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Document 62005CJ0060

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 8 de Junho de 2006.
    WWF Italia e o. contra Regione Lombardia.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia - Itália.
    Conservação das aves selvagens - Directiva 79/409/CEE - Derrogações ao regime de protecção.
    Processo C-60/05.

    Colectânea de Jurisprudência 2006 I-05083

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:378

    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Parte decisória

    Partes

    No processo C‑60/05,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Itália), por decisão de 14 de Dezembro de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de Fevereiro de 2005, no processo

    WWF Italia e o.

    contra

    Regione Lombardia,

    sendo interveniente:

    Associazione migratoristi italiani (ANUU),

    O TRIBUNAL DE Justiça (Segunda Secção),

    composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, J. Makarczyk, R. Silva de Lapuerta (relatora), P. Kūris e J. Klučka, juízes,

    advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

    secretário: K. Sztranc, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 15 de Dezembro de 2005,

    vistas as observações apresentadas:

    – em representação da WWF Italia e da Lega per l’abolizione della caccia (LAC), por C. Linzola, avvocato,

    – em representação da Regione Lombardia, por P. D. Vivone e S. Gallonetto, avvocati,

    – em representação da Associazione migratoristi italiani (ANUU), por I. Gorlani e S. A. Pappas, avvocati,

    – em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por A. Cingolo, avvocato dello Stato,

    – em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. van Beek e D. Recchia, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de Fevereiro de 2006,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão

    1. O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 9.° da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125; a seguir «directiva»).

    2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a associação WWF Italia e três outras associações à Regione Lombardia, a respeito da captura cinegética das espécies tentilhão comum (Fringilla coelebs) e tentilhão montês (Fringilla montifringilla) na época de caça de 2003/2004.

    Quadro jurídico

    Direito comunitário

    3. Em conformidade com o disposto no seu artigo 1.°, a directiva tem por objecto a protecção, a gestão e o controlo de todas as espécies de aves que vivem naturalmente no estado selvagem e visa regulamentar a sua exploração.

    4. Para este efeito, a directiva impõe aos Estados‑Membros a instauração de um regime geral de protecção que compreenda, nomeadamente, a proibição de abate, captura ou perturbação das aves a que se refere o artigo 1.°, bem como de destruição dos seus ninhos.

    5. Porém, o artigo 9.° da directiva autoriza certas derrogações nos seguintes termos:

    «1. Os Estados‑Membros podem derrogar os artigos 5.°, 6.°, 7.° e 8.°, se não existir outra solução satisfatória, com os fundamentos seguintes:

    a) – no interesse da saúde e da segurança públicas,

    – no interesse da segurança aeronáutica,

    – para evitar danos importantes às culturas, ao gado, às florestas, às pescas ou às águas,

    – para a protecção da flora e da fauna;

    b) Para fins de investigação e de ensino, de repovoamento, de reintrodução e ainda para a criação associada a estas acções;

    c) Para permitir, em condições estritamente controladas e de um modo selectivo, a captura, a detenção ou qualquer outra exploração judiciosa de certas aves, em pequenas quantidades.

    2. As derrogações devem mencionar:

    – as espécies que são objecto das derrogações,

    – os meios, instalações ou métodos de captura ou de abate autorizados,

    – as condições de risco e as circunstâncias de tempo e de local em que essas derrogações podem ser adoptadas,

    – a autoridade habilitada a declarar que as condições exigidas se encontram efectivamente reunidas, a decidir quais os meios, instalações ou métodos que podem ser postos em prática, dentro de que limites e por quem,

    – as medidas de controlo a aplicar.

    […]»

    Direito interno

    6. O artigo 9.° da directiva foi transposto para a ordem jurídica italiana pelo artigo 19.°bis da Lei n.° 157, de 11 de Fevereiro de 1992, sobre a fauna selvagem homeoterma e a captura cinegética (legge 11 febbraio 1992, n. 157, Norme per la protezione della fauna selvatica omeoterma e per il prelievo venatorio, suplemento ordinário ao GURI n.° 46, de 25 de Fevereiro de 1992), alterada pela Lei n.° 221, de 3 de Outubro de 2002 (GURI n.° 239, de 11 de Outubro de 2002, a seguir «Lei n.° 157/92»), que dispõe:

    «1. As Regiões regulamentarão o exercício das derrogações previstas pela directiva […], no respeito das prescrições do artigo 9.°, dos princípios e das finalidades dos artigos 1.° e 2.° da referida directiva e das disposições da presente lei.

    2. As derrogações, na falta de outras soluções satisfatórias, só podem ser concedidas para as finalidades referidas no artigo 9.°, n.° 1, da directiva […] e devem mencionar as espécies a que se aplicam, os meios, instalações e métodos de captura autorizados, as condições de risco, as circunstâncias de tempo e de local de captura, o número de animais que podem ser capturados por dia e relativamente a todo o período, os controlos e formas de vigilância a que a captura será submetida e os organismos que deles se encarregarão, sem prejuízo do disposto no n.° 2 do artigo 27.° As pessoas autorizadas a proceder à captura derrogatória serão designadas pelas Regiões, com o acordo dos círculos venatórios territoriais […] e das zonas alpinas.

    3. As derrogações a que se refere o n.° 1 serão válidas por períodos determinados, uma vez colhido o parecer do Istituto nazionale per la fauna selvatica [Instituto Nacional da Fauna Selvagem] (INFS) ou das instituições reconhecidas a nível regional, e não poderão em caso algum ter por objecto espécies cuja importância em número diminua fortemente.

    4. Sob proposta do Ministro dos Assuntos Regionais, em concertação com o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, e após deliberação do Conselho de Ministros, o Presidente do Conselho de Ministros pode, após ter notificado a Região em causa, anular as derrogações que esta aprovou em violação das disposições da presente lei e da directiva […].

    5. Anualmente, até 30 de Junho, cada uma das Regiões transmitirá ao Presidente do Conselho de Ministros, ou eventualmente ao Ministro dos Assuntos Regionais, ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, ao Ministro das Políticas Agrícolas e Florestais, ao Ministro das Políticas Comunitárias e ao [INFS] um relatório sobre a aplicação das derrogações a que se refere o presente artigo; este relatório também será transmitido às competentes comissões parlamentares. O Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território transmitirá todos os anos à Comissão das Comunidades Europeias o relatório a que se refere o artigo 9.°, n.° 3, da directiva […]»

    7. A Regione Lombardia aprovou a Lei regional n.° 18, de 2 de Agosto de 2002 (a seguir «Lei regional n.° 18/02»), com base no disposto no artigo 19.°bis da Lei n.° 157/92. O artigo 2.°, n.° 2, desta lei regional autoriza a captura cinegética das espécies tentilhão comum e tentilhão montês.

    8. O artigo 4.° desta mesma lei prevê que o presidente da Giunta regionale della Lombardia, ouvido o INFS, tomará medidas de limitação ou de suspensão das capturas autorizadas pela referida lei, em função do surgimento de evoluções negativas no estado das populações objecto da captura derrogatória visada no referido artigo 2.°

    O litígio na causa principal e as questões prejudiciais

    9. Com o recurso interposto para o órgão jurisdicional de reenvio, as recorrentes na causa principal pretendem obter a anulação, após suspensão dos respectivos efeitos, da Decisão n.° 14250 da Giunta regionale della Lombardia, de 15 de Setembro de 2003, relativa à captura cinegética de certas quantidades de aves selvagens das espécies tentilhão comum e tentilhão montês na época de caça de 2003/2004. Esta decisão foi tomada com base no disposto no artigo 2.°, n.° 2, da Lei regional n.° 18/02.

    10. Em duas comunicações datadas de 14 de Maio e 24 de Junho de 2003, o INFS avaliou o contingente máximo que podia ser capturado no conjunto do território italiano, na época de caça de 2003/2004, em 1 500 000 exemplares da espécie tentilhão comum e em 52 000 exemplares da espécie tentilhão montês.

    11. Seguidamente, algumas Regiões italianas repartiram entre si os contingentes das espécies que podiam ser caçadas. Assim, com base nos acordos celebrados, foi atribuída à Regione Lombardia uma quota de caça de 360 000 tentilhões comuns e de 32 000 tentilhões monteses.

    12. No órgão jurisdicional de reenvio, os recorrentes sustentaram que a autorização de captura derrogatória concedida pela Regione Lombardia é ilegal, justificando a respectiva pretensão com as seguintes considerações:

    – esta autorização prevê a possibilidade de utilizar os exemplares das espécies em causa como negaças, apesar de ambas as espécies serem protegidas;

    – decorre da repartição entre unicamente cinco Regiões de um contingente máximo fixado pelo INFS a nível nacional;

    – não foram previstos os controlos impostos pelo artigo 9.° da directiva a fim de garantir o respeito dos contingentes máximos de capturas.

    13. As recorrentes na causa principal alegaram ainda que o artigo 19.°bis da Lei n.° 157/92 é incompatível com a directiva, na parte em que atribui às Regiões o poder de definir as regras de aplicação das derrogações previstas na directiva, sem determinar de que forma deve ser fixado e respeitado o contingente máximo de exemplares que podem ser capturados no conjunto do território nacional.

    14. A recorrida na causa principal salientou, por seu turno, que o artigo 19.°bis da Lei n.° 157/92 confia às Regiões a missão de regulamentar as capturas cinegéticas derrogatórias do regime de protecção instituído pela directiva, após a obtenção obrigatória do parecer, não vinculativo, do INFS ou de outros institutos reconhecidos a nível regional.

    15. O Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia duvida que o artigo 19.°bis da Lei n.° 157/92 assegure uma aplicação eficaz do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva. Observa, com efeito, que esta disposição subordina a fixação do contingente máximo de exemplares capturáveis ao parecer não vinculativo, ainda que obrigatório, do INFS ou de outros institutos reconhecidos a nível regional, sem prever um sistema adequado para definir esses contingentes de modo vinculativo para todo o território nacional ou um mecanismo idóneo para a repartição, pelas Regiões, do contingente nacional que pode ser caçado. Finalmente, o referido órgão jurisdicional entende que o sistema de fiscalização da compatibilidade das medidas regionais com as normas nacionais e comunitárias, devido à duração do procedimento que comporta, não corresponde à exigência de celeridade que decorre da necessidade de evitar capturas ilegais no breve período (cerca de 40 dias) em que a derrogação opera.

    16. Nestas condições, o Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1) A directiva […] deve ser interpretada no sentido de que, independentemente da repartição interna de competências estabelecida nos ordenamentos jurídicos nacionais entre o Estado e as Regiões, os Estados‑Membros devem prever uma norma de recepção que contemple todas as situações que a mesma considere dignas de protecção, em especial no que respeita à garantia de que a captura cinegética excepcional não supere as pequenas quantidades referidas no seu artigo 9.°, n.° 1, alínea c)?

    2) No que respeita mais especificamente às quantidades relativas à captura excepcional, a directiva […] deve ser interpretada no sentido de que a norma nacional de recepção deve fazer referência a um parâmetro determinado ou determinável, igualmente confiado a organismos técnicos qualificados, de modo a que a captura cinegética excepcional seja feita com base em indicadores que fixem objectivamente um limiar quantitativo insuperável a nível nacional, ou mesmo regional, tendo em conta a existência de possíveis condições ambientais diferentes?

    3) Ao exigir que um parecer obrigatório mas não vinculativo do INFS determine o referido parâmetro, sem, todavia, prever um mecanismo de concertação entre as Regiões, que estabeleça de modo vinculativo, para cada espécie, a repartição do limite quantitativo de captura excepcional estabelecido a nível nacional como pequena quantidade, a norma nacional constante do artigo 19.°bis da Lei n.° 157/92 constitui uma aplicação correcta do artigo 9.° da directiva […]?

    4) O procedimento de fiscalização da compatibilidade, com a regulamentação comunitária, das capturas cinegéticas excepcionais permitidas pelas Regiões italianas, referidas no artigo 19.°bis da Lei n.° 157/92, é idóneo para garantir a aplicação efectiva da directiva […], tendo em conta que é precedido de uma fase de notificação e está, por conseguinte, sujeito a prazos técnicos, igualmente necessários para a adopção e a publicação da medida, no decurso dos quais corre o breve período durante o qual estão autorizadas essas mesmas capturas?»

    Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

    17. A Regione Lombardia e a Associazione migratoristi italiani (ANUU) contestam a admissibilidade das questões prejudiciais por o órgão jurisdicional italiano solicitar ao Tribunal de Justiça, designadamente, que se pronuncie sobre a adequação e a legalidade da repartição de competências no interior da República Italiana. Por outro lado, as questões colocadas pelo referido órgão jurisdicional têm por objecto a conformidade de disposições internas com o disposto no artigo 9.° da directiva.

    18. A este respeito, há que recordar que, nos termos de jurisprudência firmada, se é verdade que, no âmbito de um processo prejudicial, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre questões respeitantes ao direito interno dos Estados‑Membros nem sobre a compatibilidade de disposições nacionais com o direito comunitário, é, todavia, competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito comunitário que lhe permitirão resolver o litígio que lhe foi submetido (v., nomeadamente, acórdãos de 23 de Novembro de 1989, Parfümerie‑Fabrik 4711, C‑150/88, Colect., p. I‑3891, n.° 12, e de 21 de Setembro de 2000, Borawitz, C‑124/99, Colect., p. I‑7293, n.° 17).

    19. Já assim não seria na hipótese de ser manifesto que a disposição de direito comunitário, cuja interpretação se pede ao Tribunal de Justiça, não se aplica (v., nomeadamente, acórdão de 18 de Outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, Colect., p. I‑3763, n.° 40). Porém, não é esse o caso.

    20. Resulta da letra das questões prejudiciais assim como dos fundamentos da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional nacional pretende obter a interpretação do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva, no que respeita às condições do exercício, pelos Estados‑Membros, das derrogações que esta disposição prevê. O referido órgão jurisdicional pretende, designadamente, ser esclarecido sobre o alcance desta disposição na perspectiva da sua aplicação no quadro de uma estrutura estatal descentralizada.

    21. Resulta igualmente da decisão de reenvio que esta interpretação do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva pode fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos necessários para que ele se possa pronunciar sobre o litígio na causa principal.

    22. Nestas condições, há que julgar admissível o reenvio prejudicial.

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    23. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se as disposições nacionais de transposição da directiva devem reger o conjunto das situações submetidas ao regime de protecção previsto por esta directiva, nomeadamente a condição resultante do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), desta última, nos termos da qual as eventuais capturas cinegéticas derrogatórias devem ser limitadas a «pequenas quantidades» de aves.

    24. A este respeito, há que começar por recordar que o Tribunal de Justiça já enunciou que os critérios com base nos quais os Estados‑Membros podem derrogar as proibições previstas na directiva devem constar de disposições nacionais suficientemente claras e precisas, pois a exactidão da transposição assume especial importância numa matéria em que a gestão do património comum é confiada, quanto ao respectivo território, aos Estados‑Membros (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 8 de Julho de 1987, Comissão/Bélgica, 247/85, Colect., p. 3029, n.° 9, e de 27 de Abril de 1988, Comissão/França, 252/85, Colect., p. 2243, n.° 5).

    25. Há igualmente que salientar que, no exercício das suas competências relativas à concessão de derrogações nos termos do artigo 9.° da directiva, as autoridades dos Estados‑Membros devem considerar inúmeros elementos de apreciação que respeitam a dados de natureza geográfica, climatérica, ambiental e biológica, assim como, em especial, à situação relativa à reprodução e à mortalidade anual total por causas naturais das espécies.

    26. Quanto a estes elementos de apreciação, o Tribunal de Justiça, nos acórdãos de 9 de Dezembro de 2004, Comissão/Espanha (C‑79/03, Colect., p. I‑11619, n.° 36), e de 15 de Dezembro de 2005, Comissão/Finlândia (C‑344/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 53), salientou que, nos termos do documento intitulado «Segundo Relatório da Comissão sobre a aplicação da Directiva 79/409/CEE relativa à conservação das aves selvagens», de 24 de Novembro de 1993 [COM(93) 572 final], constitui uma pequena quantidade todo o abate inferior a 1% da mortalidade anual total da população em causa (valor médio), para as espécies que não podem ser caçadas, e da ordem de 1%, para as espécies que podem ser objecto de actos de caça. O Tribunal de Justiça sublinhou, a este respeito, que estes elementos quantitativos decorrem dos trabalhos do comité ORNIS para a adaptação da directiva ao progresso técnico e científico, instituído em conformidade com o seu artigo 16.° e composto por representantes dos Estados‑Membros.

    27. Decorre ainda dos acórdãos já referidos, Comissão/Espanha, n.° 41, e Comissão/Finlândia, n.° 54, que, embora seja verdade que as percentagens antes mencionadas não revestem um carácter juridicamente vinculativo, podem, contudo, constituir, devido à autoridade científica de que gozam os trabalhos do comité ORNIS e na falta de apresentação de todo e qualquer elemento de prova científica em contrário, uma base de referência para apreciar se uma derrogação concedida nos termos do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva está em conformidade com esta disposição (v., por analogia, no que respeita à pertinência dos dados científicos no domínio ornitológico, acórdãos de 19 de Maio de 1998, Comissão/Países Baixos, C‑3/96, Colect., p. I‑3031, n. os  69 e 70, e de 7 de Dezembro de 2000, Comissão/França, C‑374/98, Colect., p. I‑10799, n.° 25).

    28. Donde resulta que, seja qual for a repartição interna das competências instituída pelo ordenamento jurídico nacional, os Estados‑Membros estão obrigados a prever um quadro legislativo e regulamentar que garanta que as capturas de aves serão unicamente efectuadas no respeito da condição relativa às «pequenas quantidades», prevista no artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva, e isto com base em informações científicas rigorosas, seja qual for a espécie em causa.

    29. Há, pois, que responder à primeira questão que o artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva obriga os Estados‑Membros, seja qual for a repartição interna das competências instituída pelo ordenamento jurídico nacional, a garantirem, quando da adopção das medidas de transposição desta disposição, que, em todos os casos de aplicação da derrogação aí prevista e para todas as espécies protegidas, as capturas cinegéticas autorizadas não excederão um limite máximo conforme à limitação das referidas capturas a pequenas quantidades imposta por esta disposição, devendo este limite ser determinado com base em dados científicos rigorosos.

    Quanto à segunda questão

    30. Com esta questão, o órgão jurisdicional nacional interroga‑se essencialmente sobre o grau de precisão que deve caracterizar as disposições nacionais de transposição no que respeita aos parâmetros técnicos com base nos quais poderá ser fixado um contingente que corresponda a «pequenas quantidades» de aves, em conformidade com o disposto no artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva.

    31. Há que salientar que o décimo primeiro considerando da directiva indica que a condição relativa às «pequenas quantidades», às quais devem ser limitadas as capturas autorizadas a título derrogatório, não pode ser determinada por referência a um critério absoluto, mas deve ser função do nível populacional da espécie em causa, da taxa de reprodução no conjunto da Comunidade e da mortalidade anual total.

    32. A este respeito, o Tribunal de Justiça esclareceu que as derrogações ao abrigo do artigo 9.° da directiva só podem ser concedidas quando haja a garantia de que a população das espécies em causa será mantida a um nível satisfatório. Não estando preenchida esta condição, não se pode considerar que as capturas de aves sejam, em todo o caso, judiciosas e que, consequentemente, constituam uma exploração admissível na acepção do décimo primeiro considerando da directiva (v., neste sentido, acórdão de 16 de Outubro de 2003, Ligue pour la protection des oiseaux e o., C‑182/02, Colect., p. I‑12105, n.° 17).

    33. Nestas condições, e a fim de permitir às autoridades competentes recorrerem às derrogações previstas no artigo 9.° da directiva unicamente de um modo que seja conforme ao direito comunitário, o quadro legislativo e regulamentar nacional deve ser concebido de forma a que a execução das disposições derrogatórias aí enunciadas respeite o princípio da segurança jurídica.

    34. Com efeito e como decorre do acórdão de 7 de Março de 1996, Associazione italiana per il WWF e o. (C‑118/94, Colect., p. I‑1223, n. os  23, 25 e 26), a regulamentação nacional aplicável nesta matéria deve enunciar os critérios de derrogação de forma clara e precisa e obrigar as autoridades encarregadas da respectiva aplicação a tomá‑los em conta. Tratando‑se de um regime de excepção, que deve ser objecto de interpretação estrita e fazer recair o ónus da prova da existência das condições impostas, para cada derrogação, sobre a autoridade que toma a respectiva decisão, os Estados‑Membros estão obrigados a garantir que qualquer intervenção a respeito das espécies protegidas só será autorizada com base em decisões que comportem uma fundamentação precisa e adequada e se refira aos fundamentos, condições e requisitos previstos no artigo 9.°, n. os  1 e 2, da directiva.

    35. Resulta igualmente da decisão de reenvio que há importantes variações quantitativas entre as diversas populações de aves, pelo que qualquer decisão que derrogue o regime de protecção imposto pela directiva deve tomar em conta a situação da espécie em causa.

    36. Há, pois, que responder à segunda questão que as disposições nacionais de transposição relativas ao conceito de «pequenas quantidades», enunciado no artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva, devem permitir que as autoridades encarregadas de autorizar as capturas derrogatórias de aves de uma espécie determinada se apoiem em indicadores suficientemente precisos no tocante aos limites máximos quantitativos a respeitar.

    Quanto à terceira questão

    37. Com esta questão, o órgão jurisdicional nacional procura obter uma interpretação do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva no respeitante a saber como devem as autoridades competentes dos Estados‑Membros garantir que, quando da aplicação desta disposição, o número máximo de aves de uma espécie determinada que podem ser capturadas não será superado no conjunto do território nacional. Em particular, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que dela resulta uma obrigação de instituir uma concertação entre as entidades infra‑estatais encarregadas de conceder as autorizações de captura derrogatórias, a fim de que, para o conjunto das referidas entidades, possa ser fixada de modo vinculativo uma repartição das quantidades de aves que podem ser capturadas.

    38. A este respeito, há que recordar que o Tribunal já enunciou que, no domínio da conservação das aves selvagens, os critérios com base nos quais os Estados‑Membros podem derrogar as proibições impostas pela directiva devem ser retomados em disposições nacionais precisas (v., nomeadamente, acórdão de 15 de Março de 1990, Comissão/Países Baixos, C‑339/87, Colect., p. I‑851, n.° 28).

    39. Decorre, além disso, do acórdão de 17 de Janeiro de 1991, Comissão/Itália (C‑157/89, Colect., p. I‑57, n. os  16 e 17), que uma situação em que as disposições nacionais de transposição da directiva não assegurem que as autoridades infra‑estatais encarregadas da sua aplicação sejam obrigadas a tomar em conta os referidos critérios será contrária ao princípio da segurança jurídica.

    40. Por conseguinte, quando a aplicação do disposto no artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva seja confiada a entidades infra‑estatais, o quadro legislativo e regulamentar aplicável deve garantir que o total das capturas de aves que podem ser autorizadas pelas referidas entidades não supere, no conjunto do território nacional, o limite das «pequenas quantidades» imposto pela referida disposição.

    41. Face ao que foi exposto, há que responder à terceira questão que, quando da transposição do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva, os Estados‑Membros estão obrigados a garantir que, independentemente do número e da identidade das autoridades encarregadas, no seu seio, da execução desta disposição, o total das capturas cinegéticas autorizadas, para cada espécie protegida, por cada uma das referidas autoridades, não excederá o limite máximo conforme à limitação das referidas capturas a «pequenas quantidades», fixado para esta mesma espécie para o conjunto do território nacional.

    Quanto à quarta questão

    42. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o eventual requisito de prazos máximos dentro dos quais deverão ser tomadas as decisões administrativas relacionadas com a fiscalização das autorizações de captura e da observância das respectivas condições. Mais especificamente, o referido órgão jurisdicional procura saber se o artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um procedimento de fiscalização das autorizações de capturas derrogatórias de aves, que comporta uma fase prévia de notificação e que está sujeito a prazos técnicos no decurso dos quais corre o breve período durante o qual estão autorizadas essas capturas.

    43. A este respeito, há que recordar que o Tribunal já enunciou, no n.° 28 do seu acórdão de 27 de Abril de 1988, Comissão/França, já referido, que a legislação nacional de transposição deve garantir que as capturas de aves se realize de modo estritamente controlado e selectivo. Isto implica que se exerça um controlo efectivo durante os períodos a que se referem as decisões derrogatórias do regime de protecção previsto pela directiva.

    44. Conclui‑se que o quadro processual nacional aplicável nesta matéria deve garantir não só que a legalidade das decisões de concessão das autorizações derrogatórias do regime de protecção previsto pela directiva possa ser verificada em tempo útil mas também que são respeitadas as condições impostas nas referidas decisões.

    45. Ora, um mecanismo de controlo no quadro do qual a anulação de uma decisão que autoriza uma captura derrogatória, tomada em violação do artigo 9.° da directiva, ou a comprovação de uma violação das condições impostas numa decisão que autoriza uma captura desse tipo só podem ocorrer uma vez expirado o período previsto para efectuar essa captura privaria de qualquer efeito útil o sistema de protecção instituído pela directiva.

    46. Com efeito, como correctamente observou o advogado‑geral no n.° 62 das suas conclusões, o poder de intervir de forma atempada e eficaz se as decisões das autoridades competentes conduzirem ou ameaçarem conduzir a um resultado que contrarie as obrigações de protecção impostas pela directiva resulta da garantia relativa ao respeito das quantidades máximas fixadas para as capturas de aves que decorre do regime de derrogação instituído pelo artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva.

    47. Há, pois, que responder à quarta questão que a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de garantir que as capturas de aves só serão efectuadas em «pequenas quantidades», em conformidade com o disposto no artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva, impõe que os procedimentos administrativos previstos sejam organizados de tal modo que tanto as decisões das autoridades competentes que autorizam capturas derrogatórias como a maneira como as referidas decisões são aplicadas sejam submetidas a um controlo efectivo exercido em tempo útil.

    Quanto às despesas

    48. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Parte decisória

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

    1) O artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, obriga os Estados‑Membros, seja qual for a repartição interna das competências instituída pelo ordenamento jurídico nacional, a garantirem, quando da adopção das medidas de transposição desta disposição, que, em todos os casos de aplicação da derrogação aí prevista e para todas as espécies protegidas, as capturas cinegéticas autorizadas não excederão um limite máximo conforme à limitação das referidas capturas a pequenas quantidades imposta por esta disposição, devendo este limite ser determinado com base em dados científicos rigorosos.

    2) As disposições nacionais de transposição relativas ao conceito de «pequenas quantidades», enunciado no artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 79/409, devem permitir que as autoridades encarregadas de autorizar as capturas derrogatórias de aves de uma espécie determinada se apoiem em indicadores suficientemente precisos no tocante aos limites máximos quantitativos a respeitar.

    3) Quando da transposição do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 79/409, os Estados‑Membros estão obrigados a garantir que, independentemente do número e da identidade das autoridades encarregadas, no seu seio, da execução desta disposição, o total das capturas cinegéticas autorizadas, para cada espécie protegida, por cada uma das referidas autoridades, não excederá o limite máximo conforme à limitação das referidas capturas a «pequenas quantidades», fixado para esta mesma espécie para o conjunto do território nacional.

    4) A obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de garantir que as capturas de aves só serão efectuadas em «pequenas quantidades», em conformidade com o disposto no artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 79/409, impõe que os procedimentos administrativos previstos sejam organizados de tal modo que tanto as decisões das autoridades competentes que autorizam capturas derrogatórias como a maneira como as referidas decisões são aplicadas sejam submetidas a um controlo efectivo exercido em tempo útil.

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