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Document 62004CC0226

    Conclusões do advogado-geral Poiares Maduro apresentadas em 8 de Septembro de 2005.
    La Cascina Soc. coop. arl e Zilch Srl contra Ministero della Difesa e outros (C-226/04) e Consorzio G. f. M. contra Ministero della Difesa e La Cascina Soc. coop. arl (C-228/04).
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunale amministrativo regionale del Lazio - Itália.
    Contratos públicos de serviços - Directiva 92/50/CEE - Artigo 29.º, primeiro parágrafo, alíneas e) e f) - Obrigações dos prestadores de serviços - Pagamento das quotizações para a segurança social, bem como dos impostos e taxas.
    Processos apensos C-226/04 e C-228/04.

    Colectânea de Jurisprudência 2006 I-01347

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:524

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    M. POIARES MADURO

    apresentadas em 8 de Setembro de 2005 1(1)

    Processos apensos C‑226/04 e C‑228/04

    La Cascina Soc. coop. arl,

    Zilch Srl

    contra

    Ministero della Difesa e Ministero dell’Economia e delle Finanze,

    Pedus Service,

    Cooperativa Italiana di Ristorazione Soc. coop. arl (CIR),

    Istituto nazionale per l’assicurazione contro gli infortuni sul lavoro (INAIL)

    e

    Consorzio G.f.M.

    contra

    Ministero della Difesa,

    La Cascina Soc. coop. arl

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale del Lazio (Itália)]

    «Contratos públicos – Processo de adjudicação de contratos públicos de serviços – Condições de exclusão dum prestador de serviços – Artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50/CEE – Incumprimento da obrigação de pagamento das contribuições da segurança social e dos impostos e taxas»





    1.     Através de duas decisões de 22 de Abril de 2004, o Tribunale amministrativo regionale del Lazio (Itália) submeteu ao Tribunal de Justiça questões respeitantes à interpretação do artigo 29.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), que possibilita a exclusão da participação nos concursos públicos de prestadores de serviços que não tenham cumprido as suas obrigações relativas ao pagamento de contribuições para a segurança social e dos impostos e taxas, respectivamente. Sendo as questões submetidas nas duas decisões de reenvio idênticas, foram estas mandadas apensar por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2004.

    I –    Factos, quadro jurídico e questões prejudiciais

    2.     As sociedades La Cascina Soc. coop. arl (a seguir «Cascina»), Zilch Srl (a seguir «Zilch»), no quadro de associações temporárias de empresas, e o consorzio G.f.M. (a seguir «G.f.M.)», com sede em Itália, participaram num concurso público restrito e acelerado para a adjudicação do contrato de prestação de serviços de restauração dos organismos e departamentos do Ministério da Defesa deslocados no território na Itália, organizado pelo referido ministério, de acordo com o Ministério da Economia e das Finanças. O concurso público, dividido em dezasseis lotes, foi publicado em Dezembro de 2002. A data‑limite para recepção das propostas de participação foi fixada em 15 de Janeiro de 2003 e o prazo para a recepção dos pedidos de participação foi fixado para 15 de Janeiro de 2003 e o prazo de recepção das propostas em 3 de Março de 2003.

    3.     Por decisão de 4 de Dezembro de 2003, a entidade adjudicante excluiu do processo de concurso a Cascina, a Zilch e o G.f.M. No que respeita ao processo C‑226/04, a empresa que liderava a associação temporária de empresas participante no processo, a Cascina, não tinha cumprido as suas obrigações em matéria de contribuições para a segurança social dos seus trabalhadores relativamente ao período de 1 de Janeiro de 2001 a 31 de Dezembro de 2002. Outra empresa do grupo, a Zilch, foi excluída pela mesma decisão, porque não tinha pago os seus impostos relativamente a diversos períodos entre 1997 e 2001. No processo C‑228/04, verificavam‑se irregularidades do G.f.M quanto às suas obrigações para com o Istituto nazionale per l’assicurazione contro gli infortuni sul lavoro (Instituto Nacional de Seguros de Acidentes de Trabalho, a seguir «INAIL»).

    4.     A decisão de exclusão foi tomada ao abrigo do artigo 12.°, alíneas d) e e), do Decreto legislativo n.° 157, de 17 de Março de 1995, substituído pelo artigo 10.° do Decreto legislativo n.° 65, de 25 de Fevereiro de 2000 (2), que dispõe que «são excluídos da participação nos concursos públicos os candidatos que não tenham cumprido todas as suas obrigações relativas ao pagamento de contribuições de segurança social dos trabalhadores, nos termos da legislação italiana ou da do Estado em que têm a sua sede; ou que não tenham cumprido todas as suas obrigações respeitantes ao pagamento de contribuições e impostos nos termos da legislação italiana ou da do Estado em que têm a sua sede».

    5.     A Cascina e a Zilch, por um lado, e o G.f.M., por outro, pediram a anulação da decisão de exclusão de 4 de Dezembro de 2003 no Tribunale amministrativo regionale del Lazio. A Cascina e o G.f.M. alegaram, designadamente, que, no que lhes diz respeito, estavam simplesmente em situação de atraso e tinham efectuado os pagamentos em causa numa data posterior. A Zilch contestou a comunicação dirigida à comissão dos concursos públicos pelo Ufficio centrale fiscale e apresentou uma certidão emitida pelo Ufficio periferico di Messina, que confirma que, em 1 de Janeiro de 2003, a Zilch tinha pago as contribuições e impostos de que era devedora. Alegou também que tinha pedido a aplicação duma lei que previa a regularização das dívidas fiscais e que tinha sido autorizada a efectuar o pagamento em prestações sucessivas.

    6.     No órgão jurisdicional nacional, a entidade adjudicante alegou, pelo contrário, que a regularização a posteriori não significava que as empresas recorrentes tivessem cumprido as suas obrigações na data do termo do prazo de apresentação do seu pedido de participação no concurso público, ou seja, em 15 de Janeiro de 2003.

    7.     O órgão jurisdicional nacional ao qual foi submetido o litígio afirma que o artigo 12.°, alíneas d) e e), do Decreto n.° 157/1995 transpõe para o direito italiano o artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50. Nos termos deste artigo, «[p]odem ser excluídos da participação num processo de adjudicação os prestadores de serviços que: [...] e) não tenham cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de quotizações para a segurança social, de acordo com as disposições legais do país onde se encontram estabelecidos ou as do país da entidade adjudicante; f) não tenham cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de impostos, de acordo com as disposições legais do país da entidade adjudicante; […] Sempre que a entidade adjudicante solicite ao prestador de serviços que prove que nenhum dos casos referidos nas alíneas a), b), c), e) e f) se lhe aplica, aceitará como prova suficiente: […] nos casos previstos nas alíneas e) e f), um certificado emitido pela autoridade competente do Estado‑Membro em questão».

    8.     Tendo reconhecido a existência de interpretações divergentes nos julgamentos proferidos por diferentes órgãos jurisdicionais italianos ao aplicarem o artigo 12.° do Decreto n.° 157/1995 e considerando que este decreto devia ser interpretado à luz da Directiva 92/50, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância e colocou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

    «1)      A directiva […] deve ser interpretada no sentido de que, quando o legislador comunitário utiliza a expressão ‘não tenham cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de quotizações para a segurança social, de acordo com as disposições legais do país onde se encontram estabelecidos ou as do país da entidade adjudicante’ ou ‘não tenham cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de impostos, de acordo com as disposições legais do país da entidade adjudicante’, pretende referir‑se – única e exclusivamente – à circunstância de que o proponente em causa tenha cumprido, mediante integral e tempestivo pagamento, as referidas obrigações na data do termo do prazo para apresentação do pedido de participação no processo de adjudicação de um contrato público (ou em momento de algum modo anterior à adjudicação do contrato […])?

    2)      Por consequência, a legislação italiana de aplicação – ao permitir, ao contrário da disposição comunitária atrás referida, a exclusão do concurso dos candidatos que ‘não estejam em situação regular no que se refere ao pagamento de impostos, segundo a legislação italiana ou a do Estado em que estejam estabelecidos’ – deve necessariamente ser interpretada como referindo‑se exclusivamente ao incumprimento destas obrigações que se verifique na data acima referida (termo do prazo para apresentação do pedido de participação ou momento que antecede imediatamente a adjudicação, mesmo que provisória, do contrato), sendo irrelevante qualquer posterior ‘regularização’ da respectiva situação?

    3)      Ou, pelo contrário (no caso de, à luz do referido supra na questão 2, a disposição nacional se dever considerar não coincidente com a ratio e o objectivo da norma comunitária), poderá considerar‑se que o legislador nacional, à luz das obrigações que lhe incumbem no âmbito da aplicação das normas comunitárias consagradas pela directiva em causa, pode prever possibilidades de admissão ao concurso também de candidatos que, embora não estando ‘em situação regular’ no momento do termo do prazo para participação no concurso, demonstrem, todavia, poder regularizar a sua situação (e ter feito diligências concretas nesse sentido) antes da adjudicação?

    4)      Também no caso de ser de considerar admissível a interpretação constante da questão 3 supra, e, por consequência, se admitir a previsão de hipóteses normativas mais flexíveis do que a acepção mais rigorosa de ‘cumprimento’ expressa pelo legislador comunitário, essa regulamentação não contraria princípios fundamentais de carácter comunitário, como o da igualdade de tratamento de todos os cidadãos da União, ou – especificamente em matéria de contratos públicos – o da garantia da par condicio de todos os concorrentes que solicitaram a sua admissão ao concurso?»

    9.     Constituíram‑se intervenientes no processo no Tribunal de Justiça a Cascina e a Zilch, os Governos austríaco e italiano e a Comissão das Comunidades Europeias. Em 30 de Junho de 2005, realizou‑se uma audiência durante a qual a Cascina, a Zilch, o G.f.M., a Pedus Service, o Governo italiano e a Comissão apresentaram as suas observações.

    10.   É conveniente recordar a título liminar que, no quadro do artigo 234.° CE, o Tribunal de Justiça não tem competência para se pronunciar sobre a interpretação de disposições legislativas ou regulamentares nacionais nem sobre a conformidade de tais disposições com o direito comunitário (3). As questões do órgão jurisdicional de reenvio devem, assim, ser reformuladas. As respostas a dar permitirão ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar a disposição nacional de transposição de modo conforme com o artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50. Com efeito, «a exigência de uma interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema do Tratado [CE], na medida em que permite ao órgão jurisdicional nacional assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito comunitário quando decide do litígio que lhe é apresentado» (4). Daí resulta para o presente caso que, embora as modalidades específicas de exclusão dos potenciais candidatos se devam determinar segundo o direito nacional (5), como a Comissão sublinha nas suas observações escritas, há, todavia, que fornecer ao órgão jurisdicional nacional uma interpretação do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50.

    11.   Verifica‑se que a primeira e a quarta questões tratam da margem de apreciação deixada ao legislador nacional para transpor o artigo 29.° da Directiva 92/50. Mais precisamente, a primeira questão suscita duas dúvidas de interpretação diversas. Por um lado, o órgão jurisdicional nacional questiona‑se quanto às consequências da divergência lexical que observa entre o texto desta directiva e a sua transposição para o direito nacional. Por outro, suscita a questão de saber se a referida directiva exige o pagamento integral e sem atraso das obrigações referidas no seu artigo 29.°, alíneas e) e f). Os princípios de direito comunitário invocados na quarta questão do órgão jurisdicional nacional serão úteis para responder a estas duas dúvidas. Com a segunda e a terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber até que momento uma empresa que participa num concurso público pode provar que cumpriu as suas obrigações fiscais e as relativas ao pagamento de quotizações de segurança social. Exporei em seguida o alcance da divergência lexical detectada, a interpretação a fazer do conceito «cumprir as suas obrigações», e, em seguida, a questão de saber até que momento uma empresa pode produzir essa prova.

    II – Análise

    A –    Alcance da divergência lexical entre o artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50 e a legislação italiana

    12.   O órgão jurisdicional nacional observou uma divergência lexical entre a locução utilizada na Directiva 92/50, que se refere a empresas que «não tenham cumprido as suas obrigações» em matéria fiscal ou de segurança social e a expressão usada pelo direito nacional que se refere a empresas que «não estejam em situação regular» no que se refere às mesmas obrigações. Segundo este órgão jurisdicional, a obrigação de estar em situação regular é muito mais imprecisa do que a de cumprir as suas obrigações. O referido órgão jurisdicional faz especialmente referência à possibilidade de uma empresa beneficiar de modalidades de regularização admitidas pelas autoridades fiscais que possam ter efeitos retroactivos.

    13.   Observemos antes de mais que o artigo 29.° da Directiva 92/50 oferece aos Estados‑Membros a faculdade de preverem causas de exclusão que enumera. Todavia, os Estados‑Membros não são obrigados a adoptar esses critérios qualitativos de selecção (6). A República Italiana fez uso dessa possibilidade ao prever na sua legislação nacional a exclusão da participação nos concursos públicos das empresas que não se encontrem «em situação regular» no que respeita às suas obrigações fiscais e de quotização para a segurança social.

    14.   Em segundo lugar, embora o órgão jurisdicional a quo concentre a sua argumentação na divergência lexical que observa entre a disposição nacional e o texto comunitário, esta divergência não se mostra significativa. Com efeito, uma directiva, por definição, fixa os resultados a alcançar, deixando aos Estados‑Membros a liberdade de escolherem os meios adaptados a esse objectivo, como prevê o artigo 249.° CE. Além disso, não existe qualquer diferença de efeitos entre as expressões «estar em situação regular com» e «ter cumprido» obrigações de natureza regulamentar, que, como observa com razão o Governo italiano nas suas observações escritas, são utilizadas indistintamente nas directivas comunitárias relativas aos contratos públicos, quer na versão italiana quer noutras versões linguísticas (7).

    15.   Por conseguinte, deve responder‑se à primeira questão, tal como é reformulada, que a expressão «cumprir as suas obrigações», que consta do texto da Directiva 92/50, pode ser interpretada no sentido de que significa «estar em situação regular», tal como se menciona na disposição italiana que a transpôs, já que as duas expressões têm o mesmo sentido.

    B –    O conceito «cumprir as suas obrigações» na acepção do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50

    16.   O órgão jurisdicional de reenvio suscita três questões de interpretação: em primeiro lugar, os efeitos dum atraso no pagamento; em segundo lugar, as consequências do pagamento em prestações concedido pela administração e, em terceiro lugar, os efeitos da interposição dum recurso administrativo ou contencioso para contestar a existência ou o montante duma obrigação de pagamento.

    1.      Efeitos do atraso no pagamento

    17.   O órgão jurisdicional nacional questiona‑se antes de mais quanto à questão de saber se o artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50 deve ser interpretado no sentido de que exige o pagamento das obrigações que menciona «integralmente e sem atraso».

    18.   A Cascina alega a este propósito que um simples atraso de pagamento não pode implicar uma exclusão. A recorrente apresenta dois argumentos sobre esta questão. Por um lado, considera que a obrigação de pagamento referida no artigo 29.° da Directiva 92/50 não tem por objecto o pagamento efectivo, mas o conjunto de actividades preparatórias para cumprir a obrigação de pagamento. Uma interpretação tão manifestamente contrária à letra e ao espírito da disposição a interpretar deve ser recusada.

    19.   O segundo argumento da recorrente é mais sério. Na sua opinião, do ponto de vista sistemático, ou seja, se se compararem as diferentes causas de exclusão enumeradas no artigo 29.° da Directiva 92/50, é absurdo autorizar uma sociedade fortemente endividada a participar num concurso, só porque não se encontra em estado de falência, de liquidação, de cessação de actividade ou sujeita a qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios em estado de insolvência [artigo 29.°, alíneas a) e b), da referida directiva], ao mesmo tempo que se recusa a uma sociedade ligeiramente endividada a participação no mesmo concurso, sob o pretexto de que está atrasada no cumprimento das suas obrigações fiscais ou no pagamento de quotizações para a segurança social. A Cascina conclui daí que o atraso no pagamento, que se deve distinguir da falta de pagamento, não pode implicar a exclusão nos termos do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50.

    20.   Antes de mais, embora a interpretação sistemática permita frequentemente ao Tribunal de Justiça esclarecer o sentido duma disposição, observemos que a interpretação sugerida pela recorrente é contrária à redacção do referido artigo.

    21.   Em seguida, a ideia defendida pela Cascina de que as dívidas ao Estado ou a organismos públicos a título de impostos, contribuições ou quotizações de segurança social e as dívidas a outros credores devem ser consideradas em conjunto para determinar a solvabilidade dum concorrente é incorrecta, pois pressupõe que estas duas categorias de dívidas têm a mesma natureza, o que não é verdade.

    22.   Finalmente, a argumentação da recorrente não pode ser acolhida por se fundar numa apreciação errada dos objectivos prosseguidos pelos critérios de selecção qualitativa no sistema da Directiva 92/50. A este propósito, o Tribunal de Justiça já decidiu no acórdão Holst Italia (8) que «os critérios de selecção qualitativa fixados no capítulo 2 do título VI da Directiva 92/50 têm por único objecto definir as regras de apreciação objectiva da capacidade dos proponentes». Ora, a capacidade das empresas não depende exclusivamente da sua solvabilidade. Com efeito, os critérios aplicáveis para efeitos de selecção qualitativa reúnem critérios respeitantes à situação pessoal do proponente, à sua capacidade económica ou ainda ao seu saber fazer, à sua eficácia, à sua experiência e à sua credibilidade. Como observa o Governo italiano com razão, o objectivo prosseguido pelo artigo 29.° da Directiva 92/50 é justamente garantir a credibilidade dos candidatos (9).

    23.   Mais precisamente, o referido artigo 29.°, alíneas e) e f), incita as empresas a pagarem os seus impostos, contribuições e quotizações sociais. Ao mesmo tempo, esta disposição permite à entidade adjudicante atribuir contratos públicos rentáveis exclusivamente a empresas que tenham pago previamente estas diversas imposições, a fim de proteger os interesses do Estado enquanto credor de impostos.

    24.   Há que reconhecer que as causas de exclusão enumeradas no artigo 29.° da Directiva 92/50 não se destinam apenas a garantir a solvabilidade do prestador de serviços em questão, que é o objectivo do artigo 31.° da referida directiva, mas antes a evitar que este retire uma vantagem ilícita em relação aos seus concorrentes para a obtenção do contrato público do facto de não pagar os seus impostos ou quotizações para a segurança social. Por conseguinte, a exclusão de empresas que não tenham cumprido as suas obrigações de pagamento das quotizações para a segurança social ou dos impostos justifica‑se pelo risco de ruptura da igualdade de oportunidades entre concorrentes que poderia resultar da participação no concurso de empresas que não estão em situação regular no que se refere a essas obrigações legais.

    25.   O princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes está subjacente ao direito dos contratos públicos (10) e permite assegurar que todos os potenciais concorrentes num concurso disponham das mesmas possibilidades na formulação dos termos dos seus pedidos de participação ou das suas propostas (11). Este princípio está expressamente inscrito no artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 92/50, que prevê que «[a]s entidades adjudicantes assegurarão que não se verifique qualquer discriminação entre os vários prestadores de serviços».

    26.   Assim, o artigo 29.° da Directiva 92/50 deve ser interpretado no sentido de que enumera causas que implicam a exclusão de concorrentes da participação num concurso público em nome do princípio da igualdade de tratamento. Tal exclusão implica necessariamente que se introduza uma limitação no objectivo paralelo de encorajar a concorrência, prosseguido pela Directiva 92/50 (12). Esta limitação é, no entanto, inerente ao sistema da referida directiva, que só visa encorajar a concorrência entre prestadores de serviços na medida em que esta se faça respeitando o princípio da igualdade de tratamento dos candidatos (13).

    27.   Uma vez que a exclusão dum concorrente que não tenha feito o pagamento das suas obrigações de quotizações para a segurança social ou dos impostos foi decidida para garantir a igualdade de tratamento dos proponentes, não há que fazer qualquer distinção entre falta de pagamento e atraso no pagamento. Com efeito, se uma empresa pudesse invocar tal atraso para evitar ser excluída da participação num concurso, nos termos do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50, a aplicação desta disposição ficaria seriamente limitada. Ora, a prova exigida por esta disposição não é a de que a empresa em questão tem a intenção de cumprir numa data posterior obrigações legais, prova que, diga‑se de passagem, seria delicada, mas, pelo contrário, a prova do pagamento efectivo das obrigações vencidas (14). O carácter não discriminatório do processo de selecção dos prestadores de serviços só pode ser assegurado por um critério definido objectivamente. Por conseguinte, a aplicação do referido artigo 29.°, alíneas e) e f), necessita que se verifique objectivamente que a empresa em questão procedeu ao pagamento efectivo das obrigações nele previstas.

    2.      Consequências da autorização do pagamento das dívidas em prestações

    28.   O órgão jurisdicional nacional questiona‑se, em segundo lugar, quanto à relevância do pagamento em prestações autorizado pela administração para se concluir que uma empresa não cumpriu as suas obrigações na acepção do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50. A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência a uma decisão do Tribunale amministrativo regionale per la Puglia, de 12 de Fevereiro de 2004, n.° 1114, que interpretou o artigo 12.° do Decreto n.° 157/1995 no sentido de que é aplicável não apenas às empresas que se evadiram às obrigações de pagamento das quotizações, mas também às que não pagaram quotizações. Pelo contrário, as empresas que beneficiam de procedimentos de regularização que prevêem a concessão de prazos adicionais ou o pagamento em prestações e as que interpuseram recursos administrativos ou judiciais que ainda não tenham sido decididos definitivamente não podem ser excluídas nos termos do mesmo artigo.

    29.   Antes de mais, importa recordar que, de qualquer modo, o montante e a data do vencimento das obrigações fiscais e das obrigações de quotizações para a segurança social são definidos pelo direito nacional. Todavia, sem prejuízo da interpretação do direito nacional pelo órgão jurisdicional aquo, parece que, a partir do momento em que a Administração Fiscal ou a autoridade competente tenha aceitado o pagamento em prestações das quotizações para a segurança social devidas por uma empresa, já não pode considerar‑se que esta está em atraso.

    30.   Além disso, na aplicação do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50, o ónus da prova incumbe à empresa que deseja participar no concurso, como recorda a Comissão nas suas observações escritas. Uma empresa que tenha obtido autorização da administração para pagamento da sua dívida fiscal em prestações ou que tenha regularizado a sua situação em relação à Administração Fiscal, para usar a mesma expressão do órgão jurisdicional de reenvio, receberá da mesma autoridade certidão comprovativa de que cumpriu as suas obrigações para efeitos do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50 (15).

    3.      Efeitos da interposição de um recurso administrativo ou contencioso

    31.   O último ponto suscitado pelo órgão jurisdicional a quo sobre a interpretação do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50 respeita aos casos em que uma empresa tenha interposto um recurso administrativo ou contencioso duma decisão da administração, com o objectivo de contestar o montante das quotizações sociais ou dos impostos de que é devedora. No caso vertente, resulta dos autos que a Cascina interpôs recursos administrativos através de duas cartas dirigidas ao INAIL em 6 de Fevereiro de 2002. O órgão jurisdicional de reenvio cita a este propósito uma decisão do Tribunale amministrativo regionale per l’Umbria n.° 890, de 30 Novembro de 2002, na qual, pelo facto de a obrigação fiscal ter sido contestada perante a jurisdição fiscal, se entendeu que a empresa em causa não podia ser excluída da participação no concurso sob o pretexto de não estar em situação regular relativamente ao pagamento dos impostos. Na opinião do órgão jurisdicional de reenvio, a mesma análise foi feita pelo Consiglio di Stato (16).

    32.   O Governo italiano considerou nas suas observações escritas que mesmo a interposição de um recurso contencioso destinado a contestar o montante dos impostos e quotizações para a segurança social devidos não deveria impedir a conclusão de que a empresa em questão não cumpriu as suas obrigações na acepção do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50. No entanto, na audiência, admitiu que, se o recurso tivesse sido interposto antes do pedido de participação no concurso, podia ter como efeito impedir a exclusão da empresa, desde que a entidade adjudicante fosse informada da existência do recurso.

    33.   A posição assumida pela Comissão na audiência é também modulada, uma vez que propõe que se distingam os casos em que o recorrente invoca um erro da administração dos casos em que o contribuinte se limita a pedir clemência da Administração Fiscal. A admissão ao concurso só poderia ser admitida no primeiro caso.

    34.   Pelo contrário, a Cascina e a Zilch alegam que o respeito do direito de defesa, protegido pelo artigo 24.° da Constituição italiana, impede que se conclua que uma empresa que interpôs um recurso contencioso ou administrativo não está em situação regular quanto às suas obrigações fiscais ou sociais.

    35.   O direito comunitário, neste caso o artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50, limita‑se a prever a exclusão duma empresa que não tenha cumprido as obrigações mencionadas nesse artigo. Pelo contrário, compete ao direito nacional precisar o montante devido por uma empresa a título de impostos ou de quotizações para a segurança social e as consequências da interposição dum recurso administrativo ou contencioso sobre a situação duma empresa em relação à administração.

    36.   Ora, é inegável que a interposição dum recurso contra um órgão da Administração Fiscal pode ter efeitos jurídicos distintos consoante o direito nacional em causa. Assim, por exemplo, o efeito suspensivo ou não suspensivo do recurso e as condições em que o juiz pode decidi‑lo diferem dum sistema jurídico para outro (17). Por conseguinte, a diversidade dos direitos nacionais pode ter como consequência que a certas empresas que interpuseram recurso será concedida a possibilidade de concorrer, enquanto outras, sujeitas a impostos noutro Estado‑Membro, serão excluídas do mesmo mercado por se considerar que não estão em situação regular quanto às suas obrigações fiscais e sociais.

    37.   Todavia, correspondendo a interposição de um recurso ao exercício dum direito, não deveria ter como consequência automática a exclusão da recorrente de qualquer concurso público, tanto menos quanto a interposição do recurso não pode em si mesma afectar a credibilidade da empresa, objectivo do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50. Excluir uma empresa por ter interposto um recurso seria tanto mais nefasto quanto a sua exclusão poderia ser contestada e implicar a necessidade de a indemnizar se, no termo do recurso, viesse a obter ganho de causa. Nestas circunstâncias, a anulação da decisão de exclusão poderia implicar a anulação da adjudicação do contrato.

    38.   Contudo, se a simples interposição dum recurso tivesse como consequência automática que o recorrente deveria ser admitido a participar no concurso, o risco seria incitar as empresas a interporem recursos de modo abusivo ou numa perspectiva dilatória. Além disso, se uma empresa fosse vencida no recurso interposto depois de ter ganho o concurso, os seus concorrentes teriam sido desfavorecidos e não poderiam pôr em causa o processo de adjudicação.

    39.   O direito comunitário não prevê opção a esta alternativa. Com efeito, a Directiva 92/50 confere uma margem de apreciação aos Estados‑Membros para apreciarem se as empresas que interpuseram recurso estão ou não em situação fiscal regular. Esta situação de facto é determinada pela ordem jurídica nacional de origem das empresas que pretendem concorrer, enquanto as consequências quanto à admissão ao concurso são estabelecidas mediante a aplicação do direito da entidade adjudicante, desde que seja respeitado o direito de defesa e o princípio da igualdade de tratamento das empresas. Assim, todos os potenciais participantes num concurso estão sujeitos a regras uniformes.

    40.   As garantias necessárias ao exercício do direito de defesa no que se refere à interposição dum recurso relevam do direito nacional e das modalidades processuais que o mesmo define, tal como são aplicadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais (como, por exemplo, no caso vertente, pelo Consiglio di Stato), sem prejuízo do respeito dos princípios fundamentais do direito comunitário (18).

    41.   A exigência de igualdade de tratamento dos candidatos impõe que a situação fiscal das empresas, determinada pelo seu direito nacional de origem, seja reconhecida de modo idêntico quanto às consequências sobre a sua admissão ao concurso. Por isso, a ordem jurídica italiana, que determina, nomeadamente segundo princípios constitucionais, que as empresas que interpuseram um recurso para impugnar uma dívida fiscal não podem ser impedidas de participar num concurso público por este motivo, é conforme com as prescrições do direito comunitário, desde que uma regra idêntica se aplique a todos os participantes no concurso que tenham interposto um recurso semelhante noutro Estado‑Membro.

    42.   Por consequência, o artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50 não se opõe a uma norma nacional ou a uma interpretação de normas nacionais segundo a qual se considera que uma empresa que tenha interposto um recurso administrativo ou contencioso cumpriu as suas obrigações até que seja proferida uma decisão definitiva.

    43.   À luz da exposição que precede, deve responder‑se à segunda questão, tal como é reformulada, que o conceito de «cumprir as suas obrigações» na acepção do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50 deve ser interpretado no sentido de que exige o pagamento efectivo das obrigações em causa, cujo montante e data de vencimento são determinados pelo direito nacional, e de que não se opõe a uma norma nacional ou a uma interpretação de normas nacionais segundo a qual se considera que uma empresa que tenha interposto um recurso administrativo ou contencioso cumpriu as suas obrigações até que seja proferida uma decisão definitiva.

    C –    Prazo para fazer prova do respeito dos critérios de selecção qualitativa

    44.   A terceira questão submetida ao Tribunal de Justiça diz respeito ao prazo em que as empresas devem fazer prova de que cumpriram os critérios de selecção qualitativa mencionados no artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50. Observemos desde já que, como sustenta o Governo austríaco nas suas observações escritas, esta apreciação deve ocorrer numa data única. Por isso, poderiam a priori considerar‑se três datas: a do termo do prazo para apresentação do pedido de participação, a do termo do prazo de apresentação das propostas ou ainda o momento da adjudicação do contrato.

    45.   Segundo a Comissão, a data pertinente deve ser a do termo do prazo para apresentar o pedido de participação no concurso. Segundo o Governo austríaco, o prestador de serviços pode fazer prova de que cumpriu as suas obrigações fiscais ou sociais até ao termo do prazo para apresentação das propostas. A Cascina e a Zilch, pelo contrário, alegam que uma empresa pode provar que respeitou os critérios de selecção qualitativa enquanto não tiver ocorrido a adjudicação provisória do contrato.

    46.   É ponto assente que o sistema de adjudicação de contratos públicos de serviços instituído pela Directiva 92/50 está estruturado em duas fases: por um lado, a selecção dos candidatos admitidos a concurso em função das suas capacidades técnicas, financeiras e de outros critérios qualitativos e, por outro, a selecção das propostas apresentadas, aplicando os critérios de adjudicação (19). Esta separação em duas fases dos procedimentos de adjudicação é comum a todas as directivas relativas aos concursos públicos (20).

    47.   A maior parte das vezes, a separação conceptual em duas fases distintas corresponde a uma divisão temporal entre elas. Assim, numa primeira fase, a entidade adjudicante convidará os operadores económicos, num prazo preciso, a manifestar o seu interesse por um contrato e a fornecer a prova de que preenchem os critérios qualitativos de selecção válidos para o contrato em questão. No termo dessa fase, é fixado novo prazo aos concorrentes seleccionados para apresentarem uma proposta completa. Finalmente, a adjudicação final do contrato far‑se‑á aplicando os critérios de adjudicação do contrato previamente definidos.

    48.   A definição de duas fases distintas no processo de adjudicação beneficia tanto a entidade adjudicante, que examina apenas as propostas de empresas cuja capacidade já está provada, como os proponentes, que só farão os esforços necessários para formular tal proposta se a sua capacidade satisfizer as exigências da entidade adjudicante.

    49.   Se o concurso for organizado desta forma, as empresas só poderão ser admitidas a apresentar a prova de que preenchem os critérios de selecção qualitativa até ao termo do prazo fixado para apresentação do pedido de participação no concurso. Com efeito, a prorrogação do prazo para lá dessa data equivaleria na prática a impedir a entidade adjudicante de decidir quanto à capacidade das empresas para participarem no concurso antes da apreciação pormenorizada das propostas (21).

    50.   Porém, o processo de adjudicação, sem infringir a Directiva 92/50, pode compor‑se apenas duma fase. Com efeito, a distinção entre os critérios de selecção dos operadores económicos e os critérios de adjudicação dum contrato não implica que a apreciação destes critérios ocorra sempre em momentos distintos. Afirma‑se, aliás, nos processos Beentjes e GAT, já referidos, que mesmo se a Directiva 93/36 «não exclui que a verificação da aptidão dos proponentes e a adjudicação das obras possam ter lugar simultaneamente, as duas operações são reguladas por normas diferentes» (22). Resulta desta jurisprudência, transponível para a interpretação da Directiva 92/50, que a entidade adjudicante tem a liberdade de apreciar simultaneamente o respeito dos critérios de selecção qualitativa pelos candidatos, conferindo‑lhes o direito de participarem no concurso, e as suas propostas em função dos critérios de adjudicação do contrato.

    51.   Neste contexto, a prova do respeito dos critérios de selecção qualitativa poderia ser feita até ao termo do prazo fixado para apresentação das propostas. Com efeito, se a entidade adjudicante proceder simultaneamente à apreciação do respeito dos critérios de selecção e das propostas apresentadas, não há qualquer utilidade em fixar dois prazos distintos para apresentação das informações relativas ao respeito dos critérios de selecção, por um lado, e das informações relativas à proposta apresentada, por outro. Pelo contrário, não pode admitir‑se posteriormente qualquer prova do respeito dos critérios de selecção qualitativa, pois qualquer modificação posterior do processo de candidatura duma empresa após o termo desse prazo implicaria uma ruptura da igualdade de tratamento dos candidatos (23).

    52.   Além disso, se se permitisse a uma empresa, após a adjudicação do contrato, provar que cumpriu os critérios de selecção qualitativa, as duas fases do processo de adjudicação confundir‑se‑iam. Como lembra a este propósito o Governo italiano, também existe o risco de que as empresas só cumpram as suas obrigações fiscais após terem conhecimento da evolução a seu favor do processo de adjudicação. Ora, não seria aceitável que as empresas integrem assim as suas obrigações fiscais numa análise custo/benefício e adiem indevidamente o pagamento das suas dívidas ao Estado.

    53.   Decorre do exposto que se deve responder à terceira questão, tal como é reformulada, que uma empresa pode ser autorizada a fazer a prova de que cumpriu os critérios de selecção qualitativa aplicáveis a um concurso público até ao termo do prazo para apresentação do pedido de participação, a menos que a entidade adjudicante aprecie simultaneamente o respeito dos critérios de selecção e as propostas dos candidatos, caso em que o prazo aplicável será o fixado para a apresentação das propostas.

    III – Conclusão

    54.   À luz das considerações expendidas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões do órgão jurisdicional nacional submetidas pelo Tribunale amministrativo regionale del Lazio do modo seguinte:

    «1)      A expressão ‘cumprir as suas obrigações’, que consta do texto da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, pode ser interpretada no sentido de que significa ‘estar em situação regular’, tal como se menciona na disposição italiana que a transpôs, já que as duas expressões têm o mesmo sentido.

    2)      O conceito de ‘cumprir as suas obrigações’ na acepção do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50 deve ser interpretado no sentido de que exige o pagamento efectivo das obrigações em causa, cujo montante e data de vencimento são determinados pelo direito nacional, e de que não se opõe a uma norma nacional ou a uma interpretação de normas nacionais segundo a qual se considera que uma empresa que tenha interposto um recurso administrativo ou contencioso cumpriu as suas obrigações até que seja proferida uma decisão definitiva.

    3)      Uma empresa pode ser autorizada a fazer a prova de que cumpriu os critérios de selecção qualitativa aplicáveis a um concurso público, nos termos do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50, até ao termo do prazo para apresentação do pedido de participação, a menos que a entidade adjudicante aprecie simultaneamente o respeito dos critérios de selecção e as propostas dos candidatos, caso em que o prazo aplicável será o fixado para a apresentação das propostas.»


    1 – Língua original: português.


    2 – Decretos publicados no GURI n.° 104, de 6 de Maio de 1995, e no GURI n.° 70, de 24 de Março de 2000, respectivamente (a seguir «Decreto n.° 157/1995»).


    3 – V., nomeadamente, acórdão de 23 de Janeiro de 2003, Makedoniko Metro e Michaniki (C‑57/01, Colect., p. I‑1091, n.° 55 e jurisprudência aí referida).


    4 – Acórdão de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer (C‑397/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 114). A obrigação de interpretação conforme estava originariamente fundada em parte no artigo 10.° CE: v. o n.° 26 do acórdão de 10 de Abril de 1984, Von Colson e Kamann (14/83, Colect., p. 1891): «Deve recordar‑se que a obrigação dos Estados‑Membros, decorrente de uma directiva, de atingir o resultado por ela prosseguido, bem como o seu dever, por força do artigo 5.° do Tratado, de tomar todas as medidas gerais ou especiais adequadas a assegurar a execução dessa obrigação, impõem‑se a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, os órgãos jurisdicionais»; acórdão de 13 de Novembro de 1990, Marleasing (C‑106/89, Colect., p. I‑4135, n.° 8). V., a este propósito, Prechal, S., Directives in EC Law, 2.a edição, Oxford, 2005.


    5 – Quanto à Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2001/78/CE da Comissão, de 13 de Setembro de 2001 (JO L 285, p. 1, a seguir «Directiva 93/37»), ver acórdão de 12 de Dezembro de 2002, Universale‑Bau (C‑470/99, Colect., p. I‑11617), cujo n.° 88 explica que, «[c]om efeito, do título e do segundo considerando da Directiva 93/37 resulta que esta apenas visa a coordenação dos processos nacionais de adjudicação de empreitadas de obras públicas, pelo que não prevê um sistema completo de regras comunitárias nesta matéria (v., designadamente, acórdão de 27 de Novembro de 2001, Lombardini e Mantovani, C‑285/99 e C‑286/99, Colect., p. I‑9233, n.° 33)».


    6 – O artigo 29.° da Directiva 92/50 dispõe, com efeito, que «[p]odem ser excluídos […]» (sublinhado nosso).


    7 – Para as empreitadas de obras públicas, o artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50 tem como equivalente o artigo 24.°, alíneas e) e f), da Directiva 93/37. A versão italiana deste último artigo menciona «che non sia in regola»; a versão francesa «qui n’est pas en règle», a versão espanhola «que no esté al corriente», a versão portuguesa «não tenham cumprido», a versão inglesa «has not fulfilled» e a versão alemã «nicht erfüllt haben». O artigo 20.°, n.° 1, alíneas e) e f), da Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1), alterada pela Directiva 2001/78, utiliza também a expressão «qui n’est pas en règle» na versão francesa, enquanto em italiano a expressão escolhida é «non abbia adempiuto» e em português «não tenham cumprido». O artigo 45.°, n.° 2, alíneas e) e f), da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), é significativo, uma vez que visa unificar as disposições em vigor em diferentes directivas, nomeadamente nas Directivas 92/50 e 93/37. A versão francesa utiliza a expressão «qui n’est pas en règle», a versão italiana «che non sia in regola», a versão espanhola «que no esté al corriente», a versão portuguesa «não tenham cumprido», a versão inglesa «has not fulfilled» e a versão alemã «nicht erfüllt haben».


    8 – Acórdão de 2 de Dezembro de 1999 (C‑176/98, Colect., p. I‑8607, n.° 25).


    9 – A este respeito, podemos referir‑nos ao n.° 26 das conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo Holst Italia, já referido, segundo as quais os critérios de selecção qualitativa também têm por objectivo a protecção da entidade adjudicante.


    10 – Acórdãos de 18 de Novembro de 1999, Unitron Scandinavia e 3‑S (C‑275/98, Colect., p. I‑8291, n.° 31); de 7 de Dezembro de 2000, ARGE (C‑94/99, Colect., p. I‑11037, n.° 24); de 7 de Dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress (C‑324/98, Colect., p. I‑10745, n.° 61); de 18 de Junho de 2002, HI (C‑92/00, Colect., p. I‑5553, n.° 45), e de 19 de Junho de 2003, GAT (C‑315/01, Colect., p. I‑6351, n.° 73). Para recordar a jurisprudência reiterada anterior sobre esta questão, ver os n.os 20 e 21 das conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo HI, já referido. V. também o segundo considerando da Directiva 2004/18, que afirma que «[a] adjudicação de contratos celebrados nos Estados‑Membros por conta do Estado, das autarquias locais e regionais e de outros organismos de direito público deve respeitar os princípios do Tratado, nomeadamente os princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, assim como os princípios deles resultantes, tais como os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência».


    11 – Relativamente à Directiva 93/37, acórdão Universale‑Bau, já referido, n.° 93.


    12 – Este objectivo está inscrito no vigésimo considerando da Directiva 92/50, que estipula que «para eliminar as práticas que restringem a concorrência, em geral, e, em particular, as que restringem a participação nos contratos de nacionais de outros Estados‑Membros, é necessário melhorar o acesso dos prestadores de serviços aos processos de adjudicação dos contratos». Está igualmente expresso no artigo 13.°, n.° 5, da mesma directiva, que prevê que: «[o] número dos candidatos convidados a participar nos concursos para trabalhos de concepção deve contemplar, sempre, a necessidade de se assegurar uma concorrência efectiva» e no artigo 27.°, n.° 2, segundo parágrafo, da mesma directiva, segundo o qual «[d]e qualquer modo, o número de candidatos convidados a apresentarem propostas deve ser suficiente para assegurar uma concorrência efectiva». Quanto à Directiva 93/37, ver também o acórdão de 7 de Outubro de 2004, Sintesi (C‑247/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 35).


    13 – Cassia, P., «Contrats publics et principe communautaire d’égalité de traitement», RTDE, 2002, p. 413, 420, que afirma que «[o] princípio comunitário da igualdade contribui para assegurar o desenvolvimento duma efectiva concorrência na atribuição e execução dos contratos públicos».


    14 – O carácter periódico do pagamento das obrigações de quotização para a segurança social e dos impostos impede, aliás, que os prestadores de serviços autorizados inscritos nas listas oficiais possam beneficiar duma presunção de que satisfazem os critérios de selecção qualitativos referidos mencionados no artigo 29.°, alíneas e) e f), como resulta do artigo 35.°, n.° 3, primeiro e segundo parágrafos, da Directiva 92/50.


    15 – Se o pedido de pagamento em prestações da dívida fiscal ou social ainda não tiver sido deferido pela administração no momento pertinente em que a empresa é obrigada a demonstrar que cumpriu estas obrigações, não pode, logicamente, considerar‑se que esta se encontra em situação conforme com o artigo 29.° da Directiva 92/50.


    16 – Quinta Secção, 1 de Dezembro de 2003, n.° 7836. Acórdão reproduzido como anexo 3 das observações escritas apresentadas pela Cascina no Tribunal de Justiça.


    17 – Se o direito nacional confere o efeito suspensivo à interposição do recurso, deverá considerar‑se que a empresa que o interpôs cumpriu as suas obrigações, na acepção do artigo 29.°, alíneas e) e f), da Directiva 92/50, até ao momento em que uma decisão definitiva tiver decidido sobre as suas pretensões. Pelo contrário, na falta de efeito suspensivo da obrigação de pagamento segundo o direito nacional, a recorrente continuará obrigada a executar as suas obrigações de pagamento para se conformar com o referido artigo, sem prejuízo de reembolso posterior a seu favor. Esta apresentação sistemática não é, naturalmente, exaustiva, podendo a obrigação de pagamento ser submetida, por exemplo à constituição duma garantia pela empresa.


    18 – V. acórdão de 10 de Novembro de 1993, Otto (C‑60/92, Colect., p. I‑5683, n.° 14).


    19 – Acórdão de 20 de Setembro de 1988, Beentjes (C‑31/87, Colect., p. 4635), que afirma no seu n.° 15 que «a verificação da aptidão dos empreiteiros para executar as obras a adjudicar e a adjudicação das obras são duas operações diferentes no âmbito da adjudicação de uma empreitada de obras públicas». V. também as conclusões do advogado‑geral M. Darmon neste processo, que afirma no n.° 36 que «[a]o fazê‑lo, a directiva distingue claramente os critérios de verificação da aptidão, que se relacionam com as qualidades do empreiteiro, dos da adjudicação da obra, relativos às qualidades da prestação que ele oferece e do trabalho que se propõe executar». V. também acórdão GAT, já referido, n.° 59.


    20 – Sistema comum a todas as directivas relativas aos contratos públicos e mantido na Directiva 2004/18. O artigo 45.° desta directiva reproduz os critérios qualitativos a que podem estar sujeitos os operadores económicos candidatos à contratação pública.


    21 – Pelo contrário, a entidade adjudicante conserva a possibilidade de declarar que uma empresa não preenche os critérios de selecção qualitativa até à adjudicação do contrato.


    22 – Acórdãos, já referidos, Beentjes, n.° 16, e GAT, n.° 60.


    23 – V., por analogia, acórdão Makedoniko Metro e Michaniki, já referido, que fez a interpretação da Directiva 93/37 no sentido de que a mesma não se opõe à proibição, prevista pelo direito nacional, de modificar a composição dum agrupamento de empresas que participa num processo de adjudicação dum contrato público de empreitada após a apresentação das propostas.

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