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Document 62004CJ0098

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 4 de Maio de 2006.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
    Incumprimento de Estado - Directiva 85/337/CEE - Avaliação dos efeitos de determinados projectos no ambiente - Falta de pedido de autorização e de avaliação prévias à execução de um projecto - Inadmissibilidade da acção.
    Processo C-98/04.

    Colectânea de Jurisprudência 2006 I-04003

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:288

    Processo C‑98/04

    Comissão das Comunidades Europeias

    contra

    Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte

    «Incumprimento de Estado – Directiva 85/337/CEE – Avaliação dos efeitos de determinados projectos no ambiente – Falta de pedido de autorização e de avaliação prévias à execução de um projecto – Inadmissibilidade da acção»

    Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz-Jarabo Colomer, apresentadas em 14 de Julho de 2005 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 4 de Maio de 2006 

    Sumário do acórdão

    Acção por incumprimento – Objecto do litígio – Determinação durante o processo pré‑contencioso

    (Artigo 226.º CE)

    O parecer fundamentado a que se refere o artigo 226.° CE deve conter uma exposição coerente e detalhada das razões que levaram a Comissão à convicção de que o Estado‑Membro em causa não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado. O parecer fundamentado e, consequentemente a acção, que não pode assentar em fundamentos diversos dos invocados no parecer fundamentado, devem, pois, apresentar as acusações de forma coerente e precisa, a fim de permitir ao Estado‑Membro e ao Tribunal de Justiça captarem exactamente o alcance da violação do direito comunitário imputada, condição necessária para que esse Estado possa apresentar utilmente os seus meios de defesa e para que o Tribunal de Justiça possa verificar a existência do incumprimento alegado.

    Deve ser julgada inadmissível uma acção por incumprimento que só submete ao Tribunal de Justiça um aspecto do mecanismo jurídico composto por dois aspectos indissociáveis e que, portanto, não preenche os requisitos de coerência e precisão acima referidos.

    (cf. n.os 17-18, 21, 23, disp.)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    4 de Maio de 2006 (*)

    «Incumprimento de Estado – Directiva 85/337/CEE – Avaliação dos efeitos de determinados projectos no ambiente – Falta de pedido de autorização e de avaliação prévias à execução de um projecto – Inadmissibilidade da acção»

    No processo C‑98/04,

    que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 26 de Fevereiro de 2004,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por F. Simonetti e M. Shotter, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por K. Manji e em seguida por M. Bethell, na qualidade de agentes, assistidos por P. Sales e J. Maurici, barristers, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, J. Makarczyk (relator) e R. Schintgen, juízes,

    advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

    secretário: K. Sztranc, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 30 de Junho de 2005,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de Julho de 2005,

    profere o presente

    Acórdão

    1       Pela sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não dar cumprimento ao disposto nos artigos 2.°, n.° 1, e 4.° da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), com a redacção dada pela Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997 (JO L 73, p. 5, a seguir «Directiva 85/337»), o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva.

     Quadro jurídico

     O direito comunitário

    2       O artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 85/337 tem a seguinte redacção:

    «Na acepção da presente directiva, entende‑se por:

    projecto:

    –       a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras,

    –       outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração dos recursos do solo;

    dono da obra:

    o autor de um pedido de aprovação de um projecto privado, ou a autoridade pública que toma a iniciativa relativa a um projecto;

    aprovação:

    a decisão da autoridade ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar o projecto.»

    3       Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da mesma directiva:

    «Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para garantir que, antes de concedida a aprovação, os projectos que possam ter um impacte significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensão ou localização, fiquem sujeitos a um pedido de aprovação e a uma avaliação dos seus efeitos. Estes projectos são definidos no artigo 4.°»

    4       O artigo 4.° da referida directiva dispõe:

    «1.      Sem prejuízo do disposto no n.° 3 do artigo 2.°, os projectos incluídos no anexo I serão submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.° a 10.°

    2.      Sem prejuízo do disposto no n.° 3 do artigo 2.°, os Estados‑Membros determinarão, relativamente aos projectos incluídos no anexo II:

    a)      Com base numa análise caso a caso;

    ou

    b)      Com base nos limiares ou critérios por eles fixados;

    se o projecto deve ser submetido a uma avaliação nos termos dos artigos 5.° a 10.°

    Os Estados‑Membros podem decidir aplicar os dois procedimentos referidos nas alíneas a) e b).

    3.      Quando forem efectuadas análises caso a caso ou fixados limiares ou critérios para efeitos do disposto no n.° 2, serão tidos em conta os critérios de selecção relevantes fixados no anexo III.

    4.      Os Estados‑Membros assegurarão que a decisão adoptada pelas autoridades competentes ao abrigo do n.° 2 seja disponibilizada ao público.»

     A legislação nacional

    5       A section 171A(1) da lei do urbanismo e ordenamento imobiliário de 1990 (Town and Country Planning Act 1990), na redacção dada pela lei do ordenamento do território e das indemnizações de 1991 (Planning and Compensation Act 1991, a seguir «TCPA»), dispõe:

    «Para efeitos da presente lei:

    a)      a execução de trabalhos de desenvolvimento sem licença; ou

    b)      a violação das condições ou reservas a que esteja sujeita essa licença,

    constituem uma infracção à regulamentação de ordenamento do território.»

    6       A section 171B da TCPA dispõe:

    «1.      Quando uma infracção à regulamentação de ordenamento do território consistir na execução sem licença de trabalhos de construção, engenharia, exploração mineira ou outras operações no solo, no subsolo ou no espaço aéreo, não poderão ser ordenadas medidas coercivas depois de decorridos quatro anos contados da data em que o essencial dessas operações estiver concluído.

    2.      Quando uma infracção à regulamentação de ordenamento do território consistir na reafectação de um edifício destinado a habitação, não poderão ser ordenadas medidas coercivas depois de decorridos quatro anos contados da data em que foi cometida a infracção.

    3.      No que respeita às restantes infracções à regulamentação de ordenamento do território, não poderão ser ordenadas medidas coercivas depois de decorridos dez anos contados da data em que foi cometida a infracção.

    [...]»

    7       A section 172(1) do mesmo diploma dá às autoridades locais responsáveis pelo ordenamento do território o poder de emitirem uma intimação quando verificarem que:

    «a)      a regulamentação de ordenamento do território não foi respeitada, e

    b)      é oportuno, tendo em conta o projecto de desenvolvimento ou quaisquer outras considerações substantivas, emitir essa intimação.»

    8       De acordo com a section 174 da TCPA, o proprietário do terreno ou o detentor podem interpor recurso da intimação, com os fundamentos referidos nesse preceito.

    9       Em particular, da section 174(2) consta o fundamento de:

    «d)      à data da emissão da intimação já não poder ser ordenada qualquer medida coerciva destinada a fazer cessar as infracções à regulamentação de ordenamento do território eventualmente constituídas por esses elementos».

    10     A section 191 da TCPA tem a seguinte redacção:

    «1.      Quem pretender assegurar‑se de que:

    a)      a utilização de um edifício ou de um terreno é legal;

    b)      determinadas operações executadas no solo, no subsolo ou no espaço aéreo são legais; ou

    c)      qualquer outro acto contrário às condições ou reservas impostas na concessão da licença é legal,

    pode requerer à autoridade local responsável pelo ordenamento do território que o certifique, identificando o terreno em causa e descrevendo a respectiva utilização, as operações ou o facto em causa.

    2.      Para efeitos da presente lei, as referidas utilizações ou operações são consideradas legais desde o início se

    a)      não forem objecto de nenhuma medida coerciva (por não implicarem o desenvolvimento do solo ou por não necessitarem de autorização ou de licença, por ter prescrito a possibilidade de medidas coercivas ou por qualquer outro fundamento); e

    b)      não infringirem as cominações de uma intimação em vigor nesse momento.

    3.      Para efeitos da presente lei, considera‑se legal qualquer acto, não obstante ser contrário às condições ou reservas impostas na concessão de uma licença, quando:

    a)      tiver expirado o prazo para aplicação de medidas coercivas; e

    b)      não for contrário às cominações de uma intimação ou de um relatório de desrespeito das condições que tenham força obrigatória nesse momento.

    4.      Quando for apresentado um requerimento nos termos da presente section, no caso de as informações prestadas à autoridade local responsável pelo ordenamento do território serem susceptíveis de a convencer da legalidade da utilização, das operações ou de qualquer outro acto correspondente à descrição feita no requerimento ou a essa descrição alterada por essa autoridade ou à descrição feita pela autoridade em substituição da descrição contida no requerimento, a referida autoridade lavrará um certificado dessa legalidade; em todos os outros casos, o requerimento será indeferido.

    5.      Para efeitos da presente section, o certificado contém as seguintes menções:

    a)      identificação do terreno a que se refere:

    b)      descrição da utilização, das operações ou do acto em causa [no caso de a utilização estar abrangida por uma das categorias mencionadas em despacho aprovado nos termos da section 55(2)(f), será identificada por referência à referida categoria];

    c)      as razões pelas quais se consideram legais a utilização, as operações ou o acto; e

    d)      a data de requerimento do certificado.

    6.      A utilização, operação ou acto cuja legalidade seja certificada nos termos da presente section presume‑se legal, não sendo elidível essa presunção.

    […]»

     Procedimento pré‑contencioso

    11     A Comissão recebeu uma denúncia contra o Reino Unido sobre a prática da emissão de certificados de legalidade de desenvolvimento («Lawful Development Certificates», a seguir «certificados»), seguida nos termos da section 191 da TCPA, a propósito de um estaleiro de obras de demolição, em matéria de tratamento de resíduos, explorado sem licença nem autorização e relativamente ao qual tinham sido emitidos vários certificados, em 1993 e depois em 1998, respeitantes a um sítio maior.

    12     Por ofício de 8 de Fevereiro de 2001, a Comissão dirigiu ao Governo do Reino Unido um pedido de informações sobre o sistema de certificados em vigor nessa mesma data, tendo em conta as exigências da Directiva 85/337.

    13     Em face dos elementos fornecidos na resposta do Reino Unido em ofício de 31 de Agosto de 2001, a Comissão considerou que a emissão dos certificados podia ser considerada um meio de contornar os processos de autorização e avaliação dos efeitos no ambiente previstos na Directiva 85/337, tendo dirigido a esse Estado‑Membro, em 23 de Outubro de 2001, uma notificação para cumprir.

    14     Seguidamente, por parecer fundamentado de 19 de Dezembro de 2002, a Comissão convidou o referido Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias ao cumprimento das obrigações resultantes da referida directiva no prazo de dois meses a contar da recepção do referido parecer.

    15     A Comissão, considerando insatisfatória a posição assumida pelo Governo do Reino Unido em ofício de 3 de Abril de 2003, intentou a presente acção.

     Quanto à admissibilidade da acção

    16     A título preliminar, refira‑se que o Tribunal de Justiça pode apreciar oficiosamente o preenchimento das condições previstas no artigo 226.° CE para a propositura de uma acção por incumprimento (v., nomeadamente, acórdãos de 31 de Março de 1992, Comissão/Itália, C‑362/90, Colect., p. I‑2353, n.° 8, e de 27 de Outubro de 2005, Comissão/Itália, C‑525/03, Colect., p. I‑9405, n.° 8).

    17     A esse respeito, há que lembrar que o parecer fundamentado a que se refere o artigo 226.° CE deve conter uma exposição coerente e detalhada das razões que levaram a Comissão à convicção de que o Estado‑Membro em causa não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (v., nomeadamente, acórdão de 16 de Setembro de 1997, Comissão/Itália, C‑279/94, Colect., p. I‑4743, n.os 15 e 19).

    18     O parecer fundamentado e, consequentemente a acção, que, de acordo com a jurisprudência assente ilustrada, nomeadamente, pelo acórdão de 1 de Dezembro de 1993, Comissão/Dinamarca (C‑234/91, Colect., p. 6273, n.° 16), não pode assentar em fundamentos diversos dos invocados no parecer fundamentado, devem, pois, apresentar as acusações de forma coerente e precisa, a fim de permitir ao Estado‑Membro e ao Tribunal de Justiça captarem exactamente o alcance da violação do direito comunitário imputada, condição necessária para que esse Estado possa apresentar utilmente os seus meios de defesa e para que o Tribunal de Justiça possa verificar a existência do incumprimento alegado.

    19     Ora, há que observar que, quer no procedimento pré‑contencioso quer no processo contencioso, a Comissão centrou as suas críticas na emissão dos certificados, na medida em que permite contornar os procedimentos de pedido de autorização e de avaliação dos efeitos no ambiente previstos na Directiva 85/337 relativamente aos projectos que possam ter um impacte significativo no ambiente nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização.

    20     A Comissão não apresenta fundamentos relativos à própria existência de prazos de prescrição da execução de medidas coercivas contra operações de desenvolvimento ou construções não conformes com a regulamentação aplicável, mesmo apesar de a instituição dos certificados ser indissociável, pela sua própria natureza, das disposições que contêm essas normas de prescrição. Com efeito, nos termos da section 191 da TCPA, é emitido um certificado de legalidade, em particular, quando já não se pode aplicar qualquer medida coerciva contra as utilizações ou operações em causa, quer por estas não constituírem um desenvolvimento ou não necessitarem de autorização ou licença quer por ter prescrito essa possibilidade.

    21     Consequentemente, a presente acção por incumprimento, na medida em que só submete ao Tribunal de Justiça um aspecto do mecanismo jurídico composto por dois aspectos indissociáveis, não preenche os requisitos de coerência e precisão acima referidos.

    22     Esta conclusão impõe‑se ainda mais quando os argumentos invocados pelo Governo do Reino Unido para contestar o incumprimento se baseiam essencialmente no regime da prescrição que a Comissão não incluiu no objecto da lide e que, portanto, não pôde ser sujeita a uma discussão aprofundada entre as partes.

    23     Resulta do exposto que a acção deve ser julgada inadmissível.

     Quanto às despesas

    24     Por força do disposto no artigo 69,°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino Unido pedido a condenação da Comissão e tendo a acção por ela intentada sido julgada inadmissível, há que condená‑la nas despesas.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

    1)     A acção é julgada inadmissível.

    2)     A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

    Assinaturas


    * Língua do processo: inglês.

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