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Document 62005CC0003

Conclusões da advogada-geral Kokott apresentadas em 24 de Novembro de 2005.
Gaetano Verdoliva contra J. M. Van der Hoeven BV, Banco di Sardegna e San Paolo IMI SpA.
Pedido de decisão prejudicial: Corte d'appello di Cagliari - Itália.
Convenção de Bruxelas - Decisão que autoriza a execução de uma decisão proferida noutro Estado contratante - Notificação inexistente ou irregular - Tomada de conhecimento - Prazo de recurso.
Processo C-3/05.

Colectânea de Jurisprudência 2006 I-01579

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:722

Conclusões do Advogado-Geral

Conclusões do Advogado-Geral

I – Introdução

1. No presente processo, a Corte d’appello di Cagliari (Itália) submete ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial sobre a interpretação do artigo 36.° da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (a seguir «Convenção») (2) . Em especial, trata‑se da questão de saber se, em caso de falta de notificação ou de notificação irregular do exequatur , a tomada de conhecimento desta decisão pode igualmente desencadear o decurso do prazo previsto no artigo 36.° da Convenção.

II – Quadro jurídico

A – Convenção de Bruxelas

2. Nos termos do artigo 26.° da Convenção, as decisões proferidas num Estado contratante são reconhecidas nos outros Estados contratantes, sem necessidade de recurso a qualquer processo.

3. Os artigos 27.° e 28.° da Convenção contêm uma enumeração taxativa de razões pelas quais as decisões não devem ser reconhecidas. Segundo o artigo 27.°, ponto 2, da Convenção, uma decisão não será reconhecida:

«Se o acto que determinou o início da instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, regularmente e em tempo útil, por forma a permitir‑lhe a defesa;».

4. Nos termos do artigo 31.° da Convenção, as decisões proferidas num Estado contratante e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas em outro Estado contratante depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada. Segundo o artigo 34.° da Convenção, o tribunal em que for apresentado o requerimento decidirá em curto prazo, não podendo a parte contra a qual a execução é promovida apresentar observações nesta fase do processo.

5. A decisão proferida sobre o requerimento do requerente será, nos termos do artigo 35.° da Convenção, levada imediatamente ao conhecimento do mesmo por iniciativa do secretário do tribunal, na forma determinada pela lei do Estado requerido. Se o requerimento for indeferido, o requerente pode interpor recurso nos termos do artigo 40.° da Convenção.

6. O artigo 36.° da Convenção regula o recurso da parte contra a qual a execução é promovida do seguinte modo:

«Se a execução for autorizada, a parte contra a qual a execução é promovida pode interpor recurso da decisão no prazo de um mês a contar da sua notificação.

Se esta parte estiver domiciliada em Estado contratante diferente daquele onde foi proferida a decisão que autoriza a execução, o prazo será de dois meses e começará a correr desde o dia em que tiver sido feita a citação pessoal ou domiciliária. Este prazo não é susceptível de prorrogação em razão da distância.»

7. O recurso regulado no artigo 36.° em conformidade com o artigo 37.° da Convenção, deve ser interposto, em Itália, para a Corte d’appello. O artigo 39.° da Convenção dispõe que, durante o prazo de recurso previsto no artigo 36.° e na pendência de decisão sobre o mesmo, só podem tomar‑se medidas cautelares sobre os bens da parte contra a qual a execução foi promovida.

B – Regulamentação nacional

8. Segundo o artigo 143.° do Codice di Procedura Civile (a seguir «CPC»), a notificação de pessoas cujo domicílio se desconhece é feita pelo oficial de justiça, que procederá à notificação mediante depósito da cópia do documento no município da última residência, com afixação de outra cópia no local próprio do oficial de justiça.

9. Segundo as explicações do órgão jurisdicional de reenvio, o depósito do acto no município e a afixação do aviso no local próprio do tribunal constituem, segundo jurisprudência da Corte suprema di cassazione, formalidades essenciais, de modo que, não se realizando estas, a notificação se considera inexistente (3) . Além disso, uma notificação segundo o artigo 143.° do CPC e sempre de acordo com a jurisprudência da Corte suprema di cassazione, «deve considerar‑se nula quando o oficial de justiça não indique na notificação qualquer elemento relativo às pesquisas e indagações feitas para localizar a residência do destinatário» (4) .

10. As disposições relativas ao procedimento cautelar, nos termos dos artigos 633.° a 659.°, incluem no artigo 650.° do CPC uma disposição que regula a dedução da oposição tardia contra a decisão injuntiva (5) . O artigo 650.° do CPC prevê que:

«O notificado pode deduzir oposição depois do termo do prazo fixado na decisão, se provar não ter tido conhecimento dela em tempo útil, devido a irregularidade da notificação ou por caso fortuito ou de força maior.

[...]

A oposição não é admitida decorridos dez dias a contar do primeiro acto de execução.»

III – Matéria de facto e tramitação processual

11. Em 14 de Setembro de 1993, o Arrondissementsrechtbank Den Haag (Países Baixos) condenou Gaetano Verdoliva, residente em Itália, principalmente no pagamento do montante de 365 000 NLG, relativo ao pagamento do fornecimento e da construção de estufas, à J. M. Van der Hoeven B.V. (a seguir «Van der Hoeven»), com sede nos Países Baixos.

12. Em 24 de Maio de 1994, a Corte d’appello di Cagliari concedeu exequatur ao referido acórdão no território da República Italiana, autorizando o arresto dos bens de Verdoliva até ao montante de 220 milhões de ITL.

13. Uma primeira tentativa de notificação do exequatur feita no domicílio de G. Verdoliva em Capoterra foi infrutífera, porque Verdoliva, «muito embora continuando ainda registado neste endereço, de facto mudou‑se para outro há mais de um ano» (conforme consta textualmente da certidão negativa de notificação, com data de 14 de Julho de 1994).

14. Procedeu‑se, seguidamente, à notificação da decisão nos termos do artigo 143.° do CPC, conforme consta da certidão de notificação de 27 de Julho de 1994. Como a certidão de notificação comprova, «uma vez que o destinatário não foi encontrado no endereço indicado do qual se mudou, depositei cópia [do despacho de exequatur ] no município e afixei outra cópia no local próprio deste oficial de justiça em conformidade com o previsto no artigo 143.° do CPC».

15. Não tendo G. Verdoliva deduzido oposição no prazo de 30 dias a contar da notificação da decisão, a Van der Hoeven procedeu à execução contra aquele, intervindo em processo executivo já em curso contra o mesmo.

16. Em 4 de Dezembro de 1996, G. Verdoliva deduziu oposição à execução, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunale civile di Cagliari, alegando que a execução da sentença neerlandesa é ilegal devido à inexistência de exequatur por parte de um órgão jurisdicional italiano, em violação da Convenção de Bruxelas. Além disso, alegou que o acórdão neerlandês proferido à revelia não é susceptível de reconhecimento porque viola o artigo 27.°, ponto 2, da Convenção de Bruxelas. No restante decurso do processo, Verdoliva alegou que o exequatur da Corte d’appello di Cagliari não lhe foi notificado, por não ter sido depositado nos serviços do município de Capoterra, contrariamente ao que resulta da certidão de notificação. Na falta de notificação, o prazo previsto no artigo 36.° da Convenção não começou a correr.

17. Por acórdão de 7 de Junho de 2002, o Tribunale di Cagliari julgou improcedente a oposição à execução e a arguição da falsidade da certidão de notificação suscitada nesse contexto. Julgou improcedente a dedução de oposição à execução por ser intempestiva. O prazo de 30 dias para dedução de oposição terá tido início – numa solução análoga à prevista no artigo 650.° do CPC para o procedimento cautelar – o mais tardar a contar do primeiro acto de execução. É pacífico que não foi deduzida oposição nesse prazo.

18. G. Verdoliva recorreu dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, acrescentando às suas alegações que o oficial de justiça, antes de ter passado à notificação edital nos termos do artigo 143.° do CPC, não verificou tratar‑se realmente de um caso de impossibilidade de localização da pessoa, não tendo cumprido, deste modo, os seus deveres profissionais.

19. A Corte d’appello expõe, no seu despacho de reenvio, que o exequatur só constitui um título executivo após o decurso do prazo de 30 dias. No caso em apreço, portanto, na hipótese de o exequatur não ter sido eficazmente notificado e de o prazo não ter começado a correr, falta o título executivo necessário.

20. Além disso, a Corte d’appello indica que é pacífico entre as partes que o recorrente teve conhecimento da decisão de exequatur pelo menos no decurso do processo em primeira instância, decisão que ele próprio juntou ao processo em 20 de Junho de 1998. Desde então, não recorreu desta decisão.

21. Neste contexto, a Corte d’appello apresenta ao Tribunal de Justiça as seguintes questões relativas à interpretação do artigo 36.° da Convenção:

«1. A Convenção estabelece um conceito autónomo de conhecimento dos actos processuais ou remete esse conceito para as várias disposições nacionais?

2. Da disciplina da Convenção, em especial do artigo 36.° da mesma, pode deduzir‑se a existência de uma forma equivalente à notificação do despacho de exequatur previsto no artigo 36.° da Convenção?

3. Em especial, o conhecimento do despacho de exequatur , em caso de falta de notificação ou de vício da mesma, faz igualmente correr o prazo a que se refere o citado artigo; ou deve antes deduzir‑se da própria Convenção uma limitação a determinadas modalidades da tomada de conhecimento do exequatur ?»

IV – Alegações das partes

22. Gaetano Verdoliva, o Governo italiano e a Comissão apresentaram observações no processo.

23. G. Verdoliva é da opinião de que o conhecimento não substitui a notificação prevista no artigo 36.° da Convenção. Os direitos de defesa só estão assegurados quando o executado tem possibilidade de tomar conhecimento por meio de uma notificação realizada de acordo com a lei. Uma simples presunção de tomada de conhecimento não basta. Na falta de notificação eficaz do exequatur de um título estrangeiro, esta também não pode ser considerada juridicamente existente e, por conseguinte, não há nenhum título executivo que permita a execução (6) .

24. O Governo italiano afirma, antes de mais, que o conceito de notificação na acepção do artigo 36.° da Convenção deve ser entendido num sentido estritamente «técnico‑processual», ou seja, em sentido formal, o que resulta, entre outros, de que a versão italiana do artigo 36.° da Convenção apenas prevê a possibilidade da «notificazione», ao passo que outras disposições da Convenção permitem igualmente a simples «comunicazione». Uma vez que a própria Convenção não contém uma definição do conceito de notificação formal, esta só pode ter o sentido decorrente do direito processual do Estado de execução respectivamente solicitado. O mesmo se aplica ao conceito de conhecimento.

25. Quanto à segunda e à terceira questão do órgão jurisdicional de reenvio, o Governo italiano defende que a Convenção não admite quaisquer formas alternativas à notificação formal. Uma vez que a Convenção remete para o direito nacional no que respeita ao conceito da notificação formal, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais decidir se, nos termos das disposições aplicáveis do direito processual nacional, o mero conhecimento do exequatur tem valor jurídico equivalente ao da notificação formal. No contexto desta decisão, os órgãos jurisdicionais nacionais poderão ter em conta a exigência fundamental de garantia dos direitos de defesa.

26. A Comissão entende a primeira questão prejudicial no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o conceito de notificação do artigo 36.° da Convenção pressupõe o conhecimento efectivo do exequatur pela parte contra a qual a execução é promovida. A Comissão alega, a este respeito, que a Convenção não harmoniza os sistemas de notificação nacionais. Os artigos 20.°, 27.° e 36.° da Convenção visam, no entanto, uma protecção ampla dos direitos de defesa em todas as fases do processo, quer no Estado onde foi proferida a decisão, quer no Estado de execução (7) . É isso que as disposições nacionais sobre a notificação também devem ter em conta.

27. A Comissão propõe responder à primeira questão prejudicial que uma notificação na acepção da Convenção, em princípio, não exige o conhecimento pessoal e efectivo pelo destinatário, desde que este, apesar de o prazo de recurso iniciado com a notificação ter expirado, possa posteriormente invocar a falta de conhecimento do acto notificado e impugná‑lo.

28. A Comissão defende que a segunda e a terceira questão prejudiciais são formuladas com uma certa ambiguidade. Por um lado, podem visar a questão de saber se, sem a notificação do exequatur , a execução pode ser feita e se é suficiente que o executado tome conhecimento dessa decisão através das medidas de execução. Isso constituiria uma violação manifesta dos direitos de defesa e a resposta seria negativa.

29. Pelo contrário, a resposta pode ser afirmativa, se se tratar da questão de saber se esse conhecimento implica que comece a correr um prazo adicional; essa questão coloca‑se, por exemplo, na hipótese de o executado não ter podido cumprir o prazo de um mês previsto no artigo 36.°, devido a irregularidades na notificação, ou por a notificação não lhe ter sido pessoalmente feita.

30. Na opinião da Comissão, cabe aos Estados‑Membros decidir sobre a forma de transpor no plano nacional a regulação dos prazos do artigo 36.° de um modo que assegure os direitos de defesa (8) . Em qualquer caso, a exigência de notificação não pode ser torneada e o prazo previsto no artigo 36.° não pode ser encurtado.

V – Apreciação

31. Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Convenção contém um conceito próprio de conhecimento. Na Convenção, com efeito, em especial no seu artigo 36.°, cuja interpretação está em causa no presente processo, não se encontra o conceito de conhecimento. O artigo 36.° refere‑se apenas à notificação.

32. À luz do processo principal e atendendo à redacção do artigo 36.°, deve entender‑se a primeira questão do seguinte modo: há que esclarecer se o conceito de notificação é um conceito autónomo da Convenção e se, segundo esse conceito, a tomada de conhecimento vale como notificação, de modo que o prazo de recurso do artigo 36.°, primeira alínea, da Convenção tem início no momento em que se toma conhecimento.

33. Na opinião da Comissão, é pedido ao Tribunal de Justiça que tome posição sobre a questão de princípio sobre se o conceito de notificação do artigo 36.° da Convenção pressupõe, em geral, o conhecimento efectivo do exequatur pela parte contra a qual a execução é promovida.

34. No entanto, esta questão é hipotética tendo em conta as circunstâncias do processo principal. Por isso, o órgão jurisdicional coloca a questão, atendendo a que o exequatur poderá não ter sido eficazmente notificado a G. Verdoliva. Para este tribunal, não se trata de saber se o conhecimento dessa decisão deve constituir uma condição suplementar para uma notificação regular, mas apenas se a tomada de conhecimento do exequatur pode substituir a sua notificação.

35. Entendida deste modo, a primeira questão entrelaça‑se em larga medida com a segunda e a terceira questão. É conveniente, portanto, analisar as três questões em conjunto.

36. Em resumo, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, assim, saber se o artigo 36.°, primeira alínea, da Convenção deve ser interpretado no sentido de que, em caso de notificação irregular do exequatur , basta a tomada de conhecimento desta decisão pela parte contra a qual a execução é promovida para desencadear o prazo de interposição do recurso.

37. Antes de responder a esta questão, devo fazer algumas observações quanto ao significado do referido recurso no artigo 36.°, primeira alínea, da Convenção, para a garantia dos direitos da parte contra a qual a execução é promovida.

A – Quanto ao significado do recurso nos termos do artigo 36.° da Convenção

38. No processo Carron, o Tribunal de Justiça declarou que «por força dos seus artigos 31.° a 49.°, a Convenção instituiu um processo de exequatur comum aos Estados‑Membros. Este processo, numa primeira fase de natureza não contraditória, permite ao requerente que procure fazer executar uma sentença num outro Estado‑Membro obter rapidamente satisfação. Numa segunda fase de natureza contraditória, garante os direitos da parte contra a qual a execução é movida, mediante a instituição de um processo de recurso contra aquela decisão» (9) .

39. O processo de autorização da execução é parte de um sistema global criado pela Convenção, que pretende conciliar a liberdade de circulação de decisões em matéria civil e comercial (10) com a salvaguarda dos direitos de defesa (11) . Os direitos de defesa do executado são protegidos, além do princípio de um processo equitativo, reconhecido pelo Tribunal de Justiça como princípio geral do direito comunitário (12) . Esse princípio rege‑se pelo artigo 6.° da CEDH (13) e está consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (14) .

40. No âmbito do processo de autorização de execução, o direito do demandado a ser ouvido é protegido, em especial, pelos artigos 27.°, ponto 2, e 36.° da Convenção. Nos termos do artigo 27.°, ponto 2, o reconhecimento e a execução de uma decisão são recusados para protecção dos direitos do réu quando, a título de excepção, as garantias da legislação do Estado em que é proferida a decisão e da Convenção não bastaram para assegurar que o réu se tivesse podido defender perante o órgão jurisdicional do Estado em que a decisão foi proferida (15) . Em contrapartida, o artigo 36.° confere ao réu a possibilidade de pedir a revisão da decisão de exequatur por meio da interposição de um recurso num processo contraditório.

41. O artigo 36.° tem nesta medida um significado especial para a protecção dos direitos de defesa na fase de reconhecimento e de execução, ao representar o contrapeso necessário, para garantia do contraditório, ao processo sumário unilateral do exequatur , em cujo âmbito, nos termos do artigo 34.° da Convenção, o réu não tem oportunidade de tomar posição.

42. Só através da interposição do recurso nos termos do artigo 36.° é que o réu tem possibilidade de expor motivos contra o reconhecimento e o exequatur da decisão. O artigo 36.° representa, assim, o complemento processual aos motivos materiais de recusa enumerados nos artigos 27.° e 28.° da Convenção.

43. É certo que estes devem ser avaliados oficiosamente, segundo a Convenção, pelo órgão jurisdicional competente no Estado da execução, antes da concessão da cláusula de execução (16) . A Convenção, no entanto, não prevê nenhum dever de investigação oficiosa dos factos relevantes para a decisão em causa, pelo que apenas se procede a uma exposição pormenorizada das condições de reconhecimento no processo contraditório instaurado por meio da interposição do recurso nos termos do artigo 36.° (17) .

44. O Regulamento n.° 44/2001 (18), que ainda não é aplicável ao presente processo, proíbe de ora em diante até uma avaliação dos motivos de recusa antes do exequatur , de modo que cabe apenas ao executado invocar esses motivos de recusa em sede de recurso do exequatur (19) .

45. O direito ao contraditório, conferido ao demandado pelo artigo 36.° da Convenção, na fase de execução é especialmente importante tendo em vista o artigo 27.°, ponto 2, da Convenção. Assim, o demandado, nos casos em que intervenha este motivo de recusa, tem a sua primeira oportunidade de defesa. Sem esta possibilidade de defesa garantida pelo artigo 36.°, a protecção do artigo 27.°, ponto 2, ficaria esvaziada de sentido, e, num dado caso, poderia ser executada uma decisão num processo sem qualquer possibilidade de participação do demandado.

46. O processo contraditório, nos termos do artigo 36.°, é não só a primeira mas também a última e a única possibilidade de o executado invocar os motivos de recusa dos artigos 27.° e 28.° da Convenção. A fim de que a eficácia prática do prazo de recurso previsto no artigo 36.° fique salvaguardada, o executado já não pode invocar, num recurso posterior contra a medida de execução concreta, motivos válidos que poderia ter apresentado no quadro do recurso do exequatur (20) .

47. No sistema global da Convenção, o prazo peremptório do artigo 36.° desempenha um papel fundamental para as possibilidades de defesa do demandado. Há que ter isso em conta na interpretação e na aplicação desta disposição.

B – Quanto às questões prejudiciais

48. Nos termos do artigo 36.°, primeira alínea, da Convenção, a parte contra a qual a execução é promovida «pode interpor recurso da decisão [que autoriza a execução] no prazo de um mês a contar da sua notificação».

49. É certo que, desta forma, a Convenção refere o conceito de notificação. No entanto, a Convenção não contém disposições sobre os pormenores do processo de notificação – abstraindo do caso especial do artigo 36.°, segunda alínea, que não é aplicável no caso vertente – e, nessa medida, não visa uma harmonização das disposições nacionais (21) . As condições para uma notificação regular do exequatur são determinadas por disposições do Estado de execução sobre a citação interna, partindo do pressuposto de que a parte contra a qual a execução é promovida tenha domicílio nesse Estado.

50. Independentemente disso, podem deduzir‑se do artigo 36.° determinadas indicações para a notificação.

A tomada de conhecimento não substitui a notificação

51. O acontecimento que faz começar a correr o prazo é, segundo a redacção inequívoca do artigo 36.°, a notificação do exequatur . Tendo em conta o contexto sistemático, o sentido e o objectivo, bem como a redacção desta disposição, a exigência de notificação prevista no artigo 36.°, primeira alínea, só pode ser entendida em sentido técnico, ou seja, como notificação formal.

52. O artigo 36.°, primeira alínea, opõe‑se, portanto, às disposições nacionais que afastam a exigência de notificação em caso de conhecimento do exequatur pela parte contra a qual a execução é promovida.

53. O conceito de notificação do artigo 36.° da Convenção deve ser entendido em sentido formal, e isso é demonstrado pelo facto de as várias versões linguísticas – como se pode ver – utilizarem aqui o terminus technicus correspondente (22) .

54. Pelo contrário, o artigo 35.° da Convenção exige apenas, em relação ao executante, que a decisão proferida sobre o requerimento lhe seja imediatamente «levada ao conhecimento» na forma prevista pela lei do Estado requerido. As versões francesa, italiana, inglesa, neerlandesa e portuguesa prevêem exigências diferentes para a comunicação da decisão ao requerente e a parte contra a qual a execução é promovida (23) . O Regulamento n.° 44/2001 também mantém esta distinção (24) .

55. A distinção entre a comunicação ao requerente e à parte contra a qual a execução é promovida explica‑se pelas diferentes consequências que se prendem com estas comunicações. A comunicação da decisão à parte contra a qual a execução é promovida faz começar a correr o prazo peremptório de recurso do exequatur , ao passo que a comunicação da decisão ao requerente não produz esse efeito. Ao contrário do artigo 36.°, o artigo 40.° da Convenção não determina para o requerente um prazo peremptório para recorrer do acto de indeferimento do seu requerimento de exequatur (25) .

56. Assim, a Convenção deve assegurar que a comunicação do exequatur seja efectuada por meio de uma notificação formal apenas em relação à parte contra a qual a execução é promovida. A exigência de notificação, para efeitos de dar início ao prazo, tem uma dupla função: por um lado, serve para proteger os direitos de defesa do executado, visto que uma notificação formal, por regra, garante que este tomou conhecimento do exequatur e que pode interpor o recurso previsto. Por outro lado, a notificação serve de prova e permite o cálculo exacto do prazo de recurso.

57. Uma interpretação que equipare a tomada de conhecimento à notificação presta‑se, além disso, a esvaziar totalmente de sentido a exigência de notificação. Se se exigisse apenas o conhecimento, o executante seria tentado a desviar‑se do percurso previsto para a notificação formal (26) . Tendo em vista o critério da notificação regular do artigo 27.°, ponto 2, da Convenção, o Tribunal de Justiça já se manifestou, declarando que «o reconhecimento de uma decisão estrangeira deve ser recusado em caso de notificação irregular, independentemente de o requerido ter efectivamente conhecimento do acto que deu início à instância» (27) .

Consideração da tomada de conhecimento para sanar vícios da notificação segundo a legislação nacional

58. O artigo 36.° não contém, tal como as restantes disposições da Convenção, nenhuma regulamentação para sanar vícios de notificação, limitando‑se a exigir uma notificação formal eficaz do exequatur .

59. Assim, é a legislação nacional aplicável que determina quais as consequências jurídicas da violação de cada disposição sobre notificação, em que condições pode ser sanado um vício e como, ainda assim, pode ser efectuada uma notificação que produza efeitos (28) . O artigo 36.°, primeira alínea, da Convenção, não se opõe, em princípio, a que as disposições nacionais se refiram, para sanar vícios de notificação, à tomada de conhecimento efectivo do acto a notificar.

60. No entanto, há que referir, de modo restritivo, que o direito nacional do Estado de execução fica subordinado à condição de serem observados os objectivos da Convenção (29) . Tal como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Pendy Plastic, a Convenção deve garantir uma protecção eficaz dos direitos do demandado, sem harmonizar os diferentes sistemas de notificação nos Estados‑Membros (30) . Por isso, a aplicação da legislação do Estado de execução não deve prejudicar de modo nenhum os direitos da parte contra a qual a execução é promovida, que a Convenção pretende justamente garantir (31) .

61. Cabe ao órgão jurisdicional nacional decidir se o conhecimento do exequatur nos termos da legislação nacional sobre notificações leva a considerar um acto de notificação, viciado à partida, uma notificação formal eficaz e que, portanto, faz começar a correr o prazo de recurso.

62. No entanto, o órgão jurisdicional nacional deve ter em conta, na aplicação das disposições nacionais de sanação correspondentes, a função protectora que a exigência de notificação do artigo 36.° da Convenção, bem como os efeitos decisivos do prazo de recurso que a notificação fez começar a correr, têm para as possibilidades de defesa do executado. O órgão jurisdicional nacional deve garantir que os direitos de defesa da parte contra a qual a execução é promovida sejam suficientemente salvaguardados e que a parte contra a qual a execução é promovida fique efectivamente em posição de poder interpor o recurso, previsto no artigo 36.°, dentro do prazo.

VI – Conclusão

63. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais da Corte d’appello do seguinte modo:

O artigo 36.° da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na versão alterada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, deve ser interpretado no sentido de que o prazo de interposição do recurso só começa a correr com a notificação formal do exequatur segundo os critérios da legislação nacional. Em especial, o conhecimento do exequatur pela parte contra a qual a execução é promovida não se substitui à notificação. A legislação nacional, em todo o caso, pode basear‑se no conhecimento da parte contra a qual a execução é promovida para sanar vícios de notificação; mas deve garantir que os direitos de defesa da parte contra a qual a execução é promovida sejam salvaguardados e que esta fique efectivamente em posição de poder interpor o recurso, previsto no artigo 36.°, dentro do prazo.

(1) .

(2)  – Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1 e – versão alterada – p. 77; EE 01 F2 p. 131), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1). V. igualmente a versão consolidada de 26 de Janeiro de 1998 (JO C 27, p. 1).

(3)  – Acórdão da Corte suprema di cassazione, n.° 3527, de 25 de Junho de 1979.

(4)  – Acórdãos n.° 3799, de 2 de Maio de 1997, e n.° 4120, de 14 de Maio de 1990.

(5)  – A decisão injuntiva é uma decisão proferida pelo tribunal face a determinadas circunstâncias, sem observância do princípio do contraditório. Contra essa decisão é possível deduzir oposição no prazo de 40 dias a contar da sua notificação, com a instauração eventual de um processo com observância do princípio do contraditório.

(6)  – G. Verdoliva remete aqui para os acórdãos de 3 de Julho de 1990, Lancray (C‑305/88, Colect., p. I‑2725), de 12 de Novembro de 1992, Minalmet (C‑123/91, Colect., p. I‑5661), e de 11 de Agosto de 1995, SISRO (C‑432/93, Colect., p. I‑2269).

(7)  – A Comissão remete, neste contexto, para o acórdão de 15 de Julho de 1982, Pendy Plastic/Pluspunkt (228/81, Recueil, p. 2723, n.° 13).

(8)  – Segundo a Comissão, uma das possibilidades consiste em exigir a notificação pessoal, outra em transferir o início do prazo, por exemplo, para o momento do conhecimento ou do início da execução, e uma terceira possibilidade é a de reposição na situação anterior, depois de o prazo ter expirado.

(9)  – Acórdão de 10 de Julho de 1986, Carron/Alemanha (198/85, Colect., p. 2437, n.° 8). V. igualmente acórdãos de 27 de Novembro de 1984, Brennero/Wendel (258/83, Recueil, p. 3971, n.° 10), e de 2 de Julho de 1985, Deutsche Genossenschaftsbank/Brasserie du Pêcheur (148/84, Recueil, p. 1981, n.° 16).

(10)  – V., quanto a este objectivo da Convenção, acórdãos de 28 de Março de 2000, Krombach (C‑7/98, Colect., p. I‑1935, n.° 19), de 2 de Junho de 1994, Solo Kleinmotoren (C‑414/92, Colect., p. I‑2237, n.° 20), e de 29 de Abril de 1999, Coursier (C‑267/97, Colect., p. I‑2543, n.° 25).

(11)  – Acórdão de 11 de Junho de 1985, Debaecker/Bouwman (49/84, Recueil, p. 1779, n.° 10); confirmado nos acórdãos Lancray (já referido na nota 6, n.° 21) e Krombach (já referido na nota 10, n.° 43), bem como, por último, no acórdão de 13 de Outubro de 2005, Scania Finance France (C‑522/03, Colect., p. I‑0000, n.° 15).

(12)  – Acórdão Krombach (já referido na nota 10, n.° 26), bem como acórdãos de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n. os  20 e 21), e de 11 de Janeiro de 2000, Países Baixos e Van der Wal/Comissão (C‑174/98 P e C‑189/98 P, Colect., p. I‑1, n.° 17).

(13)  – Acórdão Baustahlgewebe (já referido na nota 12, n. os  20 e 21).

(14)  – JO 2000, C 364, p. 1. A Carta dos Direitos Fundamentais não produz efeitos vinculativos comparáveis aos do direito primário, mas constitui, como fonte de reconhecimento de direitos, um esclarecimento dos direitos fundamentais garantidos pelo direito comunitário. V., a este respeito, entre outras, as minhas conclusões de 8 de Setembro de 2005 no processo Parlamento Europeu/Conselho (C‑540/03, Colect., p. I‑0000, n.° 108), com referências suplementares.

(15)  – Acórdãos de 16 de Junho de 1981, Klomps/Michel (166/80, Recueil, p. 1593, n.° 7), Minalmet (já referido na nota 6, n.° 18), de 21 de Abril de 1993, Sonntag (C‑172/91, Colect., p. I‑1963, n.° 38), e Scania Finance France (já referido na nota 11, n.° 16).

(16)  – V. artigo 34.°, n.° 2, da Convenção. V., igualmente, acórdão Klomps (já referido na nota 15, n.° 7).

(17)  – V. Kropholler, Europäisches Zivilprozessrecht, Kommentar zu EuGVÜ und Lugano‑Übereinkommen , 6.ª edição, 1998, artigo 34.°, n.° 7; Schlosser, EuGVÜ , 1996, artigo 34.°, n.° 3; Geimer/Schütze, Europäisches Zivilverfahrensrecht, Kommentar zum EuGVÜ und zum Lugano‑Übereinkommen , 1997, artigo 34.°, n.° 27.

(18)  – Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

(19)  – V. artigo 41.° do Regulamento n.° 44/2001.

(20)  – Acórdãos de 4 de Fevereiro de 1988, Hoffmann/Krieg (145/86, Colect., p. 645, n. os  30 a 34), e de 4 de Outubro de 1991, Van Dalfsen e o. (C‑183/90, Colect., p. I‑4743, n.° 34).

(21)  – V. acórdãos Pendy Plastic (já referido na nota 7, n.° 13), Lancray (já referido na nota 6, n.° 28) e Scania Finance France (já referido na nota 11, n.° 18).

(22)  – V. nota 23.

(23)  – A versão francesa refere no artigo 35.° «est portée à la connaissance» e no artigo 36.° «signification»; a versão italiana distingue entre «è communicata» e «notificazione»; a inglesa entre «bring the decision to the notice» e «service», a neerlandesa entre «wordt ter kennis gebracht» e «betekening», a portuguesa «será levada ao conhecimento» e «notificação». Acresce que algumas versões linguísticas utilizam no artigo 27.°, ponto 2, além do conceito de notificação, um outro conceito não técnico: em francês, «signifier» e «notifier»; em italiano «notificato o communicato»; em português, «comunicado ou notificado».

(24)  – V. artigo 42.° do Regulamento n.° 44/2001 (já referido na nota 18).

(25)  – Esta distinção mantém‑se no Regulamento n.° 44/2001, que inclui os recursos do requerente e da parte contra a qual a execução é promovida numa única disposição; v. artigo 43.°, em especial, o seu n.° 5, do regulamento (já referido na nota 18).

(26)  – Acórdão Lancray (já referido na nota 6, n.° 20).

(27)  – Acórdão Lancray (já referido na nota 6, n.° 22). V. também acórdão Minalmet (já referido na nota 6, n.° 21). A nova regulamentação no Regulamento n.° 44/2001 já não assenta na regularidade da notificação, mas no modo da notificação que permita a defesa do demandado; v. artigo 34.°, n.° 2, do regulamento (já referido na nota 18).

(28)  – Quanto à questão da sanação dos vícios de notificação no contexto do artigo 27.°, ponto 2, da Convenção, v. acórdão Lancray (já referido na nota 6, n. os  25 a 31). O Tribunal de Justiça chegou à conclusão que, uma vez que a notificação do acto que dá início à instância é parte do processo no Estado em que é proferida a decisão, a questão da regularidade desta notificação e da sanação de vícios de notificação deve ser resolvida nos termos dessa legislação, tendo em conta os tratados aplicáveis às notificações no estrangeiro.

(29)  – Acórdão Carron (já referido na nota 9, n.° 14).

(30)  – Já referido na nota 7, n.° 13; v. igualmente acórdão Lancray (já referido na nota 6, n.° 28).

(31)  – Acórdão Carron (já referido na nota 9, n.° 14). Esta decisão do Tribunal de Justiça refere‑se, no caso concreto, ao artigo 33.° da Convenção, cujas modalidades processuais e cujas sanções se regulam nos termos da legislação do Estado da execução.

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