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Document 62005CC0016

Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 12 de Septembro de 2006.
The Queen, Veli Tum e Mehmet Dari contra Secretary of State for the Home Department.
Pedido de decisão prejudicial: House of Lords - Reino Unido.
Acordo de associação CEE-Turquia - Artigo 41.º, n.º 1, do protocolo adicional - Cláusula de ‘standstill’ - Alcance - Legislação de um Estado-Membro que introduziu, após a entrada em vigor do protocolo adicional, novas restrições no que diz respeito à admissão no seu território de cidadãos turcos para efeitos do exercício da liberdade de estabelecimento.
Processo C-16/05.

Colectânea de Jurisprudência 2007 I-07415

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:550

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

L. A. GEELHOED

apresentadas em 12 de Setembro de 2006 1(1)

Processo C‑16/05

The Queen on the application of Veli Tum

e

The Queen on the application of Mehmet M. Dari

contra

Secretary of State for the Home Department

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela House of Lords (Reino Unido)]

«Interpretação do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional, assinado em 23 de Novembro de 1970, anexo ao acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia – Possibilidade de um Estado‑Membro introduzir novas restrições à entrada de cidadãos turcos que pretendam exercer actividades comerciais nesse Estado»





I –    Introdução

1.        O artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional de 1970 ao acordo de associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, de 1963, proíbe a introdução de novas restrições à liberdade de estabelecimento e à liberdade de prestação de serviços entre as partes no acordo. A questão central a resolver neste processo é a de saber se esta disposição também impede os Estados‑Membros de tornar as condições de entrada de cidadãos turcos no seu território nacional mais restritivas do que aquelas que existiam por ocasião da entrada em vigor desta disposição para o Estado‑Membro em questão.

II – Disposições relevantes

A –    Direito comunitário

2.        O acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia (a seguir «acordo de associação») foi assinado em Ancara em 12 de Setembro de 1963 pela República da Turquia e pelos Estados‑Membros da CEE e pela Comunidade. Foi concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (2). O protocolo adicional ao acordo de associação foi assinado em Bruxelas em 23 de Novembro de 1970 e concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.° 2760/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972 (3).

3.        O artigo 13.° do acordo de associação contém a seguinte disposição genérica relativa à liberdade de estabelecimento entre os Estados‑Membros e a Turquia:

«As Partes Contratantes acordam em inspirar‑se nos artigos 52.° a 56.° inclusive e no artigo 58.° do Tratado que institui a Comunidade na eliminação entre si das restrições à liberdade de estabelecimento» (4).

4.        O artigo 41.° do protocolo adicional estabelece o seguinte:

«1. As partes contratantes abster‑se‑ão de introduzir, nas suas relações mútuas, novas restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços.

2. O Conselho de Associação fixará, em conformidade com os princípios enunciados nos artigos 13.° e 14.° do acordo de associação, o calendário e as modalidades segundo os quais as partes contratantes suprimirão progressivamente, nas suas mútuas relações, as restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços.

O Conselho de Associação fixará este calendário e estas modalidades para as diferentes categorias de actividades, tendo em conta as disposições análogas já adoptadas pela Comunidade nestes domínios, bem como a situação especial da Turquia no plano económico e social. Será dada prioridade às actividades que contribuam de modo especial para o desenvolvimento da produção e das trocas comerciais.»

Até à data, o Conselho de Associação não tomou qualquer medida ao abrigo do artigo 41.°, n.° 2 do protocolo adicional.

B –    Direito nacional

5.        A section 11, n.° 1, do Immigration Act (Lei da imigração) do Reino Unido de 1971 estabelece o seguinte:

«Para efeitos do disposto no presente diploma, considera‑se que uma pessoa que chega ao Reino Unido por via marítima ou aérea não entra no Reino Unido se e enquanto não desembarcar, entendendo‑se ainda, quando desembarcar num porto, que não entra no Reino Unido enquanto permanecer na área (se esta existir) desse porto que, para o efeito, tenha sido criada pelos Serviços de Imigração; considera‑se ainda que a pessoa que não entrou a outro título no Reino Unido não o fez enquanto estiver detida, admitida sob autorização temporária ou colocada em liberdade provisória sob risco de ser detida, por decisão tomada ao abrigo das competências atribuídas no Anexo 2 do presente diploma ou na Parte III do Immigration and Asylum Act [lei sobre imigração e asilo] de 1999.»

6.        Em 1 de Janeiro de 1973, data da adesão do Reino Unido à Comunidade Europeia, as normas relativas a imigração relevantes para efeitos de estabelecimento e de prestação de serviços constavam do Statement of Immigration Rules for Control on Entry (HC 509) (regras sobre a fiscalização da imigração à entrada no território), apresentado ao Parlamento em 23 de Outubro de 1972 (a seguir «Immigration Rules de 1973»). Estas normas foram resumidas na decisão de reenvio nos seguintes termos. O ponto 30 das Immigration Rules de 1973 prevê (sob a epígrafe «Empresários») que os passageiros que não dispõem de uma autorização de entrada mas, no entanto, revelem estar em condições de satisfazer os requisitos constantes de qualquer um dos dois pontos seguintes deverão ser admitidos por um período não superior a dois meses, com proibição de exercício de actividades profissionais, devendo ser convidados a expor a sua situação ao Home Office. O ponto 31 refere‑se à necessidade de o requerente ter meios suficientes para investir numa empresa, que já exista, e para suportar a parte das perdas que lhe pertença; dispõe que o requerente deve estar em condições de se sustentar a si próprio e aos seus dependentes e de participar activamente na gestão da empresa e contém diversas outras regras. O ponto 32 determina que o requerente, caso pretenda exercer uma actividade comercial por conta própria, tem de fazer prova de que trará para o país meios suficientes para exercer uma actividade cujos lucros estimados, avaliados em termos realistas, possam prover ao seu sustento e ao das pessoas a seu cargo, sem ter de recorrer a um emprego remunerado que exija uma autorização de trabalho.

7.        As normas vigentes relativas a pessoas que requeiram autorização de entrada no Reino Unido com o objectivo de exercer uma actividade comercial constam actualmente do HC 395 (a seguir «normas de imigração actuais»). Os pontos 201 a 205 estabelecem os seguintes requisitos:

«201. As condições a preencher por uma pessoa que pretenda obter autorização de entrada no Reino Unido para exercer uma actividade comercial são: (i) que satisfaça os requisitos do ponto 202 ou do ponto 203; e (ii) que disponha de quantia não inferior a 200 000 GBP de fundos próprios sob o seu controlo, detidos em nome próprio e disponíveis no Reino Unido e não através de um trust ou de outro meio de investimento, que investirá na sua actividade comercial no Reino Unido; e (iii) que, até a sua actividade lhe proporcionar um rendimento, tenha fundos adicionais suficientes para prover ao seu sustento e ao dos seus dependentes, sem recurso a trabalho remunerado (para além do aplicado na sua actividade comercial) ou a fundos públicos; e (iv) que estará activamente envolvido a tempo inteiro na actividade comercial ou de prestação de serviços por conta própria ou em sociedade, ou na promoção e gestão da empresa na qualidade de gerente; e (v) que o seu nível de investimento financeiro será proporcional à sua participação na actividade comercial; e (vi) que terá uma participação que lhe proporcione o controlo ou uma participação paritária na actividade comercial e que qualquer sociedade ou sistema de direcção não oculte uma situação de trabalho por conta de outrem; e (vii) que poderá assumir a sua quota de responsabilidade; e (viii) que exista uma necessidade efectiva do seu investimento e serviços no Reino Unido; e (ix) que a sua quota dos lucros da actividade será suficiente para prover o seu sustento e de quaisquer dependentes sem recurso ao trabalho remunerado (para além do aplicado na actividade) ou a fundos públicos; e (x) que não pretenda complementar as suas actividades comerciais aceitando ou procurando trabalho remunerado no Reino Unido para além do aplicado na sua actividade; e (xi) que seja titular de uma autorização de entrada no Reino Unido válida para a entrada a este título.

202. Uma pessoa que pretenda assumir o controlo de uma empresa existente no Reino Unido ou a ela associar‑se como sócio ou gerente deve, além de preencher os requisitos previstos no ponto 201, apresentar: (i) uma declaração escrita explicitando os termos em que tenciona assumir o controlo ou associar‑se à empresa; e (ii) as contas auditadas da empresa relativas a anos anteriores; e (iii) a prova de que os seus serviços e o seu investimento resultarão num aumento líquido do emprego proporcionado pela empresa a pessoas residentes através da criação de, no mínimo, dois postos de trabalho a tempo inteiro.

203. Uma pessoa que pretenda estabelecer uma nova actividade comercial no Reino Unido deverá, para além de preencher os requisitos do referido ponto 201, produzir prova: (i) de que trará para o país fundos próprios suficientes para exercer uma actividade comercial; e (ii) de que a actividade criará emprego remunerado a tempo inteiro para, pelo menos, duas pessoas já residentes no Reino Unido.

Autorização de entrada no Reino Unido para exercer uma actividade comercial

204. Uma pessoa que pretenda obter autorização de entrada no Reino Unido para exercer uma actividade comercial poderá ser admitida, por um período não superior a doze meses, com uma condição restritiva da sua liberdade de aceitar emprego, desde que apresente aos serviços de imigração, à chegada, uma autorização de entrada no Reino Unido válida para o fim supramencionado.

Recusa de autorização de entrada no Reino Unido para exercer uma actividade comercial

205. A autorização de entrada no Reino Unido de uma pessoa que pretenda exercer uma actividade comercial será recusada se não for apresentada aos serviços de imigração, à chegada, uma autorização de entrada no Reino Unido válida para esse fim.»

III – Factos e tramitação processual

8.        Uma vez que os factos relativos aos processos de V. Tum e de M. Dari são largamente semelhantes, torna‑se conveniente apresentá‑los em conjunto.

9.        V. Tum e M. Dari, ambos de nacionalidade turca, chegaram ao Reino Unido em 29 de Novembro de 2001 e em 1 de Outubro de 1998, respectivamente. Foi atribuída a ambos autorização temporária de entrada ao abrigo da section 11 do Immigration Act de 1971, sujeita a uma restrição (no caso de V. Tum) e a uma proibição (no caso de M. Dari) de aceitar emprego. Ambos tinham pedido asilo no Reino Unido. Porém, esses pedidos foram indeferidos pelo Secretary of State e foram dadas instruções para a sua expulsão, ao abrigo da Convenção de Dublim (5), para os Estados‑Membros em que requereram originalmente asilo, a saber, a Alemanha (V. Tum) e a França (M. Dari). As suas subsequentes tentativas de obter a revisão judicial destas decisões não tiveram êxito.

10.      Durante a sua permanência no Reino Unido, M. Dari montou a sua própria pizaria em Herne Bay, Kent. Em 30 de Setembro de 2002, M. Dari apresentou um pedido às autoridades de imigração para entrar no Reino Unido de maneira a poder continuar a exercer a sua actividade. De modo semelhante, V. Tum apresentou um pedido de entrada no Reino Unido para constituir uma empresa de limpezas em North London. Uma vez que se encontravam no Reino Unido em condições de admissão temporária ao abrigo da section 11 do Immigration Act de 1971 e, assim, não tinham entrado formalmente no Reino Unido para efeitos de imigração, basearam os seus pedidos no acordo de associação e no protocolo adicional e requereram que o seu pedido fosse analisado com referência às Immigration Rules de 1973.

11.      Em 12 de Maio de 2003, o Secretary of State, tendo avaliado a questão ao abrigo das normas sobre imigração vigentes, e não das Immigration Rules de 1973, recusou a V. Tum a autorização de entrada no Reino Unido para exercer uma actividade comercial, e deu instruções para que fosse expulso para a Alemanha logo que possível. O pedido de M. Dari foi indeferido com os mesmos fundamentos. V. Tum requereu e obteve a suspensão da expulsão.

12.      V. Tum e M. Dari interpuseram ambos, subsequentemente, recurso de fiscalização da legalidade. Os seus processos foram analisados em conjunto pela High Court of Justice, Queen’s Bench Division, que decidiu em seu favor por sentença de 19 de Novembro de 2003. A substância desta decisão é a de que V. Tum e M. Dari tinham o direito de contar com a chamada cláusula de «standstill» do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional e, deste modo, de requerer a avaliação dos seus pedidos de entrada no Reino Unido na qualidade de empresários com base nas Immigration Rules em vigor na data em que o Reino Unido aderiu à Comunidade, em 1 de Janeiro de 1973.

13.      Esta decisão foi mantida pela Court of Appeal por acórdão 24 de Maio de 2004.

14.      Em 9 de Julho de 2004, o Secretary of State solicitou à House of Lords permissão para recorrer das decisões da Court of Appeal nos processos apensos. Após uma audiência que teve lugar em 27 de Outubro de 2004, o Appellate Committee da House of Lords determinou que fosse solicitada ao Tribunal de Justiça uma decisão a título prejudicial, nos termos do artigo 234.° CE, relativamente à seguinte questão:

«O artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional […] deve ser interpretado no sentido de que proíbe um Estado‑Membro de introduzir, após a entrada em vigor do protocolo adicional, novas restrições às condições e ao procedimento de entrada no seu território de um cidadão turco que pretende exercer uma actividade comercial nesse Estado‑Membro?»

15.      Foram apresentadas observações escritas por V. Tum e M. Dari, pelos Governos da Eslováquia e do Reino Unido e pela Comissão. Na audiência em 18 de Maio de 2006, foram apresentadas novas observações por V. Tum e M. Dari, pelos Governos do Reino Unido e dos Países Baixos e pela Comissão.

16.      V. Tum e M. Dari, o Governo eslovaco e a Comissão consideram que a questão prejudicial da House of Lords deve ter resposta afirmativa. Os Governos do Reino Unido e dos Países Baixos adoptam a perspectiva oposta e afirmam que o Tribunal deve dar resposta negativa à questão.

IV – Resumo das observações

17.      V. Tum e M. Dari começam por sustentar que a cláusula de «standstill» contida no artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional se aplica não apenas às condições de estabelecimento como tais, mas também às condições de residência e entrada. No direito comunitário, as últimas são consideradas um corolário necessário da liberdade de estabelecimento (6). V. Tum e M. Dari aceitam que os nacionais turcos não obtêm directamente, a partir desta disposição, quaisquer direitos de estabelecimento ou de entrada num Estado‑Membro. Porém, afirmam que, ao abrigo dessa disposição, o seu pedido de autorização de entrada no Reino Unido para exercer uma actividade comercial deveria ser avaliado com base no direito nacional tal como existia na ocasião em que o Reino Unido se tornou parte do Protocolo Adicional, isto é, em 1 de Janeiro de 1973.

18.      V. Tum e M. Dari sustentam que, no acórdão Savas (7), o Tribunal de Justiça já esclareceu que qualquer nacional da Turquia, mesmo aquele cuja presença no Reino Unido seja totalmente irregular, pode, apesar disso, beneficiar da cláusula de «standstill» directamente aplicável do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional. Salientam que nesse processo o Tribunal não teve que considerar a questão da entrada, porque A. Savas tinha entrado legalmente no Reino Unido, ainda que a sua permanência continuada fosse ilegal. O Tribunal tratou, assim, apenas das condições ao abrigo das quais A. Savas poderia obter autorização para permanecer e para se estabelecer no Reino Unido.

19.      Ainda em defesa da sua afirmação inicial relativa ao escopo do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional, V. Tum e M. Dari observaram que, em contraste com cláusulas de «standstill» semelhantes (8), nada existe na sua redacção que sugira que a sua aplicação se limita às condições de permanência e de estabelecimento, excluindo as condições de entrada. A cláusula de «standstill» ficaria desprovida de sentido se os Estados‑Membros pudessem, contrariamente aos objectivos do acordo de associação, tornar a entrada no seu território mais difícil ou mesmo impossível. Salientam que esta interpretação do artigo 41.°, n.° 1, não afecta a competência dos Estados‑Membros relativa à imigração de nacionais turcos. Simplesmente coloca esses nacionais na posição em que estariam no momento em que o Estado‑Membro se tornou parte no protocolo adicional, como estabelece a cláusula de «standstill».

20.      Finalmente, em resposta à afirmação do Reino Unido de que a protecção do artigo 41.°, n.° 1, não deveria abranger os requerentes a quem o asilo foi recusado (v. n.° 25, infra), V. Tum e M. Dari salientam que, ainda que estejam fisicamente presentes no Reino Unido, de acordo com a section 11 do Immigration Act de 1971 não entraram formalmente no Reino Unido. A questão de saber se podem ser expulsos para outro Estado‑Membro ao abrigo da Convenção de Dublim é irrelevante para a resposta à questão prejudicial da House of Lords. Esta questão limita‑se à determinação das normas aplicáveis aos pedidos de V. Tum e de M. Dari de autorização de entrada para exercer uma actividade comercial.

21.      O Governo Eslovaco e a Comissão apoiam amplamente as perspectivas expressas por V. Tum e por M. Dari. Ambos afirmam que, uma vez que o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional impede os Estados‑Membros de tornar o estabelecimento dos nacionais turcos mais difícil do que o era na data da sua entrada em vigor para esses Estados‑Membros, estes não podem, como corolário, frustrar tal direito introduzindo novas restrições ao direito de residência e ao direito de entrada, na medida em que estes direitos estão indissociavelmente ligados ao direito de estabelecimento.

22.      A Comissão observou que, uma vez que o Tribunal, no acórdão Savas, já referido, atribuiu o benefício da cláusula de «standstill» do artigo 41.°, n.° 1, a uma pessoa legalmente admitida num Estado‑Membro, embora nele permanecendo ilegalmente, seria paradoxal não o conceder a uma pessoa que tenha feito o adequado requerimento de autorização de entrada estando ainda na Turquia. Acrescentou que uma pessoa que requeira autorização de entrada como visitante quando, de facto, tem a intenção de iniciar uma actividade comercial logo que admitido no Estado‑Membro não estaria abrangida pela protecção conferida pelo acordo. Tal intenção fraudulenta seria, porém, muito difícil ou mesmo impossível de provar.

23.      A Comissão assinala que, tendo o Tribunal confirmado que a Decisão n.° 1/80 não afecta a competência dos Estados‑Membros para regular a primeira entrada de trabalhadores turcos no seu território, tal não implica que nem o acordo de associação nem o protocolo adicional possam ter algum efeito sobre a competência dos Estados‑Membros para regular a entrada de nacionais turcos no seu território. De facto, a competência do Estado‑Membro para controlar a primeira admissão de nacionais turcos foi limitada. Apesar de este resultado dever ser considerado inevitável, a Comissão sugere que o Tribunal limite o âmbito da sua resposta às restrições que estão indissociavelmente ligadas ao direito de estabelecimento, de forma a evitar impor entraves indevidos ao direito de os Estados‑Membros regularem a primeira admissão no seu território de nacionais turcos.

24.      O Governo do Reino Unido afirma inicialmente que, de acordo com a jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros mantêm a possibilidade de determinar as suas próprias condições para a primeira entrada de cidadãos turcos no seu território. O acordo de associação e o protocolo adicional não pretendem conferir aos nacionais turcos direitos de estabelecimento de algum modo semelhantes aos dos cidadãos da União Europeia. No exercício desta competência, o Reino Unido podia alterar os termos em que viria a permitir aos cidadãos turcos a entrada no Reino Unido para exercerem uma actividade comercial, ainda que tais alterações tornem essa entrada mais difícil do que o era em 1 de Janeiro de 1973. Esta afirmação baseia‑se no acórdão Savas, já referido, no qual o Tribunal de Justiça determinou que o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional apenas regula as condições que os Estados‑Membros aplicam às pessoas que pretendam iniciar uma actividade comercial logo que tenham entrado legalmente num Estado‑Membro, e que essa disposição não prejudica a liberdade de os Estados‑Membros determinarem as condições da primeira entrada.

25.      O Reino Unido sustenta, em alternativa, que, se o Tribunal viesse a considerar que o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional proíbe os Estados‑Membros de introduzirem novas restrições à entrada nos seus territórios de nacionais turcos que aí pretendessem iniciar uma actividade comercial, tal não se aplicaria aos que pretendessem permanecer e iniciar uma actividade comercial após verem recusado um pedido de asilo e serem passíveis de expulsão para outro Estado‑Membro ao abrigo da Convenção de Dublim ou de legislação que lhe sucedeu. A este propósito, o Governo do Reino Unido assinala que V. Tum e M. Dari apenas invocaram os seus alegados direitos ao abrigo do artigo 41.°, n.° 1, quando enfrentaram a expulsão para a França e para a Alemanha. Permitir a pessoas em tais circunstâncias que requeiram protecção contra a expulsão ao abrigo da Convenção de Dublim permitiria ao requerente de asilo ultrapassar o funcionamento do sistema comum europeu de asilo. Isto representaria um abuso de direito, na medida em que um requerente de asilo poderia beneficiar dos direitos conferidos pelo direito comunitário pelo facto da sua entrada e presença ilegais num Estado‑Membro.

26.      O Governo dos Países Baixos também adopta a perspectiva de que os direitos conferidos pelo artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional apenas podem ser invocados por nacionais turcos que tenham cumprido as normas nacionais de imigração em matéria de entrada e residência. Permitir a pessoas que entraram ilegalmente num Estado‑Membro e subsequentemente iniciaram uma actividade comercial beneficiar da protecção do artigo 41.°, n.° 1, colocaria em causa a eficácia do regime nacional de imigração, que se mantém na competência dos Estados‑Membros. Privaria também o sistema comunitário de asilo da sua eficácia. O Governo dos Países Baixos considera que, se V. Tum e M. Dari tivessem, de facto, regressado à Turquia e apresentado um novo pedido de autorização de entrada no Reino Unido com base nas suas actividades económicas durante a sua permanência ilegal, continuariam a não poder invocar o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional. Permitir tal circunstância significaria colocar em perigo a eficácia e a credibilidade do regime legal nacional de emigração.

V –    Apreciação

27.      Tal como se indicou na introdução às presentes conclusões, a questão básica a responder neste processo é a de saber se o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional, que proíbe a introdução de novas restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços a partir da entrada em vigor do protocolo adicional para o Estado‑Membro em questão, também impede o Estado‑Membro de tornar as condições de entrada mais restritivas para os nacionais turcos.

28.      Nas suas diversas alegações, todas as partes utilizam o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Savas (9) para fundamentar as suas afirmações, diametralmente opostas, de que esta questão deve ser respondida de forma positiva ou negativa. É, assim, necessário começar por resumir os factos essenciais desse processo e a decisão do Tribunal.

A –    O processo Savas

29.      A. Savas (10), um nacional turco, obteve autorização para entrar no Reino Unido como turista por um mês. O seu visto de entrada incluía uma condição expressa que o proibia de aceitar emprego ou de exercer uma actividade comercial ou profissão. Apesar de expirado o seu visto, A. Savas permaneceu no Reino Unido violando o regime legal nacional de imigração. Alguns anos depois, iniciou a exploração de uma fábrica de camisas, sem ter procurado obter autorização para trabalhar ou para exercer uma actividade por conta própria. Depois de ter exercido a sua actividade industrial por algum tempo, requereu às autoridades nacionais de imigração a regularização da sua situação. Porém, o seu pedido de autorização para permanecer foi recusado e foi emitida uma ordem de afastamento em seu nome. A. Savas interpôs recurso dessa decisão, mas foi‑lhe negado provimento.

30.      Tendo baseado inicialmente o seu pedido apenas no direito nacional, A. Savas invocou posteriormente o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional, reivindicando que a sua posição fosse apreciada com base nas Immigration Rules de 1973. Este argumento foi rejeitado pelas autoridades de imigração por, à data do seu pedido de regularização da sua permanência no Reino Unido, já não ter autorização para nele permanecer e, assim, não poder beneficiar das Immigration Rules de 1973. A. Savas recorreu subsequentemente para a Queen’s Bench Division da High Court of Justice. Este tribunal colocou a questão de saber se o efeito do acordo de associação é o de conferir direitos a estrangeiros que, como A. Savas, estão ilegalmente no território de um Estado‑Membro. Decidiu, assim, formular um pedido prejudicial ao Tribunal de Justiça, submetendo questões sobre o efeito directo do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional e sobre o âmbito da protecção conferida por esta disposição.

31.      Para os efeitos do presente processo, é apenas necessário referir as considerações do Tribunal de Justiça relativamente ao âmbito de aplicação do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional. No entanto, por uma questão de rigor, salientaria que o Tribunal não teve qualquer dificuldade em determinar que esta disposição pode ser de facto invocada em processos perante os tribunais nacionais (11).

32.      No que respeita ao âmbito de aplicação do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional, A. Savas alegou inicialmente, nas suas observações escritas, que retirava directamente desta disposição um direito de estabelecimento e um correspondente direito de residência, apesar de ter iniciado uma actividade comercial no Reino Unido em violação do regime legal da imigração desse país. Abandonou, porém, este argumento na audiência, passando a alegar que esta disposição lhe conferia o direito de submeter a um tribunal nacional a questão de saber se as normas que lhe eram aplicadas eram mais exigentes em matéria de liberdade de estabelecimento e de direito de residência do que as aplicáveis por ocasião da entrada em vigor do protocolo adicional no Reino Unido. O Tribunal analisou ambos os argumentos no seu acórdão.

33.      O primeiro argumento apresentado por A. Savas levou o Tribunal a reiterar os princípios básicos que estabelecera na sua jurisprudência assente relativamente aos trabalhadores turcos. Estes princípios básicos são os seguintes:

–        «no estado actual do direito comunitário, as disposições relativas à associação CEE‑Turquia não colidem com a competência dos Estados‑Membros de regulamentar tanto a entrada no seu território de nacionais turcos como as condições do seu primeiro emprego, limitando‑se a regular a situação dos trabalhadores turcos já regularmente integrados no mercado de trabalho dos Estados‑Membros» (12);

–        «contrariamente aos cidadãos dos Estados‑Membros, os trabalhadores turcos não têm o direito de circular livremente no interior da Comunidade, apenas beneficiando de certos direitos no Estado‑Membro de acolhimento em cujo território entraram legalmente e exerceram um emprego regular durante um período determinado» (13);

–        «os direitos […] conferidos aos trabalhadores turcos no plano do emprego implicam necessariamente, sob pena de privar de todo o efeito útil o direito de acesso ao mercado de emprego e de exercício de um emprego, a existência de um direito correlativo de residência na esfera jurídica do interessado» (14);

–        «a regularidade do emprego de um nacional turco no Estado‑Membro de acolhimento pressupõe uma situação estável e não precária no mercado de trabalho do referido Estado‑Membro e implica, por esse motivo, um direito de residência não contestado» (15);

–        «os períodos de emprego exercidos por um nacional turco ao abrigo de uma autorização de residência que apenas lhe foi emitida devido a um comportamento fraudulento da sua parte, dando lugar à sua condenação, não se baseiam numa situação estável e devem ser considerados como só tendo sido cumpridos a título precário, dado que, durante os períodos em questão, o interessado não beneficiara legalmente de um direito de residência […] está excluído que o exercício de um trabalho por um nacional turco a coberto de uma autorização de residência obtida nas referidas condições fraudulentas possa criar efeitos em benefício deste» (16).

34.      O Tribunal de Justiça afirmou que «estes princípios, desenvolvidos no âmbito da interpretação das disposições da associação CEE‑Turquia destinadas à realização gradual da livre circulação dos trabalhadores turcos na Comunidade, devem valer igualmente, por analogia, no contexto das disposições da mesma associação relativas ao direito de estabelecimento» (17).

35.      Concluiu neste aspecto que «a cláusula de ‘standstill’ constante do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional não é por si só susceptível de conferir a um nacional turco o benefício do direito de estabelecimento e do direito de residência que constitui o corolário do mesmo» (18).

36.      O Tribunal continuou afirmando que «a primeira admissão de um nacional turco no território de um Estado‑Membro rege‑se exclusivamente pelo direito interno do referido Estado e o interessado só pode invocar, nos termos do direito comunitário, determinados direitos em matéria de exercício de um trabalho assalariado ou de uma actividade independente e, correlativamente, em matéria de residência, na medida em que se ache em situação regular no Estado‑Membro em causa» (19).

37.      Tendo em consideração a sua situação como imigrante, A. Savas não podia exigir um direito directo de estabelecimento ou de residência ao abrigo do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional.

38.      Em resposta ao segundo argumento de A. Savas, o Tribunal de Justiça lembrou que tinha considerado que o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional confere aos particulares direitos que devem ser salvaguardados pelos tribunais nacionais e que esta disposição «obsta à adopção por um Estado‑Membro de qualquer medida nova que tenha como objecto ou efeito sujeitar o estabelecimento e, correlativamente, a residência de um nacional turco no seu território a condições mais restritivas do que as aplicáveis quando da entrada em vigor do referido protocolo adicional em relação ao Estado‑Membro em causa» (20). Cabe aos tribunais nacionais determinar se é este o caso.

39.      O Tribunal resumiu a sua avaliação sobre o âmbito de aplicação do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional nos seguintes termos:

–        «O referido artigo 41.°, n.° 1, não é por si só susceptível de conferir a um nacional turco o direito de estabelecimento e, correlativamente, o direito de residência no Estado‑Membro em cujo território o mesmo permaneceu e exerceu actividades profissionais como trabalhador independente em violação da legislação nacional em matéria de imigração.

–        Em contrapartida, o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional proíbe a introdução de novas restrições nacionais à liberdade de estabelecimento e ao direito de residência dos nacionais turcos a partir da data da entrada em vigor do referido protocolo no Estado‑Membro de acolhimento. Compete ao órgão jurisdicional nacional interpretar o direito interno para o efeito de determinar se a legislação aplicável ao recorrente no processo principal é menos favorável do que a que era aplicável quando da entrada em vigor do protocolo adicional» (21).

B –    Análise

1.      Questões deixadas em aberto no acórdão Savas

40.      Como se indicou acima, V. Tum e M. Dari, apoiados pela Comissão e pelo Governo eslovaco, interpretaram o acórdão do Tribunal de Justiça no acórdão Savas no sentido de que um nacional turco pode invocar o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional para garantir que as normas sobre o direito de estabelecimento que eram aplicáveis no momento da entrada em vigor do protocolo adicional no Reino Unido são aplicadas à sua situação, independentemente de estarem ou não legalmente presentes no território desse Estado‑Membro. De acordo com as suas alegações, as normas relativas ao estabelecimento incluem necessariamente as condições de entrada nesse Estado‑Membro. A circunstância de o Tribunal de Justiça não se referir às condições de entrada nesse acórdão explica‑se pelo facto de A. Savas ter entrado no Reino Unido de forma legal. Afirmam que as observações do Tribunal de Justiça a propósito da competência dos Estados‑Membros relativamente à primeira admissão de nacionais turcos devem ser consideradas como a resposta do Tribunal de Justiça à primeira alegação de A. Savas nas suas observações escritas, não contendo nenhuma orientação relativamente à resposta do Tribunal de Justiça à segunda alegação de A. Savas.

41.      O Governo do Reino Unido, apoiado pelo Governo dos Países Baixos, concentra‑se, em contrapartida, na ênfase colocada pelo Tribunal de Justiça na competência exclusiva dos Estados‑Membros para determinar a primeira admissão de um nacional turco no seu território. Um nacional turco apenas tem o direito de recorrer à protecção do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional quando tenha sido admitido de acordo com a legislação sobre imigração em vigor no momento do seu pedido de autorização de entrada. Assinala que, no n.° 69 do acórdão Savas (citado no n.° 38, supra), o Tribunal apenas se referiu ao direito de estabelecimento e, enquanto seu corolário, ao direito de residência, como estando no âmbito do artigo 41.°, n.° 1, não se tendo referido, neste contexto, às condições de entrada.

42.      O facto de todas as partes intervenientes recorrerem ao acórdão Savas para fundamentar perspectivas aparentemente irreconciliáveis não surpreende, uma vez que as próprias declarações do Tribunal neste acórdão parecem ser contraditórias. Por um lado, o Tribunal enfatiza a competência exclusiva dos Estados‑Membros para regular a primeira admissão de nacionais turcos no seu território e confirma que os nacionais turcos apenas podem exigir direitos em matéria de emprego ou de estabelecimento se a sua situação no Estado‑Membro em causa for regular. Por outro lado, o Tribunal aceita que um nacional turco possa invocar o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional para garantir que não lhe sejam aplicadas condições de estabelecimento e residência mais restritivas do que as aplicáveis à data da entrada em vigor desse protocolo no Estado‑Membro de acolhimento, ainda que o nacional turco em causa estivesse ilegalmente presente nesse Estado‑Membro. Se um nacional turco apenas pode exigir o direito de estabelecimento ao abrigo da legislação nacional se a sua situação nesse Estado‑Membro for regular, por que razão, poder‑se‑á perguntar, terá ele direito a que o seu pedido seja avaliado ao abrigo de disposições mais antigas e mais generosas ainda que esteja presente nesse Estado‑Membro em violação da legislação nacional sobre imigração?

43.      Em qualquer dos casos, é claro que, no acórdão Savas, o Tribunal não tratou explicitamente da questão exacta de saber se os nacionais turcos podem invocar o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional de forma a obterem entrada num Estado‑Membro para o efeito de aí se estabelecerem. O problema nesse caso é que, após ter entrado no Reino Unido legalmente com um visto de turismo, A. Savas aí permaneceu em violação da legislação nacional sobre imigração. Em contrapartida, apesar da sua presença física no Reino Unido, V. Tum e M. Dari ainda não entraram no Estado‑Membro em sentido jurídico; apenas beneficiam de uma situação de admissão temporária.

44.      As duas abordagens seguidas pelas partes intervenientes correspondem a duas questões distintas, mas relacionadas, relativas à interpretação do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional, que foram deixadas em aberto pelo acórdão do Tribunal de Justiça no processo Savas:

1)      Constitui condição prévia para invocar a protecção desta disposição o facto de o nacional turco em questão ter sido admitido legalmente no território do Estado‑Membro em causa?

2)      O conceito de «liberdade de estabelecimento» que se contém nesta disposição engloba as condições de entrada num Estado‑Membro?

2.      A residência legal constitui condição prévia para invocar o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional?

45.      Num sentido geral, a regulação da imigração de nacionais de países terceiros, incluindo os nacionais turcos, ainda é da competência dos Estados‑Membros na medida em que a legislação nacional sobre imigração não tenha sido objecto de medidas de harmonização ao abrigo do artigo 63.°, n.° 3, CE (22) e que tais medidas sejam aplicáveis ao Estado‑Membro em causa (23). Isto implica que os Estados‑Membros têm o direito de estabelecer as condições que regulam a admissão de nacionais de países terceiros no seu território e, mais especificamente, de os admitir apenas após terem examinado a situação da pessoa em causa e os seus motivos para pedir a entrada nesse território.

46.      O facto de os Estados‑Membros manterem a sua competência no que respeita à imigração de nacionais turcos tem sido firmemente reconhecido pelo Tribunal de Justiça, numa linha consistente de acórdãos relativos tanto a trabalhadores turcos como a nacionais turcos exercendo actividades por conta própria. Pode remeter‑se para as considerações feitas no acórdão Savas, citadas no n.° 33, que foram confirmadas no acórdão Abatay e Sahin (24). Os Estados‑Membros são, deste modo, competentes para decidir da admissão no seu território de nacionais turcos de acordo com os critérios consagrados na sua legislação nacional sobre imigração.

47.      Este aspecto não se encontra em discussão entre as partes no processo principal. O que as divide é a questão de saber se o facto de o nacional turco ter sido admitido legalmente e de ser legalmente residente no Estado‑Membro de acolhimento constitui um pré‑requisito para invocar a protecção do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional. Por outras palavras, é necessário que os nacionais turcos obtenham acesso ao território do Estado‑Membro de acolhimento de acordo com a legislação nacional sobre imigração antes de poderem obter acesso aos mercados nacionais desse Estado‑Membro de forma a exercerem uma actividade económica sob a forma de trabalho dependente ou independente?

48.      Nesta questão, o Tribunal, uma vez mais no acórdão Savas, decidiu de forma clara que os nacionais turcos apenas podem reclamar direitos de natureza económica num Estado‑Membro de acolhimento na medida em que a sua situação seja regular nesse Estado‑Membro (25). Como tal, o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional não confere direitos de natureza económica directamente aos nacionais turcos, apenas estabelecendo que os direitos que possam ser invocados por esses nacionais num Estado‑Membro de acolhimento serão determinados por referência à legislação nacional tal como existia no momento em que o protocolo adicional entrou em vigor nesse Estado‑Membro. Não obstante, tendo em conta o facto de existir uma componente substantiva indiscutível na determinação de qual a legislação a aplicar a um pedido para exercer uma actividade económica num Estado‑Membro, na medida em que isso determina a extensão dos direitos que podem potencialmente ser gozados ao abrigo da lei nacional, não existe motivo para que a regra, estabelecida no acórdão Savas, relativa à prévia admissão legal e à regularidade da permanência do nacional turco não seja aplicável ao artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional.

49.      Com efeito, esta parece ser a única forma pela qual o acórdão Savas pode ser interpretado de forma consistente. Deve‑se presumir que, quando o Tribunal decidiu que cabia ao tribunal nacional determinar se a legislação doméstica aplicável a A. Savas pelas autoridades de imigração competentes tinha o efeito de piorar a sua situação em comparação com a aplicação das Immigration Rules de 1973 (26), estava necessariamente a ter em consideração a situação após A. Savas ter obtido permissão formal para entrar no Reino Unido para efeitos de iniciar uma actividade comercial. O facto de ter sido atribuída autorização a A. Savas para entrar no Reino Unido com um visto de turismo não deveria ser considerado suficiente para este efeito, uma vez que o estabelecimento implica, por definição, uma permanência por um período mais longo. Se, em contrapartida, se aceitasse que o Tribunal de Justiça não pretendeu que este requisito fosse aplicável a A. Savas, tal colocá‑lo‑ia, e a outros nacionais turcos presentes no Reino Unido em violação da legislação sobre imigração desse Estado‑Membro, numa posição mais vantajosa que a dos nacionais turcos que pretendem obter autorização para entrar para efeitos de se estabelecerem de acordo com a legislação sobre imigração actualmente em vigor. Essa não poderá ter sido a intenção do Tribunal de Justiça. O direito comunitário não deve ser interpretado e aplicado de forma a facilitar, e até a incitar, o contornamento de normas nacionais que, além disso, continuam a integrar‑se na competência exclusiva dos Estados‑Membros.

50.      Arguiu‑se, em seguida, que em comparação com outras cláusulas de «standstill», como a do artigo 13.° da Decisão n.° 1/80, o artigo 41.°, n.° 1, do Protocolo Adicional não contém restrições ou condições que limitem a sua aplicabilidade. Recordo que o artigo 13.° da Decisão n.° 1/80 proíbe a introdução de novas restrições às condições de acesso ao emprego que são aplicáveis aos trabalhadores turcos e aos membros da sua família «que se encontrem […] em situação regular no que respeita à residência e ao emprego» nos seus territórios respectivos.

51.      Não considero este argumento convincente. O artigo 13.° da Decisão n.° 1/80 é uma das pormenorizadas disposições adoptadas pelo Conselho de Associação ao abrigo do artigo 36.° do protocolo adicional, que estabelece que serão adoptadas medidas pelo Conselho de Associação no sentido de proporcionar a livre circulação de trabalhadores entre os Estados‑Membros e a Turquia em fases progressivas. Até à data, ainda não foram adoptadas tais normas para os nacionais turcos que pretendam iniciar uma actividade comercial num Estado‑Membro. Os seus direitos são integralmente determinados pela cláusula de «standstill» do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional. Sugeriria que nesta situação, em que não existam normas pormenorizadas comparáveis que regulem a liberdade de estabelecimento, tal não pode implicar que os nacionais turcos que pretendam estabelecer‑se nos Estados‑Membros para exercer uma actividade por conta própria beneficiem de direitos mais amplos que os dos nacionais turcos que pretendem ter acesso ao exercício de uma actividade económica, que pode corresponder ao mesmo tipo de actividade, numa relação de trabalho dependente. Mais do que estabelecer, desta forma, uma diferenciação entre as normas sobre trabalhadores dependentes e trabalhadores por conta própria, é necessário encontrar uma interpretação convergente destas disposições. Isto é tanto mais assim quanto os interesses dos Estados‑Membros relativos à admissão de ambas as categorias de nacionais turcos são semelhantes, se não idênticos.

52.      Por todos estes motivos considero que, como condição prévia para que os nacionais turcos possam ter o direito de invocar a protecção do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional de forma a garantir que os seus pedidos para se estabelecerem num Estado‑Membro sejam considerados ao abrigo da lei vigente à data da entrada em vigor do protocolo adicional no Estado‑Membro de acolhimento, devem ser primeiro admitidos legalmente e residir legalmente nesse Estado‑Membro de acordo com a legislação nacional sobre imigração.

3.      A liberdade de estabelecimento, no contexto do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional, inclui o direito de entrar num Estado‑Membro?

53.      As partes que intervieram em apoio de uma resposta afirmativa à questão prejudicial submetida pela House of Lords referem‑se ao artigo 13.° do acordo de associação, o qual estabelece que, na eliminação das restrições à liberdade de estabelecimento entre as partes contratantes, o artigo 43.° CE deve ser tido como o princípio orientador. Na sua jurisprudência sobre o artigo 43.° CE, o Tribunal de Justiça afirmou de forma consistente que o exercício da liberdade de estabelecimento entre os Estados‑Membros implica necessariamente o direito de entrada no Estado‑Membro de acolhimento (27). As referidas partes defendem que tal se deve também aplicar no contexto do acordo de associação.

54.      Assinalam também que, no acórdão Barkoci e Malik (28), num caso relativo à liberdade de estabelecimento no contexto do acordo da Comunidade Europeia com a República Checa, o Tribunal, referindo‑se à sua jurisprudência no âmbito do Tratado CE e do acordo de associação com a Turquia, declarou que «o direito ao tratamento nacional no que respeita ao estabelecimento [...] implica efectivamente que um direito de entrada e um direito de permanência sejam conferidos, enquanto corolários do direito de estabelecimento, aos nacionais checos que pretendam exercer actividades de carácter industrial, comercial ou artesanal, bem como profissões liberais, num Estado‑Membro» (29).

55.      Porém, é questionável, na minha perspectiva, que os princípios aplicáveis à liberdade de estabelecimento no âmbito da Comunidade possam ser transpostos, sem qualquer restrição, para o exercício desta liberdade por nacionais de países terceiros no âmbito das relações entre a Comunidade e países terceiros. As normas e princípios aplicáveis à liberdade de estabelecimento no âmbito da Comunidade derivam do objectivo fundamental da Comunidade de estabelecer um mercado interno que, lembramos, é descrito no artigo 14.° CE como «um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições do […] Tratado [CE]». Dado este objectivo, o direito de entrada nos Estados‑Membros com vista a exercer as liberdades garantidas pelo Tratado CE é essencial. Se os Estados‑Membros pudessem condicionar a entrada de nacionais de outros Estados‑Membros nos seus territórios, o mercado interno tornar‑se‑ia ilusório.

56.      O objectivo da associação com a Turquia é muito diferente. De acordo com o artigo 2.°, n.° 1, do acordo de associação, esse objectivo é o de «promover o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as partes, tendo em plena consideração a necessidade de assegurar o desenvolvimento acelerado da economia da Turquia e o aumento do nível de emprego e das condições de vida do povo turco». Em última análise, o acordo pretende contribuir para a melhoria dos padrões de vida do povo turco, que irá facilitar a adesão da Turquia à Comunidade numa data posterior (30).

57.      Até à data, a cooperação entre a Comunidade e a Turquia resultou no estabelecimento de uma união aduaneira e não num mercado comum ou interno caracterizado pela ausência de fronteiras internas. Ao contrário das uniões aduaneiras, que se limitam a liberalizar o comércio de mercadorias entre os Estados envolvidos, os mercados comuns são concebidos de forma a estabelecer a livre circulação de bens, serviços e factores de produção. Devem, em consequência, garantir a liberdade de circulação dos trabalhadores e dos capitais e a liberdade de estabelecimento. As disposições sobre estas matérias consagradas no acordo de associação e no protocolo adicional são essencialmente programáticas e apenas estabelecem um ponto de partida para a liberalização numa data futura. Mesmo quando foram concluídos acordos mais detalhados, como no caso da liberdade de circulação de trabalhadores (artigos 6.° e segs. da Decisão n.° 1/80), tais disposições não podem ser comparadas com os direitos paralelos garantidos pelo Tratado CE [artigo 39.° CE e Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2)]. Na falta de disposições similares que visem a implementação da liberdade de estabelecimento, é evidente a fortiori que as disposições sobre o estabelecimento no contexto do acordo de associação não podem ser interpretadas em paralelo com o artigo 43.° CE. Mais concretamente, enquanto as fronteiras entre os Estados‑Membros e a Turquia não tiverem sido eliminadas para garantia da liberdade de circulação, tal como existe no mercado interno da Comunidade, o direito de entrada não pode ser considerado uma condição prévia necessária para o exercício dos direitos relativos ao estabelecimento no contexto da associação com a Turquia.

58.      Uma segunda diferença entre as disposições relativas à liberdade de estabelecimento no Tratado CE e no acordo de associação e no protocolo adicional é a de que, enquanto o primeiro confere um direito de estabelecimento susceptível de ser directamente garantido pelos tribunais nacionais, os nacionais turcos não retiram directamente um direito de estabelecimento do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional, tal como o Tribunal de Justiça afirmou no acórdão Savas. Podem apenas invocar esta disposição para garantir que a legislação nacional sobre o direito de estabelecimento, tal como existia à data da entrada em vigor do protocolo adicional para os Estados‑Membros de acolhimento, lhes é aplicada. Isto implica que os Estados‑Membros podiam aplicar essa legislação nacional ao estabelecimento de nacionais turcos, independentemente de saber se tal legislação se podia justificar quando aplicada no contexto do Tratado CE. Esta diferença fundamental na natureza do direito de estabelecimento ao abrigo do Tratado CE e do acordo de associação é a segunda razão pela qual não é óbvia uma interpretação do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional e do artigo 13.° do acordo de associação que seja convergente com a do artigo 43.° CE.

59.      Tendo em conta o facto de, ao contrário dos nacionais dos Estados‑Membros, os nacionais turcos não gozarem de um direito directo e automático de estabelecimento nos Estados‑Membros, conclui‑se necessariamente que não têm um direito implícito ou derivado de entrada no território dos Estados‑Membros com vista a iniciarem aí uma actividade comercial. Fora do contexto da circulação intracomunitária, a questão do acesso ao território de um Estado‑Membro deve ser distinguida da questão do acesso aos mercados nesse Estado‑Membro. O direito de entrar num Estado‑Membro não pode ser considerado um corolário necessário da liberdade de estabelecimento no âmbito do acordo de associação com a Turquia. Isto significa que as normas que regem a entrada de nacionais turcos no território dos Estados‑Membros não cabem no escopo ratione materiae do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional e, em consequência, podem ser adaptadas ou tornadas mais restritivas pelos Estados‑Membros à luz dos seus interesses socioeconómicos e demográficos.

60.      É verdade que o Tribunal de Justiça, no acórdão Barkoci e Malik, afirmou que, de acordo com a sua jurisprudência sobre a liberdade de estabelecimento ao abrigo do Tratado CE e do Acordo de Associação com a Turquia, a liberdade de estabelecimento implica, como seus corolários, o direito de entrada e de residência. Neste contexto, o Tribunal de Justiça referiu‑se, no que respeita aos nacionais turcos, ao seu acórdão Savas. Porém, os números citados pelo Tribunal de Justiça (31) no seu acórdão apenas se referem a um direito de residência como corolário da liberdade de estabelecimento, não se referindo de todo à entrada. Com efeito, tal como observei anteriormente, o acórdão Savas não trata explicitamente da questão da entrada, uma vez que não era essa a questão nesse processo. O direito de entrada de nacionais de países terceiros num Estado‑Membro é totalmente distinto do direito de residência em relação com a liberdade de estabelecimento, não podendo simplesmente considerar‑se que está implícito nessa liberdade, sem qualquer outra explicação por parte do Tribunal de Justiça. A referência ao direito de entrada em relação com a liberdade de estabelecimento para os nacionais turcos feita no acórdão Barkoci e Malik não é, portanto, apoiada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

61.      Concluo, assim, que a liberdade de estabelecimento referida no artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional não inclui as condições que regem a entrada de nacionais turcos nos Estados‑Membros. Isto significa que esta disposição não pode ser invocada para excluir a aplicação a um nacional turco de condições de entrada mais restritivas do que as vigentes à data da entrada em vigor do protocolo adicional para o Estado‑Membro em causa.

4.      O problema que resulta de a legislação sobre imigração estabelecer condições ao estabelecimento

62.      Se o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional não pode ser utilizado pelos nacionais turcos para contestar a aplicação de condições de imigração mais restritivas, por se limitar a proteger esses nacionais da aplicação de critérios de estabelecimento mais exigentes, levanta‑se a questão de saber como podem esses princípios ser aplicados a normas como as da legislação do Reino Unido em questão, tendo em conta o facto de essas normas fazerem depender a entrada no Reino Unido de nacionais turcos que aí pretendam iniciar uma actividade comercial do cumprimento das condições relativas ao estabelecimento económico nesse país.

63.      Ao responder a essa questão, deve‑se salientar uma vez mais que, no estádio em que o direito comunitário se encontra actualmente, os Estados‑Membros mantêm a sua competência em matéria de imigração e têm, nesses termos, o direito de regulamentar a primeira admissão de nacionais de países terceiros no seu território. Em seguida, e tal como concluí acima, os nacionais turcos só podem exigir direitos económicos no contexto do acordo de associação com a Turquia após terem sido formalmente admitidos e serem considerados legalmente residentes no território de um Estado‑Membro de acordo com os seus critérios e procedimentos de imigração. Inversamente, os direitos económicos que possam potencialmente ser concedidos aos nacionais turcos nesse contexto não podem ser invocados para exigir um direito de entrada num Estado‑Membro.

64.      É um facto que, desde o período da estagnação económica na Europa ocidental na década de 1970, as políticas de imigração dos Estados‑Membros no que respeita a nacionais de países terceiros, incluindo os nacionais turcos, se tornaram mais restritivas. Na perspectiva do direito comunitário, este desenvolvimento manteve‑se relativamente incontroverso tendo em consideração o facto de a política de imigração pertencer ao domínio exclusivo dos Estados‑Membros. No contexto das suas políticas de imigração, para além de aplicarem critérios relativos à ordem pública, os Estados‑Membros têm o direito de estabelecer critérios relativos aos fins para os quais se pretende a admissão, por exemplo o estudo, o emprego ou o estabelecimento, e de verificar o cumprimento destes critérios antes de conceder a admissão. Neste sentido, podem garantir não só que os seus interesses de política nacional são salvaguardados, mas também que o requerente nacional de um país terceiro pode provavelmente ter êxito nos seus objectivos e que o pedido é sério. Neste contexto, é óbvio que um pedido de autorização para entrar num Estado‑Membro para efeitos de iniciar uma actividade comercial deve ser avaliado com mais cuidado que um pedido para admissão enquanto turista e que este último pedido não pode ser utilizado como base para actividades que não visava. A competência exclusiva de que beneficiam os Estados‑Membros para regulamentar a imigração de nacionais de países terceiros implica o direito de adaptarem os critérios que aplicam para conceder autorizações de entrada no seu território de acordo com os seus requisitos de ordem pública e os seus interesses socioeconómicos e demográficos dinâmicos e também, quando necessário, de tornarem estes critérios mais estritos.

65.      À luz destes princípios, deve‑se reconhecer que o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional não pode ser invocado pelo nacional turco de forma a garantir que o seu pedido de admissão no território de um Estado‑Membro com o objectivo de iniciar uma actividade comercial seja avaliado de acordo com critérios aplicáveis à data da entrada em vigor do protocolo adicional nesse Estado‑Membro. Se tal direito fosse reconhecido, poria em causa a competência exclusiva dos Estados‑Membros, reconhecida pelo Tribunal no acórdão Savas, para regulamentar a primeira admissão de nacionais turcos. Esta competência não inclui apenas o direito de avaliar um pedido de admissão, mas também o poder de adaptar esses critérios de avaliação. Num domínio como o da política de imigração, o direito comunitário deve ser interpretado e aplicado de forma a garantir que as competências que se mantêm na esfera dos Estados‑Membros possam ser exercidas de forma eficaz (32).

66.      Pode‑se acrescentar que, sendo secundário, numa perspectiva económica, o facto de as actividades económicas serem exercidas por nacionais turcos numa relação de dependência ou por conta própria, é ilógico manter que os Estados‑Membros estão sujeitos a uma cláusula de «standstill» no que respeita à admissão dos segundos, mas não no que respeita à admissão dos primeiros.

67.      Tenho presente o facto de esta abordagem resultar de facto na circunstância de os nacionais turcos terem de cumprir critérios mais restritos para iniciarem uma actividade comercial num Estado‑Membro do que acontecia por ocasião da entrada em vigor do protocolo adicional no Estado‑Membro de acolhimento. Porém, este é o resultado inevitável da partilha de competências entre os Estados‑Membros e a Comunidade no domínio da imigração. Uma vez que um nacional turco tenha sido admitido no território do Estado‑Membro de acolhimento, pode contar com a protecção do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional para contestar a aplicação de condições de estabelecimento que tenham sido tornadas mais restritivas com o passar do tempo. Este direito é particularmente relevante para os nacionais turcos que tenham sido admitidos num Estado‑Membro como trabalhadores e que decidam, após algum tempo, iniciar uma actividade comercial, podendo então beneficiar de condições de estabelecimento menos restritivas. Parece‑me que será este o objectivo principal do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional.

68.      Estas considerações levam‑me à conclusão de que o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional não é aplicável a uma legislação sobre imigração como a que está em causa no processo principal.

5.      Requerentes de asilo a quem o pedido foi recusado

69.      Caso o Tribunal não venha a partilhar desta perspectiva, será necessário considerar a alegação alternativa do Reino Unido no sentido de que os requerentes de asilo a quem o pedido foi recusado não devem ter o direito de invocar a protecção do artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional, uma vez que isso representaria um abuso de direito.

70.      Nesta matéria é importante assinalar que, tanto uma decisão que recuse asilo a um nacional turco e, em consequência, determine o seu afastamento para outro Estado‑Membro ao abrigo do sistema comunitário de asilo, como uma decisão que recuse a um nacional turco a admissão no seu território com o objectivo de aí se estabelecer, se baseiam exclusivamente na legislação nacional. O artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional simplesmente determina a legislação ratione temporis por referência à qual deve a segunda decisão ser tomada. Não estabelece um direito de estabelecimento independente.

71.      Sem que seja necessário considerar se a tentativa de V. Tum e M. Dari de invocar o artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional deve ser considerada um abuso de direito, no caso de o Tribunal de Justiça decidir que eles têm o direito de recorrer a esta disposição para verem os respectivos pedidos apreciados ao abrigo das Immigration Rules de 1973, de tal modo algum iria – pelo menos na perspectiva do direito comunitário – afectar a validade da decisão inicial tomada pelas autoridades de imigração do Reino Unido relativamente ao seu pedido de asilo.

72.      Ainda que cumpram integralmente os critérios estabelecidos pelas Immigration Rules de 1973, não se pode ignorar que apenas se colocaram nessa posição em resultado de actividades desenvolvidas durante o período em que ainda não tinham sido formalmente admitidos no território do Reino Unido e o seu estatuto era irregular. Uma situação de facto criada em tais circunstâncias de residência ilegal não pode, no meu ponto de vista, constituir uma base adequada para a criação de direitos económicos de estabelecimento ou de um direito a reivindicar o acesso a mercados nacionais por referência a normas nacionais mais vantajosas que tenham entretanto sido substituídas. Os pedidos de autorização para entrar num Estado‑Membro com o objectivo de iniciar uma actividade comercial, apresentados por nacionais turcos que previamente tenham entrado e/ou residido nesse Estado‑Membro em violação da legislação nacional sobre imigração, devem ser tratados nos mesmos termos que os pedidos semelhantes apresentados por outros nacionais turcos que pretendam entrar de acordo com essa legislação nacional sobre imigração. No que respeita à compatibilidade desta abordagem com o acórdão Savas, remeto para as minhas observações no n.° 49, supra.

VI – Conclusão

73.      Tendo em atenção as observações anteriores, considero que a questão submetida pela House of Lords deve ser respondida nos seguintes termos:

O artigo 41.°, n.° 1, do protocolo adicional ao acordo de associação, assinado em Bruxelas em 23 de Novembro de 1970, não impede um Estado‑Membro de, após a entrada em vigor desse protocolo nesse Estado‑Membro, introduzir novas restrições às condições e ao procedimento de entrada no seu território de um nacional turco que pretenda exercer uma actividade comercial no mesmo Estado‑Membro.


1 – Língua original: inglês.


2 – JO 1973, C 113, p. 1; EE 15 F1 p. 18.


3 – JO 1973, C 113, p. 17; EE 15 F1 p. 213.


4 –      Após a renumeração do Tratado CE na sequência do Tratado de Amesterdão, esta disposição passou a referir‑se aos artigos 43.° a 46.° e 48.° CE.


5 – Convenção que permite determinar qual o Estado responsável pela análise dos pedidos de asilo apresentados num dos Estados‑Membros das Comunidades Europeias, assinada em Dublim, em 15 de Junho de 1990 (a seguir «Convenção de Dublim») (JO 1997, C 254, p. 1). Esta Convenção foi substituída pelo Regulamento (CE) n.° 343/2003 do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO L 50, p. 1).


6 – Referem‑se aos acórdãos de 8 de Abril de 1976, Royer (48/75, Colect., p. 221, n.° 50); de 12 de Dezembro de 1990, Kaefer e Procacci (C‑100/89 e C‑101/89, Colect., p. I‑4647, n.° 15); de 20 de Maio de 1992, Ramrath (C‑106/91, Colect., p. I‑3351, n.° 17); e de 27 de Setembro de 2001, Barkoci & Malik (C‑257/99, Colect., p. I‑6557, n.° 44).


7 – Acórdão de 11 de Maio de 2000 (C‑37/98, Colect., p. I‑2927).


8 – Referem‑se ao artigo 13.° da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, que estabelece que: «Os Estados‑Membros da Comunidade e a Turquia não podem introduzir novas restrições às condições de acesso ao emprego aplicáveis aos trabalhadores e aos membros da sua família residentes e empregados legalmente nos seus territórios respectivos.» [o sublinhado é meu] (a seguir «Decisão n.° 1/80»).


9 – Citado na nota 7.


10 – De facto, A. Savas entrou no Reino Unido acompanhado da sua mulher. Todavia, de forma a simplificar esta exposição, apresentarei os factos no singular.


11 – Nos n.os 46 a 54 do acórdão.


12 – N.° 58 do acórdão.


13 – N.° 59 do acórdão.


14 – N.° 60 do acórdão.


15 – N.° 60 do acórdão.


16 – N.os 61 e 62 do acórdão.


17 – N.° 63 do acórdão.


18 – N.° 64 do acórdão.


19 – N.° 65 do acórdão.


20 – N.° 69 do acórdão.


21 – N.° 71, terceiro e quarto travessões, do acórdão.


22 – Foram adoptadas diversas medidas comunitárias, relativas à admissão de nacionais de países terceiros para fins específicos, ao abrigo desta disposição. V., por exemplo, a Directiva 2004/114/CE do Conselho, de 13 de Dezembro de 2004, relativa às condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado (JO L 375, p. 12) e a Directiva 2005/71/CE do Conselho, de 12 de Outubro de 2005, relativa a um procedimento específico de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica (JO L 289, p. 15).


23 – Em conformidade com os artigos 1.° e 2.° do protocolo relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, nenhuma destas directivas é aplicável ao Reino Unido.


24 – Acórdão de 21 de Outubro de 2003 (C‑317/01 e C‑369/01, Colect., p. I‑12301, n.° 65).


25 – N.° 65 do acórdão, citado no n.° 36 das presentes conclusões.


26 – N.° 70 do acórdão.


27 – V. a jurisprudência citada na nota 6.


28 – Já referido na nota 6.


29 – N.° 50 do acórdão.


30 – V. o quarto considerando e o artigo 28.° do acordo de associação.


31 – N.os 60 e 63, reproduzidos nos n.os 33 e 34 das presentes conclusões.


32 – V., no mesmo sentido, as minhas conclusões de 27 de Abril de 2006 apresentadas no processo C‑1/05 Jia, n.° 63.

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