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Document 62004CC0479

Conclusões da advogada-geral Sharpston apresentadas em 4 de Maio de 2006.
Laserdisken ApS contra Kulturministeriet.
Pedido de decisão prejudicial: Østre Landsret - Dinamarca.
Directiva 2001/29/CE - Harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação - Artigo 4.º - Direito de distribuição - Regra do esgotamento - Base jurídica - Acordos internacionais - Política de concorrência - Princípio da proporcionalidade - Liberdade de expressão - Princípio da igualdade - Artigos 151.º CE e 153.º CE.
Processo C-479/04.

Colectânea de Jurisprudência 2006 I-08089

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:292

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 4 de Maio de 2006 1(1)

Processo C‑479/04

Laserdisken ApS

contra

Kulturministeriet






1.     O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (2) (a seguir «directiva do direito de autor» ou «directiva») determina que os Estados‑Membros confiram aos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público.

2.     O artigo 4.°, n.° 2, determina que o direito não se esgota, na Comunidade, excepto quando a primeira venda, na Comunidade, seja realizada pelo titular do direito ou com o seu consentimento.

3.     O efeito do esgotamento do direito é o titular do direito deixar de poder exercer para se opor a posterior distribuição.

4.     O presente reenvio do Østre Landsret (Tribunal Regional Oriental) (Dinamarca) destina‑se a saber se o artigo 4.°, n.° 2, impede que um Estado‑Membro mantenha na sua legislação uma norma de esgotamento internacional (nomeadamente, uma norma que estabeleça que o direito se deve esgotar sempre que é realizada a primeira venda) e, caso assim seja, se esta é válida.

 A directiva do direito de autor

5.     A directiva do direito de autor foi adoptada com base nos artigos 47.°, n.° 2, CE, 55.° CE e 95.° CE.

6.     O artigo 47.°, n.° 2, CE atribui competência ao Conselho para adoptar directivas para a coordenação de disposições nacionais relativas ao acesso e ao exercício de actividades por pessoas não assalariadas. O artigo 55.° CE aplica os artigos 45.° CE a 48.° CE ao domínio dos serviços. O artigo 95.° CE atribui competência ao Conselho para adoptar medidas de aproximação de disposições legislativas nacionais que tenham por objecto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

7.     O preâmbulo à directiva contém os seguintes considerandos:

«(1) O Tratado prevê o estabelecimento de um mercado interno e a instituição de um sistema capaz de garantir o não falseamento da concorrência no mercado interno. A harmonização das legislações dos Estados‑Membros em matéria de direito de autor e direitos conexos contribui para a prossecução destes objectivos.

[...]

(3)   A harmonização proposta deve contribuir para a implementação das quatro liberdades do mercado interno e enquadra‑se no respeito dos princípios fundamentais do direito e, em particular, da propriedade – incluindo a propriedade intelectual – da liberdade de expressão e do interesse geral.

(4)   Um enquadramento legal do direito de autor e dos direitos conexos, através de uma maior segurança jurídica e respeitando um elevado nível de protecção da propriedade intelectual, estimulará consideravelmente os investimentos na criatividade e na inovação [...]

(7)   O enquadramento jurídico comunitário para a protecção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos deve [...] ser adaptado e completado na medida do necessário para assegurar o bom funcionamento do mercado interno. Para o efeito, deve proceder‑se à adaptação das disposições nacionais em matéria de direito de autor e direitos conexos que apresentem diferenças consideráveis entre os Estados‑Membros ou que provoquem insegurança jurídica nefasta para o bom funcionamento do mercado interno [...]

(9)   Qualquer harmonização do direito de autor e dos direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de protecção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua protecção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da actividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.

(10) Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico, bem como os produtores, para poderem financiar esse trabalho. É considerável o investimento necessário para produzir produtos como fonogramas, filmes ou produtos multimédia, e serviços, como os serviços ‘a pedido’. É necessária uma protecção jurídica adequada dos direitos de propriedade intelectual no sentido de garantir tal remuneração e proporcionar um rendimento satisfatório desse investimento.

(11) Um sistema rigoroso e eficaz de protecção do direito de autor e direitos conexos constitui um dos principais instrumentos para assegurar os recursos necessários à produção cultural europeia, bem como para garantir independência e dignidade aos criadores e intérpretes.

(12) Uma protecção adequada das obras e outros materiais pelo direito de autor e direitos conexos assume igualmente grande relevância do ponto de vista cultural. O artigo 151.° do Tratado exige que a Comunidade tenha em conta os aspectos culturais na sua acção.

[...]

(14) A presente directiva deve promover a aprendizagem e a cultura mediante a protecção das obras e outro material protegido, permitindo, ao mesmo tempo, excepções ou limitações no interesse público relativamente a objectivos de educação e ensino.

[...]

(28) A protecção do direito de autor nos termos da presente directiva inclui o direito exclusivo de controlar a distribuição de uma obra incorporada num produto tangível. A primeira venda na Comunidade do original de uma obra ou das suas cópias pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, esgota o direito de controlar a revenda de tal objecto na Comunidade. Tal direito não se esgota em relação ao original ou cópias vendidas pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, fora da Comunidade [...]»

8.     O artigo 1.°, n.° 1, determina que a directiva «tem por objectivo a protecção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno, com especial ênfase na sociedade de informação» (3).

9.     O artigo 4.° tem por epígrafe «Direito de distribuição». Determina que:

«1.   Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores, em relação ao original das suas obras ou respectivas cópias, o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio.

2.     O direito de distribuição não se esgota, na Comunidade, relativamente ao original ou às cópias de uma obra, excepto quando a primeira venda ou qualquer outra forma de primeira transferência da propriedade desse objecto, na Comunidade, seja realizada pelo titular do direito ou com o seu consentimento.»

 Legislação nacional

10.   Antes de a Dinamarca ter implementado a directiva do direito de autor, a Ophavsret (lei do direito de autor) determinava o esgotamento internacional, declarando simplesmente: «Quando uma cópia de uma obra seja, com o consentimento do titular do direito de autor, vendida ou por qualquer outro modo transmitida a terceiros, a cópia passa a poder ser distribuída» (4).

11.   A Ophavsret foi alterada em 2002 de forma a implementar a directiva do direito de autor (5). Isto foi feito acrescentando, após a expressão «a terceiros», as palavras «no Espaço Económico Europeu».

12.   É do entendimento comum que o efeito de tal alteração é de substituir o princípio do esgotamento internacional pelo do esgotamento no Espaço Económico Europeu («EEE»). Passarei a usar a expressão «esgotamento regional» para me referir ao esgotamento no âmbito do EEE ou da UE (6).

 O processo principal e as questões prejudiciais

13.   Até 2002, a recorrente, sociedade comercial de responsabilidade limitada, vendeu obras cinematográficas em três lojas na Dinamarca. As obras vendidas eram na sua maioria importadas pela recorrente directamente de outros países da UE ou de países terceiros. A recorrente centrava a sua actividade na oferta de uma vasta gama de filmes dirigidos a cinéfilos, por exemplo, edições especiais, incluindo edições americanas originais, edições filmadas com recurso a técnicas especiais e obras não disponíveis na Europa.

14.   Em 2003, a recorrente propôs uma acção no Landsret contra o Ministério da Cultura, defendendo que a alteração à Ophavsretslov não era aplicável à sua actividade de importação e venda de produtos em DVD legalmente comercializados em países fora do EEE.

15.   O Landsret suspendeu a instância e reenviou as seguintes questões para decisão prejudicial:

«1.   O artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, é inválido?

2.     O artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, obsta a que um Estado‑Membro mantenha o esgotamento internacional na sua legislação?»

16.   Foram apresentadas observações escritas pela recorrente, pelo Governo polaco, pelo Conselho, pelo Parlamento e pela Comissão, os quais, com excepção do Governo polaco, se fizeram representar na audiência.

17.   Apesar de não se declarar explicitamente que a primeira questão é levantada apenas caso a segunda questão tenha resposta afirmativa, é este o sentido da decisão de reenvio. O órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se, caso o artigo 4.°, n.° 2, impeça que um Estado‑Membro mantenha o esgotamento internacional na sua legislação, o mesmo é inválido por esse motivo. Como assinala a Comissão, é assim lógico responder à segunda questão (o artigo 4.°, n.° 2, obsta a que um Estado‑Membro mantenha o esgotamento internacional na sua legislação?) antes da primeira questão (o artigo 4.°, n.° 2, é válido?).

 Legislação comunitária relativa ao esgotamento de direitos conexos

18.   No contexto dos direitos de propriedade intelectual, para além do direito de autor e dos direitos conexos, existem diversos instrumentos legislativos que determinam o esgotamento dos direitos específicos a que se referem.

19.   O artigo 9.°, n.° 2, da directiva relativa aos direitos de aluguer e de comodato (7) é formulado em termos semelhantes aos do artigo 4.°, n.° 2, da directiva do direito de autor. Determina que o direito exclusivo de distribuição consagrado pelo artigo 9.°, n.° 1, em benefício dos artistas, intérpretes ou executantes, produtores de fonogramas, produtores cinematográficos e organismos de radiodifusão «só se extingue na Comunidade relativamente [às fixações das suas prestações, aos seus fonogramas, às primeiras fixações de filmes, no que respeita ao original e às cópias dos seus filmes, e às gravações das suas emissões, incluindo as suas cópias] aquando da primeira venda na Comunidade desse objecto pelo titular do direito ou com o seu consentimento».

20.   Existem outras disposições expressas em termos mais positivos e, talvez, mais simples. Assim, o artigo 4.°, alínea c), da directiva relativa aos programas de computador (8) determina que a «primeira comercialização na Comunidade de uma cópia de um programa efectuada pelo titular dos direitos ou realizada com o seu consentimento extinguirá o direito de distribuição na Comunidade dessa mesma cópia». De forma semelhante, o artigo 5.°, alínea c), da directiva relativa às bases de dados (9) determina que a «primeira comercialização na Comunidade da cópia de uma base de dados efectuada pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, esgotará o direito de controlar a revenda dessa mesma cópia na Comunidade».

21.   Numa outra variante, o artigo 7.°, n.° 1, da directiva das marcas (10) determina que o «direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento».

22.   Existem disposições análogas, apesar de expressas em diferentes termos, no campo dos direitos sobre desenhos e modelos (11) e da protecção jurídica das topografias de produtos semicondutores (12).

 A segunda questão

23.   Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 4.°, n.° 2, da directiva do direito de autor impede que um Estado‑Membro mantenha o esgotamento internacional na sua legislação.

24.   A recorrente e o Governo polaco consideram que esta questão deve ser respondida negativamente. A Comissão assume o ponto de vista contrário. Nem o Conselho nem o Parlamento apresentaram alegações relativamente à segunda questão.

25.   Considero que a resposta deve ser afirmativa, ou seja, que o artigo 4.°, n.° 2, da directiva do direito de autor impede que um Estado‑Membro mantenha o esgotamento internacional na sua legislação.

26.   Em primeiro lugar, a redacção da disposição é bastante clara. O artigo 4.°, n.° 2, determina inequivocamente que o direito de distribuição «não se esgota, na Comunidade, [...] excepto quando a primeira venda [...], na Comunidade, seja realizada pelo titular do direito ou com o seu consentimento». O artigo 4.°, n.° 2, constitui uma derrogação da norma contida no artigo 4.°, n.° 1, que determina que os Estados‑Membros devem determinar um direito exclusivo de distribuição em benefício dos autores. Deverá, assim, ser interpretado de modo estrito. O vigésimo oitavo considerando do preâmbulo (13) está igualmente redigido de forma clara e no mesmo sentido.

27.   O memorando explicativo determina, além disso, de forma clara que a disposição (que não sofreu alterações essenciais (14) em relação à que constava da primeira proposta de directiva (15)) «exclui a possibilidade de os Estados‑Membros aplicarem o esgotamento internacional». A redacção foi, assim, escolhida deliberadamente.

28.   Em seguida, o Tribunal já se pronunciou sobre questão análoga no contexto da directiva das marcas (16). No processo Silhouette (17), foi colocada ao Tribunal a questão de saber se normas nacionais que determinavam o esgotamento de direitos sobre marcas relativas a produtos colocados no mercado fora do EEE ao abrigo dessa marca pelo proprietário ou com o seu consentimento eram contrárias ao artigo 7.°, n.° 1, da directiva das marcas (18).

29.   O Tribunal afirmou que, de acordo com a redacção do artigo 7.°, o esgotamento ocorre apenas quando os produtos tenham sido colocados no mercado no EEE (19). Foi, porém, alegado que o artigo 7.°, tal como a jurisprudência do Tribunal relativa aos artigos 28.° CE e 30.° CE (20), se limitava a exigir aos Estados‑Membros que determinassem o esgotamento na Comunidade. O artigo 7.°, conforme foi alegado, não resolvia assim completamente a questão do esgotamento de direitos conferidos pela marca, antes permitia que os Estados‑Membros adoptassem normas relativas ao esgotamento que fossem para além das expressamente consagradas naquela disposição legislativa (21). Tais normas podiam, assim, incluir o esgotamento internacional.

30.   O Tribunal rejeitou esse argumento. Considerou que as normas nacionais que determinassem o esgotamento dos direitos sobre a marca relativos a produtos colocados no mercado fora do EEE são contrárias ao artigo 7.°, n.° 1, da directiva, tal como foi alterada pelo acordo EEE.

31.   Considerando que a redacção do artigo 4.°, n.° 2, da directiva do direito de autor é, talvez, mais clara que a do artigo 7.°, n.° 1, da directiva das marcas, não vejo razão para não interpretar o artigo 4.°, n.° 2, de forma concordante com a decisão do Tribunal no processo Silhouette.

32.   Finalmente, esta interpretação está de acordo com os objectivos do mercado único da directiva do direito de autor. Analisarei melhor esta matéria no contexto da primeira questão reenviada, que passo a abordar.

 A primeira questão

33.   Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 4.°, n.° 2, da directiva do direito de autor é inválido.

34.   A recorrente e o Governo polaco consideram que a resposta deve ser positiva. O Conselho, o Parlamento e a Comissão adoptam a perspectiva oposta.

35.   Concordo com as instituições em que o artigo 4.°, n.° 2, não é inválido.

36.   Como se indica acima (22), resulta claramente da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se, caso o artigo 4.°, n.° 2, impeça um Estado‑Membro de manter o esgotamento internacional na sua legislação, é, por esse motivo, inválido. Tratarei a questão nesses termos.

37.   É adequado começar por dizer algumas palavras sobre o princípio do esgotamento comunitário dos direitos de propriedade intelectual.

38.   No processo Deutsche Grammophon (23), o Tribunal impôs, de facto, a regra do esgotamento comunitário no contexto de um direito conexo com o direito de autor (24), declarando:

«Se um direito semelhante ao direito de autor é invocado para proibir a comercialização num Estado‑Membro de produtos postos em circulação pelo seu titular, ou com o seu consentimento, no território de um outro Estado‑Membro, pelo simples motivo de que esta colocação em circulação não teria tido lugar no território nacional, tal proibição, consagrando o isolamento dos mercados nacionais, é contrária ao objectivo essencial do Tratado, que visa a fusão dos mercados nacionais num mercado único.

Este objectivo não poderia ser atingido se, em virtude dos diversos regimes jurídicos dos Estados‑Membros, os seus nacionais tivessem a possibilidade de dividir o mercado e de provocar discriminações arbitrárias ou restrições dissimuladas ao comércio entre os Estados‑Membros.

Assim sendo, o exercício por um fabricante de suportes de som do direito exclusivo de pôr em circulação os objectos protegidos decorrentes da legislação de um Estado‑Membro, para proibir a comercialização neste Estado de produtos que foram escoados por ele próprio ou com o seu consentimento num outro Estado‑Membro, seria contrário às normas que prevêem a livre circulação dos produtos no mercado comum» (25).

39.   No processo Dansk Supermarked (26), o Tribunal repetiu este princípio no contexto do direito de autor em sentido estrito:

«[...] os artigos [28.° CE e 30.° CE] devem ser interpretados no sentido de que as autoridades judiciais de um Estado‑Membro não podem proibir, com base num direito de autor ou num direito de marca, a comercialização, no território desse Estado, de um produto abrangido por um desses direitos, quando esse produto tenha sido licitamente comercializado, no território doutro Estado‑Membro, pelo titular desses direitos ou com o seu consentimento» (27).

40.   É de notar que, em 1974, o Tribunal desenvolveu normas análogas de esgotamento comunitário tanto no contexto das marcas (28) como no das patentes (29).

41.   O efeito da aplicação da regra do esgotamento comunitário é a Comunidade ser considerada como um mercado único, tal como deve ser. A recorrente e o Governo polaco não têm, assim, razão quando alegam que o efeito da implementação harmonizada do esgotamento regional é que o mercado interno «será de novo dividido em territórios e mercados separados» e que o esgotamento regional implica a compartimentação do mercado, uma vez que permite que os titulares dos direitos decidam introduzir ou não um produto num determinado mercado nacional. Pelo contrário: a regra do esgotamento comunitário garante que, uma vez colocado no mercado nacional de um Estado‑Membro com o consentimento do titular do direito, um produto poderá então ser vendido livremente em todos os 25 mercados nacionais que compõem o mercado único da UE.

42.   Neste enquadramento, passo a analisar os diversos argumentos aduzidos pela recorrente e pelo Governo polaco.

 A directiva relativa aos direitos de aluguer e de comodato

43.   A recorrente descreve o historial do artigo 9.°, n.° 2, da directiva relativa aos direitos de aluguer e de comodato, cuja redacção é essencialmente idêntica à do artigo 4.°, n.° 2, da directiva do direito de autor. Alega que foi apenas em 1994 (ou seja, dois anos após a adopção da directiva relativa aos direitos de aluguer e de comodato) que a Comissão, em resposta a uma questão escrita apresentada por Geoffrey Hoon, membro do Parlamento Europeu, declarou que considerava as disposições relativas aos direitos de distribuição como sendo uma proibição do esgotamento internacional. A recorrente considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que o artigo 9.°, n.° 2, procurou reflectir, não excluía nessa fase o esgotamento internacional; e que a proibição do esgotamento internacional foi assim introduzida, não pela via legislativa, mas à margem do processo legislativo adequado.

44.   O argumento da recorrente parece ser de que, quando a Comissão apresentou a sua proposta de directiva relativa aos direitos de aluguer e de comodato (30), não pretendia que o artigo 9.°, n.° 2, constituísse uma proibição do esgotamento internacional.

45.   Resulta indiscutivelmente pouco claro do memorando explicativo dessa proposta (31) se a Comissão assim entendeu essa disposição, apesar de a afirmação de que o «esgotamento com base no direito comunitário se refere apenas à distribuição intracomunitária» sugerir que sim. Em todo o caso, enquanto as declarações no memorando explicativo podem ser úteis em algumas circunstâncias, os efeitos legais dos actos legislativos adoptados não podem depender das perspectivas anteriores da Comissão no que respeita aos efeitos prováveis da respectiva proposta. O Tribunal é o árbitro definitivo. Ao decidir sobre a interpretação adequada da legislação, o Tribunal terá especial atenção ao objectivo, estrutura e redacção da versão finalmente adoptada.

46.   No presente caso, parece‑me que a recorrente afirma apenas que o artigo 9.°, n.° 2, da directiva relativa aos direitos de aluguer e de comodato era ambíguo quando foi adoptado. Ainda que possa ser indesejável que a legislação comunitária seja equívoca, isso não é um facto sem precedente; com efeito, poderá, por vezes, ser inevitável. É nessas circunstâncias que o Tribunal é chamado a interpretar a disposição em questão.

47.   Se o artigo 9.°, n.° 2, da directiva relativa aos direitos de aluguer e de comodato fosse interpretado pelo Tribunal, parece‑me que, por analogia com o processo Silhouette, a conclusão seria a mesma. Tal disposição, porém, não constitui objecto das questões reenviadas ao Tribunal no presente processo.

 Silhouette

48.   A recorrente alega que o Tribunal errou ao adoptar, no processo Silhouette, a perspectiva de que o esgotamento internacional pode representar um obstáculo ao mercado interno: pelo contrário, o funcionamento do mercado interno seria garantido se o esgotamento na Comunidade fosse abolido e fosse aplicado o esgotamento internacional.

49.   Tal perspectiva pode ser correcta se o esgotamento internacional fosse obrigatório para todos os Estados‑Membros. Isso não é, todavia, sugerido (32). Tal como se explicou acima (33), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 4.°, n.° 2, da directiva do direito de autor impede um Estado‑Membro de manter o esgotamento internacional (v. a segunda questão, discutida acima) e, se assim for, se essa disposição é válida. O Tribunal, no processo Silhouette, tratou expressamente a questão de saber se o esgotamento internacional opcional (34) representaria um obstáculo ao mercado interno. Concluiu que excluir tal opção era «[a única] interpretação [...] susceptível de realizar cabalmente a finalidade da directiva [das marcas], ou seja, salvaguardar o funcionamento do mercado interno. Com efeito, entraves inelutáveis à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços decorreriam de uma situação na qual alguns Estados‑Membros pudessem prever o esgotamento internacional enquanto outros só preveriam o esgotamento comunitário» (35).

50.   A recorrente tenta minimizar a relevância do processo Silhouette, alegando que as decisões do Tribunal relativas a disposições de directivas que não a directiva do direito de autor, redigidas de forma semelhante à do artigo 4.°, n.° 2, desta, são irrelevantes para o presente caso.

51.   Não concordo. O Tribunal desenvolveu a doutrina do esgotamento comunitário relativamente a diversos ramos da propriedade intelectual através da aplicação dos artigos 28.° CE e 30.° CE (36). O legislador comunitário adoptou explicitamente o esgotamento comunitário em relação a diversos ramos da propriedade intelectual em diversas directivas de harmonização baseadas no artigo 95.° CE (37). O princípio subjacente à doutrina em relação a todos os ramos da propriedade intelectual deriva directamente do imperativo de livre circulação de mercadorias no mercado interno. Tal como a directiva das marcas, a directiva do direito de autor é baseada no artigo 95.° CE. É uma directiva de harmonização e resulta claramente do seu extenso preâmbulo que os seus principais objectivos eram «garantir o não falseamento da concorrência no mercado interno», «contribuir para a implementação das quatro liberdades do mercado interno» e «o bom funcionamento do mercado interno» (38). Não vejo motivo para não dar relevância às decisões do Tribunal relativas a disposições semelhantes adoptadas num contexto análogo.

52.   Reconhecidamente, não existe nenhum requisito derrogatório de princípio para que o âmbito geográfico do esgotamento seja o mesmo para todos os direitos de propriedade intelectual harmonizados pelo direito comunitário. No entanto, concordo com o Conselho quando afirma que seria difícil justificar a atribuição de um direito de distribuição mais limitado ao autor de uma obra literária ou artística do que ao autor de uma base de dados. Além disso, os materiais audiovisuais, tais como os que estão em questão no presente caso, são frequentemente protegidos por direitos de marcas para além dos direitos de autor e direitos conexos. A adopção do esgotamento internacional para o direito de distribuição dos autores não teria assim o efeito desejado pela recorrente no presente caso, uma vez que os titulares desses direitos sobre marcas poderiam sempre opor‑se à importação paralela de gravações não comercializadas na Comunidade por ou com o consentimento dos titulares dos direitos.

 O princípio da proporcionalidade

53.   A recorrente, apoiada pelo Governo polaco, alega que se (como, na sua perspectiva, sucede no presente caso) a aplicação uniforme do esgotamento internacional tiver o mesmo efeito no mercado interno que – e é menos restritiva noutros aspectos – o esgotamento no âmbito da Comunidade, o princípio da proporcionalidade exige que o esgotamento internacional seja aplicado em vez do comunitário.

54.   O princípio da proporcionalidade é frequentemente relevante para avaliar medidas e opções específicas tomadas num âmbito de uma política global adoptada pelo legislador comunitário. Não pode, porém, ser utilizada como meio de determinação da legalidade da opção política fundamental aqui feita pelo legislador comunitário, entre o esgotamento internacional obrigatório e o esgotamento regional obrigatório. Não faz parte das funções do Tribunal tentar avaliar considerações políticas desse tipo (39).

55.   Ainda em conexão com o princípio da proporcionalidade, a recorrente alega que o princípio do esgotamento regional não se relaciona com o combate à pirataria, objectivo legítimo do artigo 4.°, n.° 2, da directiva do direito de autor. Consequentemente, a Comissão fez um uso abusivo dos seus poderes.

56.    Tal como o Conselho e a Comissão correctamente alegam, o combate à pirataria não era o objectivo principal do legislador ao adoptar esta disposição. Em todo o caso, parece‑me que o facto de o direito de distribuição exclusivo não se esgotar na distribuição de cópias piratas (uma vez que estas não são postas em circulação com o consentimento do autor) demonstra que o artigo 4.° é efectivamente uma disposição adequada ao combate à distribuição ilegítima.

57.   Em termos mais gerais, parece‑me que o aspecto essencial de todo este processo é, de facto, a convicção enraizada da recorrente de que o legislador comunitário tomou a opção política errada ao optar pelo esgotamento regional de direitos em vez de escolher o esgotamento internacional de direitos. Ainda que seja perfeitamente legítimo que a recorrente assuma essa perspectiva e procure que ela obtenha vencimento, o Tribunal não é o fórum adequado à prossecução desse objectivo.

 Concorrência

58.   A recorrente e o Governo polaco alegam que a regra do esgotamento comunitário viola o objectivo comunitário fundamental de promover uma maior concorrência no âmbito da União. O esgotamento comunitário favorece demasiado os interesses do titular dos direitos e reduz a margem de escolha dos consumidores.

59.   Uma vez mais, este argumento diz respeito à questão de saber se o esgotamento internacional obrigatório é uma melhor opção política que a proibição do esgotamento internacional. Como tal, não pode ser tido em consideração (40). No âmbito mais limitado de tentar impugnar o princípio do esgotamento comunitário como tal, não merece, do meu ponto de vista, vencimento. A concorrência no âmbito do mercado único é efectivamente favorecida pela remoção de irregularidades do mercado que surgem quando alguns Estados‑Membros aplicam o esgotamento internacional e outros não. Por conseguinte, o esgotamento comunitário melhora a concorrência no âmbito do mercado único: com efeito, é esse o seu fundamento. Na medida em que a recorrente procura melhorar a concorrência a nível internacional, posso apenas concordar com o Parlamento quando afirma que isso não se inclui nos objectivos da Comunidade.

 Liberdade de expressão

60.   A recorrente alega que o princípio do esgotamento comunitário é contrário à liberdade de expressão consagrada no artigo 10.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma vez que o seu efeito é proibir a importação a partir de países terceiros e, dessa forma, impedir que os cidadãos recebam informação.

61.   Este artigo determina que qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão, que inclui a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem interferência de qualquer autoridade pública e independentemente das fronteiras. É de entendimento comum que o artigo 10.° abrange a expressão de ideias através do cinema (41).

62.   A União Europeia deve respeitar os direitos fundamentais tal como garantidos pela Convenção (42).

63.   A proibição do esgotamento internacional não equivale claramente à proibição de importações de países terceiros. Significa, no entanto, que determinados artigos protegidos pelo direito de autor e direitos conexos e não distribuídos na Comunidade não podem ser disponibilizados na Comunidade, ou apenas o poderão ser por um preço superior ao preço mais baixo que se obtém fora da Comunidade.

64.   Quando o autor desse produto possa garantir a sua disponibilidade em toda a Comunidade, colocando‑o no mercado em qualquer Estado‑Membro, é claro que o princípio do esgotamento comunitário não viola a liberdade do autor de transmitir ideias.

65.   Por outro lado, a proibição do esgotamento internacional pode, em princípio, afectar o direito de receber ideias, uma vez que uma pessoa na Comunidade que pretenda adquirir tal artigo pode descobrir que não o pode fazer, ou que apenas o pode adquirir por um preço superior ao cobrado fora da Comunidade. Porém, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que «o direito à liberdade de receber informações proíbe basicamente um Governo de impedir uma pessoa de receber informações que outras pretendam ou possam pretender transmitir‑lhe» (43). A proibição do esgotamento internacional não implica restrição do direito assim expresso.

66.   Ainda que o Tribunal venha a concluir, no presente caso, que se verifica uma restrição da liberdade de expressão, essa restrição é, na minha perspectiva, justificada. O artigo 10.°, n.° 2, da Convenção determina que o exercício da liberdade de expressão, «porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática [...] para a protecção de [...] direitos de outrem».

67.   O Tribunal defendeu que o exercício do direito à liberdade de expressão pode ser restringido, desde que as restrições correspondam, de facto, a objectivos de interesse geral e não representem, tendo em conta o seu objectivo, interferências desproporcionadas e inaceitáveis, que prejudiquem a verdadeira essência dos direitos garantidos. Os interesses envolvidos devem ser avaliados tendo em consideração todas as circunstâncias do caso, de forma a determinar se foi atingido um justo equilíbrio (44).

68.   Parece claro que a opção pelo esgotamento comunitário obrigatório em vez do esgotamento internacional opcional reflecte um equilíbrio satisfatório dos interesses envolvidos. A regulação dos direitos de propriedade intelectual na Comunidade reflecte inevitavelmente uma tentativa de equilibrar interesses concorrentes do titular dos direitos com a livre circulação de mercadorias. A directiva do direito de autor procura explicitamente atingir esse equilíbrio: o preâmbulo dá relevância tanto à importância do mercado interno (45) como à necessidade de um nível mais elevado de protecção da propriedade intelectual (46). O terceiro considerando enfatiza ainda que o legislador estava ciente dos interesses em conflito, ao declarar que a harmonização proposta «[se enquadra] no respeito dos princípios fundamentais do direito e, em particular, da propriedade – incluindo a propriedade intelectual – da liberdade de expressão e do interesse geral».

69.   O Tribunal declarou que, nos termos do artigo 10.°, n.° 2, da Convenção, «[r]estrições específicas ao exercício da liberdade de expressão podem, em princípio, encontrar justificação no objectivo legítimo de proteger os direitos de outrem» (47).

70.   Declarou também que a discricionariedade de que beneficiam as autoridades nacionais na determinação do equilíbrio a atingir entre a liberdade de expressão e os objectivos mencionados no artigo 10.°, n.° 2, varia para cada um dos objectivos que justificam restrições a essa liberdade e depende da natureza das actividades em questão. Quando o exercício da liberdade não contribui para um debate de interesse público (48) e, adicionalmente, resulta de um contexto em que o Estado‑Membro dispõe de uma certa margem de discricionariedade, a análise é limitada à avaliação da razoabilidade e proporcionalidade da interferência. Esta afirmação mantém‑se verdadeira para efeitos da utilização comercial da liberdade de expressão (49).

71.   Parece‑me que nada existe no presente caso que sugira que a opção do legislador comunitário pelo esgotamento comunitário obrigatório em vez do esgotamento internacional opcional tenha sido desrazoável ou desproporcionada.

 Igualdade de tratamento

72.   A recorrente alega que o princípio do esgotamento comunitário viola o princípio da igualdade de tratamento. Ilustrando a afirmação, a recorrente assinala que um produtor turco pode controlar as edições turcas na UE enquanto um produtor grego não pode. Inversamente, um titular de uma licença grego de, por exemplo, um livro, tem acesso a toda a UE enquanto um titular de uma licença turco não o tem.

73.   Estes exemplos, porém, referem‑se, por um lado, a um titular de direitos ou de uma licença estabelecido num país terceiro e, por outro lado, a um titular de direitos ou de uma licença estabelecido na Comunidade. As situações são, assim, manifestamente diferentes. O princípio da igualdade de tratamento determina que situações comparáveis não devem ser tratadas de forma diferente e que situações diferentes não devem ser tratadas da mesma forma, salvo se esse tratamento for objectivamente justificado. Tal como alegam o Conselho, o Parlamento e a Comissão, o princípio da igualdade de tratamento não determina em caso algum que estas situações sejam tratadas de forma semelhante.

 Base legal e acordos com países terceiros

74.   A recorrente alega que a directiva do direito de autor foi adoptada com uma base legal incorrecta e que o artigo 4.°, n.° 2, implica um possível conflito em relação a acordos com países terceiros. Infelizmente, a recorrente não deduz quaisquer outros argumentos em defesa de qualquer destas alegações (50).

75.   No que respeita à base legal, concordo com o Conselho e com a Comissão em que os artigos 47.°, n.° 2, CE, 55.° CE e 95.° CE (51) permitem que o legislador tome as medidas necessárias ao funcionamento do mercado interno, harmonizando as legislações nacionais relativas ao direito de autor. O objectivo da directiva, em especial do artigo 4.°, é concretizar o mercado interno (v., em especial, o terceiro considerando do preâmbulo (52)). O estabelecimento de um critério harmonizado a nível comunitário para o esgotamento de direitos de distribuição permite indiscutivelmente atingir esse objectivo, uma vez que, na situação contrária, coexistiriam dois regimes diferentes no mercado interno – precisamente a situação que levou o Tribunal a confirmar, no processo Silhouette (53), que uma harmonização análoga no contexto das marcas se poderia basear no artigo 95.° CE. Nada na directiva sugere que esta tenha qualquer outro objectivo. O facto de afectar empresas em países terceiros e na Comunidade de forma diferente não afecta a sua base legal.

76.   No que respeita a acordos com países terceiros, a recorrente não sugeriu que qualquer convenção ou acordo bilateral assinado pela Comunidade a obrigue a optar pelo esgotamento internacional. Também não foi sugerido que o Conselho, ao adoptar a directiva, devesse ter em consideração a situação dos titulares de direitos de propriedade intelectual em países terceiros. Qualquer discriminação contra tais titulares de direitos não pode, portanto, invalidar a medida. As medidas do mercado interno são, por inerência, susceptíveis de afectar as importações de países terceiros. Podem, porém, basear‑se correctamente no artigo 95.° CE (54).

 Educação e herança cultural

77.   Finalmente, a recorrente alega que o princípio do esgotamento comunitário viola o direito à educação (artigo 153.°, n.° 1, CE (55)) e a herança cultural dinamarquesa e europeia (artigo 151.° CE (56)).

78.   A recorrente parece afirmar que o direito à educação e o desenvolvimento da cultura dinamarquesa e europeia são violados por os comerciantes dos Estados‑Membros não poderem importar artigos do exterior da Comunidade, em especial dos Estados Unidos. No que respeita ao artigo 153.°, n.° 1, CE, o Conselho, o Parlamento e a Comissão alegam essencialmente que a directiva prossegue igualmente o objectivo da educação (v. o décimo quarto considerando), que é realizado pela excepção autorizada aos direitos de autor no artigo 5.°, n.° 3, alínea a), relativamente à «utilização com fins de ilustração para efeitos de ensino ou investigação científica». Os aspectos culturais foram tidos em consideração pelo Conselho, tal como resulta dos nono, décimo primeiro e décimo segundo considerandos. A Comissão acrescenta que não vê como é que o artigo 4.° poderia prejudicar os direitos invocados. Nem eu vejo.

 Conclusão

79.   Considero, nestes termos, que as questões reenviadas pelo Østre Landsret devem ter a seguinte resposta:

«1)      A análise do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, não revelou nenhum factor que afecte a sua validade.

2)      O artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho impede que um Estado‑Membro mantenha o esgotamento internacional na sua legislação.»


1 – Língua original: inglês.


2 – JO L 167, p. 10.


3 – No contexto do direito comunitário, o direito de autor («copyright») engloba os direitos exclusivos conferidos aos autores, compositores, artistas, etc., enquanto os direitos conexos («related rights») abrangem os direitos análogos conferidos aos intérpretes e executantes (músicos, actores, etc.) e empresários (editores, produtores cinematográficos, etc.).


4 – Artigo 19.°


5 – Através da Lei n.° 1051, de 17 de Dezembro de 2002.


6 – Como se verá adiante (pontos 36 e 39), o princípio do esgotamento, tal como foi desenvolvido pelo Tribunal de Justiça foi, sem surpresa, limitado ao esgotamento por venda na Comunidade. O Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), alargou esta norma aos bens vendidos com o consentimento do titular do direito em qualquer local no EEE (v. os artigos 6.°, 11.° e 13.°, em conjugação com o artigo 2.° do Protocolo n.° 28 relativo à propriedade intelectual). A maioria das directivas citadas nas notas de 7 a 12 foram, além disso, alargadas a todos os países do EEE (os Estados‑Membros e a Islândia, o Liechtenstein e a Noruega) e as suas disposições relativas ao esgotamento foram alteradas de forma a consagrar o esgotamento no EEE. Para os efeitos da análise no presente caso, os princípios aplicam‑se da mesma forma ao esgotamento no âmbito da UE e do EEE. Uma vez que o problema não foi levantado, utilizarei as expressões «esgotamento comunitário» e «esgotamento regional» indiferenciadamente no âmbito das presentes conclusões.


7 – Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61).


8 – Directiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1991, relativa à protecção jurídica dos programas de computador (JO L 122, p. 42).


9 – Directiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 1996, relativa à protecção jurídica das bases de dados (JO L 77, p. 20).


10 – Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1).


11 – Artigo 15.° da Directiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1998, relativa à protecção legal de desenhos e modelos (JO L 289, p. 28).


12 – O artigo 5.°, n.° 5, da Directiva 87/54/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1986, relativa à protecção jurídica das topografias de produtos semicondutores (JO 1987, L 24, p. 36).


13 – Citado, supra, no n.° 7.


14 – A única alteração foi a substituição de «respectivas» por «de uma obra».


15 – Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, COM(97) 628 final (JO 1998, C 108, p. 6).


16 – Referida na nota 10.


17 – Acórdão de 16 de Julho de 1998 (C‑355/96 (Colect., p. I‑4799).


18 – V. a nota 6 relativa ao alargamento a todo o EEE do artigo 7.°, n.° 1.


19 – N.°18.


20 – V., infra, n.os 38 a 40.


21 – V. n.° 21.


22 – N.° 17.


23 – Acórdão de 8 de Junho de 1971 (78/70, Colect., p. 183).


24 – V. a nota 3.


25 –      N.os 12 e 13.


26 – Acórdão de 22 de Janeiro de 1981 (58/80, Recueil, p. 181).


27 –      N.° 12.


28 – Acórdão de 31 de Outubro de 1974, Centrafarm e o. (16/74, Colect., p. 499).


29 – Acórdão de 31 de Outubro de 1974, Centrafarm e o. (16/74, Colect., p. 475).


30 – Proposta de directiva do Conselho relativa ao direito de locação, ao direito de empréstimo e a certos direitos conexos aos direitos de autor, de 24 de Janeiro de 1991 (JO 1991, C 53, p. 35).


31 – COM(90) 586 final, comentário ao artigo 7.°, n.° 2, precursor do artigo 9.°, n.° 2.


32 – Nem o foi, com efeito, no processo Silhouette: v. o n.° 31 das conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs e o n.° 19 do acórdão.


33 – N.° 17.


34 – A saber, permitindo aos Estados‑Membros, caso assim o decidissem, manter o esgotamento internacional para além do (obrigatório) esgotamento comunitário adoptado pelo legislador comunitário.


35 – N.° 27. V., também, n.os 41 e 42 das conclusões.


36 – V. n.os 38 a 40, supra.


37 – A directiva relativa aos direitos de aluguer e de comodato, citada na nota 7; a directiva relativa aos programas de computador, citada na nota 8; a directiva relativa às bases de dados, citada na nota 9; a directiva das marcas, citada na nota 10; a Directiva 98/71 relativa à protecção legal de desenhos e modelos, citada na nota 11; e a Directiva 87/54 relativa à protecção jurídica das topografias de produtos semicondutores, citada na nota 12.


38 – Primeiro, terceiro e sétimo considerandos, todos apresentados no n.° 7, supra.


39 – N.° 51 das conclusões no processo Silhouette. Deve‑se também referir que a questão do órgão jurisdicional de reenvio não diz respeito à imposição do esgotamento internacional obrigatório.


40 – É de notar que o mesmo argumento foi utilizado, sem sucesso, no processo Silhouette: v. n.os 48 a 53 das conclusões.


41 – Aceite pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no processo Otto‑Preminger‑Institut e Áustria, série A 295‑A (1994).


42 – Artigo 6.°, n.° 2, do Tratado da União Europeia, que acolhe os princípios desenvolvidos pela jurisprudência (v., por exemplo, o acórdão de 12 de Junho de 2003, Schmidberger, C‑112/00, Colect., p. I‑5659, n.os 71 a 73 e jurisprudência aí citada).


43 – Leander e Suécia, série A, n.° 116 (1987), n.° 74; o sublinhado é meu.


44 – Processo Schmidberger, referido na nota 42, n.os 80 e 81.


45 – V., em particular, os primeiro, terceiro e sétimo considerandos, citados no n.° 7, supra.


46 – V., em particular, os quarto, nono e décimo considerandos, citados no n.° 7, supra.


47 – Acórdão de 6 de Março de 2001, Connolly/Comissão (C‑274/99 P, Colect., p. I‑1611, n.° 46). Nesse contexto, pode salientar‑se que o artigo 1.° do Primeiro Protocolo à Convenção protege o direito à propriedade, que inclui a propriedade intelectual: Smith Kline e French Laboratories contra Países Baixos 66 DR 70, p. 79 (1990).


48 – No sentido de participar num debate que afecta o interesse geral: v. VGT Verein gegen Tierfabriken c. Suíça, Colectânea dos acórdãos e decisões 2001‑VI, n.os  69 e 70, citando Hertel c. Suíça,Colectânea dos acórdãos e decisões 1998‑VI, pp. 2325‑26, no qual o Tribunal dos Direitos do Homem declarou que: «É, porém, necessário reduzir a extensão da margem de apreciação quando o que está em causa não é uma dada declaração puramente ‘comercial’ de um indivíduo, mas sim a sua participação num debate que afecte o interesse geral, por exemplo, sobre a saúde pública» (n.° 47).


49 – Acórdão de 25 de Março de 2004, Karner (C‑71/02, Colect., p. I‑3025, n.° 51), citando a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (incluindo VGT Verein gegen Tierfabriken, citado na nota 48).


50– Embora tenha exprimido, na audiência, o ponto de vista de que a falta de base legal resultou do facto de a imposição do esgotamento comunitário limitar a concorrência. Este argumento foi tratado nos n.os  57 e 58, supra.


51 – V. n.° 6, supra.


52 – Citado supra, no n.° 7.


53 – Citado na nota 17.


54 – V., também, o n.° 46 das conclusões no processo Silhouette, que explica por que é que o artigo 7.°, n.° 1, da directiva das marcas, se interpretado no sentido de impedir o esgotamento internacional, não «regula as relações entre Estados‑Membros e Estados terceiros», e os n.os 28 e 29 do acórdão desse processo.


55 – «A fim de promover os interesses dos consumidores e assegurar um elevado nível de defesa destes, a Comunidade contribuirá para a protecção da saúde, da segurança e dos interesses económicos dos consumidores, bem como para a promoção do seu direito à informação, à educação […]»


56 – «A Comunidade contribuirá para o desenvolvimento das culturas dos Estados‑Membros […]»

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