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Document 62004TO0124
Order of the Court of First Instance (Fifth Chamber) of 26 October 2005. # Jamal Ouariachi v Commission of the European Communities. # Action for damages - Non-contractual liability of the Community - Damage caused by a member of staff in the exercise of his functions - Absence of causal link. # Case T-124/04.
Despacho do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 26 de Outubro de 2005.
Jamal Ouariachi contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de indemnización - Responsabilidad extracontractual de la Comunidad - Daño causado por un agente en el ejercicio de sus funciones - Inexistencia de relación de causalidad.
Processo T-124/04.
Despacho do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 26 de Outubro de 2005.
Jamal Ouariachi contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de indemnización - Responsabilidad extracontractual de la Comunidad - Daño causado por un agente en el ejercicio de sus funciones - Inexistencia de relación de causalidad.
Processo T-124/04.
Colectânea de Jurisprudência 2005 II-04653
ECLI identifier: ECLI:EU:T:2005:378
Processo T‑124/04
Jamal Ouariachi
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«Acção de indemnização – Responsabilidade extracontratual da Comunidade – Dano causado por um agente no exercício das suas funções – Inexistência de nexo de causalidade»
Despacho do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 26 de Outubro de 2005
Sumário do despacho
Responsabilidade extracontratual – Reparação dos danos causados pelos agentes da Comunidade no exercício das suas funções – Actividade não incluída no exercício das funções do agente – Exclusão da responsabilidade
(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)
Ao mencionar simultaneamente os danos causados pelas instituições e os danos causados pelos agentes da Comunidade, o artigo 288.° CE determina que a Comunidade apenas é responsável pelos actos dos seus agentes que, em virtude de uma relação interna e directa, constituam o prolongamento necessário das missões confiadas às instituições. Atendendo ao carácter especial deste regime jurídico, não é, pois, possível aplicá‑lo aos actos praticados fora dos casos assim caracterizados.
Assim, não se pode considerar susceptível de dar lugar à responsabilidade da Comunidade a assinatura, por um funcionário de uma delegação da Comissão num país terceiro, de uma «comunicação» que fundamenta o pedido de um dos seus próximos, cônjuge divorciado do recorrente, que visa a entrega pelas autoridades locais de uma autorização de residência para ele próprio e os seus filhos. Com efeito, essa «comunicação», uma vez que corresponde a uma simples prática, não pode ser considerada um acto que constitui o prolongamento necessário das missões confiadas às instituições, neste caso às delegações externas da Comissão, e portanto, um acto praticado no exercício das funções do agente autor desse acto.
(cf. n.os 18, 22)
DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)
26 de Outubro de 2005 (*)
«Acção de indemnização – Responsabilidade extracontratual da Comunidade – Dano causado por um agente no exercício das suas funções – Inexistência de nexo de causalidade»
No processo T‑124/04,
Jamal Ouariachi, residente em Rabat (Marrocos), representado por F. Blanmailland e C. Verbrouck, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por F. Dintilhac e G. Boudot, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandada,
que tem por objecto uma acção destinada a obter a reparação do prejuízo que o demandante afirma ter sofrido na sequência das alegadas actuações ilegais de um agente da delegação da Comissão em Cartum (Sudão),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),
composto por: M. Vilaras, presidente, F. Dehousse e D. Šváby, juízes,
secretário : E. Coulon,
profere o presente
Despacho
Factos na origem do litígio
1 O demandante, de nacionalidade marroquina e espanhola, e R, de nacionalidade francesa, que então residiam com os seus dois filhos, também de nacionalidade francesa, em Rabat (Marrocos), divorciaram‑se em 31 de Janeiro de 2000. Nos termos da sentença de divórcio, a guarda das crianças foi confiada a R, tendo sido, contudo, reconhecido ao demandante um direito de visita.
2 C é funcionário comunitário e exerce as suas funções na Comissão. Exerceu funções de chefe de administração na delegação da Comissão em Cartum (Sudão) (a seguir a «delegação») de 8 de Agosto de 2000 a 16 de Maio de 2004. O chefe da delegação e superior hierárquico de C era M. C e M eram, na época dos factos, os únicos funcionários afectos à referida delegação, estando o primeiro habilitado a substituir o segundo em caso de impedimento deste último, nomeadamente em funções de natureza administrativa.
3 Enquanto exerceu funções na delegação, C pretendeu trazer para junto de si a sua nova companheira, R. Nessa ocasião, a delegação enviou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros Sudanês uma «comunicação tipo», datada de 28 de Maio de 2002 e assinada por M, para apoiar o pedido de visto turístico de curta duração formulado por R, para si e para os seus filhos.
4 As autoridades sudanesas competentes tomaram a decisão de conceder um visto turístico a R e aos seus dois filhos, os quais, assim, deixaram o território marroquino em 20 de Junho de 2002, dirigindo‑se para Cartum.
5 Quando o visto turístico chegou ao seu termo, R iniciou o processo de obtenção de autorização de residência no Sudão. Este pedido foi, também, objecto de uma «comunicação» da delegação, enviada ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Sudanês. Essa «comunicação», em virtude da ausência do chefe de delegação, foi assinada por C.
6 As autoridades sudanesas tomaram a decisão de conceder uma autorização de residência a R e aos seus dois filhos.
7 Durante o ano escolar de 2002/2003, os dois filhos do demandante e de R frequentaram a escola francesa de Cartum.
8 Por acórdão de 3 de Novembro de 2003 do Tribunal de Recurso de Rabat, R foi destituída da guarda dos seus filhos, que foi confiada ao demandante.
9 Entretanto, R e os seus filhos deixaram o território sudanês e foram para a Bélgica. Durante o ano escolar 2003/2004, as crianças prosseguiram a sua escolaridade na escola de Ethe (Bélgica).
10 Com a petição que apresentou na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Fevereiro de 2004, o demandante intentou uma acção destinada a obter a reparação dos prejuízos que afirma ter sofrido na sequência das alegadas actuações ilegais de C durante o exercício das suas funções na delegação (processo T‑82/04, Ouariachi/Comissão). Na sequência da desistência do demandante e por despacho do presidente da 2.ª Secção do Tribunal de Primeira Instância, de 1 de Abril de 2004, o processo T‑82/04 foi cancelado.
11 No âmbito dos seus esforços para restabelecer o contacto com os seus filhos e obter a execução do acórdão do Tribunal de Recurso de Rabat, o demandante intentou diversas acções nos tribunais belgas competentes. Foi assim que, através de dois acórdãos de 6 de Maio de 2004, a Cour d’appel de Liège (Bélgica) ordenou, provisoriamente, o regresso das crianças a Marrocos para aí se juntarem ao demandante.
Tramitação processual e pedidos das partes
12 Foi nestas circunstâncias que, através de petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Abril de 2004, o demandante intentou a presente acção.
13 Por requerimento separado apresentado na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Junho de 2004, a Comissão suscitou uma questão prévia de admissibilidade, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. O demandante apresentou as suas observações quanto a esta questão prévia em 25 de Agosto de 2004.
14 Na petição e nas observações que apresentou sobre a questão prévia de admissibilidade, o demandante conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:
– a título prévio, ordenar, se necessário, todas as diligências de instrução pertinentes para determinar os contornos da «falsificação» efectuada por C para permitir o «rapto» das crianças, nomeadamente:
– a comparência pessoal de C;
– um pedido de informações à delegação;
– um pedido de apresentação do processo entregue por R no Consulado da República do Sudão em Rabat, com vista a obter um visto para si e para os seus filhos;
– declarar a acção admissível e procedente;
– condenar a Comissão a pagar‑lhe uma indemnização global no montante total de 150 000 euros a título de reparação pelos prejuízos materiais e morais sofridos;
– condenar a Comissão no pagamento das despesas.
15 Na sua questão prévia de admissibilidade, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– julgar o pedido manifestamente improcedente e inadmissível ou declarar‑se incompetente;
– condenar o demandante no pagamento das despesas.
Questão de direito
16 Nos termos do artigo 111.° do Regulamento de Processo, quando uma acção for manifestamente desprovida de fundamento jurídico, o Tribunal pode, sem prosseguir o processo, decidir mediante despacho fundamentado. No caso em apreço, o Tribunal considera‑se suficientemente esclarecido pelos elementos do processo e, ao abrigo deste artigo, decide pôr termo à instância.
17 Nos termos do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, em matéria de responsabilidade extracontratual, a Comunidade deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos ordenamentos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.
18 Importa salientar que, em matéria de responsabilidade extracontratual, o Tratado submete a Comunidade a uma regulamentação própria à ordem jurídica comunitária, que a sujeita a uma regra unitária no que toca à reparação dos danos causados pelas suas instituições e pelos seus agentes no exercício das suas funções. O Tratado assegura a aplicação uniforme desta regra e a autonomia das instituições da Comunidade, submetendo os litígios nessa matéria à competência do juiz comunitário. Ao mencionar simultaneamente os danos causados pelas instituições e os danos causados pelos agentes da Comunidade, o artigo 288.° CE determina que a Comunidade apenas é responsável pelos actos dos seus agentes que, em virtude de uma relação interna e directa, constituam o prolongamento necessário das missões confiadas às instituições. Atendendo ao carácter especial deste regime jurídico, não é, pois, possível aplicá‑lo aos actos praticados fora dos casos assim caracterizados (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1969, Sayag, 9/69, Recueil, p. 329, n.os 5 a 8, Colect. 1969‑1970, p. 123).
19 No caso em apreço, em apoio do seu pedido de indemnização, o demandante, na petição, acusa C, em primeiro lugar, de ter elaborado e enviado ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Sudanês a «comunicação» de 28 de Maio de 2002 (v. n.° 3, supra), que precedeu a concessão, pelas autoridades sudanesas, do visto turístico a R e aos seus dois filhos.
20 Contudo, nas suas observações quanto à questão prévia de admissibilidade, o demandante esclareceu que não punha em causa a «comunicação» supra referida, que, aliás, fora assinada pelo chefe da delegação, M, mas sim a segunda «comunicação» enviada pela delegação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros Sudanês, anteriormente à decisão das autoridades sudanesas de concederem, a pedido de R, uma autorização de residência para si e para os seus dois filhos (v. n.os 5 e 6 supra). A comunicação em questão, que, na ausência do chefe da delegação, foi assinada por C, era uma falsificação e permitiu a R e aos seus filhos estabelecerem‑se no Sudão sem a concordância do demandante. C foi, assim, co‑autor de um «rapto internacional de crianças» e praticou um acto ilícito susceptível de dar lugar à responsabilidade da Comunidade.
21 Esta acusação não pode ser acolhida.
22 Importa salientar, a este propósito, que, como foi alegado pela Comissão, a «comunicação» em questão corresponde a uma simples prática, adoptada principalmente em Estados terceiros onde existe um certo peso administrativo e aplicada quando um agente da delegação da Comissão nesses Estados pretenda trazer para junto de si os seus familiares. Perante estes elementos, que, aliás, não foram contestados pelo demandante, o envio da «comunicação» em questão não pode ser considerado um acto que constitui o prolongamento necessário das missões confiadas às instituições, neste caso das missões confiadas à delegação, na acepção da jurisprudência referida no n.° 18, supra.
23 Consequentemente, não se pode considerar que, ao assinar a «comunicação» referida, C tenha agido no exercício das suas funções, nos termos do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.
24 De todo o modo, mesmo que se admitisse ser esse o caso, há que concluir que não existe relação de causa e efeito entre o comportamento imputado e os danos alegados.
25 A este propósito, importa recordar que o nexo de causalidade exigido pelo artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, pressupõe a existência de uma relação directa de causa e efeito entre o comportamento imputado à Comunidade e o dano invocado, ou seja, que o dano resulte directamente do referido comportamento (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1979, Dumortier frères e o./Conselho, 64/76 e 113/76, 167/78 e 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Recueil, p. 3091, n.° 21, e de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.° 51; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, International Procurement Services/Comissão, T‑175/94, Colect., p. II‑729, n.° 55, e de 17 de Dezembro de 2003, DLD Trading/Conselho, T‑146/01, Colect., p. II‑6005, n.° 72). É ao demandante que cabe fazer prova dessa relação directa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1995, Blakspur e o./Conselho e Comissão, T‑168/94, Colect., p. II‑2667, n.° 40).
26 No caso em apreço, foi a decisão das autoridades sudanesas competentes de conceder a R e aos seus filhos, a pedido desta, uma autorização de residência que lhes permitiu estabelecerem‑se no Sudão. A comunicação que a delegação então enviou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros Sudanês visava, simplesmente, apoiar o pedido do interessado e fazer avançar o processamento do seu caso no âmbito da prática já referida. Não pode ser equiparada a uma exigência feita às autoridades sudanesas competentes, as quais continuaram soberanamente livres para conceder ou não a autorização de residência, com base na legislação nacional pertinente.
27 Conclui‑se que, de todo o modo, o demandante não logrou provar a existência de um nexo de causalidade directo entre o comportamento imputado e o dano invocado.
28 Como fundamento da sua acção, o demandante, em segundo lugar, também acusa C de ter usurpado a sua identidade, ao ter colocado a sua própria assinatura ao lado da assinatura de R no espaço das cadernetas escolares reservado aos pais, utilizadas na escola francesa de Cartum e na escola belga d’Ethe, frequentadas pelas duas crianças em causa. Ora, não existia qualquer relação de parentesco entre C e as crianças e C também não dispunha de autorização do demandante para o substituir na assinatura dos referidos documentos. Com esta actuação, C denegara ao demandante a sua identidade de pai de forma deliberada com o objectivo de o prejudicar.
29 A este propósito, basta salientar que os actos assim imputados a C não têm, manifestamente, qualquer relação com o exercício das suas funções. Não são, portanto, susceptíveis de desencadear a responsabilidade da Comunidade, nos termos do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.
30 A simples alegação do demandante de que o Tribunal deve, no caso em apreço, declarar a responsabilidade da Comunidade, em virtude da alegada dificuldade em demandar judicialmente C, beneficiário de uma imunidade, não é susceptível de contrariar a conclusão constante do número anterior. Competirá, eventualmente, ao demandante requerer o levantamento da imunidade de que goza C.
31 Assim, a segunda acusação deve ser julgada manifestamente improcedente.
32 Tendo em conta o conjunto de considerações que precede, a acção deve, na sua integralidade, ser julgada manifestamente improcedente, sem que haja necessidade de o Tribunal se pronunciar sobre a questão prévia de admissibilidade suscitada pela Comissão, ordenar as diligências de instrução ou adoptar as medidas de organização do processo demandadas pelo demandante.
Quanto às despesas
33 Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo o demandante sido vencido, há que, face ao pedido da Comissão, condená‑lo nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)
decide:
1) O pedido é julgado manifestamente improcedente.
2) O demandante é condenado nas despesas.
Luxemburgo, 26 de Outubro de 2005.
O Secretário |
O Presidente |
E. Coulon |
M. Vilaras |
* Língua do processo: francês.