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Document 62004CC0331

    Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 8 de Septembro de 2005.
    ATI EAC Srl e Viaggi di Maio Snc, EAC Srl e Viaggi di Maio Snc contra ACTV Venezia SpA, Provincia di Venezia e Comune di Venezia.
    Pedido de decisão prejudicial: Consiglio di Stato - Itália.
    Contratos públicos de serviços - Directivas 92/50/CEE e 93/38/CEE - Critérios de adjudicação - Oferta economicamente mais vantajosa - Respeito dos critérios de adjudicação estabelecidos no caderno de encargos ou no anúncio de concurso - Fixação no caderno de encargos de subcritérios para um dos critérios de adjudicação ou no anúncio de concurso - Decisão que prevê uma ponderação - Princípios da igualdade de tratamento dos proponentes e da transparência.
    Processo C-331/04.

    Colectânea de Jurisprudência 2005 I-10109

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:529

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    DÁMASO RUIZ‑JARABO COLOMER

    apresentadas em 8 de Setembro de 2005 1(1)

    Processo C‑331/04

    Agrupamento temporário de empresas

    E.A.C. Srl

    e

    Viaggi di Maio Snc

    contra

    A.C.T.V. Venezia SpA,

    Provincia di Venezia

    e

    Comune di Venezia

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato (Itália)]

    «Contratos públicos de serviços – Processos de adjudicação – Aproximação de legislações – Directivas 92/50/CEE e 93/38/CEE – Artigos 36.°, n.° 2, e 34.°, n.° 2, respectivamente – Critérios de adjudicação – Proposta economicamente mais vantajosa – Concessão de serviços públicos de transporte – Critérios estabelecidos no anúncio de concurso ou no caderno de encargos – Poder da comissão de adjudicação de os especificar ou completar – Princípios da igualdade de tratamento dos proponentes e da transparência»





    1.     Este pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 36.°, n.° 2, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, e 34.°, n.° 2, da Directiva 93/38/CEE do Conselho, que harmonizam os processos de adjudicação dos contratos públicos de serviços (2), bem como os que são celebrados em determinados sectores (3).

    2.     A pergunta do Consiglio di Stato apresenta como pano de fundo a adjudicação do contrato à proposta economicamente mais vantajosa e os critérios para a sua determinação, incidindo sobre as possibilidades da entidade adjudicante e da comissão de análise das propostas, para procurar saber se a primeira se pode limitar a mencionar tais parâmetros no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, delegando na segunda o poder de os especificar e completar.

    3.     Para facilitar uma resposta ao referido órgão jurisdicional, há que respeitar princípios irrenunciáveis da contratação pública, que visam implantar regras objectivas de participação e de atribuição, com processos transparentes, onde sejam banidas as medidas e as cláusulas discriminatórias.

    I –    As normas a interpretar

    4.     Ambas as directivas, que se centram no igual tratamento dos proponentes (artigos 3.°, n.° 2, da Directiva 92/50 e 4.°, n.° 2, da Directiva 93/38), organizam métodos neutros para a concessão dos contratos, quer seja o do preço mais baixo quer seja o da proposta economicamente mais vantajosa (artigos 36.°, n.° 1 e 34.°, n.° 1, respectivamente).

    5.     Se atendermos a este último critério, o n.° 2 do artigo 36.° da Directiva 92/50 dispõe que «as entidades adjudicantes devem indicar nos cadernos de encargos ou no anúncio de concurso […] os critérios de adjudicação […] por ordem decrescente da importância que lhes é atribuída». O artigo 34.°, n.° 2, da Directiva 93/38 apresenta‑se em temos quase idênticos.

    II – Matéria de facto do litígio no processo principal e questões prejudiciais

    6.     O agrupamento temporário de empresas E.A.C. Srl e «Viaggi di Maio» Snc (a seguir «EAC») participou num processo por negociação, anunciado pela Azienda del Consorzio Trasporti Veneziano (a seguir «ACTV»), nos termos do segundo dos métodos acima referidos, por força do artigo 24.°, n.° 1, alínea b), do Decreto Legislativo n.° 158/1995 (4), relativo à subcontratação de serviços de transporte colectivo rodoviário de pessoas (5).

    7.     O caderno de encargos continha as directrizes para identificar a proposta mais adequada; a terceira respeitava às modalidades de organização e às estruturas de apoio para a execução do serviço, a que a comissão de análise das propostas podia atribuir um máximo de 25 pontos (6). Havia que descrever (a) os depósitos e/ou zonas de estacionamento dos autocarros, (b) as modalidades de controlo do serviço e as pessoas afectas a tal função, (c) o número de motoristas de linha e o tipo de carta de condução que os habilita a conduzir autocarros, (d) os estabelecimentos da empresa na província de Veneza e (e) o pessoal afecto à organização dos turnos de trabalho com o material circulante.

    8.     Depois de apresentados os envelopes e antes da sua abertura, mas, de qualquer modo, depois de já conhecer os candidatos, a comissão de análise das propostas atribuiu a valoração a cada um dos cinco capítulos citados, atribuindo 8 pontos ao primeiro, 7 ao segundo, 6 ao terceiro e 2 a cada um dos dois restantes.

    9.     O serviço foi adjudicado ao agrupamento temporário de empresas «La Línea», que obteve 86,53 pontos; o EAC só alcançou 83,50 pontos, pelo que impugnou o resultado perante o Tribunale Amministrativo Regionale del Veneto, alegando que o seu concorrente ganhou graças à subdivisão a posteriori do critério relativo às modalidades de organização e às estruturas de apoio e invocando os artigos 36.° da Directiva 92/50 e 24.°, n.° 1, alínea b), do Decreto Legislativo n.° 158/1995.

    10.   O Tribunale negou provimento ao recurso por sentença de 15 de Abril de 2003, da qual o EAC recorreu para o Consiglio di Stato, cuja jurisprudência aprova a prática de reconhecer às comissões dos concursos uma certa margem de intervenção integradora, introduzindo elementos de especificação das orientações gerais mencionadas no anúncio de concurso e estabelecendo subdivisões das categorias principais já definidas.

    11.   Para determinar se os artigos 36.° da Directiva 92/50 e 34.° da Directiva 93/38 permitem tal interpretação, o Consiglio di Stato apresenta as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

    «1)      É legítimo interpretar tais disposições no sentido de que contêm normas flexíveis que permitem à entidade adjudicante, em caso de adjudicação segundo o método da proposta economicamente mais vantajosa, fixar os critérios de forma genérica no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, permitindo depois à comissão de adjudicação especificar e/ou completar esses critérios, quando necessário, desde que o faça antes da abertura dos envelopes que contêm as propostas e sem modificar os critérios estabelecidos no anúncio do concurso, ou, pelo contrário, a referida norma deve ser interpretada como norma rígida que impõe à entidade adjudicante a fixação analítica dos critérios de adjudicação no anúncio de concurso ou no caderno de encargos antes da pré‑qualificação ou do convite, e exclui que a comissão de adjudicação possa intervir posteriormente, seja sob que forma for, especificando e/ou completando os mencionados critérios ou estabelecendo sub‑rubricas ou pontuações parcelares, na medida em que toda e qualquer indicação dos critérios de adjudicação, por razões de transparência, deve ser feita no anúncio de concurso ou no caderno de encargos?

    Consequentemente, será, em conclusão, legal, à luz do direito comunitário, a orientação interpretativa tradicional, desenvolvida na jurisprudência do Conselho de Estado, que admite a intervenção da comissão de adjudicação, antes da abertura dos envelopes que contêm as propostas, no sentido de completar os critérios de adjudicação?

    2)      Poderá a entidade adjudicante, à luz de uma interpretação flexível de tal norma, tendo em conta a locução ‘se possível’, elaborar um regulamento de concurso que, relativamente a um critério de adjudicação (no caso concreto, as modalidades de organização e de apoio), preveja a atribuição de pontos segundo o juízo discricionário da entidade adjudicante, com base num conjunto complexo de critérios cuja graduação não está prevista no anúncio, sendo este, assim, parcialmente indeterminado, ou a referida norma impõe uma exaustividade de princípio na formulação dos critérios incompatível com a sua não indicação no anúncio? Caso essa fixação seja legal, por efeito da flexibilidade da norma e da não obrigatoriedade da graduação de todos os elementos com pode admitir‑se, na falta de uma expressa atribuição de poderes à comissão de adjudicação, pode admitir‑se que esta intervenha para completar e especificar os critérios de adjudicação (intervenção que se traduz simplesmente na atribuição de relevância autónoma e de um peso relativo a todos os elementos individuais que o anúncio de concurso pretendia que fossem avaliados pela atribuição, no seu conjunto, de um máximo de 25 pontos) ou, pelo contrário, deve aplicar‑se literalmente o regulamento do concurso, atribuindo a pontuação global relativa aos vários elementos complexos considerados na lex specialis?

    3)      Em qualquer caso, será legal, à luz desta disposição, reconhecer genericamente à comissão de adjudicação, encarregada de avaliar as propostas, independentemente da formulação do anúncio de concurso, num processo de adjudicação segundo a proposta economicamente mais vantajosa, o poder – mas só em caso de complexidade dos elementos a avaliar, o poder de autolimitar genericamente a sua própria actuação, especificando os parâmetros de aplicação dos critérios pré‑estabelecidos no anúncio? Esse poder da comissão de adjudicação pode ser exercido através da fixação, naturalmente sempre antes de se proceder à abertura dos envelopes, de sub‑rubricas, pontuações parcelares ou simplesmente estabelecendo critérios mais específicos tendo em conta a aplicação dos critérios indicados genericamente no anúncio de concurso ou no caderno de encargos?»

    III – O processo no Tribunal de Justiça

    12.   A Comissão, os Governos austríaco e neerlandês, bem como o EAC e a ACTV apresentaram observações escritas, dentro do prazo estipulado no artigo 20.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, tendo apresentado alegações orais na audiência, que decorreu no passado dia 7 de Julho de 2005.

    IV – Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

    13.   O Governo austríaco e a ACTV suscitam a questão da inadmissibilidade do reenvio prejudicial, por razões e com alcance diferentes.

    14.   O primeiro critica o despacho de reenvio pela imprecisão sobre as normas cuja interpretação pede, deduzindo da sua página 10 que o artigo 34.° da Directiva 93/38 fica à margem do litígio no processo principal. Nenhuma destas críticas se afigura convincente, pois o Consiglio di Stato suscita as suas dúvidas relativamente «ao disposto no artigo 34.° da Directiva 93/38/CEE, e, especialmente, à norma análoga do artigo 36.° da Directiva 92/50/CEE», indicando que no recurso se invoca o teor deste último, de redacção semelhante à do outro, «aplicável ao caso concreto, embora não invocado expressa e textualmente pela recorrente».

    15.   De certo modo, o referido governo não visa obter a inadmissibilidade liminar do processo, mas sim a redução da sua análise à segunda das normas referidas, de significado equivalente ao do artigo 34.° da Directiva 93/38. Nestas circunstâncias, tal alegação de inadmissibilidade só pode ser qualificada como supérflua, pois qualquer que seja a interpretação que se proponha, convirá a ambas as normas, cuja selecção compete ao órgão jurisdicional nacional, sem que o Tribunal de Justiça se imiscua em tal tarefa, salvo no caso de a matéria de facto ser alheia ao direito comunitário ou de a dúvida de interpretação suscitada assentar em meras hipóteses estranhas à realidade do litígio.

    16.   É neste segundo registo que se insere a alegação de inadmissibilidade da ACTV, a qual apresenta, apenas aparentemente, um perfil mais profundo. A ACTV sustenta que o interesse do órgão jurisdicional italiano em saber se a comissão de análise das propostas pode «completar» ou «precisar» os critérios de avaliação do anúncio de concurso ou do caderno de encargos não é pertinente porque, no caso em apreço, não procedeu a tais operações, tendo‑se limitado, tal como se pode ler no despacho de reenvio, a criar elementos de cálculo secundários, que especificam as condições daquele documento, sem introduzir inovações (último parágrafo do ponto 5).

    17.   Independentemente das dificuldades de determinar o carácter hipotético de uma questão prejudicial (7), este argumento revela‑se contraditório, pois admite que houve uma especificação dos critérios aprovados, explicando seguidamente que o Consiglio di Stato não precisa de determinar se os artigos 36.° da Directiva 92/50 e 34.° da Directiva 93/38 autorizam essa operação posterior. Além disso, as perguntas são formuladas com o objectivo de verificar a licitude da jurisprudência italiana aplicável à resolução do litígio, que reivindica para a comissão de análise das propostas poderes de integração antes da abertura dos envelopes, pelo que o reenvio prejudicial é oportuno.

    V –    Os princípios que regem a contratação pública

    18.   O Consiglio di Stato pretende saber se, nos processos de adjudicação segundo a proposta economicamente mais vantajosa, as normas que invoca permitem à entidade adjudicante estabelecer, de modo genérico, as fórmulas de avaliação das propostas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, delegando na comissão de análise das propostas a sua especificação ou integração (primeira questão).

    19.   Pretende também saber se, seguindo esse entendimento amplo e tendo em conta a expressão «se possível» utilizada em ambos os artigos em litígio, a Administração pode atribuir uma pontuação a um critério de avaliação, distribuindo‑a entre certos parâmetros complexos, expressos sem indicação da sua importância, de modo a que a determinação da sua ordem de preferência seja diferida para um momento posterior e caiba à comissão de análise das propostas, podendo esta última limitar‑se a si própria ao especificar as regras preestabelecidas no anúncio de concurso, em especial indicando subitens ou pontuações parcelares (segunda e terceira questões).

    20.   Para responder às questões anteriores convém, tal como nas conclusões apresentadas nos processos apensos C‑285/99 e C‑286/99 (8), recordar os princípios que regem a selecção do adjudicatário, para melhor compreender os artigos 36.° da Directiva 92/50 e 34.° da Directiva 93/38.

    21.   As directivas sobre contratos públicos, cada uma dentro do seu âmbito específico, tendem a favorecer o desenvolvimento de uma concorrência aberta, através das quatro liberdades de circulação, essenciais para a integração europeia (de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais) (9), seguindo o imperativo que o poder constituinte comunitário estabeleceu nos artigos 9.°, 52.°, 59.° e 73.°‑B do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 23.° CE, 43.° CE, 49.° CE e 56.° CE).

    22.   A realização desta tarefa e a satisfação daquele desígnio só podem ser obtidas se aqueles que aspiram à concessão de um contrato se encontrarem em pé de igualdade, sem quaisquer preferências injustificadas, sendo, para tanto, necessário um sistema orientado pela objectividade, tanto no plano substantivo como no adjectivo. No primeiro, através da implantação de normas neutras de intervenção nos concursos e de adjudicação dos contratos (10). No segundo, concebendo processos transparentes em que a publicidade seja o modelo.

    23.   Na selecção dos participantes tem‑se em conta a sua aptidão no âmbito profissional bem como nos âmbitos económico e técnico. A eliminação de qualquer consequência discriminatória obtém‑se através da predefinição em cada caso dos critérios que orientarão a escolha e os níveis de capacidade e de experiência exigíveis (11).

    24.   Depois de escolhidos os participantes, recorre‑se a métodos objectivos, quer o do preço mais baixo quer o da proposta economicamente mais vantajosa. Neste segundo caso, a Administração estabelece os critérios de adjudicação, especificando a sua importância respectiva no caderno de encargos ou no anúncio de concurso (12), conforme se prevê nas disposições a que o presente pedido de decisão prejudicial diz respeito.

    25.   Este sistema não deixa, portanto, nada ao acaso nem ao arbítrio de quem toma a decisão final. A igualdade exige que os candidatos a um contrato conheçam previamente os requisitos, de modo a que a instância decisória se limite, com a margem de apreciação inerente ao poder discricionário técnico, a aplicar os parâmetros da lex contractu s, quer os da lei que rege os contratos em geral quer os da que rege, em especial, um deles em concreto.

    26.   Para estabelecer a equidade e excluir qualquer discriminação não basta que a tramitação siga critérios equilibrados, é também necessário que impere a publicidade, que deve presidir à sua aplicação, desde o anúncio de concurso, passando pelo caderno de encargos e terminando na fase da selecção propriamente dita (13), tanto nos concursos públicos como nos limitados.

    VI – A resposta às questões prejudiciais

    27.   Algumas das alegações apresentadas na audiência levaram o Tribunal de Justiça longe do Luxemburgo, a uma sala de justiça italiana onde será decidido o litígio no processo principal, mas convém deixar claro que entre as competências do órgão jurisdicional europeu não consta a de decidir se a adjudicação do serviço de transportes em litígio foi efectuada nos termos da lei, tarefa que incumbe ao Consiglio di Stato.

    28.    A função do Tribunal de Justiça é outra, mais complexa e de maior relevo; visa determinar se, à luz dos princípios atrás referidos, os artigos cuja interpretação é pedida permitem situações em que a comissão de análise das propostas não se limita a avaliar, com uma inevitável margem de apreciação, as propostas recebidas, em função das regras enumeradas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, porque se atribuiu um certo papel inovador, para as especificar, integrar e completar. Em suma, há que verificar se esse organismo, meramente executivo, pode acumular responsabilidades «quase‑normativas», definindo de algum modo o conteúdo da lex contractus.

    A –    A primeira questão prejudicial

    29.   Os artigos 36.° da Directiva 92/50 e 34.° da Directiva 93/38 são normas de adjudicação dos contratos que prevêem, a esse respeito, duas regras básicas, já referidas: a do preço mais baixo e a da proposta economicamente mais interessante. Uma, pela sua natureza uniforme, não deixa margem de apreciação à entidade adjudicante; a outra constitui, porém, uma noção jurídica indeterminada, que a Administração especifica em cada caso, pelo que, para esse efeito, as alíneas a) dos n.os 1 de ambos os artigos estabelecem, de modo não exaustivo, diversos elementos que devem constar do caderno de encargos ou do anúncio de concurso, por ordem decrescente de importância, tal como dispõem os n.os 2 dos mesmos artigos.

    30.   Daqui se depreende, portanto, que os elementos a tomar em consideração pela comissão de análise das propostas, para seleccionar a proposta mais satisfatória, devem ser adiantados pela entidade adjudicante no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, sem que se possa estabelecê‑los através de remissão ou diferir essa tarefa para um momento posterior.

    31.   Trata‑se de um corolário, irrenunciável para a jurisprudência comunitária, dos princípios da transparência, da publicidade e da não discriminação. Os factores de avaliação devem ser adequados para identificar a proposta mais vantajosa, pelo que devem necessariamente estar relacionados com o objecto do concurso (14) e constar dos referidos documentos (15), para que todos os proponentes razoavelmente informados e diligentes estejam em condições de os interpretar da mesma maneira (16), devendo ser indicada a sua classificação (17).

    32.   A Administração não goza, portanto, dos mais amplos poderes, nem tem poder discricionário para determinar as fórmulas de avaliação das propostas; também não pode escolher o momento de as tornar públicas nem alterá‑las durante o processo de selecção, o que a impede, além disso, de modificar o seu sentido (18).

    33.   À luz de todas estas considerações deve negar‑se à comissão de análise das propostas qualquer intervenção inovadora, devendo a sua actuação ser limitada a aplicar as normas anteriormente elaboradas pela entidade adjudicante, que serão devidamente conhecidas de todos os licitantes, graças à sua transparência e à sua divulgação. Por conseguinte, na medida em que as operações de especificação e de integração a que o Consiglio di Stato se refere na sua primeira questão impliquem uma actividade criativa e não de mera sujeição às condições inicialmente previstas, violam o espírito das Directivas 92/50 e 93/38, pois violam os seus fundamentos.

    34.   É irrelevante que essa tarefa seja efectuada antes da abertura dos envelopes, porque a igualdade não se refere apenas à decisão, mas também à participação, pelo que a falta de uma informação completa sobre as condições do processo selectivo implica uma redução de publicidade, susceptível de afastar eventuais proponentes, os quais, se tivessem tido acesso a todos os requisitos, poderiam ter decidido concorrer (19). Por outro lado, tal como a Comissão e o Governo austríaco sugerem, essa possibilidade daria ao órgão a quem incumbe identificar a proposta mais satisfatória a capacidade de influir no resultado final, com riscos para a imparcialidade, já que no momento da sua intervenção totalizadora, ignorando embora o conteúdo dos envelopes, conhece os proponentes, podendo inclinar a balança a favor de algum deles.

    35.   Em suma, em conformidade com os artigos 36.°, n.° 2, da Directiva 92/50 e 34.°, n.° 2, da Directiva 93/38, a entidade adjudicadora tem que expor de modo detalhado, no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, os critérios de adjudicação, sem que a comissão de análise das propostas fique autorizada a efectuar qualquer operação que não a sua aplicação, sendo‑lhe vedada qualquer inovação, ainda que antes da abertura dos envelopes.

    B –    A segunda e a terceira questões prejudiciais

    36.   Há, portanto, que anunciar previamente todos os ingredientes da ponderação, indicando a sua importância relativa por ordem decrescente.

    37.   Assim, os elementos para a adjudicação do contrato devem constar sempre do anúncio de concurso ou do caderno de encargos, sem que a comissão de análise das propostas possa eliminar nenhum deles, acrescentar outros ou subdividir os inicialmente previstos. Como já referi, esta comissão não tem competência para introduzir elementos novos, nem para modificar ou completar os existentes.

    38.   Quando seja impossível ponderar os diferentes critérios de avaliação no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, poderia entender‑se que tal função compete à comissão de análise das propostas, mas os termos literais dos artigos 36.°, n.° 2, da Directiva 92/50 e 34.°, n.° 2, da Directiva 93/38 não o permitem, em conformidade com os princípios gerais da contratação pública, pois poderia alterar os parâmetros, influindo no resultado do processo de selecção. Nesse caso, é mais conforme com o espírito das directivas encomendar a tarefa a um perito, alheio à decisão final (20).

    39.   As Directivas, em vigor, 2004/18/CE, já referida, e 2004/17/CE (21), confirmam a tese atrás exposta, ao exigirem à Administração, nos seus artigos 53.° e 55.°, a expressão de cada um dos critérios escolhidos para determinar a oferta mais vantajosa, utilizando um intervalo de variação com uma abertura máxima adequada. Se tal não for possível por razões demonstráveis, a entidade adjudicante é obrigada a indicar a ordem decrescente da sua importância, sem reconhecer, portanto, à comissão de análise das propostas qualquer capacidade de intervenção nesta matéria.

    40.   Por maioria de razão, deve rejeitar‑se um modus operandi como o adoptado no litígio no processo principal, em que a entidade adjudicante indicou um critério mensurável relativamente a vários elementos, aos quais atribui em conjunto uma pontuação, sem estabelecer qualquer precedência, confiando à comissão de análise das propostas não só a distribuição desse montante global de pontos como também a sua graduação.

    41.   Considero, portanto, que, quando seja inviável estabelecer no anúncio de concurso ou no caderno de encargos os critérios de adjudicação em função da sua importância, os artigos 36.°, n.° 2, da Directiva 92/50 e 34.°, n.° 2, da Directiva 93/38 não permitem à comissão de análise das propostas fazê‑lo posteriormente, nem mesmo antes da abertura dos envelopes, pelo que essa comissão também não pode dotar‑se de normas para reger essa intervenção nem distribuir entre os diferentes critérios a avaliação antecipada naqueles documentos, organizando‑os por ordem do seu interesse relativo.

    VII – Conclusão

    42.   À luz das considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões suscitadas pelo Consiglio di Stato da República Italiana declarando que:

    «1)      Os artigos 36.°, n.° 2, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, e 34.°, n.° 2, da Directiva 93/38/CE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, obrigam a entidade adjudicante a indicar os critérios de adjudicação, de modo detalhado, no anúncio do concurso ou no caderno de encargos, sem que a comissão de análise das propostas esteja autorizada a praticar qualquer acto que não seja a sua aplicação, estando‑lhe vedada qualquer inovação, mesmo que ocorra antes da abertura dos envelopes que contêm as propostas;

    2)      Quando se mostre inviável ordenar os referidos critérios, por ordem decrescente da sua importância, no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, as normas referidas não permitem à comissão de análise das propostas fazê‑lo posteriormente, nem mesmo antes de abrir os envelopes, pelo que também não pode dotar‑se de normas para reger essa intervenção nem distribuir entre os diferentes critérios a pontuação inicialmente prevista, organizando‑os por ordem do seu valor relativo.»


    1 – Língua original: espanhol.


    2 – Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1).


    3 – Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199, p. 84).


    4 – Gazzeta Ufficiale della Repubblica Italiana n.° 104, de 6 de Maio de 1995. Segundo o referido artigo, «no caso da proposta economicamente mais vantajosa, determinada com base em diversas normas, que variam consoante o mercado […], as entidades adjudicantes mencionarão, no caderno de encargos ou no anúncio de concurso, todos os critérios de adjudicação […] por ordem decrescente de importância».


    5 – Tratava‑se da prestação de serviço urbano em Mestre, lote n.° 1, entre 16 de Junho de 2002 e 31 de Dezembro de 2003.


    6 – Ponto 3.10, n.° 6, do caderno de encargos.


    7 – A única jurisprudência que se orienta pela proibição das questões hipotéticas, surgida nos processos Foglia (acórdãos de 11 de Março de 1980, 104/79, Recueil, p. 745; e de 16 de Dezembro de 1981, 244/80, Recueil, p. 3045), não foi posteriormente confirmada e suscitou críticas da doutrina mais autorizada (Barav, A.: «Preliminary Censorship? The Judgment of the European Court in Foglia v. Novello», em European Law Review 1980, pp. 443 a 468).


    8 – Conclusões de 2 de Junho de 2001, apresentadas nos processos Lombardini e Mantovani, sobre os quais foi proferido o acórdão de 27 de Novembro de 2001 (Colect., p. I‑9233).


    9 – Em especial, o segundo considerando da Directiva 92/50 e o primeiro da Directiva 93/38. A mesma ideia encontra‑se no segundo considerando da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), que substituirá, nomeadamente, a Directiva 92/50, quando, no ano de 2006, expirar o prazo para a sua transposição.


    10 – A distinção entre as duas classes de critérios, exposta pelo advogado‑geral M. Darmon nas conclusões apresentadas no processo sobre o qual foi proferido o acórdão, de 20 de Setembro de 1988, Beentjes (31/87, Colect., p. 4635), é também adoptada pela Directiva 2004/18 (considerandos 39 e 46).


    11 – Os artigos 29.° a 35.° da Directiva 92/50 e os artigos 30.° a 33.° da Directiva 93/38 referem‑se a este aspecto.


    12 – A escolha do adjudicatário deve ser feita em função de condições relacionadas com o objecto do contrato, que podem ter em conta, por exemplo, a qualidade, o mérito técnico, as características estéticas e funcionais, a assistência técnica e o serviço pós‑venda, a data e os prazos de entrega ou de execução, bem como a rentabilidade, o preço ou os custos de funcionamento [artigos 36.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 92/50 e 34.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 93/38].


    13 – Artigo 15.° e artigos conexos da Directiva 92/50, bem como artigos 21.° e segs. da Directiva 93/38.


    14 – É neste sentido que aponta o acórdão de 17 de Setembro de 2002, Concordia Bus Finland (C‑513/99, Colect., p. I‑7215, n.° 59), ao aplicar o artigo 36.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 92/50.


    15 – O acórdão Beentjes, já referido, esclareceu que não basta uma remissão geral para uma disposição da legislação nacional para satisfazer esta exigência de publicidade (n.° 35).


    16 – Acórdão de 18 de Outubro de 2001, SIAC Construction (C‑19/00, Colect., p. I‑7725, n.° 42). O acórdão de 4 de Dezembro de 2003, EVN e Wienstrom (C‑448/01, Colect., p. I‑14527, n.° 57), reitera esta posição.


    17 – Acórdão de 12 de Dezembro de 2002, Universale‑Bau (C‑470/99, Colect., p. I‑11617, n.° 97).


    18 – Esta última consequência reflecte‑se nos acórdãos, já referidos, SIAC Construction, n.° 43, e EVN e Wienstrom, n.° 92.


    19 – Os acórdãos de 25 de Abril de 1996, Comissão/Bélgica (C‑87/94, Colect., p. I‑2043, n.° 88), e Universale‑Bau, já referido, n.° 98, fundam a obrigação imposta às entidades adjudicantes na vantagem que existe em permitir que os potenciais proponentes conheçam, antes da preparação das suas propostas, os elementos que serão tomados em conta para escolher a melhor, bem como a sua importância relativa, garantindo assim o respeito pelos princípios da igualdade de tratamento e da transparência.


    20 – Foi o que reconheceu, implicitamente, o acórdão SIAC Construction, já referido, ao declarar que o parecer de um técnico sobre um dado que só será conhecido num momento posterior assegura a aplicação dos critérios de maneira objectiva e uniforme a todos os proponentes (n.° 44).


    21 – Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO L 134, p. 1), a qual, logo que expire o prazo para a sua transposição, substituirá a Directiva 93/38.

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