determinados países, grupos de países ou territórios;

f)

As medidas autónomas de suspensão que prevejam a redução ou a isenção dos direitos de importação aplicáveis a determinadas mercadorias;

g)

As outras medidas pautais previstas por outras legislações comunitárias.

[…]»

4

O artigo 217.o, n.o 1, do Código Aduaneiro Comunitário enuncia:

«O montante de direitos de importação ou de direitos de exportação resultante de uma dívida aduaneira, a seguir designado ‘montante de direitos’, deverá ser calculado pelas autoridades aduaneiras logo que estas disponham dos elementos necessários e deverá ser objecto de uma inscrição efectuada por essas autoridades nos registos contabilísticos ou em qualquer outro suporte equivalente (registo de liquidação).

[…]»

5

No âmbito da colocação à disposição da Comissão dos recursos próprios das Comunidades, o Conselho da União Europeia adoptou o Regulamento n.o 1552/89, aplicável no período em causa no presente processo até 30 de Maio de 2000. Este regulamento foi substituído, a partir de 31 de Maio de 2000, pelo Regulamento n.o 1150/2000 que procede à codificação do Regulamento n.o 1552/89, sem modificar o seu conteúdo.

6

O artigo 2.o do Regulamento n.o 1552/89 prevê:

«1.   Para efeitos da aplicação do presente regulamento, um direito das Comunidades sobre os recursos próprios referidos no n.o 1, alíneas a) e b), do artigo 2.o da Decisão 88/376/CEE, Euratom considera-se apurado assim que se encontrem preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor.

1A.   A data a considerar para o apuramento referido no n.o 1 é a data do registo de liquidação previsto na regulamentação aduaneira.

[…]»

7

O artigo 9.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

«Segundo as regras definidas no artigo 10.o, cada Estado-Membro inscreverá os recursos próprios a crédito da conta aberta para o efeito em nome da Comissão junto do Tesouro ou do organismo por ele designado.

A manutenção desta conta está isenta de encargos.»

8

Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, do referido regulamento:

«Após dedução de 10% a título de despesas de cobrança nos termos do n.o 3 do artigo 2.o da Decisão 88/376/CEE, Euratom, o lançamento dos recursos próprios referidos no n.o 1, alíneas a) e b), do artigo 2.o dessa decisão efectuar-se-á o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após aquele em que o direito tiver sido apurado nos termos do artigo 2.o

[…]»

9

O artigo 11.o do Regulamento n.o 1552/89 dispõe:

«Qualquer atraso nos lançamentos na conta referida no n.o 1 do artigo 9.o implicará o pagamento, pelo Estado-Membro em causa, de um juro a uma taxa igual à taxa de juro aplicada, na data do vencimento, no mercado monetário desse Estado-Membro, aos financiamentos a curto prazo, acrescida de dois pontos. Essa taxa aumentará 0,25 ponto por cada mês de atraso. A taxa assim aumentada aplicar-se-á durante todo o período de atraso.»

10

Nos termos do artigo 22.o do Regulamento n.o 1150/2000:

«O Regulamento (CEE, Euratom) n.o 1552/89 é revogado.

As referências feitas ao regulamento revogado devem entender-se como feitas ao presente regulamento e ser lidas de acordo com o quadro de correspondência que consta da parte A do anexo.»

11

Assim, à parte a circunstância de os Regulamentos n.os 1552/89 e 1150/2000 remeterem, designadamente, um, para a Decisão 88/376 e, o outro, para a Decisão 94/728, os artigos 2.o e 9.o a 11.o dos dois regulamentos são, no essencial, idênticos.

12

A taxa de 10% referida no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1150/2000 foi aumentada para 25% pela Decisão 2000/597/CE, Euratom do Conselho, de 29 de Setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO L 253, p. 42).

13

O primeiro considerando da referida decisão enuncia:

«O Conselho Europeu, reunido em Berlim, em 24 e 25 de Março de 1999, concluiu, nomeadamente, que o sistema de recursos próprios das Comunidades deve ser equitativo e transparente, apresentar uma boa relação custos/benefícios, ser simples e basear-se em critérios que exprimam o melhor possível a capacidade contributiva de cada Estado-Membro.»

14

O Regulamento (CE) n.o 150/2003 do Conselho, de 21 de Janeiro de 2003, que suspende os direitos de importação relativos a determinado armamento e equipamento militar (JO L 25, p. 1), adoptado com base no artigo 26.o CE, enuncia, no seu quinto considerando:

«A fim de ter em consideração a protecção da confidencialidade militar dos Estados-Membros, é necessário definir procedimentos administrativos específicos para a concessão do benefício da suspensão de direitos. Uma declaração emitida pela autoridade competente do Estado-Membro a cujas Forças Armadas se destinam o armamento ou o equipamento militar constituiria uma adequada garantia de que estão preenchidas essas condições. Essa declaração poderia também ser utilizada como declaração aduaneira, como o exige o código aduaneiro e deveria assumir a forma de um certificado. É conveniente especificar a forma que deverá apresentar esse certificado e permitir também a utilização de meios informáticos para a declaração.»

15

O artigo 1.o deste regulamento prevê:

«O presente regulamento determina as condições para a suspensão autónoma de direitos aduaneiros sobre determinado armamento e equipamento militar importados de países terceiros pelas autoridades encarregadas da defesa militar dos Estados-Membros, ou em seu nome.»

16

O artigo 3.o, n.o 2, do mesmo regulamento enuncia:

«Sem prejuízo do n.o 1, por razões de confidencialidade militar, o certificado e as mercadorias importadas poderão ser submetidos a outras autoridades designadas pelo Estado de importação para o efeito. Nesses casos, a autoridade competente do Estado-Membro que emite o certificado deverá enviar às autoridades aduaneiras do seu Estado-Membro todos os anos, até 31 de Janeiro e até 31 de Julho, um relatório de síntese sobre essas importações. O relatório deverá abranger o período de seis meses imediatamente anterior ao mês em que o relatório deve ser apresentado e deverá incluir o número e a data de emissão dos certificados, a data da importação, e o valor total e o peso bruto dos produtos importados com os certificados.»

17

Em conformidade com o seu artigo 8.o, o Regulamento n.o 150/2003 é aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2003.

Procedimento pré-contencioso

18

A Comissão tinha instaurado contra a República da Finlândia, em 2001, um primeiro processo relativo à importação, com isenção de direitos aduaneiros sobre a importação, de material destinado a fins militares. Foi posto termo a este processo em 2003, ano durante o qual foi instaurado contra o referido Estado-Membro o processo na origem do presente litígio.

19

Por carta de 15 de Outubro de 2003, a Comissão enviou uma notificação para cumprir à República da Finlândia, para que esta efectuasse os cálculos necessários a fim de determinar o montante dos recursos próprios não pagos à Comunidade pela importação de equipamento militar com isenção de direitos aduaneiros no respeitante aos exercícios orçamentais de 1998 a 2002, colocasse estes recursos à disposição da Comissão e pagasse os juros de mora devidos em aplicação do artigo 11.o do Regulamento n.o 1150/2000.

20

Na sua resposta de 11 de Dezembro de 2003, a República da Finlândia entendeu que, em razão da sua situação específica, podia, ao abrigo do artigo 296.o, n.o 1, alínea b), CE, derrogar a pauta aduaneira comum, quando a importação respeitasse a equipamento exclusivamente destinado a fins militares, isto para proteger os interesses essenciais da sua segurança.

21

Após ter tomado conhecimento da resposta da República da Finlândia, a Comissão, em 7 de Julho de 2004, emitiu um parecer fundamentado, convidando este Estado-Membro a tomar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento num prazo de dois meses a contar da sua recepção. O referido Estado-Membro respondeu a este parecer fundamentado em 2 de Setembro de 2004, reiterando e precisando as considerações apresentadas anteriormente.

22

Tendo em conta os elementos assim fornecidos pela República da Finlândia, a Comissão, considerando que este Estado-Membro não tinha dado cumprimento ao parecer fundamentado, propôs a presente acção.

23

Por despacho de 13 de Setembro de 2007, o presidente do Tribunal de Justiça admitiu a intervenção do Reino da Dinamarca, da República Federal da Alemanha, da República Helénica, da República Italiana, da República Portuguesa e do Reino da Suécia, em apoio dos pedidos da República da Finlândia.

Quanto à acção

Argumentos das partes

24

A Comissão alega que a República da Finlândia invoca sem razão o artigo 296.o CE, para recusar o pagamento dos direitos aduaneiros correspondentes às importações em causa, uma vez que a cobrança destes não ameaça os interesses essenciais da segurança deste Estado-Membro.

25

A Comissão considera errado o argumento da República da Finlândia que consiste na alegação de que as informações relativas às importações de equipamentos militares, e, portanto, à segurança deste Estado-Membro, não lhe podiam ser transmitidas e que, consequentemente, não teria de pagar os direitos aduaneiros em causa.

26

A Comissão considera que as medidas que criam derrogações ou excepções, como, designadamente, o artigo 296.o CE, devem ser interpretadas de modo estrito. Assim, o Estado-Membro em causa, que reivindica a aplicação deste artigo, deve demonstrar que preenche todos os requisitos nele previstos, quando pretende derrogar o artigo 20.o do Código Aduaneiro Comunitário, do qual consta o princípio geral da cobrança dos direitos, tal como previsto no artigo 26.o CE.

27

A Comissão entende igualmente que a mera circunstância de os produtos figurarem na lista estabelecida pela Decisão 255/58 do Conselho, de 15 de Abril de 1958, lista que define os produtos aos quais se pode aplicar o artigo 296.o, n.o 1, alínea b), CE, não é suficiente, por si só, para implicar a aplicação desta disposição, que pressupõe que todos os requisitos constantes da mesma estejam preenchidos.

28

Consequentemente, a Comissão alega que cabe à República da Finlândia fazer a prova concreta e circunstanciada de que a cobrança dos direitos aduaneiros de importação em causa no presente processo ameaça os interesses essenciais da segurança deste Estado-Membro.

29

A este respeito, a Comissão considera não ter recebido uma resposta detalhada que prove, baseando-se tanto quanto possível em dados precisos, que, se a República da Finlândia cobrasse os direitos aduaneiros sobre as importações em questão, previstos pela regulamentação aduaneira comunitária, não estaria em condições de proteger suficientemente os interesses essenciais da sua segurança. Nem a invocação das cláusulas de confidencialidade contidas nas convenções internacionais nem a argumentação deste Estado-Membro segundo a qual os segredos militares obstam à aplicação da regulamentação aduaneira comunitária constituem tal prova.

30

A Comissão afirma que, em nenhum momento, exigiu a violação de cláusulas de confidencialidade. Apenas solicitou que os direitos aduaneiros em causa fossem cobrados e postos à sua disposição. Considera que, em conformidade com a regulamentação comunitária, o processo de cobrança dos direitos aduaneiros é adequado para garantir a confidencialidade dos dados tratados. Por outro lado, incumbe à República da Finlândia velar pelo respeito da obrigação de confidencialidade, não podendo invocar que os interesses da sua segurança estão ameaçados e alegar que as suas próprias autoridades aduaneiras não respeitam as regras do Código Aduaneiro Comunitário na matéria.

31

A Comissão assinala igualmente que nenhum Estado-Membro que tenha cumprido a regulamentação aduaneira comunitária se queixou da forma como as instituições comunitárias trataram as informações relativas à cobrança dos direitos aduaneiros sobre a importação de equipamento militar e ao pagamento dos recursos correspondentes à Comunidade.

32

A Comissão sublinha que a não cobrança dos direitos aduaneiros em questão pela República da Finlândia origina uma desigualdade entre os Estados-Membros em relação às suas contribuições respectivas para o orçamento comunitário.

33

A República da Finlândia entende que, nos termos do artigo 296.o, n.o 1, alínea b), CE, os Estados-Membros dispõem de um vasto poder de apreciação relativamente às medidas que tomam com vista a proteger os interesses essenciais da sua própria segurança e que se referem aos produtos a que as disposições do referido n.o 1, alínea b), se aplicam. Assim, esta disposição permite-lhes derrogar o artigo 26.o CE e o Código Aduaneiro Comunitário, no caso de importação de equipamento exclusivamente destinado a fins militares, com o objectivo de proteger os interesses essenciais da sua segurança, atendendo à situação específica do Estado-Membro em causa.

34

A República da Finlândia considera que o artigo 296.o CE tem um âmbito de aplicação geral e não se limita a certas disposições do Tratado. Por conseguinte, permite derrogar a aplicação do artigo 26.o CE, que é uma disposição destinada a servir de base jurídica ao legislador comunitário para a adopção de regulamentação aduaneira.

35

A República da Finlândia entende que lhe compete avaliar as medidas requeridas para a defesa dos interesses essenciais da sua segurança e considera que, para que o Tribunal de Justiça possa fiscalizar se o Estado-Membro em causa não abusa dos seus direitos, cabe a este Estado precisar os interesses essenciais da sua segurança que invoca e demonstrar que tomou as medidas em questão na convicção de que eram necessárias para garantir estes interesses.

36

A República da Finlândia alega que não podia respeitar o processo aduaneiro comunitário para a importação do material de defesa em questão, sem correr o risco de que informações essenciais à sua segurança chegassem ao conhecimento de terceiros. Acrescenta que, para preservar a segurança de aprovisionamento em material de defesa de alta tecnologia, devia respeitar rigorosamente os acordos de confidencialidade concluídos com os Estados vendedores antes da sua adesão à União Europeia.

37

No que respeita mais concretamente ao pagamento dos direitos aduaneiros, a República da Finlândia entende que a necessidade de invocar o artigo 296.o CE, quando da importação de equipamento militar, depende essencialmente da questão de saber se o Estado-Membro em causa tem uma indústria militar de alguma importância, da natureza do material de defesa a importar e da questão de saber até que ponto este Estado-Membro depende das importações. Com efeito, incumbe ao Estado-Membro em causa velar pelos interesses essenciais da sua segurança e determinar que disposições do Tratado é obrigado a derrogar com base no artigo 296.o CE.

38

A República da Finlândia sublinha que a lista de equipamento militar que isenta de direitos aduaneiros não é, no essencial, mais extensa que a referida no artigo 296.o, n.o 2, CE. Acrescenta que, nos termos do Regulamento n.o 150/2003, a cobrança de direitos aduaneiros sobre a importação deste equipamento foi igualmente excluída a contar de 1 de Janeiro de 2003. A partir desta data, os interesses da República da Finlândia no que respeita a material de defesa importado foram protegidos pelas disposições deste regulamento. No entanto, existe uma necessidade equivalente para os produtos importados anteriormente. A República da Finlândia salienta que os seus interesses em matéria de material de defesa importado eram idênticos tanto no mês de Dezembro de 2002 como no mês de Janeiro de 2003.

39

A República da Finlândia sustenta que o facto de um Estado-Membro ter isentado o material militar de direitos aduaneiros sobre a importação, com base no artigo 296.o CE, não viola necessariamente o princípio da boa gestão financeira que impõe uma repartição equitativa da carga orçamental entre os Estados-Membros.

40

A República da Finlândia é também de opinião de que o artigo 307.o CE não se aplica ao caso em apreço, dado o seu comportamento ter sido conforme com o direito comunitário, e designadamente com o artigo 296.o CE. Em resposta à Comissão e a título subsidiário, este Estado-Membro alega, contudo, que as cláusulas de confidencialidade contidas nos contratos celebrados antes da sua adesão à União Europeia, mas parcialmente executados após essa adesão, não podiam ser postas em causa ou renegociadas, sob risco de pôr em perigo a própria execução dos contratos e, portanto, a sua segurança.

41

A título subsidiário, a República da Finlândia pede, no que respeita ao pagamento de eventuais juros de mora, que estes sejam devidos apenas a partir da data da prolação do presente acórdão, atendendo à duração particularmente longa do processo e à recusa da Comissão de encetar negociações com vista a um pagamento condicional.

Apreciação do Tribunal

42

O Código Aduaneiro Comunitário prevê a cobrança de direitos aduaneiros sobre a importação de material de uso militar, como o que está em causa, proveniente de países terceiros. Nenhuma disposição da regulamentação aduaneira comunitária previa, para o período das importações controvertidas, isto é, para o período decorrente de 1 de Janeiro de 1998 a 31 de Dezembro de 2002, uma isenção específica de direitos aduaneiros sobre a importação deste tipo de material. Consequentemente, também não existia, para este período, a isenção expressa da obrigação de pagar às autoridades competentes os devidos direitos, acrescidos, sendo caso disso, de juros de mora.

43

Além disso, pode deduzir-se da adopção do Regulamento n.o 150/2003, que prevê a suspensão dos direitos aduaneiros relativos a determinado armamento e equipamento militar a partir de 1 de Janeiro de 2003, que o legislador comunitário partiu da hipótese de que a obrigação de pagar os referidos direitos aduaneiros existia antes desta data.

44

A República da Finlândia em nenhum momento negou a existência das importações controvertidas durante o período considerado. Limitou-se a contestar o direito da Comunidade aos recursos próprios em causa, alegando ao mesmo tempo que, nos termos do artigo 296.o CE, a obrigação de pagar direitos aduaneiros sobre o material de armamento importado de países terceiros causa um grave prejuízo aos interesses essenciais da sua segurança.

45

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ainda que caiba aos Estados-Membros adoptar as medidas adequadas para garantir a sua segurança interna e externa, daqui não resulta, no entanto, que tais decisões escapem totalmente à aplicação do direito comunitário (v. acórdãos de 26 de Outubro de 1999, Sirdar, C-273/97, Colect., p. I-7403, n.o 15, e de 11 de Janeiro de 2000, Kreil, C-285/98, Colect., p. I-69, n.o 15). Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça já declarou, o Tratado só prevê derrogações expressas aplicáveis em caso de situações susceptíveis de pôr em causa a segurança pública nos artigos 30.o CE, 39.o CE, 46.o CE, 58.o CE, 64.o CE, 296.o CE e 297.o CE, os quais se referem a situações excepcionais bem delimitadas. Daí não poderá deduzir-se que existe uma reserva geral, inerente ao Tratado, que exclua do âmbito de aplicação do direito comunitário todas as medidas tomadas por razões de segurança pública. Reconhecer a existência de tal reserva, para além das condições específicas estabelecidas nas disposições do Tratado, seria correr o risco de pôr em causa o carácter obrigatório e a aplicação uniforme do direito comunitário (v. acórdão de 11 de Março de 2003, Dory, C-186/01, Colect., p. I-2479, n.o 31 e jurisprudência referida).

46

Além disso, as derrogações previstas nos artigos 296.o CE e 297.o CE devem, como é jurisprudência constante quanto às derrogações das liberdades fundamentais (v., designadamente, acórdãos de 31 de Janeiro de 2006, Comissão/Espanha, C-503/03, Colect., p. I-1097, n.o 45, de 18 de Julho de 2007, Comissão/Alemanha, C-490/04, Colect., p. I-6095, n.o 86, e de 11 de Setembro de 2008, Comissão/Alemanha, C-141/07, Colect., p. I-6935, n.o 50), ser interpretadas de forma estrita.

47

No que respeita, mais concretamente, ao artigo 296.o CE, há que assinalar que, embora este artigo faça referência a medidas que um Estado-Membro pode considerar necessárias à protecção dos interesses essenciais da sua própria segurança ou a informações cuja divulgação considere contrária a estes interesses, o mesmo não pode ser interpretado de modo a conferir aos Estados-Membros o poder de derrogar disposições do Tratado através da mera invocação dos referidos interesses.

48

Além disso, no domínio do imposto sobre o valor acrescentado, o Tribunal de Justiça, no acórdão de 16 de Setembro de 1999, Comissão/Espanha (C-414/97, Colect., p. I-5585), declarou o incumprimento em causa, por o Reino de Espanha não ter demonstrado que a isenção do referido imposto sobre as importações e as aquisições de armamento, de munições e de material para uso exclusivamente militar, isenção prevista pela lei espanhola, era justificada, ao abrigo do artigo 296.o, n.o 1, alínea b), CE, pela necessidade de proteger os interesses essenciais da segurança deste Estado-Membro.

49

Consequentemente, é ao Estado-Membro que invoca o benefício do artigo 296.o CE que cabe fazer a prova da necessidade de recorrer à derrogação prevista neste artigo com o fim de proteger os interesses essenciais da sua segurança.

50

À luz destas considerações, não se pode admitir que um Estado-Membro invoque o encarecimento do material militar em razão da aplicação de direitos aduaneiros sobre as importações desse material proveniente de países terceiros, para, em detrimento dos outros Estados-Membros que, pela sua parte, cobram e pagam os direitos aduaneiros relativos a tais importações, tentar subtrair-se ao cumprimento das obrigações que lhe impõe a solidariedade financeira em relação ao orçamento comunitário.

51

No que respeita ao argumento segundo o qual os procedimentos aduaneiros comunitários não são adequados para garantir a segurança da República da Finlândia, atendendo às exigências de confidencialidade contidas nos acordos celebrados com os Estados exportadores, há que assinalar, como observa correctamente a Comissão, que a aplicação do regime aduaneiro comunitário implica a intervenção de agentes, comunitários e nacionais, que estão vinculados, se necessário, por uma obrigação de confidencialidade, em caso de tratamento de dados sensíveis, de forma a proteger os interesses essenciais da segurança dos Estados-Membros.

52

Por outro lado, as declarações que os Estados-Membros devem completar e enviar à Comissão de forma periódica não pressupõem que se atinja um nível de precisão tal que cause prejuízo aos interesses dos referidos Estados, tanto em matéria de segurança como de confidencialidade.

53

Nestas condições, em conformidade com o artigo 10.o CE relativo à obrigação imposta aos Estados-Membros de facilitar à Comissão o cumprimento da sua missão que consiste em velar pelo respeito do Tratado, estes são obrigados a pôr à disposição desta instituição os documentos necessários à verificação da regularidade da transferência dos recursos próprios da Comunidade. No entanto, esta obrigação não obsta, como assinalou o advogado-geral no n.o 168 das suas conclusões, a que os Estados-Membros, casuística e excepcionalmente, com base no artigo 296.o CE, possam restringir a determinados elementos de um documento a informação transmitida, ou recusá-la completamente.

54

Atendendo às considerações precedentes, a República da Finlândia não demonstrou que os pressupostos necessários para a aplicação do artigo 296.o CE estivessem reunidos.

55

Quanto ao pedido da República da Finlândia no sentido de uma limitação dos efeitos do presente acórdão, no que respeita à obrigação de pagar juros de mora, no período posterior à data da prolação do mesmo, há que assinalar que este pedido foi motivado pela duração particularmente longa do processo e pela recusa da Comissão de encetar negociações com vista a um pagamento condicional.

56

A este respeito, há que lembrar que só a título excepcional é que o Tribunal de Justiça pode, por força do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar, para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé, uma disposição que o Tribunal interpretou (v., designadamente, acórdão de 23 de Maio de 2000, Buchner e o., C-104/98, Colect., p. I-3625, n.o 39).

57

O Tribunal de Justiça só recorreu a essa solução em circunstâncias bem precisas, quando existia um risco de repercussões económicas graves devidas, em especial, ao número elevado de relações jurídicas constituídas de boa fé, com base na regulamentação considerada validamente em vigor, e quando se verificava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido incitados a um comportamento não conforme com a regulamentação comunitária, em virtude de uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das disposições comunitárias, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adoptados por outros Estados-Membros ou pela Comissão (acórdão de 12 de Setembro de 2000, Comissão/Reino Unido, C-359/97, Colect., p. I-6355, n.o 91).

58

Mesmo supondo que os acórdãos proferidos nos termos do artigo 226.o CE tenham os mesmos efeitos que os proferidos nos termos do artigo 234.o CE e que, portanto, considerações de segurança jurídica possam tornar necessária, a título excepcional, a limitação dos seus efeitos no tempo (v. acórdãos de 7 de Junho de 2007, Comissão/Grécia, C-178/05, Colect., p. I-4185, n.o 67; de 12 de Fevereiro de 2009, Comissão/Polónia, C-475/07, n.o 61; e de 26 de Março de 2009, Comissão/Grécia, C-559/07, n.o 78), basta constatar que a República da Finlândia, nas suas observações ou na audiência, de maneira nenhuma procurou demonstrar a existência de um risco de repercussões económicas graves.

59

O pedido da República da Finlândia relativo à limitação no tempo dos efeitos do presente acórdão deve, consequentemente, ser julgado improcedente.

60

Resulta do exposto que a República da Finlândia não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 26.o CE, do artigo 20.o do Código Aduaneiro Comunitário e, consequentemente, da Pauta Aduaneira Comum, ao isentar de direitos aduaneiros a importação de equipamento militar, durante os anos de 1998 a 2002, e também não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 2.o e 9.o a 11.o do Regulamento n.o 1552/89 e dos mesmos artigos do Regulamento n.o 1150/2000, ao recusar-se a calcular, a apurar e a pôr à disposição da Comissão os recursos próprios relativos a essa importação e ao recusar-se a pagar os juros de mora devidos por não ter posto à disposição da Comissão os referidos recursos próprios.

Quanto às despesas

61

Por força do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Finlândia e tendo esta sido vencida nos seus fundamentos, há que condená-la nas despesas.

62

Em conformidade com o disposto no n.o 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, a República Italiana, a República Portuguesa e o Reino da Suécia, que intervieram no processo, suportam as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

A República da Finlândia não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 26.o CE, do artigo 20.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, e, consequentemente, da Pauta Aduaneira Comum, ao isentar de direitos aduaneiros a importação de equipamento militar, durante os anos de 1998 a 2002, e também não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 2.o e 9.o a 11.o do Regulamento (CEE, Euratom) n.o 1552/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, relativo à aplicação da Decisão 88/376/CEE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades, conforme alterado pelo Regulamento (Euratom, CE) n.o 1355/96 do Conselho, de 8 de Julho de 1996, e dos mesmos artigos do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1150/2000 do Conselho, de 22 de Maio de 2000, relativo à aplicação da Decisão 94/728/CE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades, ao recusar-se a calcular, a apurar e a pôr à disposição da Comissão das Comunidades Europeias os recursos próprios relativos a essa importação e ao recusar-se a pagar os juros de mora devidos por não ter posto à disposição da Comissão das Comunidades Europeias os referidos recursos próprios.

 

2)

A República da Finlândia é condenada nas despesas.

 

3)

O Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, a República Italiana, a República Portuguesa e o Reino da Suécia suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: finlandês.

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