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Document 62005CJ0053

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 6 de Julho de 2006.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Portuguesa.
    Incumprimento de Estado - Directiva 92/100/CEE - Direito de autor - Direito de aluguer e de comodato - Não transposição no prazo fixado.
    Processo C-53/05.

    Colectânea de Jurisprudência 2006 I-06215

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:448

    Processo C‑53/05

    Comissão das Comunidades Europeias

    contra

    República Portuguesa

    «Incumprimento de Estado – Directiva 92/100/CEE – Direito de autor – Direito de aluguer e de comodato – Não transposição no prazo fixado»

    Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 4 de Abril de 2006 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 6 de Julho de 2006 

    Sumário do acórdão

    1.     Aproximação das legislações – Direito de autor e direitos conexos – Direito de aluguer e de comodato de obras protegidas – Directiva 92/100

    (Directiva 92/100 do Conselho, artigos 1.º e 5.º)

    2.     Acção por incumprimento – Incumprimento das obrigações decorrentes de uma decisão ou de uma directiva – Fundamentos de defesa

    (Artigo 226.º CE)

    1.     Não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.° e 5.° da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual, um Estado‑Membro que isentou todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público da obrigação de remuneração devida aos autores a título desse comodato.

    Com efeito, o artigo 5.º, n.° 3, da directiva nos termos do qual os Estados‑Membros podem isentar determinadas categorias de estabelecimentos do pagamento da remuneração devida aos autores a título do comodato público, prevista no n.º 1 do mesmo artigo, não pode ser interpretado no sentido de que permite uma derrogação total à referida obrigação de remuneração, uma vez que tal interpretação teria por efeito esvaziar de conteúdo o n.° 1 do referido artigo e, assim, retirar‑lhe qualquer efeito útil. Com efeito, a directiva tem por objectivo assegurar aos autores, artistas‑intérpretes ou executantes uma remuneração apropriada e amortizar os investimentos extremamente elevados e aleatórios que exige, em particular, a produção de fonogramas e filmes. Ora, o facto de isentar todas as categorias de estabelecimentos que fazem esses empréstimos da obrigação prevista no artigo 5.°, n.° 1, da directiva privaria os autores de uma remuneração susceptível de amortizar os seus investimentos, o que também não deixaria de ter repercussões na actividade de criação de novas obras.

    (cf. n.os 23-25, 42, disp.)

    2.     Um Estado‑Membro não pode utilmente invocar a ilegalidade de uma directiva ou de uma decisão de que é destinatário como defesa contra uma acção por incumprimento fundada na falta de execução dessa decisão ou na violação dessa directiva.

    (cf. n.o 30)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    6 de Julho de 2006 (*)

    «Incumprimento de Estado – Directiva 92/100/CEE – Direito de autor – Direito de aluguer e de comodato – Não transposição no prazo fixado»

    No processo C‑53/05,

    que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 9 de Fevereiro de 2005,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Andrade e W. Wils, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    República Portuguesa, representada por L. Fernandes e N. Gonçalves, na qualidade de agentes,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: A. Rosas, presidente de secção, J. Malenovský (relator), J.‑P. Puissochet, A. Borg Barthet e A. Ó Caoimh, juízes,

    advogada‑geral: E. Sharpston,

    secretário: R. Grass,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 4 de Abril de 2006,

    profere o presente

    Acórdão

    1       Na petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Portuguesa, ao isentar todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público da obrigação de remuneração devida aos autores a título desse comodato, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.° e 5.° da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61, a seguir «directiva»).

     Quadro jurídico

     Regulamentação comunitária

    2       O sétimo considerando da directiva tem a seguinte redacção:

    «Considerando que o trabalho criativo e artístico dos autores e dos artistas intérpretes e executantes exige uma remuneração adequada na perspectiva da continuação desse trabalho criativo e artístico; que os investimentos exigidos em especial para a produção de fonogramas e filmes são especialmente elevados e arriscados; que o pagamento dessa remuneração e a recuperação desse investimento só podem ser assegurados efectivamente através de uma protecção legal adequada dos titulares envolvidos;»

    3       O artigo 1.° da directiva dispõe:

    «1.      Em conformidade com o disposto neste capítulo, os Estados‑Membros deverão prever, sem prejuízo do disposto no artigo 5.°, o direito de autorizar ou proibir o aluguer e o comodato de originais e cópias de obras protegidas por direitos de autor e de outros objectos referidos no n.° 1 do artigo 2.°

    2.      Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘aluguer’ a colocação à disposição para utilização, durante um período de tempo limitado e com benefícios comerciais directos ou indirectos.

    3.      Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘comodato’ a colocação à disposição para utilização, durante um período de tempo limitado, sem benefícios económicos ou comerciais, directos ou indirectos [...], se for efectuada através de estabelecimentos acessíveis ao público.

    4.      Os direitos referidos no n.° 1 não se esgotam com a venda ou qualquer outro acto de distribuição dos originais ou cópias de obras protegidas por direitos de autor ou de outros objectos previstos no n.° 1 do artigo 2.°»

    4       O artigo 5.°, n.os 1 a 3, da directiva prevê:

    «1.      Os Estados‑Membros poderão derrogar o direito exclusivo previsto para os comodatos públicos no artigo 1.°, desde que pelo menos os autores aufiram remuneração por conta de tais comodatos. Os Estados‑Membros poderão determinar livremente tal remuneração tendo em conta os seus objectivos de promoção da cultura.

    2.      Sempre que os Estados‑Membros não aplicarem o direito exclusivo de comodato referido no artigo 1.° relativamente aos programas, filmes e programas de computadores, deverão introduzir uma remuneração, pelo menos, para os autores.

    3.      Os Estados‑Membros poderão isentar determinadas categorias de estabelecimentos do pagamento da remuneração referida nos n.os 1 e 2.»

     Legislação nacional

    5       A directiva foi transposta para a ordem jurídica portuguesa pelo Decreto‑Lei n.° 332/97, de 27 de Novembro (Diário da República, I série‑A, n.° 275, de 27 de Novembro de 1997, p. 6393, a seguir «decreto‑lei»). No seu preâmbulo, esse decreto‑lei esclarece:

    «O presente diploma introduz o direito de comodato aplicável às obras protegidas pelo direito de autor, mas o seu acolhimento na ordem jurídica portuguesa é feito dentro dos limites admitidos na legislação comunitária e no respeito pela específica situação cultural e de desenvolvimento do País e das medidas e orientações de política cultural daí decorrentes.»

    6       Nos termos do artigo 6.° do decreto‑lei:

    «1.      O autor tem direito a remuneração no caso do comodato público do original ou de cópias da obra.

    2.      O proprietário do estabelecimento que coloca à disposição do público o original ou as cópias da obra é responsável pelo pagamento da remuneração […]

    3.      O disposto neste artigo não se aplica às bibliotecas públicas, escolares, universitárias, museus, arquivos públicos, fundações públicas e instituições privadas sem fins lucrativos.»

     Fase pré‑contenciosa

    7       Em 19 de Dezembro de 2003, a Comissão, em conformidade com o procedimento previsto no artigo 226.°, primeiro parágrafo, CE, enviou uma notificação para cumprir à República Portuguesa, solicitando‑lhe que desse cumprimento às disposições da directiva.

    8       Após ter tomado conhecimento da resposta da República Portuguesa à referida notificação, a Comissão, em 9 de Julho de 2004, emitiu um parecer fundamentado, convidando esse Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento no prazo de dois meses a contar da respectiva notificação.

    9       No referido parecer fundamentado, a Comissão considerava, referindo‑se ao decreto‑lei, que a República Portuguesa não tinha adoptado as medidas necessárias para assegurar a transposição dos artigos 1.° e 5.° da directiva.

    10     Não tendo a República Portuguesa respondido ao referido parecer fundamentado, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

     Quanto à acção

     Argumentos das partes

    11     Segundo a Comissão, o artigo 6.°, n.° 3, do decreto‑lei isenta da obrigação de pagamento do direito de comodato público todos os serviços da Administração central do Estado, todos os organismos da Administração estatal indirecta, como os institutos públicos e as associações públicas, bem como todos os serviços e organismos da Administração descentralizada e das colectividades locais. Há que acrescentar a essa lista todas as pessoas colectivas de direito privado que exercem funções de natureza pública, como as pessoas colectivas administrativas de utilidade pública e até as escolas e Universidades privadas, e todas as instituições privadas sem fins lucrativos em geral. Trata‑se, afinal, de isentar da referida obrigação de pagamento todos os estabelecimentos que praticam o comodato público.

    12     Ora, o artigo 5.°, n.° 3, da directiva dispõe que os Estados‑Membros não podem isentar todas as categorias de estabelecimentos, como prevê o decreto‑lei, mas apenas algumas delas. A República Portuguesa terá, assim, ultrapassado os limites impostos pela directiva, impedindo esse decreto‑lei, pura e simplesmente, de atingir o objectivo prosseguido pela mesma, que é o de garantir que o trabalho criativo e artístico seja adequadamente remunerado.

    13     Além disso, a Comissão evoca o estreito parentesco existente entre o empréstimo de obras por serviços ou organismos públicos e o aluguer de obras pelos comerciantes. Em ambos os casos, trata‑se de uma exploração de obras protegidas. A diferente protecção jurídica de que beneficiam as obras protegidas nos Estados‑Membros tem influência no funcionamento do mercado interno e é susceptível de criar distorções na concorrência. O empréstimo de obras, de livros, de fonogramas e de videogramas representa um volume de actividade considerável. Ora, as pessoas que utilizam essas obras e objectos não os compram, o que resulta numa perda de receitas para os autores e criadores.

    14     A Comissão acrescenta que, para poder colocar gratuitamente as obras culturais à disposição dos cidadãos, os Estados‑Membros devem remunerar todos os que contribuem para o funcionamento das bibliotecas, ou seja, não só os funcionários, mas sobretudo os autores dessas obras. A remuneração destes últimos é do interesse comum da Comunidade.

    15     Na sua defesa, a República Portuguesa alega que o artigo 5.° da directiva, mais especificamente o seu n.° 3, é um «texto de compromisso», impreciso, de interpretação difícil e susceptível de permitir o aparecimento de divergências quanto ao seu alcance e sentido. A redacção da referida disposição deveria também ter sido mais aberta e flexível, de modo a levar em conta os específicos níveis de desenvolvimento cultural dos diferentes Estados‑Membros. Além disso, a directiva não fornece nenhuma orientação quanto ao significado do referido artigo.

    16     A República Portuguesa considera, além disso, que a transposição da directiva suscita directamente o problema da escolha das «categorias de estabelecimentos» e, indirectamente, o de saber se os destinatários indirectos da directiva podem ou não, e em que medida, beneficiar de modo igual ou quase igual das disposições dessa directiva que habilitam os Estados‑Membros a prever isenções de pagamento da remuneração prevista no artigo 5.°, n.° 1, da directiva em matéria de comodato público. Essa questão remete para a da relação conflitual entre o n.° 3 do mesmo artigo e os princípios da igualdade de tratamento, da imparcialidade, da solidariedade e da coesão social. Ora, isentar determinadas «categorias de estabelecimentos» do pagamento do direito de comodato público leva a que os cidadãos portugueses não tenham acesso a obras intelectuais e delas não usufruam nas mesmas condições. De resto, os titulares de direitos devem, em princípio, ter obtido receitas adequadas no âmbito do exercício dos seus direitos de reprodução e de distribuição.

    17     Além disso, a República Portuguesa sustenta que os actos de comodato público são residuais, estando o mercado em causa limitado ao território nacional e sendo pequena a sua importância no plano económico, de modo que o mercado interno não pode ser afectado por essa situação. Consequentemente, é possível concluir que os objectivos de desenvolvimento cultural são mais importantes do que os inconvenientes para o mercado interno. É esta a razão pela qual a sua supressão violaria o princípio da proporcionalidade.

    18     Por último, o referido Estado‑Membro alega que, tendo em conta as especificidades culturais e os diferentes níveis de desenvolvimento dos Estados‑Membros, a adopção de um novo regime de comodato público e a sua recepção nas ordens jurídicas nacionais devem permanecer, por força do princípio da subsidiariedade, na esfera de competência dos referidos Estados.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    19     A título preliminar, o litígio entre a Comissão e a República Portuguesa tem por único objecto a questão relativa ao alcance que há que conferir às disposições do artigo 5.°, n.° 3, da directiva, segundo as quais os Estados‑Membros podem isentar «determinadas categorias de estabelecimentos» do pagamento da remuneração prevista no n.° 1 do mesmo artigo.

    20     De acordo com jurisprudência assente, cabe atender, na interpretação de uma disposição de direito comunitário, não apenas aos respectivos termos mas também ao seu contexto e aos objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (v., nomeadamente, acórdãos de 18 de Maio de 2000, KVS International, C‑301/98, Colect., p. I‑3583, n.° 21, e de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, Colect., p. I‑6857, n.° 50).

    21     Em primeiro lugar, relativamente à redacção do artigo 5.°, n.° 3, da directiva, há que observar que este apenas se refere a «determinadas categorias de estabelecimentos». Daí resulta, portanto, claramente que o legislador não pretendeu permitir aos Estados‑Membros isentar todas as categorias de estabelecimentos do pagamento da remuneração prevista no n.° 1 do referido artigo.

    22     Em segundo lugar, nos termos do artigo 5.°, n.° 3, a directiva permite aos Estados‑Membros derrogar, no âmbito do comodato público, a obrigação geral de remuneração dos autores prevista no n.° 1 do mesmo artigo. Ora, de acordo com jurisprudência assente, as disposições de uma directiva que derrogam um princípio geral consagrado por essa mesma directiva devem ser objecto de interpretação estrita (acórdão de 29 de Abril de 2004, Kapper, C‑476/01, Colect., p. I‑5205, n.° 72).

    23     Além disso, o mesmo artigo 5.°, n.° 3, não pode ser interpretado no sentido de que permite uma derrogação total à referida obrigação de remuneração, uma vez que tal interpretação teria por efeito esvaziar de conteúdo o n.° 1 do referido artigo e, assim, retirar‑lhe qualquer efeito útil.

    24     Por último, tendo em conta a principal finalidade da directiva, tal como resulta mais particularmente do seu sétimo considerando, esta tem por objectivo assegurar aos autores, artistas‑intérpretes ou executantes uma remuneração apropriada e amortizar os investimentos extremamente elevados e aleatórios que exige, em particular, a produção de fonogramas e filmes (acórdão de 28 de Abril de 1998, Metronome Musik, C‑200/96, Colect., p. I‑1953, n.° 22).

    25     Daí decorre que o facto de isentar todas as categorias de estabelecimentos que fazem esses empréstimos da obrigação prevista no artigo 5.°, n.° 1, da directiva privaria os autores de uma remuneração susceptível de amortizar os seus investimentos, o que também não deixaria de ter repercussões na actividade de criação de novas obras (v. acórdão Metronome Musik, já referido, n.° 24). Nestas condições, uma transposição da directiva que conduzisse à isenção de todas as categorias de estabelecimentos conflituaria directamente com o seu objectivo.

    26     A República Portuguesa não contesta verdadeiramente que a transposição da directiva operada pelo decreto‑lei conduza à isenção de todas as categorias de estabelecimentos enumeradas no n.° 11 do presente acórdão.

    27     Nestas condições, pode admitir‑se que a legislação portuguesa tem por efeito isentar da obrigação de pagamento da remuneração prevista no artigo 5.°, n.° 1, da directiva todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público.

    28     Para justificar essa medida, o referido Estado‑Membro invoca diversos argumentos, não podendo nenhum deles, no entanto, ser considerado pertinente.

    29     Em primeiro lugar, a República Portuguesa alega que o mercado do comodato público é essencialmente nacional e que é insignificante no plano económico. Daí decorre que o normal funcionamento do mercado interno não pode ser afectado por essa situação e que, por força do princípio da subsidiariedade, a actividade de comodato público deveria permanecer na esfera de competência dos Estados‑Membros.

    30     Todavia, admitindo que o referido Estado‑Membro tenha, assim, entendido contestar a validade da directiva, importa recordar que não pode pôr em causa, fora do prazo previsto no artigo 230.° CE, a legalidade de um acto adoptado pelo legislador comunitário, que se tornou definitivo em relação a esse Estado. Efectivamente, é jurisprudência assente que um Estado‑Membro não pode utilmente invocar a ilegalidade de uma directiva ou de uma decisão de que é destinatário como defesa contra uma acção por incumprimento fundada na falta de execução dessa decisão ou na violação dessa directiva (v., nomeadamente, acórdãos de 27 de Outubro de 1992, Comissão/Alemanha, C‑74/91, Colect., p. I‑5437, n.° 10; de 25 de Abril de 2002, Comissão/Grécia, C‑154/00, Colect., p. I‑3879, n.° 28; e de 29 de Abril de 2004, Comissão/Áustria, C‑194/01, Colect., p. I‑4579, n.° 41).

    31     De qualquer modo, o Tribunal de Justiça já declarou que, tal como os outros direitos da propriedade industrial e comercial, os direitos exclusivos conferidos pela propriedade literária e artística são susceptíveis de afectar as trocas de bens e serviços, bem como as relações de concorrência no interior da Comunidade. Por isso, estes direitos, embora regulados pelas legislações nacionais, estão sujeitos às exigências do Tratado CE e, consequentemente, fazem parte do seu âmbito de aplicação (acórdão de 20 de Outubro de 1993, Phil Collins e o., C‑92/92 e C‑326/92, Colect., p. I‑5145, n.° 22).

    32     Assim, contrariamente ao que sustenta a República Portuguesa, as disparidades na protecção jurídica de que beneficiam as obras culturais protegidas nos Estados‑Membros no que diz respeito ao comodato público são susceptíveis de afectar o normal funcionamento do mercado interno da Comunidade e de criar distorções de concorrência.

    33     Em segundo lugar, o referido Estado‑Membro alega que os titulares de direitos de autor, em princípio, já obtiveram uma remuneração a título de direitos de reprodução e de distribuição das suas obras.

    34     No entanto, os actos de exploração da obra protegida, como o comodato público, têm uma natureza diferente da da venda ou de qualquer outro acto lícito de distribuição. Com efeito, o direito de comodato continua a ser uma das prerrogativas do autor, a despeito da venda do suporte material que contém a obra. Além disso, o direito de comodato não se esgota na venda ou em qualquer outro acto de difusão, enquanto o direito de distribuição só se esgota precisamente em caso de primeira venda na Comunidade pelo titular do direito ou com o seu consentimento (v., neste sentido, acórdão Metronome Musik, já referido, n.os 18 e 19).

    35     Em terceiro lugar, a República Portuguesa alega que o artigo 5.°, n.° 3, da directiva é aberto e flexível para ter em conta o desenvolvimento cultural de cada Estado‑Membro e que a expressão «determinadas categorias de estabelecimentos» pode ser objecto de uma interpretação «de geometria variável».

    36     No entanto, o artigo 5.°, n.° 3, da directiva não pode, como foi indicado no n.° 22 do presente acórdão, ser interpretado no sentido de que permite uma derrogação total à obrigação de remuneração imposta no n.° 1 do mesmo artigo.

    37     Em quarto lugar, a República Portuguesa sustenta que há uma relação conflitual entre o artigo 5, n.° 3, da directiva e os princípios da igualdade de tratamento, da imparcialidade, da solidariedade e da coesão social. Com efeito, isentar apenas determinadas «categorias de estabelecimentos» da referida obrigação de remuneração resultaria em permitir que os cidadãos portugueses não tivessem acesso às obras intelectuais e delas não usufruíssem nas mesmas condições.

    38     A este respeito, a isenção de determinados estabelecimentos que praticam o comodato público, prevista no artigo 5.°, n.° 3, da directiva, da obrigação de pagamento da remuneração mencionada no n.° 1 desse artigo permite aos Estados‑Membros, deixando‑lhes a escolha de determinar quais os estabelecimentos que serão abrangidos pela referida isenção, conservar uma margem de apreciação na determinação, entre as entidades públicas em causa, daquelas para as quais essa isenção será mais propícia a favorecer o acesso às obras intelectuais, respeitando, no entanto, os direitos fundamentais, designadamente o direito de não ser discriminado.

    39     Por outro lado, não existindo critérios comunitários suficientemente precisos numa directiva para delimitar as obrigações dela decorrentes, cabe aos Estados‑Membros determinar, nos seus territórios, os critérios mais pertinentes para assegurar, dentro dos limites impostos pelo direito comunitário, nomeadamente pela directiva em causa, o respeito desta última (v., neste sentido, acórdãos de 6 de Fevereiro de 2003, SENA, C‑245/00, Colect., p. I‑1251, n.° 34, e de 16 de Outubro de 2003, Comissão/Bélgica, C‑433/02, Colect., p. I‑12191, n.° 19).

    40     A este respeito, já foi decidido que o artigo 5.°, n.° 3, da directiva autoriza, mas não obriga, um Estado‑Membro a prever uma isenção para determinadas categorias de estabelecimentos. Por conseguinte, se as circunstâncias prevalecentes no Estado‑Membro em questão não permitirem determinar os critérios pertinentes para efectuar uma distinção válida entre as categorias de estabelecimentos, há que impor a todos os estabelecimentos em causa a obrigação de pagar a remuneração prevista no n.° 1 do referido artigo (acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 20).

    41     Nestas condições, há que julgar procedente a acção intentada pela Comissão.

    42     Consequentemente, há que concluir que a República Portuguesa, ao isentar todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público da obrigação de remuneração devida aos autores a título desse comodato, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.° e 5.° da directiva.

     Quanto às despesas

    43     Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

    1)      A República Portuguesa, ao isentar todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público da obrigação de remuneração devida aos autores a título desse comodato, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.° e 5.° da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual.

    2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

    Assinaturas


    * Língua do processo: português.

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