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Document 62004CJ0226

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 9 de Fevereiro de 2006.
    La Cascina Soc. coop. arl e Zilch Srl contra Ministero della Difesa e outros (C-226/04) e Consorzio G. f. M. contra Ministero della Difesa e La Cascina Soc. coop. arl (C-228/04).
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunale amministrativo regionale del Lazio - Itália.
    Contratos públicos de serviços - Directiva 92/50/CEE - Artigo 29.º, primeiro parágrafo, alíneas e) e f) - Obrigações dos prestadores de serviços - Pagamento das quotizações para a segurança social, bem como dos impostos e taxas.
    Processos apensos C-226/04 e C-228/04.

    Colectânea de Jurisprudência 2006 I-01347

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:94

    Processos apensos C-226/04 e C-228/04

    La Cascina Soc. coop. arl e o.

    contra

    Ministero della Difesa e o.

    (pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo

    Tribunale amministrativo regionale del Lazio)

    «Contratos públicos de serviços – Directiva 92/50/CEE – Artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f) – Obrigações dos prestadores de serviços – Pagamento das quotizações para a segurança social, bem como dos impostos e taxas»

    Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro apresentadas em 8 de Setembro de 2005 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 9 de Fevereiro de 2006 

    Sumário do acórdão

    Aproximação das legislações – Processos de adjudicação de contratos públicos de serviços – Directiva 92/50 – Adjudicação dos contratos

    [Directiva 92/50 do Conselho, artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f)]

    O artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, dá aos Estados‑Membros a faculdade de excluir da participação num concurso qualquer candidato que não tenha cumprido as suas obrigações relativas ao pagamento das quotizações para a segurança social e dos impostos e taxas, de acordo com as disposições legais nacionais.

    Esta disposição não se opõe a uma regulamentação ou a uma prática administrativa nacionais segundo as quais um prestador de serviços, que não tenha cumprido, à data do termo do prazo para a apresentação do pedido de participação no processo de adjudicação de contrato público, as suas obrigações em matéria de quotizações para a segurança social e de impostos e taxas, não tendo efectuado integralmente o pagamento correspondente, pode regularizar posteriormente a sua situação

    – ao abrigo de medidas de perdão fiscal ou de clemência tomadas pelo Estado, ou

    – ao abrigo de um acordo administrativo com vista a um pagamento por prestações ou a uma redução das dívidas, ou

    – pela interposição de um recurso administrativo ou judicial,

    na condição de que prove, no prazo fixado pela regulamentação ou pela prática administrativa nacionais, ter beneficiado de tais medidas ou de tal acordo, ou que tenha interposto esse recurso dentro desse prazo.

    Com efeito, o artigo 29.° da directiva não prevê na matéria uma aplicação uniforme das causas de exclusão nele indicadas a nível comunitário, na medida em que os Estados‑Membros têm a faculdade de não aplicar de nenhum modo essas causas de exclusão ou de as integrar na regulamentação nacional com um grau de rigor que poderá variar consoante os casos. Neste contexto, os Estados‑Membros têm o poder de moderar ou de tornar mais flexíveis os critérios estabelecidos no artigo 29.° da directiva.

    Cabe, por isso, às regras nacionais especificar o conteúdo e o alcance das obrigações em questão, bem como as condições do seu cumprimento. Cabe também às regras nacionais determinar até que momento ou em que prazo os interessados devem ter efectuado os pagamentos correspondentes às suas obrigações ou, efectivamente, ter provado que estão preenchidas as condições para uma regularização a posteriori. Todavia, os princípios da transparência e da igualdade de tratamento exigem que esse prazo seja determinado com uma certeza absoluta e tornado público, a fim de que os interessados possam conhecer exactamente as restrições do processo e certificar‑se de que as mesmas restrições se aplicam a todos os concorrentes. Além disso, um simples início de pagamento no momento considerado, ou a prova da intenção de pagamento, ou ainda a prova da capacidade financeira de regularização para além desse momento não são suficientes.

    (cf. n.os 23, 24, 31‑33, 40, disp.)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    9 de Fevereiro de 2006 (*)

    «Contratos públicos de serviços – Directiva 92/50/CEE – Artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f) – Obrigações dos prestadores de serviços – Pagamento das quotizações para a segurança social, bem como dos impostos e taxas»

    Nos processos apensos C‑226/04 e C‑228/04,

    que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pelo Tribunale amministrativo regionale del Lazio (Itália), por decisões de 22 de Abril de 2004, entrados no Tribunal de Justiça em 2 de Junho de 2004, nos processos

    La Cascina Soc. coop. arl,

    Zilch Srl (C‑226/04)

    contra

    Ministero della Difesa,

    Ministero dell’Economia e delle Finanze,

    Pedus Service,

    Cooperativa Italiana di Ristorazione soc. coop. arl (CIR),

    Istituto nazionale per l’assicurazione contro gli infortuni sul lavoro (INAIL),

    e

    Consorzio G. f. M. (C‑228/04)

    contra

    Ministero della Difesa,

    La Cascina Soc. coop. arl,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Schiemann, N. Colneric, K. Lenaerts e E. Juhász (relator), juízes,

    advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

    secretário: L. Hewlett, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 30 de Junho de 2005,

    vistas as observações apresentadas:

    –       em representação da La Cascina Soc. coop. arl e da Zilch Srl, por D. Grossi, G. Romano‑Cesareo e D. Cusmano, avvocati,

    –       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por D. Del Gaizo, avvocato dello Stato,

    –       em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

    –       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A. Aresu e K. Wiedner, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de Setembro de 2005,

    profere o presente

    Acórdão

    1       Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas c) e f), da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1, a seguir «directiva»).

    2       Esses pedidos foram apresentados no quadro de litígios que opõem as sociedades La Cascina Soc. coop. arl (a seguir «Cascina») e Zilch Srl (a seguir «Zilch»), bem como o consorzio G. f. M. (a seguir «G. f. M.»), ao Ministério da Defesa e ao Ministério da Economia e das Finanças italianos, na sua qualidade de entidade adjudicante, relativamente, por um lado, à exclusão de essas empresas participarem num processo de adjudicação de um contrato público de serviços e, por outro, à conformidade com o artigo 29.° da directiva da disposição correspondente da regulamentação italiana que assegura a transposição dessa directiva para o direito interno.

     Quadro jurídico

     Regulamentação comunitária

    3       Resulta dos segundo e terceiro considerandos da directiva que esta foi adoptada no quadro das medidas «destinadas a estabelecer progressivamente o mercado interno», e que, por essa razão, visa «a coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de serviços».

    4       O vigésimo considerando da directiva enuncia que «[...] para eliminar as práticas que restringem a concorrência, em geral, e, em particular, as que restringem a participação nos contratos de nacionais de outros Estados‑Membros, é necessário melhorar o acesso dos prestadores de serviços aos processos de adjudicação dos contratos».

    5       No espírito de uma abertura dos contratos públicos à concorrência mais ampla possível, o artigo 13.°, n.° 5, da directiva prevê, em matéria de organização de concursos, que «[o] número dos candidatos convidados a participar nos concursos [...] deve contemplar, sempre, a necessidade de se assegurar uma concorrência efectiva». Da mesma forma, no que respeita aos concursos limitados, o artigo 27.°, n.° 2, segundo parágrafo, dessa directiva dispõe que, «[d]e qualquer modo, o número de candidatos convidados a apresentarem propostas deve ser suficiente para assegurar uma concorrência efectiva».

    6       Inserido no capítulo 2 do título VI da directiva, sob a epígrafe «Critérios de selecção qualitativa», o artigo 29.° prevê:

    «Podem ser excluídos da participação num processo de adjudicação os prestadores de serviços que:

    a)      Se encontrem em estado de falência, de liquidação, de cessação de actividade, sujeitos a qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios ou em qualquer situação análoga resultante de um processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

    b)      Tenham pendente processo de declaração de falência, para aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de património ou qualquer outro processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

    c)      Tenham sido condenados por sentença transitada em julgado por qualquer delito que afecte a sua honorabilidade profissional;

    d)      Tenham cometido uma falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam apresentar;

    e)      Não tenham cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de quotizações para a segurança social, de acordo com as disposições legais do país onde se encontram estabelecidos ou as do país da entidade adjudicante;

    f)      Não tenham cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de impostos, de acordo com as disposições legais do país da entidade adjudicante;

    g)      Sejam culpados de falsas declarações graves ao prestar, ou abster‑se de prestar, as informações que possam ser exigidas nos termos do presente capítulo.

    Sempre que a entidade adjudicante solicite ao prestador de serviços que prove que nenhum dos casos referidos nas alíneas a), b), c), e) e f) se lhe aplica, aceitará como prova suficiente:

    –       […]

    –       nos casos previstos nas alíneas e) e f), um certificado emitido pela autoridade competente do Estado‑Membro em questão.

    […]

    Os Estados‑Membros designarão, no prazo referido no artigo 44.°, as autoridades e organismos competentes para a emissão destes documentos e informarão imediatamente os outros Estados‑Membros e a Comissão em conformidade.»

     Legislação nacional

    7       A directiva foi transposta para direito italiano pelo Decreto legislativo n.° 157, de 17 de Março de 1995 (GURI n.° 104, de 6 de Maio de 1995, a seguir «Decreto n.° 157/1995»).

    8       O artigo 12.°, alíneas d) e e), desse decreto, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 10.° do Decreto legislativo n.° 65, de 25 de Fevereiro de 2000 (GURI n.° 70, de 24 de Março de 2000, a seguir «artigo 12.° do Decreto n.° 157/1995»), que assegura a transposição, para direito interno, do artigo 29.° da directiva, dispõe:

    «[...] são excluídos da participação nos concursos os candidatos que:

    não estejam em situação regular no que se refere às obrigações relativas ao pagamento de quotizações para a segurança social, de acordo com as disposições legais do país onde se encontram estabelecidos ou as do país da entidade adjudicante;

    que não estejam em situação regular no que se refere ao pagamento de impostos, de acordo com as disposições legais do país da entidade adjudicante».

     Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

    9       Em Dezembro de 2002, o Ministério da Defesa italiano, de acordo com o Ministério da Economia e das Finanças, publicou na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana, e no Jornal Oficial das Comunidades Europeias um anúncio de concurso limitado e acelerado para a adjudicação do contrato público de serviços de restauração dos organismos e dos departamentos do Ministério da Defesa dispersos pelo território nacional. A data‑limite para a recepção dos pedidos de participação foi fixada em 15 de Janeiro de 2003 e a data‑limite para a recepção das propostas em 3 de Março de 2003.

    10     Esse anúncio de concurso abrangia dezasseis lotes. Em relação a cada um deles, estava prevista um montante anual diferente, bem como uma zona de execução específica e um conjunto de prestações especiais a efectuar.

    11     Responderam a esse anúncio, entre outras, a La Cascina e a Zilch, no quadro de uma associação temporária de empresas, em relação à maior parte dos dezasseis lotes previstos, bem como o G. f. M unicamente em relação ao lote n.° 7.

    12     Em 4 de Dezembro de 2003, a entidade adjudicante decidiu excluir do processo a La Cascina e o G. f. M., pela razão de que não estavam em situação regular relativamente às suas obrigações em matéria de pagamento de quotizações para a segurança social relativas aos trabalhadores, bem como a Zilch, pela razão de que não estava em situação regular no que se refere às suas obrigações relativas ao pagamento dos seus impostos.

    13     As três entidades em questão pediram a anulação dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio. Em particular, a La Cascina e o G. f. M. alegaram que a falta de pagamento das quotizações para a segurança social tinha sido regularizada a posteriori. Por seu lado, a Zilch afirmou que uma parte do imposto reclamado tinha sido objecto de redução e que, no tocante à outra parte do imposto devido, tinha beneficiado de um «perdão fiscal», por força de uma medida de regularização adoptada pelo legislador nacional em 2002, com fundamento na qual tinha sido autorizada a efectuar o pagamento em prestações.

    14     A entidade adjudicante sustentou, em contrapartida, que a regularização a posteriori não significava que as empresas candidatas, no termo do prazo de apresentação do seu pedido de participação no concurso, isto é, em 15 de Janeiro de 2003, estivessem em situação regular relativamente às suas obrigações.

    15     O órgão jurisdicional de reenvio reconhece uma diferença de formulação entre o artigo 29.° da directiva e o artigo 12.° do Decreto n.° 157/1995. Assim, enquanto a disposição comunitária prevê a faculdade de excluir da participação num processo de adjudicação de contrato público prestadores «que não tenham cumprido» as suas obrigações, a disposição nacional exclui os «que [não estejam] em situação regular» relativamente às suas obrigações.

    16     Esse órgão jurisdicional coloca, por conseguinte, a questão de saber se a disposição nacional em causa no processo principal não é mais permissiva e não dá mais liberdade às autoridades nacionais, e refere, a esse propósito, as divergências de interpretação surgidas em decisões proferidas na matéria pelos órgãos jurisdicionais italianos. Com efeito, alguns desses órgãos jurisdicionais aceitam uma regularização a posteriori, ou seja, após a data‑limite para apresentação do pedido de participação no concurso, em dois tipos de situações:

    –       quando os interessados tenham contestado o fundamento legal das suas obrigações perante as autoridades administrativas ou judiciais nacionais competentes,

    –       quando os interessados, não tendo efectivamente cumprido as suas obrigações, tenham, todavia, beneficiado de medidas de clemência por parte do Estado, que lhes deu a possibilidade de regularizar a posteriori a sua situação em matéria fiscal e de segurança social, ou de medidas de perdão fiscal.

    17     Considerando que tal interpretação poderá redundar num tratamento desigual dos prestadores de serviços, bem como num bloqueio do processo de adjudicação de um contrato público, o Tribunale amministrativo regionale del Lazio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      A directiva […] deve ser interpretada no sentido de que, quando o legislador comunitário utiliza a expressão ‘não tenham cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de quotizações para a segurança social, de acordo com as disposições legais do país onde se encontram estabelecidos ou as do país da entidade adjudicante’ ou ‘não tenham cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de impostos, de acordo com as disposições legais do país da entidade adjudicante’, pretende referir‑se – única e exclusivamente – à circunstância de que o proponente em causa tenha cumprido, mediante integral e tempestivo pagamento, as referidas obrigações na data do termo do prazo para apresentação do pedido de participação no processo de adjudicação de um contrato público (ou, de qualquer forma, num momento anterior à adjudicação do contrato […])?

    2)      Por consequência, a legislação italiana de aplicação [isto é, o artigo 12.°, alíneas d) e e), do Decreto legislativo n.° 157, de 19 de Março de 1995] – ao permitir, ao contrário da disposição comunitária atrás referida, a exclusão do concurso dos candidatos que ‘não estejam em situação regular no que se refere ao pagamento de impostos, segundo a legislação italiana ou a do Estado em que estejam estabelecidos’ – deve necessariamente ser interpretada no sentido de que se refere exclusivamente ao incumprimento destas obrigações que se verifique na data acima referida (termo do prazo para apresentação do pedido de participação ou o momento que antecede imediatamente a adjudicação, mesmo que provisória, do contrato), sendo irrelevante qualquer posterior ‘regularização’ da respectiva situação?

    3)      Ou, pelo contrário (no caso de, à luz do referido supra na segunda questão, a disposição nacional se dever considerar não coincidente com a ratio e o objectivo da norma comunitária), poderá considerar‑se que o legislador nacional, à luz das obrigações que lhe incumbem no âmbito da aplicação das normas comunitárias consagradas pela directiva em causa, pode prever possibilidades de admissão ao concurso também de candidatos que, embora não estando ‘em situação regular’ no momento do termo do prazo para participação no concurso, demonstrem, todavia, poder regularizar a sua situação (e ter feito diligências concretas nesse sentido) antes da adjudicação?

    4)      Também no caso de ser de considerar admissível a interpretação constante da terceira questão, supra, e, por consequência, se admitir a previsão de hipóteses normativas mais flexíveis do que a acepção mais rigorosa de ‘cumprimento’ expressa pelo legislador comunitário, essa regulamentação não contraria princípios fundamentais de carácter comunitário, como o da igualdade de tratamento de todos os cidadãos da União, ou – especificamente em matéria de contratos públicos – o da garantia da par condicio de todos os concorrentes que solicitaram a sua admissão ao concurso?»

     Quanto às questões prejudiciais

    18     Deve salientar‑se, a título preliminar, que, em conformidade com as disposições do título II da directiva, a aplicação das suas disposições varia em função da categorização dos serviços em causa. Todavia, essa categorização, que impõe a apreciação dos factos, é da competência do órgão jurisdicional de reenvio; por isso, o Tribunal de Justiça procederá à interpretação das disposições da directiva a que se refere o pedido de decisão prejudicial. Resulta, além disso, do pedido que este diz respeito a um concurso limitado na acepção da directiva.

    19     Pelas suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio procura essencialmente saber, em primeiro lugar, se o artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da directiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que se refere à situação dos prestadores de serviços que «não estejam em situação regular» no respeitante às suas obrigações relativas à segurança social e ao fisco. Em segundo lugar, interroga‑se quanto ao momento em que o prestador de serviços deve produzir a prova do cumprimento das referidas obrigações. Em terceiro lugar, pergunta se um prestador de serviços, que já esteja em mora quanto ao pagamento das suas quotizações para a segurança social ou dos seus impostos, ou obteve das autoridades competentes permissão para o pagamento em prestações dessas quotizações ou impostos, ou interpôs recurso administrativo ou judicial com o objectivo de contestar a existência ou o montante das suas obrigações relativas à segurança social ou relativas às obrigações fiscais, deve, ou não, ser considerado ter cumprido as suas obrigações relativas à segurança social ou fiscais na acepção do artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da directiva.

    20     Para responder eficazmente a essas questões, deve observar‑se, a título preliminar, que as directivas comunitárias relativas aos contratos públicos têm por objecto a coordenação dos procedimentos nacionais na matéria. No que respeita mais particularmente aos contratos públicos de serviços, o terceiro considerando da directiva enuncia que os objectivos definidos nos primeiro e segundo considerandos «[...] exigem a coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de serviços».

    21     Neste contexto de coordenação, o artigo 29.° da directiva prevê sete causas de exclusão da participação dos candidatos a um concurso, que se reportam à honestidade profissional, à solvabilidade ou à fiabilidade destes. Esta disposição deixa a aplicação de todos esses casos de exclusão ao critério dos Estados‑Membros, como o atesta a expressão «podem ser excluídos da participação num processo de adjudicação [...]», que figura no início da referida disposição, e remete, nas alíneas e) e f), expressamente para as disposições legais nacionais.

    22     Assim, como observou pertinentemente a Comissão das Comunidades Europeias, a disposição considerada fixa ela própria os únicos limites da faculdade dos Estados‑Membros, no sentido de que estes não podem prever causas de exclusão diferentes das que nela são previstas. Essa faculdade dos Estados‑Membros é circunscrita igualmente pelos princípios gerais da transparência e da igualdade de tratamento (v., designadamente, acórdãos de 12 de Dezembro de 2002, Universale‑Bau e o., C‑470/99, Colect., p. I‑11617, n.os 91 e 92, e de 16 de Outubro de 2003, Traunfellner, C‑421/01, Colect., p. I‑11941, n.° 29).

    23     Por conseguinte, o artigo 29.° da directiva não prevê na matéria uma aplicação uniforme das causas de exclusão nele indicadas a nível comunitário, na medida em que os Estados‑Membros têm a faculdade de não aplicar de nenhum modo essas causas de exclusão, optando pela participação mais ampla possível nos processos de adjudicação de contratos públicos, ou de as integrar na regulamentação nacional com um grau de rigor que poderá variar consoante os casos, em função de considerações de ordem jurídica, económica ou social que prevaleçam a nível nacional. Neste contexto, os Estados‑Membros têm o poder de moderar ou de tornar mais flexíveis os critérios estabelecidos no artigo 29.° da directiva.

    24     No que diz respeito, em primeiro lugar, à questão de saber se o artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da directiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que se refere à situação dos prestadores de serviços que «não estejam em situação regular» no respeitante às suas obrigações relativas à segurança social e ao fisco, essa disposição dá aos Estados‑Membros a faculdade de excluir os candidatos «que não tenham cumprido as suas obrigações» relativas ao pagamento das quotizações para a segurança social e dos impostos e taxas «de acordo com as disposições legais» nacionais.

    25     Essa disposição não contém uma definição dos termos «não ter cumprido as suas obrigações». Tendo presentes as considerações desenvolvidas no n.° 23 do presente acórdão, os autores da directiva não pretenderam dar a esses termos uma qualificação comunitária autónoma, mas remeteram, quanto a isso, para as regras nacionais. Cabe, por isso, a estas especificar o conteúdo e o alcance das obrigações em questão, bem como as condições do seu cumprimento.

    26     O legislador italiano exerce a faculdade que lhe confere o artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da directiva, introduzindo as duas causas de exclusão em questão no artigo 12.°, alíneas d) e e), do Decreto n.° 157/1995. O órgão jurisdicional de reenvio coloca, todavia, em primeiro lugar, a questão de saber se, pela utilização dos termos «que não estejam em situação regular no que se refere às obrigações [...]», essa disposição não é mais permissiva e não dá mais liberdade às autoridades nacionais em comparação com a fórmula utilizada no artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da directiva.

    27     A esse propósito, há que salientar que, como observam com razão os interessados que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, as fórmulas «não ter cumprido» as suas obrigações ou «não estejam em situação regular» relativamente às suas obrigações são ambas utilizadas indistintamente nas diferentes directivas comunitárias em matéria de contratos públicos. É, a título de exemplo, o caso do artigo 24.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), o do artigo 20.°, n.° 1, alíneas e) e f), da Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1), e, por último, o caso do artigo 45.°, n.° 2, alíneas e) e f), da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), que entrou em vigor em 31 de Janeiro de 2006. Não há, por conseguinte, qualquer diferença de conteúdo entre as duas locuções em questão.

    28     É com base nestas considerações que devem ser vistas as diferentes situações a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio.

    29     O juiz nacional interroga‑se, em segundo lugar, quanto ao ponto de saber se, para ter cumprido as suas obrigações em matéria de quotizações para a segurança social e de impostos ou taxas, o prestador de serviços deve, «na data do termo do prazo para apresentação do pedido de participação no processo de adjudicação de um contrato público ou, de qualquer forma, num momento anterior à adjudicação do contrato», ter efectuado o «integral e tempestivo» pagamento correspondente.

    30     A fim de determinar o momento em que nos devemos situar para apreciar se o candidato cumpriu as suas obrigações, dado que se deve reconhecer que o artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da directiva remete para as disposições legais dos Estados‑Membros para efeitos de estabelecer o conteúdo do conceito «ter cumprido as suas obrigações» e que o legislador não quis proceder a uma uniformização da aplicação desse artigo a nível comunitário, é lógico que seja feita a mesma remissão para as disposições nacionais quanto à fixação do momento em questão.

    31     Cabe, portanto, às regras nacionais determinar até que momento ou em que prazo os interessados devem ter efectuado os pagamentos correspondentes às suas obrigações ou, efectivamente, no que respeita às outras situações contempladas pelo órgão jurisdicional de reenvio e que são tratadas nos n.os 34 a 39 do presente acórdão, ter provado que estão preenchidas as condições para uma regularização a posteriori. Esse prazo pode ser, nomeadamente, a data‑limite para a apresentação do pedido de participação no concurso, a data do envio da carta‑convite para apresentar uma proposta, a data‑limite da apresentação das propostas dos candidatos, a data de apreciação das propostas pela entidade adjudicante ou, ainda, o momento que antecede imediatamente a adjudicação do contrato.

    32     Todavia, há que precisar que os princípios da transparência e da igualdade de tratamento que regem todos os processos de adjudicação de contratos públicos, segundo os quais as condições de fundo e de processo respeitantes a um concurso devem ser claramente definidas previamente, exigem que esse prazo seja determinado com uma certeza absoluta e tornado público, a fim de que os interessados possam conhecer exactamente as restrições do processo e certificar‑se de que as mesmas restrições se aplicam a todos os concorrentes. Esse prazo pode ser fixado pela regulamentação nacional, ou esta pode confiar essa responsabilidade às entidades adjudicantes.

    33     Por isso, considera‑se ter cumprido as suas obrigações o candidato que, no prazo de que se fala no n.° 31, supra, efectuou integralmente os pagamentos atinentes às suas dívidas em matéria de segurança social e de impostos ou taxas, sem prejuízo dos casos de regularização posterior e de interposição de recurso administrativo ou judicial referido nos n.os 34 a 39 do presente acórdão. O simples início de pagamento no momento considerado, ou a prova da intenção de pagamento, ou ainda a prova da capacidade financeira de regularização para além desse momento não são suficientes, sob pena de violação do princípio da igualdade de tratamento dos candidatos.

    34     Em terceiro lugar, o pedido do órgão jurisdicional de reenvio incide, no fundo, sobre a questão de saber se podem ser consideradas compatíveis com o artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da directiva uma regulamentação ou uma prática administrativa nacionais que permitam aos prestadores de serviços, para efeitos da sua admissão num processo de adjudicação de contrato público, regularizar a posteriori a sua situação em matéria fiscal e de segurança social, ao abrigo de medidas de clemência ou de perdão fiscal adoptadas pelo Estado‑Membro em questão ou por força de um acordo administrativo com vista a um pagamento por prestações ou a uma redução das dívidas.

    35     Deve salientar‑se, a esse propósito, que, como observa com razão o advogado‑geral no n.° 29 das suas conclusões, o montante e a data do vencimento das obrigações em matéria fiscal e de segurança social são definidos pelo direito nacional. Da mesma forma, foi sublinhado no n.° 25, supra, que cabe igualmente ao direito nacional determinar o conteúdo e o alcance do termo «ter cumprido as suas obrigações». Além disso, o prazo determinante nessa matéria é o fixado pela regulamentação nacional, tal como é explicitado no n.° 31 do presente acórdão.

    36     Por isso, uma regulamentação ou uma prática administrativa nacionais segundo as quais, em caso de medidas de clemência ou de perdão fiscal, bem como na sequência de um acordo administrativo, os candidatos em causa são considerados estarem em situação regular relativamente às suas obrigações para efeitos da sua admissão num processo de adjudicação, não é incompatível com o artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da directiva, na condição de que, no prazo de que se fala no n.° 31 do presente acórdão, possam produzir prova de ter beneficiado de medidas de clemência ou de perdão fiscal ou de um acordo administrativo respeitante às suas dívidas.

    37     O pedido do órgão jurisdicional de reenvio incide, por último, sobre os efeitos que devem ser atribuídos à interposição, por um candidato, de um recurso administrativo ou judicial contra as declarações das autoridades competentes em matéria fiscal ou de segurança social, a fim de ser considerado se esse candidato está em situação regular no que se refere às suas obrigações com vista à sua admissão num processo de adjudicação de um contrato público.

    38     Deve considerar‑se que a remissão para o direito nacional pelo artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da directiva é válida também no que respeita a essa questão. Contudo, os efeitos da interposição de um recurso administrativo ou judicial estão intimamente ligados ao exercício e à salvaguarda dos direitos fundamentais respeitantes à tutela jurisdicional, cujo respeito a ordem jurídica comunitária igualmente assegura. A regulamentação nacional que ignore totalmente os efeitos da interposição de um recurso administrativo ou judicial sobre a possibilidade de participar num concurso público pode violar os direitos fundamentais dos interessados.

    39     Tendo em conta esse limite, cabe, portanto, à ordem jurídica nacional determinar se a interposição de um recurso administrativo ou judicial produz efeitos que obrigam a entidade adjudicante a considerar que o candidato em causa está em situação regular no que se refere às suas obrigações, até que seja tomada uma decisão definitiva, para efeitos da sua admissão no processo de adjudicação do contrato, na condição de que esse recurso seja interposto dentro do prazo de que se fala no n.° 31 do presente acórdão.

    40     Deve, portanto, responder‑se às questões submetidas que o artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da directiva não se opõe a uma regulamentação ou a uma prática administrativa nacionais segundo as quais um prestador de serviços, que não tenha cumprido, à data do termo do prazo para a apresentação do pedido de participação no processo de adjudicação de contrato público, as suas obrigações em matéria de quotizações para a segurança social e de impostos e taxas, não tendo efectuado integralmente o pagamento correspondente, pode regularizar posteriormente a sua situação

    –       ao abrigo de medidas de perdão fiscal ou de clemência tomadas pelo Estado, ou

    –       ao abrigo de um acordo administrativo com vista a um pagamento por prestações ou a uma redução das dívidas, ou

    –       pela interposição de um recurso administrativo ou judicial,

    na condição de que prove, no prazo fixado pela regulamentação ou pela prática administrativa nacionais, ter beneficiado de tais medidas ou de tal acordo, ou que tenha interposto esse recurso dentro desse prazo.

     Quanto às despesas

    41     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

    O artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, não se opõe a uma regulamentação ou a uma prática administrativa nacionais segundo as quais um prestador de serviços, que não tenha cumprido, à data do termo do prazo para a apresentação do pedido de participação no processo de adjudicação de contrato público, as suas obrigações em matéria de quotizações para a segurança social e de impostos e taxas, não tendo efectuado integralmente o pagamento correspondente, pode regularizar posteriormente a sua situação

    –       ao abrigo de medidas de perdão fiscal ou de clemência tomadas pelo Estado, ou

    –       ao abrigo de um acordo administrativo com vista a um pagamento por prestações ou a uma redução das dívidas, ou

    –       pela interposição de um recurso administrativo ou judicial,

    na condição de que prove, no prazo fixado pela regulamentação ou pela prática administrativa nacionais, ter beneficiado de tais medidas ou de tal acordo, ou que tenha interposto esse recurso dentro desse prazo.

    Assinaturas


    * Língua do processo: italiano.

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