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Document 62005CJ0134

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 18 de Julho de 2007.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
    Incumprimento de Estado - Livre prestação de serviços - Direito de estabelecimento - Recuperação extrajudicial de créditos.
    Processo C-134/05.

    Colectânea de Jurisprudência 2007 I-06251

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:435

    Processo C‑134/05

    Comissão das Comunidades Europeias

    contra

    República Italiana

    «Incumprimento de Estado – Livre prestação de serviços – Direito de estabelecimento – Recuperação extrajudicial de créditos»

    Sumário do acórdão

    Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Livre prestação de serviços – Recuperação extrajudicial de créditos

    (Artigos 43.° CE e 49.° CE)

    Ao prever que qualquer empresa que exerça a actividade de recuperação extrajudicial de créditos tem a obrigação de:

    – requerer, ainda que disponha de uma autorização emitida pela autoridade competente de uma província, uma nova autorização em cada uma das outras províncias em que pretenda exercer as suas actividades, salvo se mandatar um representante autorizado nessa outra província, um Estado‑Membro não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 49.° CE;

    – dispor de instalações no território abrangido pela autorização e afixar nessas instalações as prestações oferecidas aos clientes, um Estado‑Membro não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE;

    – dispor de instalações em cada província em que pretenda exercer as suas actividades, um Estado‑Membro não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE.

    (cf. n.os 47, 64, 66, 87 e disp.)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    18 de Julho de 2007 (*)

    «Incumprimento de Estado – Livre prestação de serviços – Direito de estabelecimento – Recuperação extrajudicial de créditos»

    No processo C‑134/05,

    que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 22 de Março de 2005,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Traversa, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por P. Gentili, Avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Lenaerts, E. Juhász, K. Schiemann e E. Levits (relator), juízes,

    advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

    secretário: L. Hewlett, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 5 de Outubro de 2006,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de Dezembro de 2006,

    profere o presente

    Acórdão

    1        Com a sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao submeter o exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos a uma série de condições, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 49.° CE.

     Quadro jurídico

    2        O texto unificado das Leis relativas à segurança pública (Testo unico delle leggi di pubblica sicurezza), aprovado pelo Decreto real n.° 773, de 18 de Junho de 1931 (GURI n.° 146, de 26 de Junho de 1931, a seguir «texto unificado»), prevê o que se segue.

    3        Nos termos do artigo 115.° do texto unificado:

    «Não é permitido abrir ou gerir agências de penhores ou outras agências de negócios, independentemente do seu objecto e duração, ainda que sob a forma de agências de venda, de exposições, de salões ou de feiras comerciais e outras, sem autorização emitida pelo questore [autoridade policial local].

    A autorização é igualmente necessária para o exercício da profissão de corretor ou de intermediário.

    Entre as agências visadas pelo presente artigo encontram‑se, em particular, as agências destinadas à recolha de informações destinadas a ser difundidas em boletins ou noutros meios de comunicação similares.

    A autorização é válida exclusivamente para as instalações nela indicadas.

    É autorizada a representação.»

    4        Nos termos do artigo 8.° do texto unificado:

    «As autorizações policiais são pessoais: em caso algum podem ser transmitidas ou dar lugar a relações de representação, salvo nos casos expressamente previstos na lei.

    Nos casos em que a representação é permitida no âmbito de uma autorização de polícia, o representante deve ter as qualificações necessárias para obter a autorização e ser aprovado pela autoridade policial que emitiu a autorização.»

    5        O artigo 9.° do texto unificado prevê:

    «Para além dos requisitos previstos na lei, todo aquele que tenha obtido uma autorização policial deve respeitar as indicações que a autoridade de segurança pública considere, no interesse geral, dever impor‑lhe.»

    6        O artigo 11.° do texto unificado dispõe:

    «Sem prejuízo dos requisitos específicos previstos na lei para cada caso, as autorizações policiais devem ser recusadas:

    1. Às pessoas que tenham sido objecto de uma condenação a uma pena privativa da liberdade superior a três anos por crime cometido intencionalmente e que não tenham sido reabilitadas;

    2. Às pessoas que tenham sido objecto de uma advertência ou de uma medida de segurança, que tenham sido declaradas delinquentes habituais ou profissionais ou que tenham tendências criminosas.

    As autorizações policiais podem ser recusadas às pessoas que tenham sido condenadas por crimes contra o Estado ou contra a ordem pública ou por crimes contra pessoas cometidos com violência, ou ainda por furto, roubo, extorsão, sequestro de uma pessoa para efeitos de roubo ou de extorsão, ou por violência ou resistência à autoridade, bem como a quem não consiga provar ser pessoa de boa conduta.

    As autorizações devem ser revogadas sempre que os requisitos a que estão sujeitas deixam de estar reunidas, no todo ou em parte, em relação à pessoa autorizada, e podem ser revogadas sempre que surjam circunstâncias novas ou se revelem circunstâncias ocultas que teriam imposto ou permitido a recusa da autorização.»

    7        O artigo16.° do texto unificado dispõe:

    «Os funcionários e agentes de segurança pública podem, a qualquer momento, ter acesso aos locais destinados ao exercício de actividades submetidas a autorizações policiais e assegurar o respeito das obrigações impostas por lei, por regulamento ou pelas autoridades.»

    8        O artigo 120.° do texto unificado tem a seguinte redacção:

    «Os comerciantes e as agências públicas referidas nos artigos precedentes são obrigados a ter um registo diário das transacções, sob forma a ser determinada pelo regulamento, e a ter afixada, em permanência e de maneira visível, nas suas instalações, a lista das operações que realizam e as respectivas tarifas.

    Os referidos comerciantes não podem efectuar outras operações além das que são indicadas nessa lista nem aplicar preços superiores aos indicados na tarifa […]»

    9        A circular do Ministério do Interior 559/C 22103.12015, de 2 de Julho de 1996 (a seguir «circular»), dirigida a todos os questori do Estado italiano, completa e interpreta determinadas disposições do texto unificado.

    10      Essa circular indica, nomeadamente, que é necessário estabelecer parâmetros objectivos e homogéneos, a fim de evitar que as tarifas praticadas numa mesma província sejam muito diferentes.

    11      No que respeita à compatibilidade do exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos com o exercício de outras actividades sujeitas a regras diferentes, a circular precisa que deve entender‑se que as agências de recuperação de créditos «não podem realizar as operações financeiras reguladas pelo Decreto legislativo n.° 385/93 [relativo ao texto unificado das Leis em matéria bancária e creditícia (Testo unico delle legi in materia bancaria e creditizia), de 1 de Setembro de 1993 (suplemento ordinário do GURI n.° 230, de 30 de Setembro de 1993, a seguir ‘lei sobre as actividades bancárias e de crédito’)], que são operações exclusivamente reservadas aos intermediários financeiros expressamente inscritos no registo ad hoc do Ministério do Tesouro».

     Fase pré‑contenciosa

    12      Em 21 de Março de 2002, considerando que determinadas disposições do texto unificado, como as precisadas e completadas pela circular, são incompatíveis com os artigos 43.° CE e 49.° CE, a Comissão enviou à República Italiana uma notificação para cumprir.

    13      Contestando a existência de uma infracção aos artigos do Tratado CE acima referidos, as autoridades italianas responderam que tinha sido constituído um grupo de trabalho encarregado de proceder a um exame aprofundado da regulamentação em causa para efeitos de uma revisão da mesma.

    14      Depois de solicitar às referidas autoridades a comunicação dos resultados da actividade desse grupo, a Comissão recebeu, no decurso do mês de Maio de 2004, uma carta em que se anunciava a preparação de um projecto de lei destinado a rever a regulamentação em causa.

    15      Todavia, visto que nem o texto nem o calendário para a adopção desse projecto lhe foram comunicados, a Comissão, em 7 de Julho de 2004, dirigiu um parecer fundamentado à República Italiana, convidando este Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer no prazo de dois meses a contar da sua recepção. Tendo considerado que a situação continuava insatisfatória, a Comissão intentou a presente acção.

     Quanto à acção

    16      Como fundamento da sua acção, a Comissão formula oito acusações relativas às condições e às obrigações impostas pela regulamentação em vigor em Itália para o exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos nesse Estado‑Membro.

    17      Estas acusações são relativas, respectivamente:

    –        à incompatibilidade com o artigo 49.° CE da condição respeitante à obtenção de uma autorização emitida pelo questore;

    –        à incompatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE da limitação territorial da autorização;

    –        à incompatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE da obrigação de dispor de instalações no território abrangido pela autorização;

    –        à incompatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE da obrigação de mandatar um representante autorizado para o exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos numa província para a qual o operador não disponha de autorização;

    –        à incompatibilidade com o artigo 49.° CE da obrigação de afixar, nas respectivas instalações, as prestações oferecidas aos clientes;

    –        à incompatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE da faculdade atribuída ao questore de impor condições suplementares destinadas a garantir o respeito da segurança pública no interesse geral;

    –        à incompatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE da limitação da liberdade de fixar as tarifas; e

    –        à incompatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE da proibição de também exercer as actividades visadas pela lei sobre as actividades bancárias e de crédito.

     Quanto à primeira acusação, relativa à incompatibilidade com o artigo 49.° CE da condição respeitante à obtenção de uma autorização emitida pelo questore

     Argumentos das partes

    18      A Comissão alega que a regulamentação italiana, na medida em que sujeita o exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos à obtenção de uma autorização emitida pelo questore, constitui uma restrição à livre prestação de serviços. Segundo a Comissão, esta restrição não é compatível com o artigo 49.° CE, uma vez que se aplica aos operadores estabelecidos noutro Estado‑Membro sem ter em consideração o respeito, por estes operadores, das obrigações estabelecidas na legislação do Estado‑Membro de origem destinadas a proteger o interesse público.

    19      A este respeito, a República Italiana afirma, em primeiro lugar, que a actividade de recuperação extrajudicial de créditos tem um interesse geral superior. Este facto justifica que o artigo 115.° do texto unificado exija, tanto aos nacionais italianos como aos de outros Estados‑Membros, que disponham de uma autorização para poderem exercer essa actividade. Esta autorização é emitida por um questore.

    20      O referido governo precisa, de seguida, que a regulamentação nacional se aplica da mesma maneira aos nacionais italianos e aos nacionais residentes de outros Estados‑Membros e que não assenta de forma alguma em condições, como a da residência, que possam levar a uma discriminação indirecta dos nacionais de outros Estados‑Membros em relação aos nacionais italianos. Além disso, insiste no facto de nem o artigo 115.° do texto unificado nem a circular determinarem, nem mesmo implicitamente, que a situação jurídica do interessado no seu Estado‑Membro de origem não seja tomada em consideração no âmbito do procedimento de concessão da autorização.

    21      Na prática, a situação é a seguinte: qualquer pessoa que pretenda exercer uma actividade de recuperação extrajudicial de créditos, de realização de leilões públicos, de relações públicas ou de agência matrimonial deve apresentar junto de um questore um pedido de autorização nos termos do artigo 115.° do texto unificado. Este pedido é apresentado mediante o depósito de um formulário, disponível na Internet, e de que um exemplar foi apresentado ao Tribunal de Justiça na audiência de 5 de Outubro de 2006, pelo qual o interessado declara, em substância, não incorrer em nenhuma das causas de impedimento redibitórias previstas no artigo 11.° do texto unificado.

    22      Em conformidade com o artigo 2.° da Lei n.° 241/90, que estabelece novas normas em matéria de procedimento administrativo e de direito de acesso aos documentos administrativos (Nuove norme in materia di procedimento amministrativo e di diritto di accesso ai documenti amministrativi), de 7 de Agosto de 1990 (GURI n.° 192, de 18 de Agosto de 1990, p. 7), essa declaração é examinada no prazo de 30 dias a contar da apresentação do pedido de autorização. Quando não haja nenhum elemento que faça o questore ter dúvidas quanto à exactidão da referida declaração, a autorização é concedida. Caso contrário, realizam‑se as verificações que se considerem necessárias. Para este fim, o questore dirige‑se, se for o caso, às autoridades do Estado‑Membro de origem do requerente da autorização. As informações ou documentos fornecidos neste âmbito por essas autoridades são tidas em conta sem serem reexaminadas ou por qualquer forma postas em causa.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    23      Cumpre desde logo observar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, uma regulamentação nacional que sujeite a realização de determinadas prestações de serviços no território nacional, por uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro, à concessão de uma autorização administrativa constitui uma restrição à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 49.° CE (v., designadamente, acórdãos de 7 de Outubro de 2004, Comissão/Países Baixos, C‑189/03, Colect., p. I‑9289, n.° 17, e de 21 de Setembro de 2006, Comissão/Áustria, C‑168/04, Colect., p. I‑9041, n.° 40).

    24      Segue‑se que uma legislação como a que está em causa no presente processo é, em princípio, contrária ao artigo 49.° CE e, por conseguinte, proibida por este artigo, a menos que seja justificada, designadamente, por razões imperativas de interesse geral.

    25      A este respeito, importa observar que o Tribunal de Justiça declarou que, ao excluir que se atenda às obrigações a que o prestador de serviços transfronteiriço já está sujeito no Estado‑Membro em que está estabelecido, uma regulamentação nacional excede o que é necessário para alcançar o objectivo pretendido, que é o de garantir um controlo rigoroso das referidas actividades (acórdão de 29 de Abril de 2004, Comissão/Portugal, C‑171/02, Colect., p. I‑5645, n.° 60, e acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 18).

    26      Há que salientar que, na audiência, a República Italiana expôs com detalhe a prática seguida para a emissão de uma autorização ao abrigo do artigo 115.° do texto unificado. Esta prática, descrita nos n.os 21 e 22 do presente acórdão, limita‑se na realidade a solicitar ao interessado que apresente, por meio de um formulário disponível na Internet, uma mera declaração de «boa conduta», na acepção do artigo 11.° do texto unificado, dispondo a autoridade competente do prazo de 30 dias para analisar o conteúdo dessa declaração.

    27      A existência da prática assim descrita não foi posta em causa pela Comissão na audiência e o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que permita duvidar da realidade dessa prática.

    28      Visto que o formulário em causa está, nomeadamente, disponível na Internet, pode considerar‑se que o sistema de concessão de autorizações para o exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos tem uma publicidade adequada.

    29      Ora, a exigência de uma declaração de «boa conduta», na acepção do artigo 11.° do texto unificado, fica muito aquém da exigência de fornecer documentos à autoridade competente. Na medida em que incumbe ao prestador de serviços declarar que não se encontra numa das situações mencionadas nesse artigo, sem distinguir a situação de uma pessoa estabelecida em Itália da situação de uma pessoa estabelecida noutro Estado‑Membro, não pode sustentar‑se que o referido procedimento não tem em conta o respeito, por esse prestador, das obrigações previstas pela regulamentação do seu Estado de origem.

    30      Por conseguinte, não se pode considerar que a prática italiana vá além do que é necessário para atingir o objectivo prosseguido, que consiste em assegurar um controlo rigoroso das actividades de recuperação extrajudicial de créditos. Esta prática é, assim, conforme com o princípio da proporcionalidade.

    31      Resulta do que precede que a condição respeitante à obtenção prévia de uma autorização para o exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos, como prevista pela regulamentação italiana e aplicada na prática, é justificada por razões relacionadas com o interesse geral.

    32      Nestas condições, a primeira acusação da Comissão é improcedente.

     Quanto à sexta acusação, relativa à incompatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE da faculdade atribuída ao questore de impor condições suplementares destinadas a garantir o respeito da segurança pública no interesse geral

     Argumentos das partes

    33      Segundo a Comissão, o facto de o questore poder, em virtude do artigo 9.° do texto unificado, impor condições suplementares às previstas pela lei, não conhecidas de antemão dos operadores em causa, destinadas a garantir o respeito da segurança pública no interesse geral, viola os artigos 43.° CE e 49.° CE.

    34      Em relação a essas condições, mencionadas sob a epígrafe «Advertências» no formulário referido no n.° 21 do presente acórdão, a República Italiana observa que, dado que o poder de apreciação da Administração está claramente limitado pelo artigo 11.° do texto unificado, os requisitos previstos no artigo 9.° do texto unificado são marginais e residuais. Por conseguinte, essas condições não dissuadirão realmente os interessados de operar em Itália. Além disso, tendo em conta circunstâncias variáveis e imprevisíveis, é inevitável que a Administração possa ter necessidade de efectuar avaliações particulares caso a caso. Portanto, seria excessivo exigir que a lei previsse rigorosamente todos os critérios a ter em conta pela Administração.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    35      Como observa a República Italiana, não há dúvida que a autoridade de segurança pública nacional deve poder gozar de um certo poder de apreciação das situações caso a caso e que pode ver‑se obrigada a impor condições aos titulares de uma autorização policial sem que estas possam ser determinadas de antemão.

    36      Como resulta da própria letra do artigo 9.° do texto unificado, este prevê que todo aquele que tenha obtido uma autorização policial deve respeitar as condições que a autoridade de segurança pública considere, no interesse geral, dever impor‑lhe.

    37      Apesar de essa disposição não precisar as condições a que uma pessoa pode estar sujeita no exercício de uma actividade de recuperação extrajudicial de créditos em Itália, a Comissão não demonstrou que exista uma situação de incerteza jurídica susceptível de afectar o acesso ao mercado italiano dos serviços de recuperação extrajudicial de créditos.

    38      Com efeito, a Comissão não apresenta qualquer exemplo do exercício desse poder, com base no qual se pudesse sustentar um entrave ao estabelecimento em Itália de empresas que aí desejem exercer actividades de recuperação extrajudicial de créditos e ao exercício destas actividades nesse Estado‑Membro por uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro.

    39      Ora, a existência de um entrave às liberdades de circulação e de estabelecimento não pode ser deduzida do simples facto de uma autoridade nacional dispor do poder de completar o quadro jurídico regulador de uma actividade num dado momento, submetendo posteriormente essa actividade a condições suplementares.

    40      Por conseguinte, a sexta acusação da Comissão é igualmente improcedente.

     Quanto à terceira (em parte) e quinta acusações, relativas à incompatibilidade com o artigo 49.° CE das obrigações de dispor de instalações no território abrangido pela autorização e de nestas afixar as prestações oferecidas aos clientes

     Argumentos das partes

    41      A Comissão alega que a obrigação de dispor de instalações no território abrangido pela autorização, decorrente do artigo 115.°, quarto parágrafo, do texto unificado, equivale a exigir que o operador se estabeleça nesse território, o que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, seria manifestamente contrário ao princípio da livre prestação de serviços garantido pelo artigo 49.° CE. Daqui decorre, segundo a Comissão, que a obrigação conexa de afixar nessas instalações a lista das prestações oferecidas aos clientes, imposta pelo artigo 120.° do texto unificado, é, também ela, contrária ao artigo 49.° CE.

    42      A República Italiana considera que a obrigação de dispor de instalações no território abrangido pela autorização é justificada pela necessidade de permitir, no interesse geral, à autoridade de segurança pública aceder, para efeitos da sua fiscalização, aos documentos relativos às operações efectuadas em Itália. Consequentemente, a obrigação conexa de afixar a lista das prestações oferecidas, prevista em relação a todas as agências públicas cujas actividades estão sujeitas à obtenção de uma autorização, também é compatível com a livre prestação de serviços garantida pelo Tratado.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    43      Importa desde logo recordar que é jurisprudência assente que a condição segundo a qual o prestador de serviços deve ter a sua sede de exploração no Estado‑Membro em que o serviço é prestado contraria directamente a livre prestação de serviços, na medida em que torna impossível a prestação, nesse Estado, de serviços por prestadores estabelecidos noutros Estados‑Membros (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Comissão/Áustria, C‑257/05, não publicado na Colectânea, n.° 21 e jurisprudência aí referida). De resto, a República Italiana não contesta que a obrigação de dispor de instalações no território abrangido pela autorização constitui um entrave, em princípio proibido, à livre prestação de serviços garantida pelo artigo 49.° CE.

    44      Ora, esse entrave à livre prestação de serviços não pode ser justificado pelo objectivo invocado pela República Italiana.

    45      Com efeito, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, medidas restritivas da livre prestação de serviços só podem ser justificadas por razões imperativas de interesse geral se forem necessárias para a protecção dos interesses que visam garantir e na medida em que tais objectivos não possam ser alcançados através de medidas menos restritivas (v., neste sentido, acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Comissão/Áustria, já referido, n.° 23 e jurisprudência aí referida).

    46      Ora, a fiscalização das actividades das empresas de recuperação extrajudicial de créditos e dos seus documentos relativos às operações efectuadas em Itália não está de forma alguma condicionada à existência de instalações de que as referidas empresas devam dispor nesse Estado‑Membro. Do mesmo modo, as prestações efectuadas por estas empresas podem ser dadas a conhecer aos clientes por meios menos restritivos do que a afixação em instalações criadas para este fim, entre outros a publicação num jornal local ou uma publicidade adequada.

    47      Cumpre, pois, declarar que, ao obrigar as pessoas que queiram exercer actividades de recuperação extrajudicial de créditos a dispor de instalações no território abrangido pela autorização e a afixar nessas instalações as prestações oferecidas aos clientes, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE.

     Quanto à segunda e quarta acusações, relativas à incompatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE da limitação territorial da autorização para o exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos e da obrigação de mandatar um representante autorizado para o exercício dessa actividade numa província para a qual o operador não disponha de autorização, e quanto à terceira acusação, na medida em que respeita à incompatibilidade com o artigo 43.° CE da obrigação de dispor de instalações em cada província

     Argumentos das partes

    48      A Comissão considera que o facto de a autorização emitida pelo questore só ser válida na província sob a autoridade deste último constitui uma restrição tanto à liberdade de estabelecimento como à livre prestação de serviços. Dado que o território italiano está dividido em 103 províncias, o número de autorizações a obter para poder exercer a actividade de recuperação extrajudicial de créditos em todo o território representa um obstáculo quase insuperável para um operador económico de outro Estado‑Membro.

    49      Segundo a Comissão, essa restrição, que tem consequências no que respeita tanto à representação como às instalações de que o operador deve dispor em cada província, não é justificada por imperativos ligados à segurança pública nem, mais especificamente, por uma maior eficácia na fiscalização das actividades em causa.

    50      Com efeito, a Comissão sustenta que essa fiscalização pode ser organizada ao nível nacional, efectuando eventualmente algumas fiscalizações ao nível local, mas sem que seja necessário impor aos operadores que disponham de uma autorização para cada província onde exerçam as suas actividades. Essa fiscalização podia ainda ser feita de maneira eficaz por meio de trocas de informações entre as autoridades de segurança pública das diferentes províncias onde os operadores pretendessem exercer as suas actividades.

    51      Além disso, a Comissão questiona a capacidade do sistema italiano para atingir o objectivo prosseguido, uma vez que o número de órgãos administrativos implicados, tendo em conta o número de autorizações necessárias, e o número de instalações a fiscalizar, por cada operador, se podem revelar contraprodutivos para efeitos de uma fiscalização eficaz.

    52      A República Italiana contesta a posição da Comissão. Com efeito, tendo em conta a sua natureza específica, a actividade em causa está ligada a condições económicas locais. É, pois, indispensável que o questore avalie, antes da concessão de uma autorização, a situação no território abrangido pela sua competência. Se as autorizações tiverem uma validade geográfica maior que o território da província para a qual são solicitadas, essa avaliação não poderá ser feita noutra província, ainda que a situação nesta última possa ser diferente.

    53      A República Italiana acrescenta que, dado que se admite que a actividade em causa pode ser fiscalizada por uma autoridade de segurança pública, o que não é contestado pela Comissão, não compete nem a esta última nem ao Tribunal de Justiça determinar as modalidades técnicas concretas de acordo com as quais a fiscalização deve ser realizada.

    54      No que respeita ao número de órgãos implicados nessa fiscalização, a República Italiana não vê em que pode esse dado influenciar a apreciação da capacidade de um sistema de fiscalização para atingir o seu objectivo.

    55      A República Italiana conclui que o sistema de autorizações territoriais é justificado por razões imperativas de interesse geral e que é proporcionado ao objectivo prosseguido, ainda que outros sistemas sejam possíveis.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    56      Nos termos da regulamentação em causa, uma empresa só pode exercer actividades de recuperação extrajudicial de créditos na província para a qual a autorização lhe é concedida, salvo se mandatar um representante autorizado para exercer essas actividades noutra província. Além disso, uma empresa só pode obter uma autorização para o exercício dessas actividades noutras províncias se dispuser de instalações em cada uma delas.

    57      Ainda que se apliquem de forma idêntica aos operadores estabelecidos numa província italiana que desejem alargar as suas actividades a outras províncias e aos operadores provenientes de outros Estados‑Membros que desejem exercer as suas actividades em várias províncias italianas, essas regras constituem, não obstante, para os operadores não estabelecidos em Itália, um obstáculo sério ao exercício das suas actividades nesse Estado‑Membro, que afecta o seu acesso ao mercado.

    58      Com efeito, na medida em que exigem que um operador originário de outro Estado‑Membro que deseje exercer as suas actividades em várias províncias italianas não se limite a uma única implantação no território italiano, mas, pelo contrário, disponha de instalações em cada uma dessas províncias, salvo se mandatar um representante autorizado, essas regras colocam‑no numa situação desvantajosa em relação aos operadores italianos implantados em Itália, que já possuem instalações em pelo menos uma das províncias e que dispõem, normalmente, de maiores facilidades do que os operadores estrangeiros para estabelecer contactos com operadores autorizados a exercer noutras províncias para, se for o caso, lhes conferirem um mandato de representação (v., neste sentido, acórdão de 5 de Outubro de 2004, CaixaBank France, C‑442/02, Colect., p. I‑8961, n.os 12 e 13).

    59      No que respeita aos argumentos avançados pela República Italiana para justificar esse entrave às liberdades garantidas pelos artigos 43.° CE e 49.° CE, cumpre observar que nem a limitação territorial da autorização nem a obrigação de dispor de instalações na província para a qual a autorização foi concedida podem, sem mais, ser qualificadas de inadequadas para atingir o objectivo da eficácia da fiscalização das actividades em causa que lhes é atribuído.

    60      Todavia, como observado pela Comissão, essas regras ultrapassam o que é necessário para atingir esse objectivo, na medida em que este último pode ser atingido através de meios menos restritivos.

    61      Como referido no n.° 27 do presente acórdão, o sistema italiano prevê a concessão de uma autorização territorial com base numa declaração de «boa conduta», na acepção do artigo 11.° do texto unificado. Se essa declaração foi verificada pela autoridade competente na província onde foi apresentada e se essa autoridade concedeu uma autorização ao interessado, não tem sentido a apresentação da mesma declaração a outras autoridades provinciais.

    62      Com efeito, uma autorização emitida pelo questore de uma província deveria ser suficiente para se poder exercer actividades de recuperação extrajudicial de créditos em todo o território italiano, a menos que a declaração na base dessa autorização se tornasse inexacta, o que o seu titular é obrigado a declarar.

    63      Na medida em que a República Italiana alega que o reconhecimento, pelas autoridades competentes de uma província, de uma autorização emitida noutra província contraria o facto de a concessão de tal autorização depender, além disso, da avaliação das condições económicas locais pelo questore de cada província, basta recordar que, em conformidade com jurisprudência assente, qualquer regime de autorização prévia deve basear‑se em critérios objectivos, não discriminatórios e conhecidos de antemão pelos interessados (acórdãos de 13 de Maio de 2003, Comissão/Espanha, C‑463/00, Colect., p. I‑4581, n.° 69 e jurisprudência aí referida, e de 16 de Maio de 2006, Watts, C‑372/04, Colect., p. I‑4325, n.° 116). Dado que essa avaliação é desprovida de critérios objectivos e conhecidos de antemão pelas empresas em causa, esse argumento não pode justificar o não reconhecimento, pelo questore de uma província, de uma autorização emitida pelo questore de outra província.

    64      Há pois que declarar que, ao obrigar uma empresa de recuperação extrajudicial de créditos que dispõe de uma autorização para o exercício dessa actividade emitida pelo questore de uma província a requerer uma nova autorização em cada uma das outras províncias em que pretenda exercer as suas actividades, salvo se mandatar um representante autorizado nessa outra província, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 49.° CE.

    65      No que respeita à obrigação de as empresas de recuperação extrajudicial de créditos disporem de instalações em cada província em que pretendam exercer as suas actividades, basta recordar que, como observado no n.° 46 do presente acórdão, a fiscalização das actividades dessas empresas e dos seus documentos relativos às actividades exercidas de forma alguma é condicionada pelo facto de essas empresas deverem dispor de instalações nessa província.

    66      Ao obrigar as empresas de recuperação extrajudicial de créditos a disporem de instalações em cada província em que pretendam exercer as suas actividades, a República Italiana também não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE.

     Quanto à sétima acusação, relativa à incompatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE da limitação da liberdade de fixar as tarifas

     Argumentos das partes

    67      A Comissão alega que as disposições da circular dirigida aos questori, que indicavam que era necessário estabelecer parâmetros objectivos e homogéneos para evitar tarifas demasiadamente divergentes numa mesma província, carecem de transparência e de previsibilidade. Segundo a Comissão, constituem um entrave às liberdades consagradas nos artigos 43.° CE e 49.° CE, ao afectarem mais os operadores estrangeiros do que os operadores italianos.

    68      Além disso, a Comissão alega que essas disposições não correspondem a um objectivo de protecção da segurança pública e recorda, a este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual as razões justificativas susceptíveis de ser invocadas por um Estado‑Membro devem ser acompanhadas de uma análise da oportunidade e da proporcionalidade da medida restritiva em causa. Ora, a República Italiana não invocou argumentos convincentes a este propósito.

    69      O referido governo alega, pelo contrário, que os operadores interessados não são privados da liberdade de fixar tarifas, uma vez que a circular mais não contém do que uma recomendação dirigida aos questori, convidando estes últimos a indicar aos referidos operadores listas de tarifas baseadas em elementos objectivos como os custos ou a relação entre a oferta e a procura do serviço em causa. Segundo o Governo italiano, essas indicações têm como objectivo evitar uma concorrência incontrolada nos preços das prestações, fonte de potenciais problemas de ordem pública nesse sector de actividade.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    70      No que respeita ao artigo 49.° CE, é jurisprudência assente que este artigo se opõe à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados‑Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado‑Membro (v. acórdão de 8 de Setembro de 2005, Mobistar e Belgacom Mobile, C‑544/03 e C‑545/03, Colect., p. I‑7723, n.° 30 e jurisprudência aí referida).

    71      Assim, no que se refere a tarifas mínimas obrigatórias, o Tribunal de Justiça já declarou que uma regulamentação que proíbe de modo absoluto a derrogação por acordo dos honorários mínimos fixados por uma tabela de honorários de advogado para prestações que, por um lado, têm natureza jurídica e, por outro, são reservadas aos advogados constitui uma restrição à livre prestação de serviços prevista no artigo 49.° CE (acórdão de 5 de Dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, Colect., p. I‑11421, n.° 70).

    72      Com efeito, uma proibição dessa natureza priva os operadores económicos estabelecidos noutro Estado‑Membro da possibilidade de competirem mais eficazmente, oferecendo preços inferiores aos fixados por uma tarifa imposta, com os operadores económicos instalados de forma estável no Estado‑Membro em causa e que, por este facto, dispõem de mais facilidades para fidelizar clientela do que os operadores económicos estabelecidos no estrangeiro (v., neste sentido, acórdão Cipolla e o., já referido, n.° 59, e, por analogia, acórdão CaixaBank France, já referido, n.° 13).

    73      Do mesmo modo, essa proibição limita a escolha dos destinatários dos serviços em questão no Estado‑Membro em causa, uma vez que estes não podem recorrer aos serviços de operadores económicos estrangeiros que ofereçam nesse Estado‑Membro as suas prestações a um preço inferior ao resultante dos preços mínimos fixados pela referida tarifa (v., neste sentido, acórdão Cipolla e o., já referido, n.° 60).

    74      Todavia, há que salientar que, no acórdão Cipolla e o., já referido, a proibição qualificada de entrave ao artigo 49.° CE emanava de uma regulamentação em vigor que proibia de modo preciso e absoluto qualquer derrogação, por acordo, a uma tarifa imposta, ao passo que no presente processo está em causa uma mera indicação contida numa circular, dirigida aos questori, qualificada de «recomendação» pela República Italiana e que se limita a solicitar que se fixem determinados «parâmetros objectivos e homogéneos».

    75      Importa, além disso, declarar que, como observado na petição pela própria Comissão, as autoridades italianas não forneceram detalhes sobre as medidas adoptadas com base nessa indicação da circular, que data de 1996. Assim, não é sequer certo que existam listas de tarifas destinadas às empresas de recuperação extrajudicial de créditos.

    76      Decorre do que precede que a Comissão não demonstrou a existência de uma restrição à livre prestação de serviços garantida pelo artigo 49.° CE.

    77      O mesmo se pode afirmar no que respeita à presente acusação, na medida em que diz respeito à incompatibilidade com o artigo 43.° CE da limitação da liberdade de fixar as tarifas.

    78      Nestas condições, há que concluir que a sétima acusação da Comissão não é inteiramente procedente.

     Quanto à oitava acusação, relativa à incompatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE da proibição de também exercer as actividades visadas pela lei sobre as actividades bancárias e de crédito

     Argumentos das partes

    79      A Comissão considera que a incompatibilidade do exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos com o exercício de outras actividades, prevista pela circular, equivale, para os operadores bancários e de crédito de outros Estados‑Membros, a uma proibição, contrária aos artigos 43.° CE e 49.° CE, de exercer a referida actividade de recuperação em Itália.

    80      Na hipótese de as autoridades italianas interpretarem a circular de forma diferente, a disposição controvertida violaria ainda assim esses artigos, em virtude da sua formulação muito equívoca. Com efeito, os referidos operadores não estariam em condições de apreciar de forma clara e precisa se estão ou não autorizados a exercer a actividade de recuperação extrajudicial de créditos em Itália. De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, este facto é suficiente para se declarar uma violação do direito comunitário.

    81      A República Italiana contesta estas alegações. A circular limita‑se a recordar que a actividade de recuperação extrajudicial de créditos não faz parte das actividades de captação de poupança e de crédito reguladas pela lei sobre as actividades bancárias e de crédito e que, por este motivo, a autorização para exercer a primeira actividade não pode valer de autorização para também exercer as segundas.

    82      Segundo esse Estado‑Membro, mesmo que se devesse considerar que o termo «incompatibilidade» é utilizado na circular de forma inadequada, não surgiria qualquer dúvida razoável quanto ao facto de nada impedir que uma pessoa autorizada a exercer os dois tipos de actividades em causa possa exercê‑las simultaneamente.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    83      Há que declarar, por um lado, que a circular trata da competência das empresas de recuperação extrajudicial de créditos no que respeita às operações financeiras reguladas pela lei sobre as actividades bancárias e de crédito e não da proibição de os operadores bancários e de crédito exercerem actividades de recuperação extrajudicial de créditos em Itália.

    84      Por outro lado, cumpre observar que, como defendido pela República Italiana, resulta do texto da circular reproduzido no n.° 11 do presente acórdão que esta se limita a confirmar que a autorização do exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos não implica automaticamente a autorização de exercer as actividades reguladas pela lei sobre as actividades bancárias e de crédito.

    85      Uma vez que da circular não resulta incerteza jurídica no que respeita ao exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos em relação ao exercício das actividades visadas pela lei sobre as actividades bancárias e de crédito, não há entrave à liberdade garantida pelo artigo 49.° CE em relação aos operadores estrangeiros no que respeita ao exercício da actividade de recuperação extrajudicial de créditos em Itália.

    86      Por conseguinte, a oitava acusação deduzida pela Comissão é improcedente.

    87      À luz do que precede, cumpre declarar que, ao prever, no âmbito do texto unificado, que qualquer empresa que exerça a actividade de recuperação extrajudicial de créditos tem a obrigação de:

    –        requerer, ainda que disponha de uma autorização emitida pelo questore de uma província, uma nova autorização em cada uma das outras províncias em que pretenda exercer as suas actividades, salvo se mandatar um representante autorizado nessa outra província, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 49.° CE;

    –        dispor de instalações no território abrangido pela autorização e afixar nessas instalações as prestações oferecidas aos clientes, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE;

    –        dispor de instalações em cada província em que pretenda exercer as suas actividades, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE.

    88      A acção é julgada improcedente quanto ao mais.

     Quanto às despesas

    89      Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal de Justiça pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

    90      No caso vertente, tendo a Comissão e a República Italiana sido parcialmente vencidas, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

    1)      Ao prever, no âmbito do texto unificado das Leis relativas à segurança pública (Testo unico delle leggi di pubblica sicurezza), aprovado pelo Decreto real n.° 773, de 18 de Junho de 1931, que qualquer empresa que exerça a actividade de recuperação extrajudicial de créditos tem a obrigação de:

    –        requerer, ainda que disponha de uma autorização emitida pelo questore de uma província, uma nova autorização em cada uma das outras províncias em que pretenda exercer as suas actividades, salvo se mandatar um representante autorizado nessa outra província, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 49.° CE;

    –        dispor de instalações no território abrangido pela autorização e afixar nessas instalações as prestações oferecidas aos clientes, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE;

    –        dispor de instalações em cada província em que pretenda exercer as suas actividades, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE.

    2)      A acção é julgada improcedente quanto ao mais.

    3)      A Comissão das Comunidades Europeias e a República Italiana suportarão as suas próprias despesas.

    Assinaturas


    * Língua do processo: italiano.

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