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Document 62004CJ0066

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de Dezembro de 2005.
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte contra Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia.
Géneros alimentícios - Regulamento (CE) n.º 2065/2003 - Aromatizantes de fumo - Escolha da base jurídica.
Processo C-66/04.

Colectânea de Jurisprudência 2005 I-10553

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:743

Processo C‑66/04

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte

contra

Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia

«Géneros alimentícios – Regulamento (CE) n.° 2065/2003 – Aromatizantes de fumo – Escolha da base jurídica»

Conclusões da advogada‑geral J. Kokott, apresentadas em 8 de Setembro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de Dezembro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Aproximação das legislações – Géneros alimentícios – Regulamento n.° 2065/2003 – Aromatizantes de fumo – Base jurídica – Artigo 95.° CE – Medidas relativas à aproximação – Matéria que exige avaliações relativas à segurança dos produtos alimentares – Necessidade de assegurar, na escolha da técnica de harmonização, um nível elevado de protecção da saúde das pessoas

(Artigo 95.° CE; Regulamento n.° 2065/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho)

2.     Aproximação das legislações – Géneros alimentícios – Regulamento n.° 2065/2003 – Aromatizantes de fumo – Base jurídica – Artigo 95.° CE – Harmonização em várias etapas – Estabelecimento de uma lista de produtos autorizados para toda a Comunidade – Condições

(Artigo 95.° CE; Regulamento n.° 2065/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho)

1.     Pela expressão «medidas relativas à aproximação» que figura no artigo 95.° CE, os autores do Tratado quiseram conferir ao legislador comunitário, em função do contexto geral e das circunstâncias específicas da matéria a harmonizar, uma margem de apreciação quanto à técnica de aproximação mais adequada para alcançar o resultado pretendido, designadamente nos domínios que se caracterizam por particularidades técnicas complexas.

Essa margem de apreciação pode ser utilizada, designadamente, para escolher a técnica de harmonização mais adequada quando a aproximação tida em mente requeira análises físicas, químicas ou biológicas, bem como a tomada em consideração dos desenvolvimentos científicos relativos à matéria em causa. Essas avaliações relativas à segurança dos produtos correspondem, com efeito, ao objectivo fixado ao legislador comunitário pelo artigo 95.°, n.° 3, CE, que consiste em assegurar um nível elevado de protecção da saúde.

Assim, o Regulamento n.° 2065/2003, relativo aos aromatizantes de fumo utilizados ou destinados a serem utilizados nos ou sobre os géneros alimentícios, constitui uma medida de harmonização adequada na medida em que a matéria harmonizada exige essas avaliações relativas à segurança dos produtos.

(cf. n.os 45, 46, 52)

2.     Quando o legislador comunitário prevê uma harmonização caracterizada por várias etapas, particularmente no caso em que ela consiste no estabelecimento de uma lista de produtos autorizados para toda a Comunidade, excluindo quaisquer outros produtos, duas condições devem estar preenchidas. Em primeiro lugar, o legislador comunitário é obrigado a determinar, no acto legislativo de base, os elementos essenciais da medida de harmonização de que se trata. Em segundo lugar, o mecanismo de aplicação desses elementos deve ser concebido de tal modo que conduza a uma harmonização na acepção do artigo 95.° CE. Tal sucede quando o legislador comunitário estabelece as modalidades detalhadas segundo as quais as decisões devem ser tomadas em cada fase desse procedimento de autorização e determina e enquadra com precisão os poderes que incumbem à Comissão enquanto instância à qual compete tomar a decisão final.

O Regulamento n.° 2065/2003, relativo aos aromatizantes de fumo utilizados ou destinados a serem utilizados nos ou sobre os géneros alimentícios, preenche as duas referidas condições e pode ser considerado uma medida de harmonização na acepção do artigo 95.° CE. Com efeito, este regulamento não tem por efeito harmonizar de maneira acessória as condições do mercado interno, tendo antes por objecto aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros no domínio dos aromatizantes de fumo.

(cf. n.os 47‑49, 58, 59, 64)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de Dezembro de 2005 (*)

«Géneros alimentícios – Regulamento (CE) n.° 2065/2003 – Aromatizantes de fumo – Escolha da base jurídica»

No processo C‑66/04,

que tem por objecto um recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE, entrado em 11 de Fevereiro de 2004,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por R. Caudwell e M. Bethell, na qualidade de agentes, assistidos por Lord P. Goldsmith, QC, e N. Paines, QC, bem como por T. Ward, barristers, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por K. Bradley e M. Moore, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Conselho da União Europeia, representado por M. Sims e E. Karlsson, bem como por F. Ruggeri Laderchi, na qualidade de agentes,

recorridos,

apoiados por:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J.‑P. Keppenne e N. Yerrel, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas e K. Schiemann, presidentes de secção, S. von Bahr, J. N. Cunha Rodrigues, R. Silva de Lapuerta (relator), K. Lenaerts, P. Kūris, E. Juhász, A. Borg Barthet e M. Ilešič, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de Maio de 2005,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 8 de Setembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Na sua petição inicial, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pede a anulação do Regulamento (CE) n.° 2065/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Novembro de 2003, relativo aos aromatizantes de fumo utilizados ou destinados a serem utilizados nos ou sobre os géneros alimentícios (JO L 309, p. 1, a seguir «regulamento controvertido»).

2       Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 2004, a Comissão das Comunidades Europeias foi autorizada a intervir em apoio da posição do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia.

 Quadro jurídico

3       A Directiva 88/388/CEE do Conselho, de 22 de Junho de 1988, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros no domínio dos aromas destinados a serem utilizados nos géneros alimentícios e dos materiais de base para a respectiva produção (JO L 184, p. 61, a seguir «directiva») prevê, no artigo 3.°, que os Estados‑Membros adoptarão as disposições necessárias para que os aromas não possam ser comercializados nem utilizados se não respeitarem as regras previstas na directiva.

4       O regulamento controvertido, que foi adoptado com base no artigo 95.° CE, dispõe no seu artigo 1.°:

«1.      O presente regulamento tem por objectivo assegurar o funcionamento eficaz do mercado interno no que respeita aos aromatizantes de fumo utilizados ou destinados a serem utilizados nos ou sobre os géneros alimentícios, constituindo simultaneamente a base da garantia de um elevado nível de protecção da saúde humana e de defesa dos interesses do consumidor.

2.      Para o efeito, o presente regulamento define:

a)      Um procedimento comunitário para a avaliação e a autorização de condensados primários de fumo e de fracções primárias de alcatrão utilizados ou destinados a serem utilizados como tais nos ou sobre os géneros alimentícios, ou na produção de aromatizantes de fumo derivados destinados a serem utilizados nos ou sobre os géneros alimentícios;

b)      Um procedimento comunitário para o estabelecimento de uma lista de condensados primários de fumo e de fracções primárias de alcatrão autorizados na Comunidade, com exclusão de todos os outros, e as respectivas condições de utilização nos ou sobre os géneros alimentícios.»

5       Nos termos do seu artigo 2.°, o regulamento controvertido aplica‑se aos aromatizantes de fumo utilizados ou destinados a serem utilizados nos ou sobre os géneros alimentícios, aos materiais de base utilizados para a produção de aromatizantes de fumo, às condições em que estes são preparados e aos géneros alimentícios em que ou sobre os quais estão presentes aromatizantes de fumo.

6       O artigo 4.° do regulamento controvertido, intitulado «Utilização geral e requisitos de segurança», tem a seguinte redacção:

«1.      A utilização de aromatizantes de fumo nos ou sobre os géneros alimentícios só deve ser autorizada se se demonstrar cabalmente que:

–       não apresenta riscos para a saúde humana,

–       não induz os consumidores em erro.

Cada autorização pode ser sujeita a condições específicas de utilização.

2.      Ninguém pode colocar no mercado um aromatizante de fumo ou um género alimentício em que ou sobre o qual esteja presente esse aromatizante de fumo se este não for um produto primário autorizado nos termos do artigo 6.° ou não for derivado de tal produto, ou se não forem respeitadas as condições de utilização estabelecidas na autorização emitida nos termos do presente regulamento.»

7       O artigo 5.° do regulamento controvertido, que enuncia um certo número de condições de produção relativas às madeiras utilizadas para a elaboração de produtos primários, prevê:

«1.      As madeiras utilizadas para a produção de produtos primários não devem ter sido tratadas, intencionalmente ou não, com substâncias químicas durante os seis meses que imediatamente precedem ou se seguem ao abate, a menos que possa ser demonstrado que a substância utilizada para esse tratamento não liberta substâncias potencialmente tóxicas durante a combustão.

Quem colocar no mercado produtos primários deverá poder demonstrar mediante certificados ou documentos adequados que foram respeitados os requisitos fixados no primeiro parágrafo.

2.      As condições para a produção de produtos primários encontram‑se estabelecidas no anexo I. A fase oleosa insolúvel em água, que é um subproduto do processo, não deve ser utilizada para a produção de aromatizantes de fumo.

3.      Sem prejuízo de outra legislação comunitária, os produtos primários podem continuar a ser tratados por processos físicos adequados para a produção de aromatizantes de fumo derivados. Se os pareceres diferirem quanto ao facto de um processo físico específico ser adequado ou não, poderá ser adoptada uma decisão nos termos do n.° 2 do artigo 19.°»

8       Este último procedimento, dito «procedimento de regulamentação», está definido nos artigos 5.° e 7.° da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO L 184, p. 23).

9       Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do regulamento controvertido, a Comissão, agindo em conformidade com o procedimento de regulamentação, estabelece a lista dos produtos primários autorizados na Comunidade, com exclusão de todos os outros, para utilização como tais nos ou sobre os géneros alimentícios e/ou para a produção de aromatizantes de fumo derivados (a seguir «lista positiva»).

10     Nos termos do artigo 7.° desse regulamento, para obter a inclusão de um produto primário na lista positiva referida, o interessado deve apresentar um pedido à autoridade competente de um Estado‑Membro. O pedido deve ser acompanhado, designadamente, por uma declaração fundamentada na qual se afirme que o produto é conforme com os requisitos do artigo 4.°, n.° 1, do mesmo regulamento.

11     O artigo 8.°, n.° 1, do regulamento controvertido prevê que, nos seis meses subsequentes à recepção de um pedido válido, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (a seguir «Autoridade») emite um parecer sobre o facto de saber se o produto e a sua utilização prevista são conformes com o artigo 4.°, n.° 1, do referido regulamento. Segundo o n.° 4 do mesmo artigo, em caso de parecer favorável à autorização do produto avaliado, este parecer pode incluir condições ou restrições ligadas à utilização do produto primário avaliado. O n.° 5 do mesmo artigo enuncia que esse parecer deve ser comunicado à Comissão, aos Estados‑Membros e ao requerente.

12     A concessão da autorização comunitária e o estabelecimento da lista positiva são regidos pelos artigos 9.° e 10.° do regulamento controvertido.

13     Nos termos do artigo 9.°, n.° 1, desse regulamento, nos três meses subsequentes à recepção do parecer da Autoridade, a Comissão prepara um «projecto de medida» a tomar no que diz respeito ao pedido de inclusão de um produto primário na lista positiva, tendo em conta os requisitos do artigo 4.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a legislação comunitária e quaisquer outros factores legitimamente relacionados com a matéria em causa.

14     A referida medida consiste num projecto de regulamento que estabelece ou modifica a lista inicial dos produtos primários autorizados, ou num projecto de decisão que recusa a autorização de inclusão do produto em causa na lista positiva.

15     A partir do momento em que é concedida, a autorização é válida em toda a Comunidade pelo período de 10 anos. Nos termos do artigo 11.° do regulamento controvertido, uma autorização pode ser modificada a pedido do titular da autorização dirigido à autoridade competente do Estado‑Membro. Segundo o artigo 12.° desse regulamento, uma autorização pode igualmente ser renovada a pedido do seu titular apresentado à Comissão.

 Quanto ao recurso

16     Através do seu recurso, o Reino Unido pede a anulação do regulamento controvertido e a condenação do Parlamento e do Conselho nas despesas da instância, sustentando que o artigo 95.° CE não constitui uma base jurídica adequada para a adopção desse regulamento.

17     O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, concluem pedindo que seja negado provimento ao recurso e que o Reino Unido seja condenado nas despesas.

 Argumentação das partes

18     O Reino Unido alega que o artigo 95.° CE não constitui a base jurídica correcta para a adopção do regulamento controvertido, uma vez que este não aproxima as legislações nacionais, estabelecendo antes um procedimento centralizado ao nível comunitário relativo à autorização dos aromatizantes de fumo para os géneros alimentícios. Ora, o poder legislativo conferido pelo artigo 95.° CE é um poder de harmonização dos direitos nacionais, mas não um poder para instituir órgãos comunitários ou confiar missões a esses órgãos, nem para instituir procedimentos relativos à aprovação de listas de produtos autorizados.

19     Reconhece que uma medida adoptada em aplicação do artigo 95.° CE pode conter disposições que, por si sós, não harmonizam as legislações nacionais se tais disposições contiverem simplesmente elementos acessórios em relação às que operam uma harmonização, ou se constituírem a aplicação destas últimas.

20     O Reino Unido alega, além disso, que, não obstante as legislações nacionais poderem, de facto, ser harmonizadas mediante um regulamento comunitário, este deve conduzir ao resultado que poderia ter sido alcançado pela adopção simultânea de legislação idêntica em cada Estado‑Membro. Ora, o sistema de avaliação dos aromatizantes de fumo previsto pelo regulamento controvertido constitui um mecanismo comunitário que nenhum Estado‑Membro, individualmente considerado, poderia estabelecer. Por conseguinte, tal sistema não pode, em si, ser considerado uma medida de harmonização.

21     O Reino Unido considera que, mesmo admitindo que as medidas previstas pelo regulamento controvertido são medidas «relativas à aproximação», nos termos do artigo 95.° CE, elas não harmonizam os «elementos essenciais» ou os «padrões» para a utilização e a comercialização dos aromatizantes de fumo. Com efeito, as disposições desse regulamento deixam inteiramente em aberto a questão de saber quais são os aromatizantes de fumo que são autorizados e de que maneira devem ser avaliados. Assim, a partir das disposições do referido regulamento, um produtor ou uma autoridade nacional não podem determinar se um determinado aromatizante de fumo é ou não autorizado.

22     No que respeita às missões confiadas à Comissão no âmbito do procedimento de regulamentação, o Reino Unido alega que, em conformidade com o artigo 202.° CE, é certo que a Comissão pode desempenhar um papel na aplicação das medidas adoptadas em aplicação do artigo 95.°, na condição, porém, de que essa intervenção seja qualificada de «execução» dessas medidas.

23     O Estado‑Membro recorrente admite que os artigos 4.° e 5.° do regulamento controvertido, lidos em conjugação com o anexo I deste último, prevêem um determinado número de condições uniformes que devem ser preenchidas pelos aromatizantes de fumo. Todavia, estes elementos não equivalem a um conjunto de normas relativas a essas substâncias no âmbito do qual o procedimento de avaliação consistiria unicamente em analisar os produtos à luz de uma série de condições fixadas por esse regulamento. O requisito que figura no artigo 4.°, n.° 1, deste último, segundo o qual os produtos não devem apresentar qualquer risco para a saúde humana, é uma condição importante mas não suficientemente precisa. Do mesmo modo, os métodos de produção enumerados no anexo I do mesmo regulamento estão longe de constituir uma lista exaustiva.

24     O Reino Unido alega que a Autoridade, no momento de formar uma opinião sobre a questão de saber se um determinado produto não apresenta nenhum risco para o consumo humano, e a Comissão, no momento de adoptar uma decisão a esse respeito, não se devem limitar a examinar se os métodos de produção enumerados no anexo I do regulamento controvertido foram respeitados. Em seu entender, é necessário fornecer informações que vão muito além de uma simples demonstração do respeito desse anexo, tais como, designadamente, detalhes quanto à composição química do produto primário e dados toxicológicos.

25     Acrescenta, a este respeito, que a observância dos métodos de produção fixados no referido anexo não garante que o produto seja seguro para o consumo humano. Com efeito, a apreciação da segurança deste pela Autoridade e a «gestão dos riscos» pela Comissão impõem uma análise aprofundada de peritos na matéria.

26     O Reino Unido conclui que a única base jurídica adequada para a adopção do regulamento controvertido é o artigo 308.° CE.

27     O Parlamento alega que o regulamento controvertido harmoniza as disposições nacionais relativas aos aromatizantes de fumo utilizados em géneros alimentícios e que o artigo 95.° CE constitui uma base jurídica adequada e suficiente para instituir o procedimento de autorização previsto por esse regulamento.

28     O Parlamento refere que o artigo 95.° CE não exige que as medidas adoptadas harmonizem, elas próprias, as disposições nacionais pertinentes. Com efeito, a aproximação jurídica destas últimas pode ser operada quer pela própria legislação, quer por actos adoptados ao abrigo desta última, quer por uma e pelos outros. Essa disposição não impõe que o legislador comunitário adopte, com todo o pormenor, medidas relativas à «aproximação» das legislações dos Estados‑Membros e deixa‑lhe margem de apreciação quanto à técnica legislativa a seguir, designadamente, em caso de estabelecimento de uma lista harmonizada de produtos autorizados, desde que os elementos essenciais da matéria a regular estejam previstos no acto de base.

29     Acrescenta, a esse respeito, que o legislador comunitário não está obrigado a estabelecer de forma exaustiva, na legislação primária, uma série de critérios de um carácter tão preciso que possam ser aplicados directamente.

30     O Parlamento sublinha que o regulamento controvertido opera uma aproximação entre as legislações nacionais no que diz respeito aos aspectos mais importantes relativos à utilização e à colocação no mercado de aromatizantes de fumo, ou seja, a definição das condições a que está subordinada a utilização desses aromatizantes nos ou sobre os géneros alimentícios e a proibição de colocação no mercado de aromatizantes de fumo não autorizados ou que não respeitem essas condições.

31     A mesma instituição alega que a falta de uma abordagem comum de avaliação da segurança dos aromatizantes de fumo implica que o legislador comunitário não podia indicar, por razões científicas objectivas, no próprio texto do regulamento controvertido, uma lista exaustiva dos produtos autorizados. Nestas condições, e para assegurar um nível elevado de protecção da saúde humana e, ao mesmo tempo, garantir a livre circulação dos produtos que contenham aromatizantes de fumo, o legislador comunitário foi obrigado a prever que a lista de produtos autorizados fosse estabelecida com base numa avaliação toxicológica de cada um dos produtos em causa e a incumbir a Comissão da referida missão.

32     O Parlamento considera que nada no regulamento controvertido permite sustentar que o procedimento de avaliação seja algo mais do que um meio para atingir um fim, a saber, o estabelecimento de uma lista harmonizada de produtos primários autorizados, válida em toda a Comunidade, com o objectivo de melhorar o funcionamento do mercado interno.

33     O Conselho considera que o regulamento controvertido está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 95.° CE, uma vez que fixa normas materiais harmonizadas relativas ao conteúdo dos aromatizantes de fumo, determinando o tipo de produtos primários a partir dos quais se dever obter o fumo. Esse regulamento enuncia igualmente outras regras harmonizadas relativas à identificação dos produtos primários, às condições materiais harmonizadas que regem as provas científicas necessárias para pedir a autorização de inclusão na lista positiva de produtos primários destinados a serem utilizados em aromatizantes de fumo, aos efeitos das autorizações, bem como ao acesso do público aos dados pertinentes, à confidencialidade e à protecção dos dados.

34     A mesma instituição observa que o regulamento controvertido não derroga, pois, o princípio que rege a legislação comunitária relativa aos géneros alimentícios, segundo o qual deve existir uma separação entre o estabelecimento de uma peritagem científica independente (avaliação dos riscos) e a tomada de decisão (gestão dos riscos).

35     O Conselho alega que a autorização, para toda a Comunidade, de produtos como os aromatizantes de fumo exige avaliações científicas complexas. Seria impossível na prática elaborar um instrumento legislativo em que todos os parâmetros técnicos estivessem descritos de modo tão detalhado que qualquer margem de apreciação fosse suprimida no momento dessas avaliações.

36     O Conselho admite que, quando as competências de execução são delegadas, é necessário velar pelo respeito das condições enumeradas no artigo 202.° CE, bem como na Decisão 1999/468. Isto vale, em particular, para a obrigação de estabelecer os «elementos essenciais» da matéria a regular. Tratando‑se de questões técnicas complexas, o legislador está habilitado a conferir à Comissão competências de execução alargadas e, por conseguinte, o conceito de «elementos essenciais» não deve ser interpretado de forma restritiva. No caso vertente, o procedimento de autorização não é mais do que um procedimento destinado a incluir na lista positiva, por meio de medidas de execução, as substâncias que preencham os requisitos de fundo fixados pelo regulamento controvertido.

37     A Comissão observa que o artigo 95.° CE se refere em termos gerais às «medidas relativas à aproximação» das disposições nacionais, mais do que a «medidas de aproximação». Enquanto esta última expressão corresponde a disposições que procedem directamente à aproximação das legislações nacionais, a redacção da referida disposição é bastante mais lata e deixa em suspenso a questão da técnica legislativa a seguir para alcançar esse resultado. Com efeito, a única condição a que está subordinado o recurso ao artigo 95.° CE consiste em as medidas adoptadas deverem «visar» a aproximação das disposições nacionais, no sentido de que devem conduzir a uma aproximação, mas, sob reserva do respeito desse critério, o legislador comunitário pode escolher o mecanismo mais adequado às circunstâncias específicas.

38     Segundo a Comissão, daqui decorre que uma medida adoptada com base no artigo 95.° CE pode perfeitamente incluir um processo em duas fases do tipo do instaurado pelo regulamento controvertido, no qual um procedimento de autorização só é posto em prática com o objectivo de criar uma lista harmonizada de produtos primários autorizados, enquanto objectivo final, uma vez que se trata de uma medida que conduz directamente à aproximação das normas nacionais relativas aos produtos em causa.

39     A mesma instituição sublinha que esse processo em duas fases constitui, no caso vertente, um meio proporcionado e cientificamente fundamentado, uma vez que é necessário estabelecer uma lista que seja ao mesmo tempo detalhada, aberta e susceptível de ser alterada em função das evoluções científicas e técnicas. Com efeito, teria sido impossível – e sem sentido – estabelecer no próprio texto do regulamento controvertido uma lista de todos os produtos primários autorizados.

40     Daí a Comissão infere que, tendo em conta os numerosos condicionalismos técnicos das avaliações toxicológicas necessárias, o legislador comunitário estava obrigado a prever um sistema que incluísse a avaliação da segurança dos produtos primários caso a caso e o estabelecimento progressivo de uma lista harmonizada, com base em critérios materiais enunciados no regulamento controvertido.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

 Quanto ao alcance do artigo 95.° CE

41     Em primeiro lugar, importa lembrar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que quando existam obstáculos ao comércio, ou seja verosímil que tais obstáculos surjam no futuro, devido ao facto de os Estados‑Membros terem adoptado, ou se prepararem para adoptar, em relação a um produto ou a uma categoria de produtos, medidas divergentes que possam assegurar um nível de protecção diferente e impedir, dessa forma, que os produtos em questão circulem livremente na Comunidade, o artigo 95.° CE habilita o legislador comunitário a intervir, adoptando medidas adequadas, no respeito, por um lado, do n.° 3 do mesmo artigo e, por outro, dos princípios jurídicos mencionados no Tratado CE ou desenvolvidos pela jurisprudência (acórdãos de 14 de Dezembro de 2004, Arnold André, C‑434/02, Colect., p. I‑11825, n.° 34; Swedish Match, C‑210/03, Colect., p. I‑11893, n.° 33; e de 12 de Julho de 2005, Alliance for Natural Health e o., C‑154/04 e C‑155/04, Colect., p. I‑0000, n.° 32).

42     No caso vertente, segundo as indicações que figuram no quinto considerando do regulamento e que não foram contestadas pelo Reino Unido, existiam, no momento da adopção do regulamento, diferenças entre as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais relativas à avaliação e à autorização dos aromatizantes de fumo, susceptíveis de obstar à livre circulação destes aromatizantes, criando condições para uma concorrência não equitativa e desleal.

43     Nestas condições, justifica‑se uma intervenção do legislador comunitário, baseada no artigo 95.° CE, no que diz respeito aos aromatizantes de fumo utilizados ou destinados a serem utilizados nos ou sobre os géneros alimentícios.

44     Há igualmente que sublinhar, como salientou a advogada‑geral no n.° 18 das suas conclusões, que essa disposição só é utilizada como base jurídica quando resulte objectiva e efectivamente de um acto jurídico que o seu objecto consiste na melhoria das condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno.

45     Seguidamente, importa sublinhar que, pela expressão «medidas relativas à aproximação» que figura no artigo 95.° CE, os autores do Tratado quiseram conferir ao legislador comunitário, em função do contexto geral e das circunstâncias específicas da matéria a harmonizar, margem de apreciação quanto à técnica de aproximação mais adequada para alcançar o resultado pretendido, designadamente nos domínios que se caracterizam por particularidades técnicas complexas.

46     Essa margem de apreciação pode ser utilizada, designadamente, para escolher a técnica de harmonização mais adequada quando a aproximação tida em mente requeira análises físicas, químicas ou biológicas, bem como a tomada em consideração dos desenvolvimentos científicos relativos à matéria em causa. Essas avaliações relativas à segurança dos produtos correspondem, com efeito, ao objectivo fixado ao legislador comunitário pelo artigo 95.°, n.° 3, CE, que consiste em assegurar um nível elevado de protecção da saúde.

47     Finalmente, importa acrescentar que, quando o legislador comunitário prevê uma harmonização com várias etapas que consistam, por exemplo, na determinação de um certo número de critérios essenciais, enunciados num regulamento de base, bem como, seguidamente, na avaliação científica relativa às substâncias em causa e na adopção de uma lista positiva de substâncias autorizadas em toda a Comunidade, duas condições devem estar preenchidas.

48     Em primeiro lugar, o legislador comunitário é obrigado a determinar, no acto legislativo de base, os elementos essenciais da medida de harmonização de que se trata.

49     Em segundo lugar, o mecanismo de aplicação desses elementos deve ser concebido de tal modo que conduza a uma harmonização na acepção do artigo 95.° CE. Tal sucede quando o legislador comunitário estabelece as modalidades detalhadas segundo as quais as decisões devem ser tomadas em cada fase desse procedimento de autorização e determina e enquadra com precisão os poderes que incumbem à Comissão enquanto instância à qual compete tomar a decisão final. É o que acontece, designadamente, quando a harmonização em questão consiste no estabelecimento de uma lista de produtos autorizados para toda a Comunidade, excluindo quaisquer outros produtos.

50     Tal interpretação do artigo 95.° CE é, além disso, corroborada pelo facto de, nos seus próprios termos, os n.os 4 e 5 desta disposição reconhecerem à Comissão o poder de adoptar medidas de harmonização. Com efeito, a referência a esse poder da Comissão nos referidos números, em conjugação com o n.° 1 do mesmo artigo, significa que um acto adoptado pelo legislador comunitário com fundamento no artigo 95.° CE, segundo o processo de co‑decisão previsto no artigo 251.° CE, pode limitar‑se a definir as disposições essenciais tendo em vista a realização dos objectivos ligados ao estabelecimento e ao funcionamento do mercado interno no domínio em causa, ao mesmo tempo que confere à Comissão o poder de adoptar as medidas de harmonização necessárias à execução do acto legislativo em causa.

 Quanto à qualificação do regulamento controvertido como medida de harmonização na acepção do artigo 95.° CE

51     À luz das considerações que precedem, há que determinar se o regulamento controvertido preenche as condições recordadas nos n.os 48 e 49 do presente acórdão para ser considerado uma medida de harmonização na acepção do artigo 95.° CE.

52     A título preliminar, importa assinalar que a matéria harmonizada pelo regulamento controvertido apresenta as características recordadas no n.° 46 do presente acórdão. Com efeito, os sexto a nono considerandos do regulamento referem, de facto, especificidades próprias dos aromatizantes de fumo utilizados para os géneros alimentícios, designadamente, a complexidade da composição química do fumo, as características eventualmente toxicológicas dessas substâncias e as modalidades de produção a elas respeitantes.

53     Quanto à primeira condição, enunciada no n.° 48 do presente acórdão, importa examinar se o referido regulamento contém os elementos essenciais relativos à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros que regem as características dos aromatizantes de fumo utilizados ou destinados a serem utilizados nos ou sobre os géneros alimentícios.

54     A este respeito, importa lembrar que, nos termos do seu artigo 1.°, n.° 2, o regulamento controvertido define os parâmetros para a avaliação e a autorização de condensados primários de fumo e de fracções primárias de alcatrão utilizados ou destinados a serem utilizados como tais nos ou sobre os géneros alimentícios, ou na produção de aromatizantes de fumo derivados, utilizados ou destinados a serem utilizados nos ou sobre os géneros alimentícios.

55     Além disso, como resulta do artigo 4.°, n.° 1, do mesmo regulamento, os dois requisitos fundamentais de segurança enunciados nessa disposição devem ser respeitados antes que os aromatizantes de fumo possam ser objecto de uma autorização válida em toda a Comunidade. A utilização dos aromatizantes nos ou sobre os géneros alimentícios só pode, com efeito, ser autorizada se tiver ficado demonstrada a inexistência de risco para a saúde humana. Além disso, a autorização só é concedida se a utilização dessas substâncias não induzir os consumidores em erro.

56     Há igualmente que referir que o artigo 5.°, n.° 1, do regulamento controvertido prevê um grande número de condições a que devem obedecer as madeiras utilizadas para a produção de produtos primários. Quanto às condições de produção dos produtos primários, o n.° 2 do mesmo artigo dispõe que estão enunciadas no anexo I do mesmo regulamento, que define o tipo de produtos a partir dos quais o fumo deve ser obtido, os ingredientes admissíveis no processo de combustão, a técnica de combustão, o meio exigido, a temperatura máxima de combustão, o modo como o fumo deve ser condensado, a composição química dos condensados e o teor máximo em certas substâncias, bem como outros elementos que regulam o processo de produção.

57     As informações relativas à avaliação científica dos produtos primários devem, além disso, constar do pedido de autorização formulado nos termos do artigo 7.° do referido regulamento lido em conjugação com o anexo II do mesmo. Além disso, os artigos 9.°, n.os 4 a 6, e 13.° a 16.° do regulamento controvertido estabelecem regras harmonizadas respeitantes aos efeitos das autorizações concedidas, aos direitos e obrigações daí decorrentes, à identificação e à rastreabilidade dos produtos primários, bem como ao acesso do público, à confidencialidade de certas informações e à protecção de dados.

58     Resulta destes elementos que o regulamento controvertido contém os elementos essenciais que caracterizam uma medida de harmonização.

59     Do exposto resulta igualmente que, contrariamente ao que sustenta o Reino Unido, o mesmo regulamento não tem por efeito harmonizar de maneira acessória as condições do mercado interno (v., a este respeito, acórdão de 18 de Novembro de 1999, Comissão/Conselho, C‑209/97, Colect., p. I‑8067, n.° 35), tendo antes por objecto aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros no domínio dos aromatizantes de fumo.

60     No que diz respeito à segunda condição, enunciada no n.° 49 do presente acórdão, importa recordar que o procedimento de autorização comunitário previsto pelo regulamento controvertido está definido no artigo 19.°, n.° 2, do mesmo, o qual faz referência aos artigos 5.° e 7.° da Decisão 1999/468, como um «procedimento de regulamentação».

61     A este respeito, importa afirmar que, em conformidade com os artigos 7.° a 9.° do regulamento controvertido, após a apresentação de um pedido tendo por objecto a inclusão de um produto primário na lista positiva e a transmissão desse pedido pela instância nacional competente à Autoridade, cabe a esta e à Comissão aplicar a esse produto os critérios de avaliação enunciados nos artigos 4.° e 5.° do mesmo regulamento, lidos em conjugação com os anexos I e II do mesmo.

62     Resulta de tal quadro jurídico, não só que as missões conferidas à Autoridade e à Comissão se encontram claramente definidas pelas disposições do regulamento controvertido mas igualmente que o procedimento previsto por este conduz à adopção da lista positiva de substâncias autorizadas em toda a Comunidade.

63     Assim, o procedimento previsto pelo referido regulamento constitui um meio adequado para alcançar a aproximação pretendida, ou seja, o estabelecimento de uma lista positiva de substâncias autorizadas em toda a Comunidade.

64     À luz das considerações que precedem, deve concluir‑se que o artigo 95.° CE constitui a base jurídica correcta do regulamento controvertido. Consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

65     Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento e o Conselho pedido a condenação do Reino Unido e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. Em conformidade com o n.° 4 do mesmo artigo, a Comissão suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte é condenado nas despesas.

3)      A Comissão das Comunidades Europeias suporta as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.

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