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Document 62004CC0311

Conclusões da advogada-geral Kokott apresentadas em 6 de Outubro de 2005.
Algemene Scheeps Agentuur Dordrecht BV contra Inspecteur der Belastingdienst - Douanedistrict Rotterdam.
Pedido de decisão prejudicial: Gerechtshof te Amsterdam - Países Baixos.
Pauta aduaneira comum - Posições pautais - Classificação de lotes de arroz - Nota complementar 1, alínea f), do capítulo 10, da Nomenclatura Combinada - Validade - Cobrança a posteriori de direitos de importação - Artigo 220.º, n.º 2, alínea b), do Código Aduaneiro Comunitário - Interpretação - Boa fé do devedor.
Processo C-311/04.

Colectânea de Jurisprudência 2006 I-00609

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:595

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 6 de Outubro de 2005 1(1)

Processo C‑311/04

Algemene Scheeps Agentuur Dordrecht BV

contra

Inspecteur der Belastingdienst ‑ Douanedistrict Rotterdam

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof Amsterdam (Países Baixos)]

«Pauta aduaneira comum – Posições pautais – Arroz semibranqueado – Validade da nota complementar 1, alínea f), do capítulo 10 da pauta aduaneira comum»





I –    Introdução

1.     O Gerechtshof Amsterdam (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») interroga o Tribunal de Justiça a propósito da validade da nota complementar 1 do capítulo 10 da Nomenclatura Combinada e pede‑lhe que interprete o conceito de boa fé constante do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), quarto parágrafo, do Código Aduaneiro Comunitário.

2.     Estas questões colocam‑se ao órgão jurisdicional de reenvio no âmbito de um litígio que opõe a BV Algemene Scheeps Agentuur Dordrecht (a seguir «ASAD») ao Inspecteur van de Belastingdienst (a seguir «Inspecteur»). A ASAD importou arroz para Comunidade e declarou‑o como «semibranqueado» ficando, deste modo, isenta de direitos aduaneiros. No entanto, o Inspecteur classificou o arroz como arroz «descascado» e emitiu uma ordem de pagamento, a qual é impugnada pela ASAD no processo principal.

3.     O órgão jurisdicional de reenvio entende que a validade da nota complementar 1 do capítulo 10 da pauta aduaneira comum é posta em causa porque, relativamente aos parâmetros do sistema harmonizado, estabelece para a classificação de arroz como descascado ou semibranqueado condições suplementares, eventualmente contraditórias. Se, não obstante, a nota complementar for válida, o órgão jurisdicional de reenvio coloca a questão de saber se, atendendo a esta dúvida baseada na validade, se deve considerar que o devedor agiu de boa fé na acepção do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), quarto parágrafo, do código aduaneiro pois, neste caso, não está obrigado a pagar uma dívida aduaneira posteriormente constituída.

II – Quadro jurídico

4.     O quadro jurídico do processo é constituído pelo sistema harmonizado, a pauta aduaneira comum e o Código Aduaneiro Comunitário.

A –    Direito internacional: o sistema harmonizado

5.     O sistema harmonizado (a seguir «SH») foi estabelecido enquanto convenção internacional no quadro da Organização Mundial das Alfândegas. Trata‑se de uma nomenclatura multifuncional que pode abranger todas as mercadorias objecto de comércio internacional. A Comunidade é parte contratante na convenção (2).

6.     O artigo 3.°, n.° 1, do SH prevê, designadamente:

«3.      Obrigações das partes contratantes

1.      Ressalvadas as excepções constantes do artigo 4.°:

a)      Cada parte contratante compromete‑se […] a alinhar as respectivas nomenclaturas pautais [...] pelo Sistema Harmonizado. Compromete‑se, portanto, para elaboração das suas nomenclaturas pautais […] a:

1.      Utilizar todas as posições e subposições do sistema harmonizado, sem aditamentos nem modificações, bem como os respectivos códigos numéricos.

2.      Aplicar as Regras Gerais de Interpretação do Sistema Harmonizado, sem aditamentos nem modificações, bem como todas as notas de secção, de capítulo e de subposição e a não modificar a estrutura das secções, dos capítulos, das posições ou das subposições.

3.      Respeitar a ordem numérica do Sistema Harmonizado.»

7.     Na secção II, segunda parte, capítulo 10, a versão inglesa vinculativa do SH prevê, na posição 1006, as seguintes subposições:

«10.06 – RICE.

1006.10 – Rice in the husk (paddy or rough)

1006.20 – Husked (brown) rice

1006.30 – Semi‑milled or wholly milled rice, whether or not polished or glazed

1006.40 – Broken Rice»

8.     A versão francesa, igualmente vinculativa, é do seguinte teor:

«10.06 – RIZ.

1006.10 – Riz en paille (riz paddy)

1006.20 – Riz décortiqué (riz cargo ou riz brun)

1006.30 – Riz semi‑blanchi ou blanchi, même poli ou glacé [...]

1006.40 – Riz en brisures»

9.     A Organização Mundial das Alfândegas (a seguir «OMA») publica notas explicativas relativas ao SH. Na versão inglesa essas notas definem, em relação à posição 1006, designadamente, o seguinte:

«(1)      Rice in the husk (paddy or rough rice), that is to say, rice grain still tightly enveloped by the husk.

(2)      Husked (brown) rice (cargo rice) which, although the husk has been removed […] is still enclosed in the pericarp. […]

(3)      Semi‑milled rice, that is to say, whole rice grains from which the pericarp has been partly removed.

(4)      Wholly milled rice (bleached rice), whole rice grains from which the pericarp has been removed […]

(5)      Broken rice, i.e., rice broken during processing.»

10.   A versão francesa destas notas explicativas é do seguinte teor:

«1)      Le riz en paille (riz paddy ou riz vêtu), c’est‑à‑dire le riz dont les grains sont encore revêtus de leur balle florale qui les enveloppe très étroitement.

2)      Le riz décortiqué (riz cargo ou riz brun) qui, dépouillé des balles florales […] conserve encore sa pellicule propre (péricarpe). […]

3)      Le riz semi‑blanchi, à savoir, le riz en grains entiers dont le péricarpe a été partiellement enlevé.

4)      Le riz blanchi, riz en grains entiers dont on a enlevé le péricarpe […]

5)      Les brisures de riz, consistant en grains brisés au cours des opérations antérieures.»

B –    Direito comunitário

1.      A pauta aduaneira comum

11.   A pauta aduaneira comum baseia‑se no SH. Deve igualmente permitir incluir na sua «Nomenclatura Combinada» (a seguir «NC») todas as mercadorias objecto de comércio internacional. A pauta aduaneira comum adoptou na NC a estrutura do SH, mas contém uma subdivisão suplementar para efeitos pautais e estatísticos da Comunidade. Baseiam‑se no SH, designadamente, as posições (os quatro primeiros algarismos) e as primeiras subposições, até ao sexto algarismo do código da pauta aduaneira. As subdivisões seguintes assentam apenas no direito comunitário derivado.

12.   Na época pertinente, a NC incluía, na segunda parte (tabela de direitos), secção II (produtos do reino vegetal), capítulo 10 (cereais), na posição 1006, designadamente, as seguintes subposições:

«1006          Arroz:

1006 10  – Arroz com casca (arroz paddy):

[…]

1006 20 – Arroz descascado (arroz cargo ou castanho):

– Estufado (parboiled)

– Outro:

[…]

– De grãos longos:

[…]

1006 20 98  – Com uma relação comprimento/largura igual ou superior a 3

1006 30  – Arroz semibranqueado ou branqueado, mesmo polido ou glaceado:

– Arroz semibranqueado:

[…]

– Outro:

[…]

– De grãos longos:

[…]

1006 30 48 – Com uma relação comprimento/largura igual ou superior a 3

– Arroz branqueado:

[…]

1006 40 00 – Trincas de arroz.»

13.   A nota complementar 1 do capítulo 10 da NC (a seguir «nota complementar 1») definia, designadamente:

«1. Consideram‑se como:

[...]

d)      ‘Arroz paddy’ (arroz com casca), na acepção das subposições 1006 10 […] o arroz provido da sua casca após a debulha;

e)      ‘Arroz descascado’, na acepção das subposições 1006 20 […] o arroz a que apenas foi eliminada a casca. Esta designação abrange, nomeadamente, o arroz comercialmente denominado ‘arroz pardo’ (integral), ‘arroz cargo’, [...];

f)      ‘Arroz semibranqueado’, na acepção das subposições 1006 30 […] o arroz a que se eliminou a casca, uma parte do germe e a totalidade ou parte das camadas exteriores do pericarpo, mas não as camadas interiores;

g)      ‘Arroz branqueado’, na acepção das subposições 1006 30 […] o arroz a que se eliminou a casca, a totalidade das camadas exteriores e interiores do pericarpo, a totalidade do germe, no caso do arroz longo […];

h)      ‘Trincas’, na acepção da subposição 1006 40, os fragmentos de grãos cujo comprimento seja igual ou inferior a três quartos do comprimento médio do grão inteiro.»

2.      O Código Aduaneiro Comunitário

14.   O Código Aduaneiro Comunitário contém a compilação do direito aduaneiro geral, não pautal, e regula o modo de cobrança dos direitos aduaneiros. Além de disposições gerais e processuais inclui também o regime das dívidas aduaneiras. O artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do Código Aduaneiro Comunitário faz parte do regime das dívidas aduaneiras e estabelece, desde 19 de Dezembro de 2000, por extracto, que (3):

«Excepto nos casos referidos no segundo e terceiro parágrafos do n.° 1 do artigo 217.°, não se efectuará um registo de liquidação a posteriori quando:

b)      O registo da liquidação do montante dos direitos legalmente devidos não tiver sido efectuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, que não podia ser razoavelmente detectado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa fé e observado todas as disposições previstas na regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira.

Se o estatuto preferencial das mercadorias for determinado com base num sistema de cooperação administrativa que envolva as autoridades de um país terceiro, a emissão de um certificado por estas autoridades constitui, quando este se revele incorrecto, um erro que não podia ser razoavelmente detectado na acepção do primeiro parágrafo.

Todavia, se o certificado se basear numa declaração materialmente incorrecta do exportador, a emissão de um certificado incorrecto não constitui um erro, salvo, nomeadamente, se for evidente que as autoridades emissoras tinham ou deviam ter tido conhecimento de que as mercadorias não tinham direito a tratamento preferencial.

A boa fé do devedor pode ser invocada sempre que este possa demonstrar que, durante o período das operações comerciais em causa, diligenciou para se assegurar de que foram respeitadas todas as condições para o tratamento preferencial.

O devedor não pode, todavia, invocar a boa fé quando a Comissão tenha publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias um aviso que refira dúvidas fundadas sobre a boa aplicação do regime preferencial pelo país beneficiário.»

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

15.   Em 10 de Agosto de 2001, o despachante aduaneiro ASAD apresentou uma declaração de colocação em livre prática de 1 134 500 kg de arroz. Na declaração aduaneira, designou este arroz como «arroz semibranqueado longo, cuja relação comprimento/largura é igual ou superior a 3» e classificou‑o na posição pautal 1006 30 48 00 da NC. A ASAD indicou Aruba como país de origem da mercadoria e invocou uma preferência pautal aplicável ao arroz abrangido pela posição 1006 30 48 00 e proveniente de Aruba.

16.   Como prova da origem, a ASAD juntou três certificados de circulação de mercadorias EUR.1, dois dos quais estavam visados pelas autoridades competentes de Aruba. Os certificados EUR.1 descreviam as mercadorias como «cargo rice of ACP origin Guyana which had been processed in Aruba, in accordance with the provisions and annex II of the EEG Council’s decision 1991 No. 91/482/EEG».

17.   Na sequência da declaração aduaneira, as autoridades aduaneiras competentes recolheram amostras que foram analisadas no laboratório dos serviços aduaneiros para determinar a sua natureza e composição. Em 17 de Agosto de 2001, o Inspecteur comunicou à ASAD que a verificação da declaração ficava suspensa até à recepção dos resultados da análise das amostras. Essa «comunicação de que a verificação ficava suspensa» continha impressa uma ordem de pagamento de um montante nulo.

18.   Da análise de uma primeira amostra resultou que esta se compunha de cerca de 2/3 de arroz descascado e de 1/3 de arroz semibranqueado. A análise de uma segunda amostra indicou que esta se compunha, em mais de metade, de arroz descascado, e o resto, de arroz semibranqueado e vestígios de arroz paddy. As duas análises foram efectuadas aplicando instruções que se baseavam na controvertida nota complementar 1 e que, sob a epígrafe «distinguir o arroz em casca, semibranqueado e branqueado através da microscopia», enunciavam, entre outras, as definições seguintes:

«Arroz descascado: o arroz do qual apenas foi eliminada a casca;

Arroz semibranqueado: o arroz do qual foi eliminada a casca, uma parte do germe e pelo menos uma parte do pericarpo.»

19.   Com base nestes resultados, o laboratório da alfândega recomendou ao Inspecteur, nos dois casos, a classificação do arroz na posição 1006 20 98 da NC («arroz descascado»). Em 27 de Novembro de 2001, o Inspecteur seguiu a recomendação, classificou o arroz nesta posição pautal e enviou à ASAD uma ordem de pagamento de direitos aduaneiros no montante de 541 394,80 NLG (€ 245 674,25).

20.   A ASAD continuou a entender que o arroz estava abrangido pela posição pautal 1006 30 48 da NC («arroz semibranqueado») e que, de qualquer forma, o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC obstava à ordem de pagamento contra a qual, em vão, reclamou e a seguir interpôs recurso.

21.   O órgão jurisdicional de reenvio parte do princípio de que foi eliminada, pelo menos, uma parte do pericarpo de todo o arroz. Daí conclui que, segundo o SH e as notas explicativas da OMA, o arroz deve ser classificado na posição pautal 1006.30 do SH. Se as análises das amostras não conduziram ao mesmo resultado é porque a nota complementar 1, alínea f), e as instruções seguidas para realizar essas análises, que se baseiam nessa nota, exigem, além disso, a eliminação parcial do germe. Por conseguinte, o mesmo considera que, face às diferentes exigências, embora estejam preenchidas as condições da posição pautal 1006.30 do SH, o mesmo não acontece com as condições da posição pautal 1006 30 48 da NC. O critério suplementar origina uma «modificação da posição pautal».

22.   Contudo, ao assinar a Convenção sobre o sistema harmonizado, a Comunidade comprometeu‑se a não modificar o âmbito das subposições do SH. Dado que, desta forma, a nota complementar está em conflito com o SH, coloca‑se a questão da sua validade face às obrigações internacionais da Comunidade.

23.   Caso a nota complementar 1 seja válida, o órgão jurisdicional de reenvio suscita a questão de saber se a ASAD podia confiar no facto de poder recorrer à pauta preferencial para o arroz semibranqueado proveniente de Aruba. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio entende que a ASAD podia ter dúvidas quanto à validade da nota complementar 1 devido ao primado do SH. No entanto, é da diligência requerida que depende a questão de saber se a ASAD se assegurou suficientemente de que foram respeitadas as condições para o tratamento preferencial para que a boa fé, na acepção do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC obste à ordem de pagamento.

24.   Em consequência, por despacho de 28 de Junho de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Julho de 2004, o Gerechtshof Amsterdam suspendeu a instância e solicitou ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

1.      A nota complementar (CE) 1 ao capítulo 10 da pauta aduaneira comum, na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, é válida na medida em que impõe outras exigências, em relação ao conceito de arroz semibranqueado, diferentes das previstas na nota explicativa do Conselho de Cooperação Aduaneira relativa à posição 1006 do Sistema Harmonizado?

2.      Se a resposta à primeira questão for afirmativa, caso a interessada tivesse conhecimento da nota complementar (CE) 1, início e alínea f), ao capítulo 10 da NC, ou devesse conhecê‑la, mas não soubesse que essa nota era válida ou, pelo menos, pudesse ter dúvidas a esse respeito, tendo em conta a descrição divergente constante da nota explicativa do Conselho de Cooperação Aduaneira relativa à posição 1006 do SH, pode invocar a sua boa fé ao abrigo do artigo 220.°, n.° 2, início e alínea b), quarto parágrafo, do Código Aduaneiro Comunitário?

25.   No processo no Tribunal de Justiça, a ASAD, o Inspecteur, a Comissão e o Governo neerlandês apresentaram observações escritas.

IV – Apreciação jurídica

A –    Quanto à primeira questão: validade da nota complementar 1

26.   Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se a nota complementar 1 é inválida devido a incompatibilidade com o SH.

27.   A Comunidade é parte contratante na Convenção Internacional sobre o sistema harmonizado. Por conseguinte, as disposições da convenção são vinculativas para a Comunidade. Por força do artigo 300.°, n.° 7, CE, as obrigações internacionais da Comunidade estão num «nível intermédio», certamente inferior ao do direito originário mas superior ao do direito comunitário derivado. Assim, o direito comunitário derivado deve ser interpretado de acordo com os parâmetros do sistema harmonizado. A nomenclatura combinada assenta num regulamento e, deste modo, faz parte do direito comunitário derivado.

28.   Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), da Convenção sobre o sistema harmonizado, a Comunidade compromete‑se a utilizar as posições e subposições do SH, sem modificar o seu alcance (4). Assim, segundo o direito internacional, a Comunidade está obrigada a não estabelecer quaisquer instruções relativas à classificação de mercadorias que conduzam à classificação na NC numa subposição diferente da subposição pertinente do SH.

29.   No caso vertente, coloca‑se a questão de saber se a nota complementar 1 implica que o arroz do qual se eliminou mais do que a casca deve ser classificado na subposição 1006 20 da NC, embora deva ser classificado na subposição 1006.30 do SH. Com efeito, se a nota complementar 1 implica esta «modificação da posição pautal», seriam fundadas as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio sobre a sua validade.

1.      Classificação do arroz segundo o SH

30.   O próprio SH não oferece nenhuma definição das suas subposições 1006.10 a 1006.40. Porém, resulta da designação e da sistemática das subposições que a subposição 1006.10 do SH abrange o arroz com casca, não transformado, a subposição 1006.20 do SH abrange o arroz descascado a que apenas foi eliminada a casca, a subposição 1006.30 do SH abrange todo o arroz sujeito a tratamento posterior e a subposição 1006.40 do SH abrange as trincas de arroz resultantes do tratamento deste (5).

31.   Em especial, da letra da subposição 1006.20 do SH, que na versão inglesa apresenta a designação «brown rice» (arroz castanho) e na versão francesa igualmente «riz brun» (arroz castanho) e «riz cargo» (arroz cargo), resulta que nesta subposição só deve ser classificado o arroz a que apenas foi eliminada a casca e que ainda conserva a totalidade do seu pericarpo. Com efeito, por um lado, de outro modo, o arroz já não seria castanho. Por outro lado, esta classificação corresponde quer ao entendimento geral quer também aos usos comerciais estabelecidos como, designadamente, a Comissão alegou.

32.   O facto de que a subposição 1006.30 do SH deve incluir todo o arroz sujeito a tratamento posterior e que não sejam trincas de arroz abrangidas pela subposição 1006.40 do SH, decorre da menção quer do arroz semibranqueado quer do arroz branqueado e da falta de pertinência que apresentam para a classificação outras fases de tratamento – como o polimento ou a lustragem.

33.   Em consequência, a redacção e a sistemática das subposições do SH apontam para a classificação do arroz na subposição 1006.30 do SH quando se tiver eliminado mais do que a casca exterior. Do mesmo modo, a eliminação parcial do pericarpo é suficiente para a classificação na subposição 1006.30 do SH.

34.   Esta interpretação é corroborada pelas notas explicativas da OMA (6). Com efeito, segundo estas notas, a subposição 1006.20 do SH abrange o arroz cuja casca foi eliminada, mas que ainda está coberto pelo seu pericarpo (na versão inglesa: «still enclosed in the pericarp») ou que conserva ainda o seu pericarpo (na versão francesa: «conserve encore sa pellicule propre»). Além disso, o arroz semibranqueado é definido nessas notas como arroz em grão inteiro ao qual o pericarpo foi parcialmente eliminado. Isto corresponde inteiramente à interpretação referida.

35.   Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, as notas explicativas da OMA contribuem de maneira importante para a interpretação do alcance das diferentes posições aduaneiras, sem contudo serem juridicamente vinculativas (7).

2.      Classificação do arroz segundo a NC

36.   As subposições 1006 10, 1006 20, 1006 30 e 1006 40 da NC apresentam a mesma redacção e sistemática que as subposições do SH. Por conseguinte, há que observar, antes de mais, que a classificação do arroz segundo a redacção e a sistemática das posições pautais da NC é idêntica à classificação resultante do SH.

37.   Contudo, a nota complementar 1 da NC oferece ainda definições explicativas para o arroz nas várias fases de tratamento.

38.   As definições de arroz com casca e de arroz descascado constantes das alíneas d) e e) da nota complementar 1 são idênticas às da OMA e à interpretação das subposições do SH. Em especial, o «arroz descascado» da subposição 1006 20 é definido como arroz a que apenas foi eliminada a casca. Por conseguinte, o arroz sujeito a tratamento posterior ao qual também já foi retirada, por exemplo, uma parte do pericarpo, já não pode, portanto, em conformidade com a nota complementar 1, alínea e), ser classificado na subposição 1006 20.

39.   Ao invés, as definições que figuram nas alíneas f) e g) da nota complementar 1 parecem apresentar diferenças em relação aos parâmetros do SH e às notas explicativas da OMA. Para o arroz semibranqueado, a alínea f) parece exigir, além da eliminação da casca e de uma parte do pericarpo, a eliminação parcial do germe, ou seja, parece estabelecer um critério suplementar.

40.   Tal interpretação seria contrária à sistemática das posições pautais e à alínea e) da nota. Assim, não seria possível classificar o arroz a que se eliminou uma parte do pericarpo mas que conserva a totalidade do germe. Com efeito, ter‑se‑ia eliminado mais do que a casca, pelo que o arroz já não podia ser considerado arroz descascado e castanho. Todavia, o que foi eliminado não seria suficiente para permitir uma classificação como arroz semibranqueado.

41.   Ora, as normas jurídicas devem ser interpretadas, sempre que possível, de modo a evitar incoerências e conflitos com direito de nível superior. Por conseguinte, é preferível outra interpretação que evite essas incoerências e conflitos.

42.   Assim, a referência ao germe contida na alínea f) da nota complementar 1 pode servir igualmente para estabelecer a delimitação relativamente ao «arroz branqueado». Essa referência torna claro que a eliminação parcial do germe não se opõe à classificação do arroz como arroz semibranqueado. Com efeito, paralelamente, é possível inferir da alínea g) da nota complementar 1 que, no caso do arroz branqueado, o germe deve ser completamente eliminado.

43.   Se a referência ao germe é entendida como critério de distinção entre arroz semibranqueado e arroz branqueado, não há o risco de modificação de posição pautal, dado que ambos os tipos de arroz estão classificados na subposição 1006 30. Ao mesmo tempo, são evitadas possíveis lacunas de classificação e é respeitada a sistemática das subposições e das notas.

44.   Por conseguinte, a nota complementar 1, alínea f), deve ser interpretada no sentido de que a referência à eliminação de uma parte do germe não estabelece qualquer exigência suplementar para a classificação do arroz como «semibranqueado» separando‑o do «descascado», mas simplesmente esclarece que a eliminação parcial do germe não é suficiente para a classificação como «arroz branqueado».

3.      Conclusão

45.   Quer por força da NC quer do SH, o arroz a que se eliminou mais do que a casca deve ser classificado na subposição 1006 30. A nota complementar 1 não faz depender a classificação de exigências diferentes das impostas pelo SH e não implica qualquer «modificação de posição pautal». Por conseguinte, não existem dúvidas quanto à validade da nota complementar 1.

B –    Quanto à segunda questão: exigências referentes à boa fé mencionada no artigo 220.°, n.° 2, alínea b), quarto parágrafo, do código aduaneiro

46.   O órgão jurisdicional de reenvio coloca a segunda questão para o caso de a nota complementar 1 ser válida. Esta condição está preenchida. Contudo, ao formular a condição, o órgão jurisdicional de reenvio presumiu que a nota complementar 1 implica uma classificação do arroz em causa no processo principal na subposição 1006 20 98 e que, deste modo, não só está em conflito com o SH, como também justifica a ordem de pagamento a que se refere o processo principal, dirigida à ASAD. Com efeito, só nesta hipótese é que ainda se coloca a questão de saber se a ASAD pode invocar a sua boa fé com base no artigo 220.°, n.° 2, alínea b), quarto parágrafo, do código aduaneiro para se opor ao pagamento. Ora, as considerações acima tecidas indicam que não é esse o caso. Deste modo, não é necessário responder à segunda questão prejudicial.

V –    Conclusão

47.   Face ao exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão prejudicial submetida pelo Gerechtshof Amsterdam:

«O exame da questão colocada não revelou nenhum elemento que ponha em causa a validade da nota complementar 1 do capítulo 10 da Nomenclatura Combinada, tal como resulta do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum. A referida nota não faz depender o conceito de ‘arroz semibranqueado’ de exigências diferentes das previstas no sistema harmonizado e nas notas explicativas do Conselho de Cooperação Aduaneira.»


1 – Língua original: alemão.


2 – V. Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, JO 1987, L 198, p. 3.


3 – V. Regulamento (CE) n.° 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Novembro de 2000, que altera o Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, JO L 311, p. 17.


4 – V. n.° 6 das presentes conclusões.


5 – V. n.os 7 e 8 das presentes conclusões.


6 – V., a este respeito, n.os 9 e 10 das presentes conclusões.


7 – V., por exemplo, acórdãos de 10 de Dezembro de 1998, Glob‑Sped (C‑328/97, Colect., p. I‑8357, n.° 26), e de 6 de Novembro de 1997, LTM (C‑201/96, Colect., p. I‑6147, n.° 17).

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