Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62005CC0029

    Conclusões da advogada-geral Sharpston apresentadas em 26 de Outubro de 2006.
    Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) contra Kaul GmbH.
    Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Marca comunitária - Processo de oposição - Apresentação de factos e de provas novos em apoio de um recurso interposto na Câmara de Recurso do IHMI.
    Processo C-29/05 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2007 I-02213

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:671

    CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    ELEANOR SHARPSTON

    apresentadas em 26 de Outubro de 2006 1(1)

    Processo C‑29/05 P

    Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos)

    contra

    Kaul GmbH

    «Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Marca comunitária – Processo de oposição – Apreciação de novos elementos pela Câmara de Recurso»





    1.        No caso de:

    –        o titular de uma marca existente se opor a um requerimento de registo de uma marca comunitária,

    –        a Divisão de Oposição do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «Instituto» ou «IHMI») ter fixado prazos para a apresentação de elementos em defesa da oposição e ter rejeitado a oposição com base nos elementos apresentados dentro dos prazos fixados, e

    –        o opositor ter recorrido da rejeição para a Câmara de Recurso no âmbito do Instituto,

    pode a Câmara de Recurso não tomar em conta os novos elementos que lhe foram apresentados em apoio da oposição e que não tenham sido apresentados dentro dos prazos fixados pela Divisão de Oposição? Ou, antes, fica o opositor automaticamente no direito de obter uma nova apreciação do mérito da oposição com base nas eventuais alegações apresentadas nessa fase?

    2.        São estas, essencialmente, as questões a responder no presente recurso de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância (2). De forma mais geral, a questão suscitada diz respeito ao papel e função das Câmaras de Recurso no contexto do processo de recurso no seu todo.

     Enquadramento legal

    3.        O enquadramento legal dos processos de oposição e recurso inclui o Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho (3) (a seguir «regulamento sobre a marca comunitária») e o Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão (4) (a seguir «regulamento de execução»).

     O regulamento sobre a marca comunitária

    4.        De acordo com o artigo 8.° do regulamento sobre a marca comunitária («Motivos relativos de recusa»), o pedido de registo de marca comunitária será recusado se o titular de uma marca anterior provar que existe identidade ou semelhança entre ambas as marcas e entre os produtos ou serviços designados pelas duas marcas, criando risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida [artigo 8.°, n.° 1, alínea b)]. Para esse efeito, «marcas anteriores» incluem as que no momento relevante sejam «notoriamente conhecidas» (5) num Estado‑Membro [artigo 8.°, n.° 2, alínea c)], mesmo que não estejam registadas.

    5.        O artigo 42.°, n.° 1, estabelece o prazo de três meses a contar da publicação do pedido de marca para a oposição ao seu registo por parte dos titulares de marcas anteriores com fundamento no disposto no artigo 8.° (6).

    6.        O artigo 42.°, n.° 3, dispõe que a oposição deve ser apresentada por escrito e fundamentada. Só se considera apresentada após pagamento da taxa de oposição. O opositor pode apresentar em seu apoio factos, provas e observações num prazo fixado pelo Instituto.

    7.        O artigo 43.°, n.° 1, dispõe que: «[n]o decurso do exame da oposição, o [I]nstituto convidará as partes, sempre que tal se revele necessário, a apresentarem observações sobre comunicações suas ou das outras partes, num prazo a fixar pelo [I]nstituto».

    8.        De acordo com o artigo 57.°, as decisões das unidades do Instituto que decidem em primeira instância (ou seja, essencialmente, examinadores, divisões de oposição e divisões de anulação) são susceptíveis de recurso interno. O artigo 59.° dispõe que o recurso deve ser interposto por escrito no prazo de dois meses a contar da data de notificação da decisão recorrida, embora só se considere interposto depois do pagamento da taxa de recurso. As alegações com os fundamentos do recurso devem ser apresentadas por escrito num prazo de quatro meses a contar da data de notificação da decisão.

    9.        De acordo com o artigo 60.°, se considerar que tal se justifica, a unidade do Instituto que decidiu em primeira instância pode, nessa fase, rever a sua decisão no prazo de um mês. Caso contrário, ou se o recurso for objecto da oposição da outra parte, o recurso deve ser enviado a uma Câmara de Recurso.

    10.      Nos termos do artigo 61.°, n.° 2, a Câmara de Recurso «convidará as partes, tantas vezes quantas forem necessárias, a apresentar, num prazo que lhes fixará, as suas observações sobre as notificações que lhes enviou ou sobre as comunicações das outras partes».

    11.      De acordo com o artigo 62.°, n.° 1, depois de analisar o mérito do recurso (7), a Câmara de Recurso delibera sobre ele, podendo «exercer as competências da instância que tomou a decisão contestada, ou remeter o processo à referida instância, para lhe ser dado seguimento».

    12.      O artigo 63.° permite a interposição de recurso dessas decisões para o Tribunal de Justiça (ou seja, em primeiro lugar, para o Tribunal de Primeira Instância (8)), no prazo de dois meses, com fundamento em incompetência, preterição de formalidades essenciais, violação de qualquer norma jurídica aplicável, ou desvio de poder. O Tribunal de Justiça pode anular e reformar a decisão impugnada (e, nos termos do artigo 225.°, n.° 1, CE, é possível o recurso para o Tribunal de Justiça, limitado às questões de direito, da decisão do Tribunal de Primeira Instância).

    13.      Os artigos 73.° a 80.° do regulamento sobre a marca comunitária contêm as disposições gerais em matéria processual.

    14.      O artigo 73.° especifica: «As decisões do [I]nstituto serão fundamentadas. Essas decisões só se podem basear em motivos a respeito dos quais as partes tenham podido pronunciar‑se».

    15.      O artigo 74.° prevê o seguinte:

    «1.      No decurso do processo, o [I]nstituto procederá ao exame oficioso dos factos; contudo, num processo respeitante a motivos relativos de recusa do registo, o exame limitar‑se‑á às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes.

    2.      O [I]nstituto pode não tomar em consideração os factos que as partes não tenham alegado ou as provas que não tenham sido produzidas em tempo útil.»

    16.      Nos termos do artigo 76.°, n.° 1, «[e]m qualquer processo no [I]nstituto», as medidas de instrução incluem a audição das partes, pedidos de informações, apresentação de documentos e amostras, audição de testemunhas, peritagens e declarações escritas prestadas sob juramento ou solenemente, ou que tenham efeito equivalente.

     O regulamento de execução

    17.      No momento relevante no presente processo, o título II do regulamento de execução («Processo de Oposição e Prova da Utilização») continha as regras relevantes a seguir indicadas.

     Processo de oposição

    18.      A regra 15, n.° 2, alínea d), dispunha que o acto de oposição devia incluir «[a] especificação dos fundamentos da oposição».

    19.      A regra 16, n.° 1, dispunha que o acto de oposição «[podia] incluir indicações sobre os factos, comprovativos e argumentos apresentados em apoio da oposição, acompanhadas dos correspondentes documentos justificativos». De acordo com a regra 16, n.° 3, essas indicações e documentos justificativos também podiam ser apresentados «após o início do processo de oposição, dentro de um prazo fixado pelo Instituto nos termos do n.° 2 da regra 20».

    20.      A regra 20, n.° 2, previa: «[n]o caso de o acto de oposição não incluir indicações sobre os factos, comprovativos e argumentos previstos nos n.os 1 e 2 da regra 16, o Instituto convidará o opositor a apresentar esses elementos num prazo que fixará. Todos os elementos apresentados pelo opositor serão comunicados ao requerente, a quem será dada a possibilidade de se pronunciar no prazo fixado pelo Instituto [...]».

     Recursos

    21.      O título X do regulamento de execução diz respeito ao processo de recurso. A regra 50, n.° 1, dispunha, no momento relevante, que «[s]alvo disposição em contrário, as disposições relativas ao processo perante a instância que proferiu a decisão recorrida aplicar‑se‑ão mutatis mutandis ao processo de recurso».

     Alterações posteriores

    22.      Os títulos II e X foram alterados após o momento relevante no presente processo (9).

    23.      Apesar de o título II ter sido completamente reformulado, as disposições relevantes continuam substancialmente inalteradas. Contudo, a regra 19, n.° 4, dispõe agora que «[o] Instituto não terá em conta pedidos escritos ou documentos ou cópia destes que não tenham sido apresentados [...] no prazo estabelecido pelo Instituto».

    24.      A alteração também aditou dois parágrafos à regra 50, n.° 1, do título X, o último dos quais reza:

    «Se o recurso tiver por objecto uma decisão de uma Divisão de Oposição, a câmara limitará a respectiva apreciação do recurso aos factos e provas apresentados nos prazos estabelecidos (10) pela Divisão de Oposição nos termos do Regulamento e das presentes regras, salvo se a câmara considerar que devem ser tomados em conta factos adicionais ou suplementares de acordo com o disposto no n.° 2 do artigo 74.° do regulamento [sobre a marca comunitária].»

     Jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância

    25.      Perante questões como as que se suscitam no presente processo (11), o Tribunal de Primeira Instância não tem sido sempre coerente na posição seguida. O Instituto esclareceu que o seu recurso se destina a obter uma orientação sobre qual das várias posições que se podem encontrar na jurisprudência é a correcta. É, por conseguinte, útil delinear estas posições.

    26.      Todos estes acórdãos assentam no conceito de «continuidade funcional» (12) entre as unidades do Instituto que decidiram em primeira instância (em particular, os examinadores e as divisões de oposição), por um lado, e as Câmaras de Recurso, por outro.

    27.      O referido conceito foi elaborado pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão Baby‑Dry (13), o seu primeiro processo em matéria de marca comunitária. O Tribunal observou que a aplicação do regulamento sobre a marca comunitária competia ao Instituto como um todo, no qual se integram as Câmaras de Recurso. Resultava claramente da sistemática do regulamento sobre a marca comunitária, em especial dos artigos 59.°, 60.°, 61.°, n.° 2, e 62.°, n.° 1, que existe uma clara ligação entre as funções dos examinadores e as das Câmaras de Recurso.

    28.      Por conseguinte, a Câmara de Recurso não podia rejeitar a argumentação unicamente com o fundamento de que esta não tinha sido exposta perante o examinador. Após exame do recurso, cabia‑lhe deliberar quanto ao mérito dessa questão ou remeter o processo ao examinador. Isto não excluía que a Câmara de Recurso não tomasse em consideração os factos que as partes não tivessem alegado ou as provas que não tivessem sido produzidas em tempo útil perante ela (14), embora tal não abrangesse uma situação na qual o recorrente indicou a disposição que pretendia invocar no requerimento de recurso sem que lhe tivesse sido fixado um prazo para submeter os elementos de prova.

    29.      O acórdão Baby‑Dry foi proferido num processo ex parte (recurso da decisão de um examinador que indeferiu um requerimento de registo de marca e no qual não existia um opositor). O conceito de continuidade funcional também foi aplicado em processos inter partes, como o presente processo (recursos de decisões das divisões de oposição, nos quais existem duas partes – o requerente da marca e o opositor).

    30.      O primeiro desses processos conduziu ao acórdão Kleencare (15). Nesse acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considerou ainda que, dado que as Câmaras de Recurso reexaminam as decisões das unidades do Instituto que decidem em primeira instância, a extensão da sua apreciação é, em princípio, determinada, não pelos fundamentos invocados pela parte em causa, mas pela questão de saber se uma nova decisão com a mesma parte decisória pode ou não ser legalmente tomada à luz de toda a matéria de facto e de direito relevante que essa parte tiver apresentado em cada fase – em primeira instância ou (unicamente sem prejuízo do artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária (16)) no recurso. Ao restringir a apreciação de um recurso em matéria de motivos relativos de recusa a «alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes», o artigo 74.°, n.° 1, do regulamento sobre a marca comunitária, refere‑se aos fundamentos de facto e de direito que estão na base da decisão do Instituto, ou seja, as alegações de facto e a prova em que se pode validamente basear e as disposições que devem ser aplicadas. Contudo, o artigo 74.°, n.° 1, não pressupõe que estes elementos tenham sido expressamente alegados ou apreciados em primeira instância.

    31.      Como o Instituto assinalou na audiência, a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância seguiu, após os acórdãos Baby‑Dry e Kleencare, três vias divergentes. Alguns acórdãos adoptaram a posição de que, quando a unidade de primeira instância tenha fixado prazos para a apresentação de elementos, aqueles não podem ser desrespeitados pela apresentação destes numa fase posterior. Outros entenderam que a questão constituía matéria sujeita à livre apreciação da relevante unidade ou Câmara de Recurso. Uma terceira via jurisprudencial tem‑se baseado no conceito de que, essencialmente, em fase de recurso, os prazos voltam a contar do «zero».

    32.      Uma ilustração da primeira posição pode encontrar‑se no acórdão ILS (17). O Tribunal de Primeira Instância observou que, por força da regra 22, n.° 1, do regulamento de execução (nos termos da qual o Instituto fixa um prazo ao opositor para que este apresente prova de utilização de uma marca anterior) e do artigo 43.°, n.° 2 do regulamento sobre a marca comunitária, a oposição deve ser rejeitada se a prova de utilização não for apresentada no prazo fixado. O carácter peremptório desse prazo significa que o Instituto não pode ter em conta qualquer prova apresentada intempestivamente. Quando um opositor apresentar documentos após o termo do prazo fixado, o facto de o requerente contestar essa prova não pode implicar uma nova contagem do prazo, com efeitos retroactivos, que autorize o opositor a apresentar elementos suplementares. O Instituto só deve ter em conta os documentos apresentados dentro do prazo fixado. Qualquer prova suplementar apresentada após esse prazo deve ser excluída.

    33.      Um exemplo da segunda posição é fornecido pelo acórdão Marienfelde (18), no qual o Tribunal de Primeira Instância entendeu que a regra 22, n.° 1, do regulamento de execução não pode ser interpretada no sentido que se opõe à tomada em consideração de elementos de prova suplementares, tendo em conta a existência de elementos novos, mesmo que sejam fornecidos depois do termo desse prazo, e que o artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária confere às instâncias do Instituto um poder de apreciação em relação à tomada em consideração de elementos apresentados depois do termo do prazo.

    34.      Finalmente, a terceira posição é exemplificada pelo acórdão recorrido no presente processo. Também foi adoptada em casos mais recentes, no sentido de que a apresentação de um documento não terá sido intempestiva, na acepção do artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária, se tiver sido apresentado à Câmara de Recurso dentro do prazo de quatro meses prescrito no artigo 59.° daquele regulamento, com a consequência de que a câmara não pode recusar‑se a tomar esse documento em consideração (19).

    35.      As Câmaras de Recurso, por seu turno, têm entendido de forma constante que as partes nos processos perante o Instituto não podem simplesmente desrespeitar os prazos e apresentar provas que podiam e deviam ter sido apresentadas tempestivamente, salvo se a câmara considerar que, de acordo com o artigo 74.°, n.° 2, devem ser tidos em consideração factos e provas adicionais ou suplementares (20).

     Jurisprudência do Instituto Europeu de Patentes

    36.      Antes de abordar o acórdão recorrido, é interessante examinar sucintamente a jurisprudência do Instituto Europeu de Patentes a respeito de situações equivalentes. Aquele instituto, criado pela Convenção sobre a Patente Europeia (21), tem uma estrutura muito semelhante à do IHMI e algumas das disposições mais importantes do regulamento sobre a marca comunitária (22) ou são idênticas (23) ou muito semelhantes às disposições equivalentes daquela convenção. Efectivamente, a exposição de motivos da proposta original da Comissão relativa ao regulamento sobre a marca comunitária esclarece que as disposições gerais em matéria processual se inspiraram nas da Convenção sobre a Patente Europeia.

    37.      Além disso, questões semelhantes às que se colocam ao Tribunal de Justiça no presente processo foram suscitadas perante as Câmaras de Recurso do Instituto Europeu de Patentes.

    38.      A decisão da Grande Câmara de Recurso nos processos G 9/91 e G 10/91 (24) constitui a decisão de referência. O n.° 18 dessa decisão refere o seguinte:

    «O objectivo do processo de recurso inter partes consiste fundamentalmente em dar à parte vencida a possibilidade de impugnar o mérito da decisão da divisão de oposição. Não vai de encontro a este objectivo examinar fundamentos de oposição nos quais a decisão da divisão de oposição não se tenha baseado. Além disso, ao contrário do carácter meramente administrativo do processo de oposição, o processo de recurso deve considerar‑se um processo judicial [...]. Este processo é, por natureza, menos instrutório do que um processo administrativo. Apesar de, formalmente, o artigo 114.°, n.° 1, da CEP [(25)] também cobrir o processo de recurso, justifica‑se, por conseguinte, aplicar esta disposição, em geral, de forma mais restritiva nesse processo do que no processo de oposição. Em especial, no que diz respeito aos novos fundamentos de oposição, a Grande Câmara, pelas razões acima indicadas, considera que aqueles não podem, em princípio, ser apresentados em sede de recurso. Este entendimento também reduz a incerteza processual para os titulares de patentes que, de outro modo, se confrontariam com complicações imprevisíveis numa fase muito tardia do processo, arriscando a possibilidade de revogação da patente, o que significaria uma perda definitiva de direitos. Os opositores estão, a este respeito, numa posição mais favorável, já que têm sempre a possibilidade de dar início ao processo de revogação nos tribunais nacionais se não o conseguirem no IEP. Contudo, justifica‑se uma excepção ao princípio acima referido no caso de o titular da patente concordar com a apreciação de um novo fundamento de oposição: volenti non fit injuria. Nalguns casos pode ser do seu interesse que esse fundamento não seja excluído da apreciação no processo centralizado do IEP. Contudo, é óbvio que esse fundamento apenas deverá ser invocado por uma Câmara de Recurso ou, no caso de ser invocado pelo opositor, ser admitido no processo, se a câmara o considerar prima facie altamente relevante. Se for admitido um novo fundamento, o processo deve, atendendo ao objectivo do recurso antes referido, ser remetido à primeira instância para tramitação subsequente, salvo se razões especiais justificarem outra solução. Pode acrescentar‑se que, se o titular da patente não estiver de acordo com a apresentação de um novo fundamento de oposição, este não poderá, de forma alguma, ser apreciado quanto ao mérito na decisão da Câmara de Recurso. Apenas se poderá mencionar o facto de a questão ter sido suscitada.»

    39.      Estas observações são indubitavelmente úteis no quadro do presente recurso. Contudo, devem ser acolhidas com precaução, por diversas razões.

    40.      Em primeiro lugar, embora as disposições com redacção idêntica ou semelhante em matéria de direito da propriedade intelectual europeu devam, sempre que possível, ser interpretadas de forma coerente, a Convenção sobre a Patente Europeia não é um instrumento comunitário, nem o Instituto Europeu de Patentes é um órgão comunitário. A jurisprudência das Câmaras de Recurso daquele Instituto não tem força vinculativa no direito comunitário.

    41.      Em segundo lugar, as decisões das Câmaras de Recurso do IHMI estão sujeitas a recurso para o Tribunal de Primeira Instância e para o Tribunal de Justiça, ao passo que as das câmaras do Instituto Europeu de Patentes não são susceptíveis de recurso. O enquadramento processual geral é, assim, diferente.

    42.      A nível mais específico, os processos de oposição no quadro da patente europeia são posteriores à concessão, o que os torna mais semelhantes ao processo de declaração da nulidade no contexto da marca comunitária. Além disso, ao contrário das regras 15, n.° 2, alínea d), e 16, n.° 1, do regulamento de execução, com a redacção que tinham no momento relevante no presente processo, a regra 55, alínea c), dos regulamentos de execução da Convenção sobre a Patente Europeia exige que o requerimento de oposição contenha os fundamentos de oposição, bem como os factos, provas e argumentos aduzidos em apoio daqueles fundamentos.

     Matéria de facto e tramitação no presente processo

    43.      Em 1996, a sociedade Atlantic Richfield apresentou um pedido de registo do sinal nominativo ARCOL como marca comunitária para, entre outros, «produtos químicos destinados a conservar alimentos» (26).

    44.      A sociedade Kaul GmbH (a seguir «Kaul») apresentou oposição com fundamento no risco de confusão, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do regulamento sobre a marca comunitária, com a marca CAPOL, anteriormente registada para «Produtos químicos destinados a conservar alimentos, nomeadamente matérias‑primas para alisar e conservar alimentos pré‑confeccionados, em especial doçarias.»

    45.      A oposição foi rejeitada pelo motivo de que podia ser excluído qualquer risco de confusão entre as marcas na Comunidade devido às suas diferenças visuais e fonéticas.

    46.      A Kaul interpôs recurso da decisão, ao qual, no entanto, foi negado provimento (27).

    47.      Nos termos da decisão recorrida (28), a Kaul argumentou que a sua marca anterior tinha elevado carácter distintivo por dois motivos. Em primeiro lugar, não continha uma referência de natureza descritiva aos produtos. Em segundo lugar, a Kaul era simultaneamente o líder de mercado de fornecimento de glaceantes e de agentes antiaderentes (correspondente a 1,4 milhões de toneladas de doçarias em mais de 60 países) e o maior consumidor mundial de óleo MCT, que é utilizado nos seus produtos com marca registada. Para fundamentar esta última alegação, a Kaul entregou à Câmara de Recurso uma declaração de honra do seu director‑geral e uma lista dos seus principais clientes. À Divisão de Oposição apenas tinha sido entregue uma brochura que descrevia os produtos que se encontravam cobertos pela sua marca.

    48.      Os n.os 10 a 14 da decisão recorrida dispõem, sob o título «Novos elementos de prova e argumentos», o seguinte:

    «10      O argumento segundo o qual uma marca anterior é distintiva porque não possui carácter descritivo, argumento esse que o opositor manteve de forma constante durante o processo de oposição e no recurso, é independente do argumento de que a marca anterior possui carácter distintivo elevado porque é notoriamente conhecida. O último argumento, cuja relevância é contestada pelo requerente, foi invocado pela primeira vez no processo de recurso e é suportado por uma declaração de honra do seu director‑geral e por um quadro com indicação dos nomes e contactos dos seus principais clientes. A brochura, enviada por fax em conjunto com as alegações de 2 de Agosto de 1999, apenas foi apresentada para provar que os produtos protegidos pela marca anterior são idênticos aos produtos constantes do requerimento e não pode ser interpretada no sentido de que suporta o último argumento.

    11      De acordo com jurisprudência constante das Câmaras, os factos, provas e pedidos novos apresentados após o prazo definido pela Divisão de Oposição não podem, em princípio, ser admitidos, uma vez que o processo de oposição, cujo equilíbrio processual é assegurado pelo sistema de prazos, implica, ao contrário dos processos ex parte, um confronto entre duas partes [...].

    12      A Câmara deve ter em conta os direitos e deveres das partes nos processos de oposição, uma vez que estes estão sujeitos ao princípio do contraditório. O objectivo de um prazo é, em primeiro lugar, assegurar que o direito das partes a serem ouvidas nos termos do artigo 73.°, segundo período, RMC, é devidamente tido em conta e permitir ao Instituto garantir a devida condução daqueles processos. Na medida em que, por decisão final da Divisão de Oposição, tenha sido posto termo à fase inter partes do processo, a Câmara não pode reabrir o processo com base em novos factos, provas ou pedidos que o opositor pudesse e devesse ter apresentado à Divisão de Oposição.

    13      Efectivamente, no caso ora em apreço, o recorrente não apresentou verdadeiramente um novo argumento, apenas tendo modificado a base jurídica da sua oposição. As marcas notoriamente conhecidas são especificamente mencionadas no artigo 8.°, n.° 2, alínea c), RMC, e devem ser expressamente indicadas como possíveis marcas anteriores nas quais se baseia a oposição.

    14      O argumento de que a marca é distintiva porque é notoriamente conhecida não pode, por conseguinte, ser admitido no processo de recurso.»

    49.      A Kaul pediu ao Tribunal de Primeira Instância a anulação daquela decisão, com base na violação do dever de apreciação da prova que produziu perante a Câmara de Recurso, na violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do regulamento sobre a marca comunitária, na violação dos princípios de direito processual reconhecidos nos Estados‑Membros e das normas processuais aplicáveis no Instituto e na violação do dever de fundamentação.

    50.      O Tribunal de Primeira Instância apreciou o primeiro fundamento, tendo‑o julgado procedente, e anulou a decisão da Câmara de Recurso, sem apreciar os restantes fundamentos. A parte relevante do acórdão enuncia:

    «27      A Câmara de Recurso, nos n.os 10 a 12 da decisão impugnada, e depois o IHMI, no n.° 30 da sua contestação, consideraram que essa nova exposição de factos não pode ser tomada em consideração, uma vez que ocorreu após o termo dos prazos fixados pela Divisão de Oposição.

    28      No entanto, importa referir que essa posição não é compatível com a continuidade funcional entre as instâncias do IHMI afirmada pelo Tribunal de Primeira Instância tanto no que respeita ao processo ex parte [...] como no que respeita ao processo inter partes [...].

    29      Com efeito, foi decidido que decorre da continuidade funcional entre as instâncias do IHMI que, no âmbito de aplicação do artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94, a Câmara de Recurso está obrigada a fundamentar a sua decisão em todos os elementos de facto e de direito que a parte interessada tenha apresentado quer no processo perante a unidade que decidiu em primeira instância quer, unicamente com a ressalva do teor do n.° 2 do mesmo artigo, no próprio processo de recurso [...]. Assim, e contrariamente ao que defende o IHMI, tratando‑se do processo inter partes, a continuidade funcional existente entre as diferentes instâncias do IHMI não tem por consequência que uma parte que, na unidade que decide em primeira instância, não apresentou determinados elementos de facto ou de direito nos prazos impostos nessa unidade esteja impossibilitada, por força do artigo 74.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, de invocar os referidos elementos na Câmara de Recurso. Pelo contrário, a continuidade funcional tem como consequência que tal parte pode invocar os referidos elementos na Câmara de Recurso, sob reserva do respeito, nesta instância, do artigo 74.°, n.° 2, do referido regulamento.

    30      Por conseguinte, uma vez que, no caso vertente, a apresentação dos elementos de facto controvertidos não é tardia, na acepção do artigo 74.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, mas ocorreu em anexo ao articulado apresentado pela recorrente na Câmara de Recurso, em 30 de Outubro de 2000, ou seja, no prazo de quatro meses previsto no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, esta última não podia recusar‑se a tomar esses elementos em consideração.»

    51.      O Tribunal de Primeira Instância também julgou improcedente o argumento invocado «a título subsidiário» pela Câmara de Recurso no n.° 13 da sua decisão, na medida em que a Kaul tentava, «na realidade, provar que a sua marca é uma marca que adquiriu prestígio ou notoriamente conhecida» e «substituiu, como base jurídica da sua oposição, o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 pelo artigo 8.°, n.° 2, alínea c), desse regulamento».

    52.      O Tribunal de Primeira Instância concluiu que o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), se manteve como a base jurídica em todo o processo. Assim, a Câmara de Recurso não podia, sem violar o artigo 74.° do regulamento sobre a marca comunitária, recusar examinar os elementos de facto apresentados pela Kaul para efeitos de demonstrar o elevado grau de carácter distintivo da marca anterior, que resulta da utilização dessa marca no mercado. Tendo verificado que os produtos em causa eram idênticos e que existiam elementos de semelhança entre as duas marcas, a Câmara não se podia pronunciar, como fez, quanto à existência de um risco de confusão, sem tomar em consideração todos os elementos de apreciação pertinentes, entre os quais figuram os elementos apresentados pela recorrente com vista a demonstrar o elevado grau de carácter distintivo da marca anterior. Consequentemente, ao não tomar em consideração os elementos que lhe foram apresentados pela recorrente, a Câmara de Recurso não cumpriu as obrigações que lhe incumbem no âmbito do exame do risco de confusão, por força do artigo 8.°, n.° 1, alínea b) (29).

     O recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância

    53.      O Instituto pede agora ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância para que este decida sobre os restantes fundamentos e condene a Kaul nas despesas do presente recurso.

    54.      O Instituto alega que, especialmente nos n.os 29 e 30 do seu acórdão, o Tribunal de Primeira Instância interpretou e/ou aplicou incorrectamente:

    –        Os artigos 42.°, n.° 3, e 62.°, n.° 1, do regulamento sobre a marca comunitária, em conjugação com as regras 16, n.° 3, e 20, n.° 2, do regulamento de execução; e,

    –        O artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária.

    55.      Existem, por conseguinte, dois fundamentos de recurso. Em primeiro lugar, o Instituto questiona a posição do Tribunal de Primeira Instância relativamente à natureza dos prazos para a apresentação de elementos em apoio de uma oposição (artigo 42.°, n.° 3, do regulamento sobre a marca comunitária e regras 16, n.° 3, e 20, n.° 2, do regulamento de execução) e ao efeito que produzem sobre estes prazos os poderes de que dispõe a Câmara de Recurso nos termos do artigo 62.°, n.° 1, do regulamento sobre a marca comunitária. Em segundo lugar, contesta a interpretação do artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária no sentido de que obriga a Câmara de Recurso a ter em conta elementos apresentados após o prazo fixado pelas divisões de oposição para a respectiva apresentação.

    56.      Os argumentos podem ser sucintamente delineados da seguinte forma.

    57.      No que diz respeito ao primeiro conjunto de disposições, o Instituto alega que tem considerado de forma constante que a apresentação à Câmara de Recurso de prova produzida após o prazo peremptório («Ausschlussfrist») fixado pela Divisão de Oposição é inadmissível. Esta prática decorre essencialmente da natureza de qualquer processo de recurso, bem como das disposições referidas, e a sua validade é confirmada pelo aditamento à regra 50, n.° 1, do regulamento de execução, embora essa alteração não seja aplicável no caso vertente. O conceito de continuidade funcional aplica-se à competência das Câmaras de Recurso no referente às suas eventuais decisões, não afectando, contudo, os requisitos cronológicos do processo.

    58.      A Kaul assinala que, por força do regulamento sobre a marca comunitária, as Câmaras de Recurso podem exercer as mesmas competências que a unidade que tomou a decisão recorrida. Aquela considera que as câmaras devem, por isso, iniciar um novo exame do mesmo tipo no tocante às questões materiais que apreciam. O papel (sui generis, quase judicial) desempenhado pelas câmaras na apreciação do mérito dos processos de que conhecem – distinto da estrita fiscalização da legalidade pelo Tribunal de Primeira Instância e pelo Tribunal de Justiça – confirma este entendimento. O artigo 76.°, n.° 1, relativo às medidas de instrução, refere‑se a qualquer processo no Instituto, pelo que supõe expressamente que as Câmaras de Recurso conhecerão de novas provas. O recurso só é expressamente limitado às questões de direito quando o processo chega ao Tribunal de Justiça. Os prazos a fixar pelo Instituto, a que se referem os artigos 42.°, n.° 3, e 61.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária, não são peremptórios, ao contrário daqueles que o próprio regulamento prevê. O regulamento de execução, sendo uma norma de hierarquia inferior, não pode afastar aquelas disposições.

    59.      Quanto ao artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária, o Instituto alega que as Câmaras de Recurso não podem estar obrigadas a aceitar elementos de prova apresentados após o prazo peremptório fixado para a respectiva apresentação por uma Divisão de Oposição. Quando um determinado prazo esteja previsto na lei ou a respectiva fixação esteja prevista e tenha sido devidamente fixado um prazo, este deve, em qualquer caso, ser considerado peremptório. O artigo 74.°, n.° 2, não é aplicável nesses casos, já que os elementos apresentados após o termo de um prazo peremptório não podem, em qualquer caso e devido à própria natureza de tal prazo, ser aceites. O conceito de «tempo útil» constante do artigo 74.°, n.° 2, refere‑se apenas a outras situações, em que existe uma certa margem para um poder de apreciação e as partes são insuficientemente diligentes.

    60.      A Kaul alega que o acórdão recorrido apenas observou que foram apresentados novos elementos de prova dentro do prazo previsto para a interposição do recurso e que, por essa razão, o artigo 74.°, n.° 2, não era aplicável. O objecto da oposição é definido na primeira fase do processo, mas a produção de prova não se limita a essa fase. É muito possível que se verifique a necessidade de apresentar certos elementos de prova após a decisão da Divisão de Oposição. Não serviria o interesse da eficiência processual exigir que toda a prova fosse produzida numa fase mais precoce, simplesmente com base na eventualidade de ela vir a ser necessária.

     Apreciação

     Tipos de prazos

    61.      O regulamento sobre a marca comunitária e o regulamento de execução prevêem dois tipos de prazos para a apresentação de observações em processos de oposição: aqueles que são fixados pela própria legislação e aqueles que cabe ao Instituto fixar individualmente em cada processo.

    62.      Estes dois tipos de prazos dizem respeito a dois tipos de observações. O primeiro diz respeito à apresentação da petição de oposição ou de recurso, conforme o caso, acompanhada da exposição dos fundamentos em que se baseia e do pagamento da respectiva taxa. O segundo diz respeito à apresentação de elementos de apoio, para a qual termos como «factos», «provas», «argumentos», «observações» e «documentos em apoio» são as variantes utilizadas.

    63.      Devo realçar que não existe uma grande uniformidade entre as diversas versões linguísticas do regulamento sobre a marca comunitária e do regulamento de execução, em especial no que diz respeito a «factos, provas e observações». As discrepâncias devem‑se, em parte, à Convenção sobre a Patente Europeia, a redacção do artigo 114.° da qual foi transcrita para o artigo 74.° do regulamento sobre a marca comunitária em inglês, francês e alemão.

    64.      Consequentemente, não me parece possível distinguir pormenorizadamente entre os termos usados. Pelo contrário, deles retiro uma distinção lata entre, por um lado, a apresentação formal de uma petição de oposição ou de recurso, que deve especificar os fundamentos em que se baseia, dentro do prazo expressamente previsto na lei e, por outro lado, a apresentação de elementos em apoio (de facto ou de direito), com vista à demonstração de que os fundamentos especificamente invocados para a oposição ou o recurso são procedentes, dentro de prazo a ser fixado, e possivelmente prorrogado, pelo Instituto.

     A natureza das observações em questão no presente processo

    65.      Na decisão recorrida, as observações em causa são inicialmente descritas como «novas provas e argumentos» e, em seguida, como «não constituem realmente um novo argumento», mas antes uma alteração da «base jurídica da oposição».

    66.      O acórdão recorrido refere‑se a «elementos [de facto]» e a «nova exposição dos factos». No n.° 25, o Tribunal de Primeira Instância deixou claro que aquilo que tem em apreciação são os «elementos» que consistem na declaração de honra e na lista em questão. Nos n.os 32 e seguintes, afasta a ideia segundo a qual terá havido uma qualquer alteração da base jurídica da oposição.

    67.      Atendendo à diferença entre os dois tipos de prazos, parece ser oportuno decidir agora se aquilo que a Câmara de Recurso se recusou a tomar em consideração constituía um novo fundamento de oposição (uma alteração da base jurídica) ou um novo argumento ou elemento invocado em apoio de um fundamento já apresentado.

    68.      Em minha opinião, a conclusão do Tribunal de Primeira Instância de que não existiu uma tentativa de alterar a base jurídica da oposição, passando do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), para o artigo 8.°, n.° 2, alínea c), do regulamento sobre a marca comunitária – e, logo, de que não houve uma tentativa de introduzir um novo fundamento de oposição – é correcta.

    69.      A oposição assentou na existência de uma marca anterior idêntica ou similar referente a bens idênticos ou similares, provocando a confusão do público, como contemplado no artigo 8.°, n.° 1, alínea b).

    70.      O artigo 8.°, n.° 2, alínea c), indica, para esse efeito, que «marcas anteriores» incluem – para além das que se encontram efectivamente registadas num território relevante [artigo 8.°, n.° 2, alínea a)] ou cujo registo foi requerido [artigo 8.°, n.° 2, alínea b)] – as que devem ser protegidas, não porque se encontram registadas, mas porque são «notoriamente conhecidas» na acepção do artigo 6.° bis da Convenção de Paris.

    71.      Dado que, no presente processo, a marca anterior em que se baseia a oposição é uma marca comunitária registada, o artigo 8.°, n.° 2, alínea c), não pode ser pertinente. É inútil provar que uma marca registada também é «notoriamente conhecida». O objectivo da apresentação pela Kaul de uma declaração de honra e de uma lista de clientes não poderia ser o de invocar aquela disposição. Pelo contrário e como confirmam os n.os 33 e seguintes da petição apresentada no Tribunal de Primeira Instância, a Kaul pretendia invocar a jurisprudência de acordo com a qual o risco de confusão deve ser apreciado globalmente, atentos todos os factores relevantes, e de acordo com a qual o risco de confusão é tanto mais elevado quanto mais elevado for o carácter distintivo da marca anterior, pelo que as marcas que tenham um carácter distintivo elevado (intrinsecamente ou em razão do respectivo conhecimento no mercado) gozam de uma protecção mais ampla do que aquelas cujo carácter distintivo é mais reduzido (30).

    72.      Por conseguinte, a questão reside em saber se o Tribunal de Primeira Instância decidiu correctamente que a Câmara de Recurso estava obrigada a aceitar um argumento e elementos de prova em apoio de um fundamento de oposição, quando este fundamento foi aduzido dentro do prazo de três meses previsto no artigo 42.° do regulamento sobre a marca comunitária, mas o argumento e os elementos de prova não foram apresentados dentro do prazo fixado pela Divisão de Oposição ao abrigo dos artigos 42.°, n.° 3, e 43.°, n.° 1.

     Poder de apreciação atribuído pelo artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária

    73.      O Instituto alega que o Tribunal de Primeira Instância interpretou e/ou aplicou incorrectamente os artigos 42.°, n.° 3, e 62.°, n.° 1, do regulamento sobre a marca comunitária e as regras 16, n.° 3, e 20, n.° 2, do regulamento de execução, por um lado, e o artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária, por outro.

    74.      Na minha opinião, é esta última a disposição fulcral para a questão que se coloca no presente processo. Esta disposição autoriza o Instituto a «não tomar em consideração os factos que as partes não tenham alegado ou as provas que não tenham sido produzidas em tempo útil».

    75.      Ao autorizar o Instituto a não tomarem consideração factos ou provas (que, como disse, considero que abrangem também os argumentos em defesa de fundamentos de oposição ou de recurso previamente aduzidos) que não tenham sido alegados ou produzidos em tempo útil, o artigo 74.°, n.° 2, clara e necessariamente, também o autoriza a tomar em conta esses elementos. Por outras palavras, aquela disposição confere ao Instituto a liberdade de decidir num ou noutro sentido (31).

    76.      Todavia, o poder de apreciação aplica‑se apenas aos elementos apresentados em apoio de um fundamento expresso de oposição ou de recurso e não à própria adução desse fundamento, relativamente à qual estão previstos prazos específicos por ele não cobertos. Neste contexto, «tempo útil» deve, por conseguinte, referir‑se, não aos prazos previstos na lei, mas sim aos que são fixados pelo Instituto. (Além disso – afirmando o óbvio – este poder de apreciação não pode ser utilizado para excluir observações apresentadas em tempo útil).

    77.      Este poder de apreciação também não pode ser ilimitado. Em especial, dado que a Divisão de Oposição ou a Câmara de Recurso, consoante o caso, estão obrigadas a convidar as partes a apresentar observações «tantas vezes quantas forem necessárias» sobre as comunicações das outras partes ou as suas notificações (32), tem obrigatoriamente que existir a possibilidade de impugnar a recusa de tomar em conta os factos, provas e alegações, sempre que a possibilidade concedida à parte em questão para apresentar aquelas observações tenha sido insuficiente.

    78.      Por conseguinte e a título de princípio geral, concluo que a decisão da Câmara de Recurso de tomar ou não tomar em conta factos, provas ou alegações não apresentados em tempo útil pode ser anulada quando não se justificar, atendendo à oportunidade dada para a apresentação destes elementos. Porém, quando não for este o caso e não existir outro vício de ilegalidade, esta decisão insere-se inteiramente no poder de apreciação da Câmara de Recurso quando o prazo que não foi respeitado for um dos cobertos por esse poder.

     As opiniões em confronto

    79.      No n.° 30 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que a apresentação dos elementos controvertidos ocorreu em tempo útil, porque se verificou no prazo de quatro meses (para a apresentação das alegações com os fundamentos do recurso) previsto no artigo 59.° do regulamento sobre a marca comunitária. Consequentemente, a Câmara de Recurso não podia recusar‑se a tomar esses elementos em consideração.

    80.      A posição assumida, decorrente essencialmente do acórdão Kleencare (33), é a de que compete à Câmara de Recurso decidir se, à luz de todos os elementos jurídicos e de facto relevantes, uma nova decisão com a mesma parte decisória pode ou não ser legalmente tomada no momento em que se pronuncia sobre o recurso. Para esse efeito, «elementos jurídicos e de facto relevantes» não se limitam aos que são invocados na fase de oposição, incluindo também quaisquer elementos apresentados à Câmara de Recurso dentro dos prazos de recurso. O artigo 74.°, n.° 2, não atribui, assim, qualquer poder de apreciação à Câmara de Recurso para tomar ou não em conta os elementos apresentados dentro destes últimos prazos.

    81.      Este entendimento assenta, por seu turno, na existência de uma continuidade funcional entre as unidades de primeira instância e as Câmaras de Recurso, que resulta, em especial, da possibilidade de estas últimas, ao abrigo do artigo 62.°, n.° 1, exercerem quaisquer poderes no âmbito das competências das primeiras.

    82.      O argumento do Instituto, como o entendo, é que os elementos em causa diziam respeito, não a um fundamento de recurso, mas a um fundamento de oposição. Estes elementos deviam, por isso, ter sido apresentados dentro do prazo ou prazos fixados pela Divisão de Oposição nos termos dos artigos 42.°, n.° 3, e/ou 43.°, n.° 1, do regulamento sobre a marca comunitária, no que concerne, respectivamente, à apresentação de factos, provas e observações em apoio e à apresentação de observações. Uma vez que isto não foi feito, a Câmara de Recurso não estava obrigada a ter isso em conta. De facto, o Instituto parece ir mais longe, argumentando que a Câmara de Recurso nem sequer podia ter estes elementos em conta.

    83.      Observo aqui que o novo terceiro parágrafo da regra 50, n.° 1, do regulamento de execução é congruente com esta última posição, mas – inequivocamente – é incompatível com a posição seguida no acórdão recorrido. Este parágrafo prevê que, em processos de recurso, a Câmara de Recurso limitará a respectiva apreciação do recurso aos factos e provas apresentados nos prazos estabelecidos no regulamento sobre a marca comunitária ou pela Divisão de Oposição, salvo se a câmara considerar que devem ser tomados em conta factos adicionais de acordo com o disposto no artigo 74.°, n.° 2.

    84.      É verdade que a referida disposição ainda não tinha sido adoptada no momento relevante para os presentes autos, tendo entrado em vigor apenas em 25 de Julho de 2005. Além disso e como a Kaul correctamente assinala, a referida disposição não pode validamente sobrepor-se a ou afastar qualquer norma contida ou necessariamente decorrente do disposto no regulamento sobre a marca comunitária. Contudo, deduzo do sétimo considerando do preâmbulo do Regulamento n.° 1041/2005 (34), que inseriu o novo parágrafo, que a intenção da Comissão era especificar de forma mais clara o conteúdo e os contornos das regras vigentes no que diz respeito às consequências jurídicas das várias irregularidades processuais e não modificar essas regras. Por conseguinte, o seu entendimento sobre a situação ao abrigo do regulamento sobre a marca comunitária mostra‑se coerente com o do Instituto.

    85.      O Tribunal de Justiça é, assim, chamado a decidir entre duas visões diferentes do processo de recurso.

    86.      Se o raciocínio seguido no acórdão recorrido estiver correcto, é difícil de ver como poderia ser validamente aprovado o novo parágrafo da regra 50, n.° 1, do regulamento de execução. Inversamente, se havia margem para a aprovação pela Comissão desta última disposição, só é possível concluir que o Tribunal de Primeira Instância interpretou incorrectamente o regulamento sobre a marca comunitária.

     Compatibilidade com o regulamento sobre a marca comunitária

    87.      Nada identifico nos termos do regulamento sobre a marca comunitária que explicitamente confirme ou afaste qualquer uma das posições (e o mesmo se aplicava – no momento relevante – ao regulamento de execução). Ambas se baseiam numa interpretação da sistemática do regulamento.

    88.      Contudo, a posição assumida pelo Tribunal de Primeira Instância, pelo menos em parte da sua jurisprudência, e o resultado a que chegou no presente processo não me parecem congruentes com a natureza dos processos de recurso em geral, dos quais o recurso interno previsto no regulamento sobre a marca comunitária constitui um exemplo.

    89.      É verdade que os processos de recurso podem variar muito quanto aos pormenores e à forma. Todavia, têm em comum uma estrutura bifaseada. A primeira fase (35) destina‑se a determinar se existe algum vício na decisão recorrida. Se – mas apenas se – existir um vício (que pode consistir, entre outros, no facto de a prova ou as alegações tomadas em conta serem insuficientes), a fase seguinte (que pode ser integral ou parcialmente dirigida pelo mesmo órgão que dirige a primeira fase ou por outro – por vezes, o órgão que tomou a primeira decisão) destinar‑se‑á a determinar a decisão que deveria ter sido ou deve agora ser tomada. No decurso desta determinação, pode ou não ser possível, em função das regras e circunstâncias do processo em causa, ter em conta elementos de prova ou alegações que por qualquer razão não tenham sido tomados em conta quando foi tomada a decisão original.

    90.      Também é verdade que podem existir processos em que o facto de a decisão ter sido tomada com base em determinados elementos de prova e alegações não exclui um novo requerimento para uma decisão diferente com o mesmo objecto, baseada nos mesmos elementos de prova e alegações ou em circunstâncias alteradas. Contudo, esses processos não são de recurso. São formalmente distintos dos processos que resultaram em qualquer decisão anterior. Apesar de poderem revogar uma decisão desse tipo, esses processos não fiscalizam nem afectam a validade do modo como aquela foi tomada. Além disso, normalmente, não existem prazos rigorosos para a sua apresentação, já que não há razão para supor que surgirão novos elementos de prova ou que ocorrerá uma modificação das circunstâncias dentro de um prazo específico após a decisão anterior.

    91.      Decorre muito claramente dos artigos 57.° a 62.° do regulamento sobre a marca comunitária que o que está aí contemplado é um recurso do primeiro tipo, independentemente da variação terminológica entre as várias versões linguísticas (36). Em especial, o prazo de dois meses a contar da data de notificação da decisão recorrida parece uma vez mais esclarecer que uma reapreciação à luz de circunstâncias alteradas não é o que se pretende. A intenção também não demonstra ser a de dar uma oportunidade para a apresentação de novos elementos de prova ou de alegações quando a unidade de primeira instância tenha considerado que aqueles que lhe foram apresentados não eram adequados. Esta oportunidade deverá ter sido dada ao nível dessa própria unidade, por força da exigência de que o Instituto deve convidar à apresentação de observações sempre que tal se revele necessário em primeira instância (37).

    92.      Creio ainda que em qualquer processo de recurso do tipo em causa, as duas fases devem ser tratadas separadamente e a segunda fase – de determinação da decisão que deveria ter sido ou deve agora ser tomada – apenas surge, e portanto só deve ser efectuada, quando tiverem sido estabelecidas razões para anular total ou parcialmente a decisão original.

    93.      Às duas fases do exame do recurso correspondem dois tipos de observações.

    94.      Na primeira fase, o órgão de recurso (no presente caso, a Câmara de Recurso) deve apreciar quaisquer aspectos relativos ao modo ou às circunstâncias que envolveram a tomada da decisão original e que possam viciar essa decisão. Essas questões incluem os fundamentos de recurso (que devem ser apresentados no prazo de quatro meses a contar da data da decisão recorrida por força do artigo 59.° do regulamento sobre a marca comunitária) e quaisquer outros elementos apresentados em apoio desses fundamentos (nos vários prazos fixados pela Câmara de Recurso ao abrigo do artigo 61.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária e das disposições aplicáveis do regulamento de execução).

    95.      Na segunda fase – se a primeira resultar na conclusão de que a decisão recorrida deve ser total ou parcialmente anulada – é adequado apreciar os elementos (o que pode incluir novos elementos) relevantes para a correcta decisão a ser agora tomada.

    96.      Os factos, provas e alegações relevantes para o resultado do requerimento original são claramente relevantes no contexto da segunda fase de um recurso para uma Câmara de Recurso, caso se chegue a essa fase. Nesse quadro, aqueles podem ser apreciados pela própria Câmara de Recurso e/ou pela unidade de primeira instância, em função da conclusão da Câmara de Recurso quanto à necessidade de remeter o processo àquela unidade para a tramitação subsequente.

    97.      Contudo, aqueles podem também ser relevantes no contexto da primeira fase se, por exemplo, se alegar que os elementos apresentados no procedimento em primeira instância foram indevidamente excluídos da apreciação ou foram erradamente apreciados.

    98.      Todavia, na falta de um nexo desse tipo entre os novos factos, provas ou alegações e a imputação de vícios à decisão original em virtude de qualquer aspecto relativo ao modo ou às circunstâncias que conduziram a que fosse tomada, a sua apreciação deve ser devidamente limitada à segunda fase, se a esta se chegar, do exame do recurso (38).

    99.      A posição seguida pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 29 e 30 do acórdão recorrido não faz uma distinção entre as duas fases do processo de recurso tal como as delineei. Conduz, pois, na minha opinião, a um resultado errado no caso em apreço.

    100. Os elementos controvertidos em questão dizem respeito à relevância do conhecimento no mercado da marca registada da Kaul como factor para a apreciação do risco de confusão com a marca objecto de oposição (39). Se tivessem sido alegados em tempo útil perante a Divisão de Oposição, esta teria sido constituída na obrigação de os ter em conta. Se tivessem sido alegados perante a mesma divisão, mas não em tempo útil, aquela gozaria de um poder de apreciação, ao abrigo do artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária, para os ter ou não em conta. O mesmo poder de apreciação estender‑se‑ia, na minha opinião, à Câmara de Recurso, se e na medida em que já tivesse estabelecido fundamentos para a anulação da decisão recorrida (que poderiam consistir, por exemplo, no facto de a Divisão de Oposição dever ter exercido o seu poder de apreciação em sentido favorável e não em sentido desfavorável).

    101. Contudo, quando os elementos não tenham de todo sido apresentados à Divisão de Oposição, não vejo por que razão estaria a Câmara de Recurso obrigada a tê‑los em conta na primeira fase da apreciação do recurso, salvo se aqueles fossem também relevantes no quadro da anulação da decisão recorrida, ou seja, se dissessem respeito a alegados vícios no modo ou circunstâncias que envolveram a tomada da referida decisão. Não encontro nenhuma indicação na decisão impugnada ou no acórdão recorrido de que fosse esse o caso.

    102. A posição seguida pelo Tribunal de Primeira Instância no presente processo implica que, sempre que sejam apresentadas dentro do prazo de recurso novas provas ou alegações em apoio de um requerimento original ou da oposição, a Câmara de Recurso está obrigada – independentemente do facto de a decisão original sofrer de um qualquer vício quanto ao modo ou circunstâncias em que foi tomada – a ter em conta esses elementos para decidir se a decisão da unidade de primeira instância deveria ter sido diferente se tivesse disposto desses elementos.

    103. Esta posição altera efectivamente a natureza do processo, que deixa de ser um recurso para passar a ser um novo requerimento ou uma nova oposição, relativamente aos quais a decisão anterior não constitui um impedimento. Creio ainda que satisfaz os requisitos da eficiência processual.

    104. Isto significaria que os prazos previstos no regulamento sobre a marca comunitária ou fixados ao abrigo desse regulamento para a produção de prova e a apresentação de alegações em apoio do requerimento original ou da oposição, essencialmente, não teriam força vinculativa.

    105. Um opositor ciente de que o prazo final para a produção de toda a prova e para a apresentação de todas as alegações é, na verdade, o prazo para a apresentação das alegações de recurso (e que, em todo o caso, a marca a que se opõe não será registada até à decisão final sobre esse recurso), não tem qualquer incentivo para preparar e apresentar de forma completa o seu processo em primeira instância. Pode até revelar‑se preferível para ele, do ponto de vista táctico, reservar alguns elementos. Mesmo que não seja esse o caso, não há urgência na preparação diligente desde o início.

    106. Se essa atitude fosse adoptada por um número significativo de opositores, verificar-se-iam provavelmente dois tipos de consequências. Por um lado, as Câmaras de Recurso poderiam ver-se confrontadas com uma quantidade excessiva de questões que deveriam ter sido e não foram apreciadas desde logo pela Divisão de Oposição. E, por outro lado, as Divisões de Oposição poderiam ver-se confrontadas, com demasiada frequência, com questões que não são essenciais no contexto de qualquer fundamento sério de oposição, decidindo com base em elementos relevantes desadequados e confrontando‑se com a anulação dessas decisões em sede de recurso.

    107. Semelhante situação não parece compatível com o modo como foi estruturado e organizado o Instituto para conhecer das oposições e dos recursos. Por conseguinte, deduzo que se pretende que o mérito de qualquer oposição seja apreciado em primeiro lugar e acima de tudo – e, se possível, definitivamente – pelas Divisões de Oposição (40).

    108. Por todas estas razões, sou da opinião de que o Tribunal de Primeira Instância concluiu erradamente no presente processo que, sem antes determinar se a decisão recorrida sofria ela própria de algum vício relativamente a algum aspecto relacionado com o modo ou as circunstâncias em que foi tomada, a Câmara de Recurso estava obrigada a ter em conta elementos de prova e alegações apresentados a respeito de um fundamento de oposição, quando estes elementos e alegações não foram produzidos e apresentados em tempo útil no processo de oposição, mas foram-no apenas dentro do prazo para a apresentação das alegações de recurso.

    109. Não creio, contudo, que a minha opinião conflitue com a jurisprudência na qual o Tribunal de Primeira Instância baseou essa conclusão.

    110. Não ponho em causa, por exemplo, o entendimento segundo o qual a função da Câmara de Recurso consiste em determinar se uma nova decisão com a mesma parte decisória pode ser legalmente tomada à luz de toda a matéria de facto e de direito que as partes tenham apresentado na primeira instância ou no recurso. Considero simplesmente que essa função só é chamada a ser exercida na segunda fase, ou seja, quando estiverem estabelecidos os fundamentos para considerar que a decisão original sofria de algum vício relacionado com qualquer aspecto do modo ou das circunstâncias em que foi tomada. Sempre que essas matérias de facto e de direito sejam relevantes para a decisão original e não tenham sido alegadas em tempo útil no processo que conduziu àquela, a Câmara de Recurso goza então de um poder de apreciação para as tomar em conta ao abrigo do artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária. Este poder de apreciação deve ser exercido nos limites de um processo de recurso como o contemplado pelo regulamento sobre a marca comunitária, podendo o seu exercício ser impugnado, sendo esse o caso, no Tribunal de Primeira Instância.

    111. Também não contesto o conceito de continuidade funcional no interior do Instituto entre as unidades de primeira instância e as Câmaras de Recurso. Todavia, esta continuidade não pode, na minha opinião, exigir que a Câmara de Recurso tome em conta elementos que poderiam ter sido validamente ignorados pela unidade de primeira instância pelo facto de não lhe terem sido apresentados em tempo útil. Pelo contrário, a atribuir algum significado a «continuidade», esta deve implicar a coerência na aplicação das mesmas normas. Poderia, efectivamente, observar‑se que existe um certo grau de continuidade funcional entre o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal de Justiça no que respeita ao tratamento dos recursos, que possui muitas semelhanças com a continuidade funcional no quadro do Instituto, mas que certamente nunca foi interpretada no sentido de que o Tribunal de Justiça está obrigado a ter em conta elementos não apresentados em tempo útil ao Tribunal de Primeira Instância, de modo a anular as decisões deste último.

    112. A existência de continuidade funcional entre a unidade que decidiu em primeira instância e a Câmara de Recurso, em conjugação com o poder de apreciação conferido pelo artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária, deve, na minha opinião, permitir que as Câmaras de Recurso tomem em conta elementos em casos como o ora em apreço, mas não pode exigi‑lo. O exercício do poder de apreciação deve assentar em razões válidas. Em especial, a Câmara de Recurso não deve tomar em conta elementos numa fase da apreciação do recurso para a qual aqueles não são relevantes.

    113. Finalmente, não considero que o meu entendimento sobre o processo de recurso implique uma restrição quanto à oportunidade de qualquer das partes produzir provas ou apresentar alegações que podiam inicialmente parecer não serem relevantes ou necessárias.

    114. O disposto no regulamento sobre a marca comunitária torna claro que o requerente do registo deve ter a oportunidade de retirar ou modificar o pedido, ou de apresentar as suas observações, antes de este ser recusado com base em motivos absolutos de recusa, e de tomar posição relativamente a quaisquer observações de terceiros (41). Se o pedido for objecto de oposição ou se a marca estiver registada e for apresentado um pedido ulterior de anulação, ambas as partes devem ser convidadas a apresentar observações «tantas vezes quantas forem necessárias» (42).

    115. O facto de a unidade que decidiu em primeira instância não ter dado oportunidade suficiente para a produção de nova prova ou a apresentação de novas alegações de acordo com aquelas disposições constitui um factor que pode justificar a anulação da sua decisão pela Câmara de Recurso e a apreciação dos elementos em questão.

    116. Todavia, a mera apresentação de novos elementos perante a Câmara de Recurso, quando para o efeito foi dada oportunidade suficiente no processo inicial, normalmente não justificará que assim se proceda. O poder de apreciação conferido pelo artigo 74.°, n.° 2, pode permitir que a Câmara de Recurso proceda dessa forma em circunstâncias excepcionais, embora seja difícil definir previamente quais possam ser estas circunstâncias excepcionais.

    117. À luz de tudo quanto precede, considero que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância deve ser anulado, pois a fundamentação constante dos n.os 29 e 30 desse acórdão é incorrecta, na medida em que conduz à conclusão de que a Câmara de Recurso estava obrigada a tomar em conta os elementos controvertidos.

    118. Em princípio, permanece em aberto a questão de saber se a Câmara de Recurso fez o devido uso do seu poder de apreciação ao abrigo do artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária, ao ter recusado tomar esses elementos em conta (43). Não foi apresentado ao Tribunal de Justiça – nem, manifestamente, ao Tribunal de Primeira Instância – qualquer argumento a esse respeito. Contudo e independentemente de essa questão dever ou não ser ainda apreciada, vários outros argumentos invocados pela Kaul não foram de todo apreciados. Assim, o estado do processo não permite que o Tribunal de Justiça se pronuncie, ele próprio e definitivamente, nem o Instituto lhe pediu que o fizesse. O processo deve, por conseguinte, ser remetido ao Tribunal de Primeira Instância para julgamento.

     Despesas

    119. Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. O Instituto requereu a sua condenação nas despesas e os argumentos de recurso da Kaul devem, na minha opinião, ser rejeitados. Todavia, dado que há questões que permanecem por decidir pelo Tribunal de Primeira Instância, a decisão sobre as despesas nesse Tribunal deve ser reservada para final.

     Conclusão

    120. Pelas razões expostas, proponho que o Tribunal de Justiça:

    –        anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Novembro de 2004 no processo T‑164/02;

    –        remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância para julgamento;

    –        condene a Kaul nas despesas do presente recurso;

    –        reserve para final a decisão quanto às restantes despesas.


    1 – Língua original: inglês.


    2 – Acórdão de 10 de Novembro de 2004, Kaul/IHMI – Bayer (ARCOL) (T‑164/02, Colect., p. II‑3807).


    3 – Regulamento de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1). Embora o regulamento tenha sido alterado várias vezes, as alterações anteriores ao período relevante para o presente processo não têm qualquer importância para as questões ora em apreço.


    4 – Regulamento de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, sobre a marca comunitária (JO L 303, p. 1). A respeito das relevantes alterações ulteriores, v. n.os 22 a 24.


    5 – Na acepção em que esses termos são usados no artigo 6.° bis da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, de 20 de Março de 1883.


    6 – Os titulares de marcas anteriores não perdem a possibilidade de impugnar o registo se não se opuserem a este no prazo de três meses. De acordo com o artigo 52.°, n.° 1, alínea a), podem instaurar o processo de anulação regulado pelos artigos 55.° e 56.° para o qual não existe um prazo. No Instituto, esses processos correm perante as divisões de anulação. Também estão previstos, no artigo 96.°, os «tribunais da marca comunitária» designados pelos Estados‑Membros para conhecer dessas acções.


    7 – Expresso, na versão inglesa do regulamento, através do barbarismo «allowability» do recurso, termo aparentemente retirado, nesta acepção, da Convenção Europeia sobre as Patentes. V. infra n.os 36 e segs.


    8 – V. o décimo terceiro considerando do regulamento sobre a marca comunitária.


    9 – Pelo Regulamento (CE) n.° 1041/2005 da Comissão, de 29 de Junho de 2005 (JO L 171, p. 4), com efeitos a contar de 25 de Julho de 2005.


    10 –      A expressão «no regulamento [sobre a marca comunitária]» é aquela a que presumivelmente se pretende aludir aqui; as versões linguísticas diferem.


    11 – V. n.° 1, supra.


    12 – «Continuité fonctionnelle» em francês; por razões de conveniência, referir‑me‑ei a seguir a «functional continuity» («continuidade funcional»).


    13 – Acórdão de 8 de Julho de 1999, Procter & Gamble/IHMI (BABY‑DRY) (T‑163/98, Colect., p. II‑2383, n.os 30 a 45). Este acórdão foi anulado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2001, Procter & Gamble/IHMI (C‑383/99 P, Colect., p. I‑6251), embora não tenha sido com fundamento na apresentação de novos elementos à Câmara de Recurso.


    14 – Artigo 74.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária.


    15 – Acórdão de 23 de Setembro de 2003, Henkel/IHMI – LHS (UK) (KLEENCARE) (T‑308/01, Colect., p. II‑3253, n.os 26, 29 e 32).


    16 – Adopto esta formulação algo lacónica para dizer: sem prejuízo do disposto no artigo 74.°, n.° 2, no que diz respeito aos elementos apresentados fora do prazo no próprio processo de recurso.


    17 – Acórdão de 23 de Outubro de 2002, Institut für Lernsysteme/IHMI – Educational Services (ELS) (T‑388/00, Colect., p. II‑4301, n.os 27 a 30).


    18 – Acórdão de 8 de Julho de 2004, MFE Marienfelde/IHMI – Vétoquinol (HIPOVITON) (T‑334/01, Colect., p. II‑2787, n.os 56 e 57).


    19 – V., por exemplo, acórdãos de 9 de Novembro de 2005, Focus Magazin Verlag/IHMI – ECI Telecom (HI‑FOCuS) (T‑275/03, Colect., p. II‑4725, n.° 38), e, mais recentemente, de 11 de Julho de 2006, Caviar Anzali/IHMI – Novamarket (ASETRA) (T‑252/04, Colect., p. II‑2115, n.° 38).


    20 – V., por exemplo, a decisão de 2 de Março de 2005 no processo R 389/2004‑1 – HYPERCO (marca figurativa)/HIPERCOR (marca figurativa), n.os 26 a 29, e as decisões aí referidas.


    21 – Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias, assinada em Munique em 5 de Outubro de 1973. Actualmente, os signatários da convenção incluem todos os Estados‑Membros da União Europeia (à excepção de Malta, que se encontra em processo de adesão) e do Espaço Económico Europeu, a par da Bulgária, do Mónaco, da Roménia, da Suíça e da Turquia.


    22 – Em especial, os artigos 43.°, n.° 1, 60.°, 62.°, n.° 1, 74.° e 76.°, n.° 1.


    23 – Em inglês, francês e alemão, línguas da Convenção sobre a Patente Europeia.


    24 – Decisão de 31 de Março de 1993 (Jornal Oficial do Instituto Europeu de Patentes, 1993, p. 408).


    25 –      Cuja redacção é semelhante à do artigo 74.°, n.° 1, do regulamento sobre a marca comunitária, salvo que a apreciação não se limita às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes (contudo, os artigos 114.°, n.° 2, e 74.°, n.° 2, são idênticos).


    26 – O pedido foi entretanto transferido para a Bayer AG, a actual requerente perante o Instituto.


    27 – Por decisão da terceira Câmara de Recurso no processo R 782/2000‑3 – ARCOL/CAPOL, publicada em http://oami.europa.eu/LegalDocs/BoA/2000/en/R0782_2000‑3.pdf (a seguir, «decisão recorrida»).


    28 – No n.° 6.


    29 – N.os 33 a 37 do acórdão recorrido.


    30 – V., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, SABEL (C‑251/95, Colect., p. I‑6191, n.os 22 a 24); de 29 de Setembro de 1998, Canon (C‑39/97, Colect., p. I‑5507, n.os 16 a 18); e de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer (C‑342/97, Colect., p. I‑3819, n.os 18 a 20). Estes acórdãos versaram sobre o artigo 4.°, n.° 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), mas a redacção e a interpretação desta disposição essencialmente não diferem no que toca ao artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do regulamento sobre a marca comunitária.


    31 – Como o Tribunal de Primeira Instância reconheceu no n.° 57 do acórdão Marienfelde (já referido no n.° 18, supra).


    32 – Artigos 43.°, n.° 1, e 61.°, n.° 2, do regulamento sobre a marca comunitária. Pode recordar‑se que o uso dos termos «observações» («observations») e «alegações de facto» («arguments») nas partes relevantes da legislação não é uniforme entre as versões linguísticas, pelo que uma distinção formal entre as duas se afigura difícil.


    33 – Já referido na nota 15.


    34 – Já referido na nota 9: «As disposições referentes ao processo de oposição devem ser totalmente reformuladas, de modo a determinarem as condições de admissibilidade, a especificarem claramente as consequências legais das irregularidades e a ordenarem cronologicamente as disposições processuais.»


    35 – No presente contexto, não procedo à análise da admissibilidade formal.


    36 – Por exemplo, em inglês, o termo «appeal» é usado no contexto do processo nas Câmaras de Recurso e «action» no contexto do processo no Tribunal de Primeira Instância (com um «appeal» para o Tribunal de Justiça), ao passo que ambos os processos são «recours» em francês (com um «pourvoi» para o Tribunal de Justiça) e, em alemão, os termos correspondentes são «Beschwerde», «Klage» e «Rechtsmittel».


    37 – Artigo 43.°, n.° 1, do regulamento sobre a marca comunitária, no que respeita ao processo de oposição. O artigo 56.°, n.° 1, a respeito do processo de anulação, e, no contexto ligeiramente diferente dos pedidos de registo, os artigos 38.°, n.° 3, e 41.°, n.° 2, contêm disposições semelhantes.


    38 – V., ainda, os n.os 53 a 55 das conclusões que apresentei recentemente, em 6 de Julho de 2006, no processo BVBA Management, Training en Consultancy, C‑239/05, ainda não publicadas na Colectânea.


    39 – V. n.° 71, supra.


    40 – As mesmas considerações são aplicáveis, claro está, à apreciação de pedidos de registo e aos processos de declaração da nulidade.


    41 – Artigos 38.°, n.° 3, e 41.°, n.° 2.


    42 – Artigos 43.°, n.° 1, e 56.°, n.° 1.


    43 – V. n.os 73 a 78 e 116, supra.

    Top