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Document 62003TO0086

Despacho do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) de 4 de Maio de 2005.
Holcim (France) SA contra Comissão das Comunidades Europeias.
Execução de um acórdão do Tribunal - Anulação de uma decisão de aplicação de uma coima à recorrente - Recusa por parte da Comissão de pagar juros sobre o montante da coima - Reparação do dano.
Processo T-86/03.

Colectânea de Jurisprudência 2005 II-01539

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2005:157

Processo T‑86/03

Holcim (França) SA

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Execução de um acórdão do Tribunal – Anulação de uma decisão de aplicação de uma coima à recorrente – Recusa por parte da Comissão de pagar juros sobre o montante da coima – Reparação do dano»

Despacho do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) de 4 de Maio de 2005 

Sumário do despacho

1.     Recurso de anulação – Acórdão de anulação – Efeitos – Acórdão que anula a coima aplicada a uma empresa por infracção às normas da concorrência ou que reduz o seu montante – Obrigação de adoptar medidas de execução – Alcance – Restituição do montante indevidamente pago e pagamento de juros de mora

(Artigo 233.° CE)

2.     Recurso de anulação – Acórdão de anulação – Acórdão que anula a coima aplicada a uma empresa por infracção às normas da concorrência ou que reduz o seu montante – Violação da obrigação de adoptar medidas de execução – Vias de direito ao dispor

(Artigos 232.° CE, 233.° CE, 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE)

3.     Acção de indemnização – Prazos de acção – Prescrição quinquenal – Pedido de indemnização dirigido às instituições e não seguido de um recurso de anulação ou de uma acção por omissão – Irrelevância

(Artigos 230.° CE e 232.° CE; Estatuo do Tribunal de Justiça, artigo 46.°)

1.     As obrigações que incumbem à Comissão, por força do artigo 233.° CE, para assegurar a execução de um acórdão que anula ou reduz a coima aplicada a uma empresa por infracção às normas da concorrência, comportam, em primeiro lugar, a obrigação de a Comissão restituir total ou parcialmente o montante da coima paga pela empresa em causa, na medida em que esse pagamento deva ser considerado indevido na sequência da decisão de anulação. Essa obrigação visa não só a restituição do montante da coima indevidamente paga, mas também o pagamento dos juros de mora vencidos sobre esse montante.

Consequentemente, ao não conceder quaisquer juros de mora sobre o montante principal da coima reembolsado na sequência de tal acórdão, a Comissão não toma uma medida que comporta execução desse acórdão e, por esse facto, viola as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 233.° CE.

(cf. n.os 30, 31)

2.     As vias de direito ao dispor da interessada no caso de alegado incumprimento das obrigações que incumbem à Comissão, nos termos do artigo 233.° CE, para a execução de um acórdão de anulação ou redução da coima aplicada a uma empresa por infracção às normas de concorrência, são, em alternativa, a da acção por omissão prevista no artigo 232.° CE, e a da acção de indemnização prevista pelos artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE.

(cf. n.° 33)

3.     O artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, relativo ao prazo de prescrição previsto para as acções em matéria de responsabilidade extracontratual das instituições não pode ser interpretado no sentido de que uma pessoa que dirija um pedido prévio à instituição competente, no prazo de cinco anos nele previsto, deva ficar privada do seu direito se não intentar uma acção de indemnização no prazo de dois meses previsto no artigo 230.° CE no caso de lhe ser notificada uma decisão de recusa desse pedido, ou no prazo de dois meses previsto no artigo 232.°, segundo parágrafo, CE no caso de a instituição em causa não ter tomado posição dentro dos dois meses a contar desse pedido.

Com efeito, resulta do próprio teor dos segundo e terceiro períodos do artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça que esta disposição não tem por objectivo diminuir o prazo de prescrição de cinco anos mas sim proteger os interessados evitando que determinados períodos sejam contabilizados no cálculo desse prazo. Assim, o terceiro período do artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça tem apenas por objectivo adiar o termo do prazo de cinco anos quando uma petição ou um pedido prévio, apresentados dentro desse prazo, dêem início à contagem dos prazos previstos nos artigos 230.° CE ou 232.° CE. Em caso algum a sua aplicação pode conduzir à diminuição do prazo de prescrição de cinco anos previsto no primeiro período do artigo 46.°

(cf. n.os 38, 39)




DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

4 de Maio de 2005 (*)

«Execução de um acórdão do Tribunal – Anulação de uma decisão de aplicação de uma coima à recorrente – Recusa por parte da Comissão de pagar juros sobre o montante da coima – Reparação do dano»

No processo T‑86/03,

Holcim (France) SA, anteriormente Groupe Origny SA, com sede em Paris (França), representada por M.‑P. Hutin‑Houillon, avocat, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal e C. Inge‑Housz, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto um pedido, nos termos dos artigos 233.° CE e 288.° CE, de reparação do prejuízo alegadamente sofrido pela recorrente na sequência da recusa, por parte da Comissão, de lhe pagar juros moratórios sobre o montante restituído em execução de um acórdão do Tribunal que anulou a decisão que lhe havia aplicado uma coima,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, N. J. Forwood e S. Papasavvas, juízes,

secretário: H. Jung,

profere o presente

Despacho

 Factos na origem do litígio

1       Em 30 de Novembro de 1994, a Comissão adoptou a decisão 94/815/CE relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° CE (processos IV/33.126 e IV/33.322 – Cimento) (JO L 343, p. 1, a seguir «decisão Cimento»), através da qual, designadamente, constatou a participação da Cedest SA numa série de infracções cometidas no mercado comunitário do cimento e lhe aplicou uma coima de 2 522 000 ecus.

2       Por petição registada na secretaria do Tribunal em 17 de Fevereiro de 1995 sob o número T‑38/95, a Groupe Origny SA (a seguir «Origny»), sucessora nos direitos da Cedest, interpôs um recurso de anulação dessa decisão.

3       Em 5 de Maio de 1995, a Origny pagou a totalidade da coima aplicada à Cedest.

4       Por acórdão de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, dito «Cimento» (T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491), o Tribunal anulou, designadamente, o artigo 1.°, o artigo 3.°, n.° 3, alínea a) e o artigo 9.° da decisão Cimento em relação à Origny, e condenou a Comissão nas despesas relativas ao processo T‑38/95.

5       Por telecópia de 24 de Maio de 2000, a Origny enviou à Comissão, juntamente com informações detalhadas relativas à conta bancária em que devia ser efectuado o reembolso do capital de 2 522 000 euros devido por força do acórdão Cimento, uma nota de débito relativa aos juros moratórios devidos, segundo ela, sobre esse capital, a contar de 7 de Maio de 1995 até à data do reembolso do capital.

6       Em 27 de Julho de 2000, a Comissão transferiu para a referida conta o montante de 2 522 000 euros. Em contrapartida, não deu seguimento ao pedido relativo aos juros moratórios.

7       Por carta enviada à Comissão em 16 de Novembro de 2000, a Origny reiterou o seu pedido de pagamento dos juros moratórios, apresentando uma nova nota de débito elaborada em 27 de Julho de 2000.

8       Por carta de 29 de Dezembro de 2000, a Comissão respondeu à Origny que considerava não dever proceder ao pagamento dos juros reclamados, uma vez que não existe qualquer disposição comunitária ou princípio geral de direito que prescreva o pagamento de juros moratórios em situações como a do caso em apreço.

9       No acórdão de 10 de Outubro de 2001, Corus UK/Comissão (T‑171/99, Colect., p. II‑2967, a seguir «acórdão Corus»), o Tribunal de Primeira Instância declarou que, no caso de um acórdão de anulação ou redução da coima aplicada a uma empresa por infracção às normas de concorrência do Tratado CECA, a Comissão está obrigada, por força do artigo 34.°, primeiro parágrafo, segundo período, CA, não só a restituir o montante da coima indevidamente paga, mas também a pagar os juros de mora vencidos sobre esse montante (v. n.os 52 e 53).

10     Por carta enviada à Comissão em 21 de Março de 2002, a Origny, fazendo referência ao acórdão Corus, alegou que, ao não efectuar o pagamento de juros de mora sobre o capital reembolsado na sequência do acórdão Cimento, a Comissão não tomou uma medida necessária à execução desse acórdão, em conformidade com o artigo 233.° CE. Assim, convidou a Comissão a reconsiderar o seu pedido.

11     A Comissão não deu qualquer seguimento a essa carta, tendo apenas enviado em 3 de Junho de 2002 uma carta em que reiterava a posição anteriormente assumida.

 Tramitação processual e pedidos das partes

12     Por petição apresentada na secretaria do Tribunal em 6 de Março de 2003, a demandante intentou a presente acção, com fundamento nos artigos 233.° CE e 288.° CE.

13     A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       condenar a Comissão no pagamento do montante de 1 488 287,50 euros, correspondente aos juros de mora que lhe são devidos;

–       acrescentar a esse montante os juros moratórios correspondentes ao período decorrido desde 27 de Julho de 2000 até à data de prolação do acórdão no presente processo;

–       declarar que a esses dois montantes acrescerão juros desde a data da prolação do acórdão até integral pagamento.

14     Em requerimento separado, apresentado na secretaria do Tribunal em 10 de Junho de 2003, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade, nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, em que conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       julgar o recurso inadmissível;

–       condenar a demandante nas despesas.

15     Nas suas observações sobre a questão prévia de inadmissibilidade, apresentadas na secretaria do Tribunal em 21 de Julho de 2003, a demandante pediu que a mesma fosse julgada improcedente e manteve os restantes pedidos da sua acção.

16     Por carta da secretaria do Tribunal de 20 de Dezembro de 2004, as partes foram convidadas a pronunciar‑se sobre a eventual pertinência, para a solução do presente litígio, do acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 2004, Comissão/Greencore (C‑123/03 P, Colect., p. I‑0000, a seguir «acórdão Greencore»). A demandante e a Comissão acataram esse convite por cartas apresentadas na secretaria do Tribunal, respectivamente, em 14 e 18 de Janeiro de 2005.

 Quanto à admissibilidade

17     Por força do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento do Processo do Tribunal de Primeira Instância, se uma das partes o pedir, o Tribunal pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade antes de conhecer do mérito da causa. Em conformidade com o n.° 3 do mesmo artigo, salvo decisão em contrário do Tribunal, a tramitação ulterior do processo no que respeita ao pedido é oral. O Tribunal, no caso em apreço, encontra‑se suficientemente esclarecido pelas peças do processo, pelo que considera que não há que iniciar a fase oral.

 Argumentos das partes

18     A Comissão observa que, embora seja certo que a acção de indemnização baseada no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE constitui um meio autónomo, no âmbito dos meios processuais do direito comunitário, de modo que a inadmissibilidade de um pedido de anulação não implica, por si só, a de um pedido de indemnização, uma acção de indemnização deve, porém, ser julgada inadmissível quando se destine, na realidade, à anulação de uma decisão individual tornada definitiva e que tenha por efeito, se for procedente, anular os efeitos jurídicos de tal decisão (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 1986, Krohn/Comissão, 175/84, Colect., p. 753, n.os 32 e 33; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 1995, Cobrecaf e o./Comissão, T‑514/93, Colect. p. II‑621, n.os 58 e 59; de 17 de Outubro de 2002, Astipesca/Comissão, T‑180/00, Colect., p. II‑3985, n.° 139, e de 3 de Abril de 2003, Vieira e Vieira Argentina/Comissão, T‑44/01, T‑119/01 e T‑126/01, Colect., p. II‑1209, n.° 213).

19     No caso em apreço, uma decisão individual de rejeição do pedido da demandante de pagamento dos juros de mora foi adoptada pela Comissão em 29 de Dezembro de 2000. Essa decisão tornou‑se definitiva, uma vez que a demandante não interpôs recurso de anulação ao abrigo do artigo 230.° CE no prazo de dois meses a contar da sua notificação, acrescido da respectiva dilação.

20     Em conformidade com a jurisprudência acima referida, a presente acção de indemnização devia, assim, ser julgada inadmissível, uma vez que tem por consequência anular os efeitos jurídicos dessa decisão, ao impor à Comissão o pagamento dos juros de mora recusados.

21     Nas suas observações sobre o acórdão Greencore, a Comissão defende que o mesmo acórdão vem confirmar, a contrario, a tese por si sustentada no âmbito da presente acção. Não tendo reagido em tempo útil à decisão de 29 de Dezembro de 2000, pela qual a Comissão recusou expressamente pagar os juros de mora pedidos por carta de 16 de Novembro de 2000, a demandante já não podia pôr em causa essa recusa, quer pela via de um recurso de anulação quer pela de uma acção de indemnização dirigida contra a falta de resposta ao novo pedido apresentado em 21 de Março de 2002.

22     Na sua petição, a demandante alega que o pagamento de juros de mora sobre o montante da coima reembolsado na sequência de um acórdão de anulação constitui uma medida de execução desse acórdão que a Comissão está obrigada a tomar por força dos artigos 233.° CE e 288.° CE, mesmo na ausência de qualquer comportamento culposo susceptível de gerar a responsabilidade da Comunidade. A abstenção da Comissão de adoptar essa medida abriria, assim, a via da acção de indemnização, ao abrigo do artigo 233.°, segundo parágrafo, CE e do artigo 288.° CE.

23     Nas suas observações sobre a questão prévia de inadmissibilidade, a demandante contesta a pertinência do acórdão Vieira e Vieira Argentina/Comissão, n.° 18 supra, invocado pela Comissão. No processo em que foi proferido esse acórdão, com efeito, a acção de indemnização intentada pela Vieira Argentina foi julgada inadmissível porque o que se pretendia, na realidade, com essa acção era o pagamento de uma soma destinada a compensar os efeitos jurídicos inerentes a uma decisão de suspensão de uma contribuição financeira contra a qual a demandante não tinha interposto recurso de anulação em tempo útil, quando a procedência desse recurso teria anulado os efeitos jurídicos em causa, tendo em conta as medidas de execução que a Comissão teria que tomar em conformidade com o artigo 233.° CE (v. n.° 215 do acórdão). Ora, no caso em apreço, a demandante interpôs em prazo um recurso de anulação contra a decisão Cimento. Essa decisão foi anulada pelo acórdão Cimento e o pagamento dos juros solicitados constitui apenas uma das medidas que a Comissão estava obrigada a tomar em execução desse acórdão. A acção de indemnização destina‑se também a sancionar o desrespeito pela Comissão da obrigação prevista no artigo 233.°, primeiro parágrafo, CE, e distingue‑se do recurso de anulação na medida em que tem por objectivo não a supressão de uma medida determinada, mas a reparação do prejuízo causado por uma instituição (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 2000, Fresh Marine/Comissão, T‑178/98, Colect., p. II‑3331, n.° 45).

24     A demandante acrescenta que, em conformidade com o seu segundo parágrafo, o artigo 233.° CE impõe à instituição visada que repare o prejuízo adicional que possa eventualmente resultar do acto ilegal anulado. A este respeito, o artigo 233.° CE não faz depender a reparação do prejuízo da existência de nova falta distinta do acto ilegal inicial que foi anulado, mas prevê a reparação do prejuízo resultante desse acto e que persista após a sua anulação, e a execução pela administração do acórdão de anulação (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1998, Conselho/De Nil e Impens, C‑259/96 P, Colect., p. I‑2915, n.° 20).

25     No caso em apreço, a acção intentada pela demandante pretende a reparação do prejuízo resultante não da decisão de 29 de Dezembro de 2000, que recusou o pagamento dos juros de mora pedidos, mas da decisão Cimento. Esse prejuízo persistiu após a anulação desta última decisão devido à execução defeituosa, à luz do artigo 233.°, primeiro parágrafo, CE, do acórdão Cimento pela Comissão. É lógico que essa execução defeituosa só possa ser sancionada no quadro da acção de indemnização prevista pelo artigo 233.°, segundo parágrafo, CE.

26     Nas suas observações sobre o acórdão Greencore, a demandante sustenta que este não é pertinente para a solução do presente litígio, uma vez que o Tribunal de Justiça se pronunciou no âmbito de um recurso de anulação, nos termos do artigo 230.° CE, e não, como no caso em apreço, no âmbito de uma acção de indemnização, nos termos dos artigos 233.° CE e 288.° CE.

27     A demandante acrescenta que a admissibilidade e a procedência da acção de indemnização, em casos como os do presente processo, são confirmadas pelo acórdão Corus, tendo em conta a equivalência entre, por um lado, o artigo 34.°, primeiro parágrafo, segundo período, CA e o artigo 233.° CE e, por outro, o artigo 34.°, segundo parágrafo, CA e o artigo 288.° CE. Em contrapartida, à luz do referido acórdão, o recurso de anulação não é a via judicial adequada para reclamar o pagamento de juros de mora num caso desses.

28     Uma vez que a acção de indemnização prescreve no prazo de 5 anos a contar da data da ocorrência do facto que lhe deu origem, que é, no caso em apreço, a execução defeituosa pela Comissão do acórdão Cimento, a presente acção é admissível.

 Apreciação do Tribunal

29     Para decidir sobre a admissibilidade da presente acção de indemnização, há que determinar previamente, por um lado, as obrigações que incumbem à Comissão, nos termos do artigo 233.° CE, para a execução de um acórdão de anulação ou redução da coima aplicada a uma empresa por infracção às normas de concorrência do Tratado e, por outro, as vias judiciais ao dispor da referida empresa no caso de alegado incumprimento das obrigações em causa pela Comissão.

30     Começando pela determinação das obrigações que incumbem à Comissão, por força do artigo 233.° CE, para a execução de um acórdão que anula ou reduz a coima aplicada a uma empresa por infracção às normas da concorrência do Tratado, as mesmas comportam, em primeiro lugar, a obrigação de a Comissão restituir total ou parcialmente o montante da coima paga pela empresa em causa, na medida em que esse pagamento deva ser considerado indevido na sequência da decisão de anulação. Essa obrigação visa não só a restituição do montante da coima indevidamente paga, mas também o pagamento dos juros de mora vencidos sobre esse montante (v., por analogia, relativamente a uma disposição equivalente contida no artigo 34.°, primeiro parágrafo, segundo período, CA, acórdão Corus, n.os 52 e 53).

31     Consequentemente, ao não conceder quaisquer juros de mora sobre o montante principal da coima reembolsado na sequência de tal acórdão, a Comissão não toma uma medida que comporta a execução desse acórdão e, por esse facto, viola as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 233.° CE (v., por analogia, acórdão Corus, n.° 58).

32     A este respeito, há que precisar que enquanto o prejuízo invocado pela demandante e que consiste na privação da fruição do montante de 2 522 000 euros de 5 de Maio de 1995 a 27 de Julho de 2000 decorre efectivamente da prolação da decisão Cimento, o ilícito alegado no âmbito da presente acção consiste não na adopção dessa decisão, mas no não pagamento, por parte da Comissão, dos juros de mora vencidos sobre esse montante, em execução do acórdão Cimento (v., por analogia, acórdão Corus, n.os 42 e segs.).

33     Em segundo lugar, relativamente à determinação das vias de direito ao dispor da interessada no caso de alegado incumprimento das obrigações em causa pela Comissão, resulta da jurisprudência que essas vias são, em alternativa, a da acção por omissão prevista no artigo 232.° CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1988, Asteris e o./Comissão, 97/86, 99/86, 193/86 e 215/86, Colect., p. 2181, n.os 22 a 24 e 32, e Greencore, n.° 46; conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Greencore, n.° 22; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1996, Asia Motor France e o./Comissão, T‑387/94, Colect., p. II‑961, n.° 40, e de 19 de Fevereiro de 2004, SIC/Comissão, T‑297/01 e T‑298/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 31), e a da acção de indemnização prevista pelos artigos 233.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 1992, Meskens/Parlamento, T‑84/91, Colect., p. II‑2335, n.° 81, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Agosto de 1994, Parlamento/Meskens, C‑412/92 P, Colect., p. I‑3757; de 28 de Setembro de 1999, Frederiksen/Parlamento, T‑48/97, ColectFP, pp. I‑A‑167 e II‑867, n.° 96, e de 12 de Dezembro de 2000, Hautem/BEI, T‑11/00, Colect., p. II‑4019, n.os 43 e 51; despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Novembro de 2003, Cascades/Comissão, T‑161/03, não publicado na Colectânea; v., igualmente, por analogia, artigo 34.°, segundo parágrafo, CA, e acórdão Corus, n.° 49).

34     Cada uma destas duas vias judiciais alternativas está sujeita a condições e a pressupostos processuais específicos.

35     Assim, se o interessado optar pela via da acção por omissão, tem que dar cumprimento ao disposto no artigo 232.°, segundo parágrafo, CE, nos termos do qual:

«[A acção por omissão] só é admissível se a instituição em causa tiver sido previamente convidada a agir. Se, decorrido um prazo de dois meses a contar da data do convite, a instituição não tiver tomado posição, [a acção] pode ser introduzid[a] dentro de novo prazo de dois meses.»

36     Por outro lado, resulta de jurisprudência assente, que a recusa de a instituição em causa agir em conformidade com tal convite constitui uma tomada de posição que põe fim à omissão, e que tal recusa constitui um acto impugnável, na acepção do artigo 230.° CE (v., por exemplo, acórdão Asteris e o./Comissão, referido no n.° 33 supra, n.os 32 e 33).

37     Em contrapartida, se o interessado escolher a via alternativa da acção de indemnização, tem que dar cumprimento às disposições do artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, nos termos do qual :

«As acções contra as Comunidades em matéria de responsabilidade extracontratual prescrevem no prazo de cinco anos a contar da ocorrência do facto que lhes tenha dado origem. A prescrição interrompe‑se, quer pela apresentação do pedido no Tribunal, quer através de pedido prévio que o lesado pode dirigir à Instituição competente das Comunidades. Neste último caso, o pedido deve ser apresentado no prazo de dois meses previsto no artigo 230.° [...] CE [...]; o disposto no segundo parágrafo do artigo 232.° [...] CE [...], é aplicável, sendo caso disso.»

38     Esse preceito não pode, todavia, ser interpretado no sentido de que uma pessoa que dirija um pedido prévio à instituição competente, no prazo de cinco anos nele previsto, deva ficar privada do seu direito se não intentar uma acção de indemnização no prazo de dois meses previsto no artigo 230.° CE no caso de lhe ser notificada uma decisão de recusa desse pedido, ou no prazo de dois meses previsto no artigo 232.°, segundo parágrafo, CE no caso de a instituição em causa não ter tomado posição dentro dos dois meses a contar desse pedido.

39     Com efeito, resulta do próprio teor dos segundo e terceiro períodos do artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça que esta disposição não tem por objectivo diminuir o prazo de prescrição de cinco anos mas sim proteger os interessados evitando que determinados períodos sejam contabilizados no cálculo desse prazo. Assim, o terceiro período do artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça tem apenas por objectivo adiar o termo do prazo de cinco anos quando uma petição ou um pedido prévio, apresentados dentro desse prazo, dêem início à contagem dos prazos previstos nos artigos 230.° CE ou 232.° CE. Em caso algum a sua aplicação pode conduzir à diminuição do prazo de prescrição de cinco anos previsto no primeiro período do artigo 46.° [v., a propósito da disposição idêntica contida no artigo 43.° do anterior Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1967, Kampffmeyer e o./Comissão CEE, 5/66, 7/66 e 13/66 a 24/66, Colect., p. 637, a seguir «acórdão Kampffmeyer», e de 5 de Abril de 1973, Giordano/Comissão, 11/72, Colect., p. 175, a seguir «acórdão Giordano», n.os 5 a 7; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Agosto de 1999, Fratelli Murri/Comissão, T‑106/98, Colect., p. II‑2553, n.° 29].

40     Consistindo o incumprimento alegado no caso em apreço na não adopção, por parte da Comissão, de uma medida necessária à execução do acórdão Cimento, o prazo de prescrição de cinco anos previsto pelo artigo 46.°, primeiro período, do Estatuto do Tribunal de Justiça expirava posteriormente a 15 de Março de 2005, tendo em conta o prazo razoável de que deve dispor a instituição em causa para dar cumprimento às suas obrigações nos termos do artigo 233.° CE (v., por analogia, artigo 34.°, segundo parágrafo, CA e acórdão Corus, n.° 44).

41     É verdade que, em vez de intentar directamente uma acção de indemnização no Tribunal, como lhe permitia o artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, a demandante escolheu dirigir‑se previamente à Comissão, primeiro pela sua telecópia de 24 de Maio de 2000, depois pela sua carta de 16 de Novembro de 2000, nos termos das quais foi pedido a essa instituição que efectuasse o pagamento dos juros de mora.

42     Na medida em que a telecópia da demandante de 24 de Maio de 2000 possa ser interpretada como um convite a agir, na acepção do artigo 232.°, segundo parágrafo, primeiro período, CE e na falta de tomada de posição por parte da Comissão sobre esse convite no termo do prazo de dois meses, a demandante podia ter intentado uma acção por omissão no Tribunal, dentro de um novo prazo de dois meses, em conformidade com o artigo 232.°, segundo parágrafo, segundo período, CE.

43     Em todo o caso, uma vez que a carta da Comissão de 29 de Dezembro de 2000, como resulta dos seus próprios termos (v. n.° 8 supra), exprimia claramente a recusa dessa instituição de agir em conformidade com o pedido de 16 de Novembro de 2000, a demandante podia ter interposto um recurso de anulação desse acto, nos termos do artigo 230.° CE (v. n.° 36 supra).

44     A este respeito, há que observar que, no acórdão Greencore (n.° 47), o Tribunal de Justiça declarou expressamente que uma carta da Comissão que recusava a uma empresa o direito de reclamar o pagamento de juros de mora, em circunstâncias que correspondem, essencialmente, às descritas no n.° 43 supra, continha uma recusa de pagar juros e constituía assim um acto recorrível na acepção do artigo 230.° CE.

45     Há que acrescentar que, no mesmo acórdão Greencore (n.° 46), o Tribunal de Justiça declarou que o facto de a empresa em causa não ter utilizado o processo previsto no artigo 232.° CE, em circunstâncias que correspondem, essencialmente, às descritas no n.° 45 supra, a fim de obrigar a Comissão a proceder ao pagamento dos juros, não tem influência na admissibilidade do recurso de anulação que interpôs ulteriormente.

46     Todavia, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça referido no n.° 39 supra, nenhuma das três circunstâncias referidas nos n.os 41 a 43 supra podem ser consideradas pertinentes para efeitos de apreciação da admissibilidade da presente acção de indemnização.

47     Em especial, não resulta do acórdão Greencore que o Tribunal de Justiça se tenha pronunciado sobre um caso de aplicação do artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça nem, por maioria de razão, que tenha pretendido operar uma viragem da jurisprudência relativamente aos acórdãos Kampffmeyer e Giordano.

48     Assim, deve considerar‑se assente que não pode ser invocada contra a presente acção qualquer excepção dilatória baseada quer na preclusão do direito à acção por omissão eventualmente ao dispor da demandante por falta de resposta por parte da Comissão à sua telecópia de 24 de Maio de 2000, quer na preclusão do direito ao recurso de anulação ao dispor da interessada na sequência da recusa expressa do seu pedido de 16 de Novembro de 2000.

49     Esta conclusão não pode ser posta em causa pela jurisprudência invocada pela Comissão (v. n.° 18 supra) por força da qual uma acção de indemnização deve ser declarada inadmissível quando pretende, na realidade, a obtenção de uma decisão individual tornada definitiva e que tenha por efeito, se for procedente, anular os efeitos jurídicos dessa decisão.

50     Com efeito, como observa correctamente a demandante (v. n.° 23 supra), tendo em conta o princípio da autonomia da acção de indemnização em relação às outras vias judiciais, essa jurisprudência só muito excepcionalmente pode ser justificada, pela consideração de que o interessado teria legitimidade, nos termos do artigo 230.° CE, para pedir a anulação do próprio acto que, depois de ter expirado o respectivo prazo de recurso de anulação, alega causar‑lhe prejuízo. Essa jurisprudência, assim, só é aplicável nos casos em que o prejuízo alegado decorre exclusivamente de um acto administrativo individual tornado definitivo, que o interessado podia ter impugnado pela via do recurso de anulação. Assim, no acórdão Krohn/Comissão, referido no n.° 18 supra, o Tribunal de Justiça declarou (n.° 32) que a existência de uma decisão individual tornada definitiva não constitui obstáculo à admissibilidade de uma acção de indemnização, salvo (n.° 33) um caso excepcional que é totalmente alheio ao presente processo.

51     No caso em apreço, com efeito, o prejuízo alegado pela demandante não decorre da carta da Comissão de 29 de Dezembro de 2000, nem de nenhum outro acto administrativo individual que pudesse ter impugnado, mas da omissão culposa, por parte da Comissão, de tomar uma medida necessária à execução do acórdão Cimento, em incumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 233.° CE. Não dispondo a demandante da via do recurso de anulação contra tal omissão, a jurisprudência invocada pela Comissão não é pertinente no caso em apreço.

52     Por outro lado, há que recordar que, à luz do n.° 46 do acórdão Greencore (v. n.° 45 supra), o facto de a demandante não ter utilizado o processo previsto no artigo 232.° CE para obrigar a Comissão a pagar os juros pedidos não tem influência sobre a admissibilidade da presente acção de indemnização.

53     Assim, há que rejeitar por infundada a questão prévia de inadmissibilidade arguida pela Comissão e ordenar o prosseguimento da instância.

 Quanto às despesas

54     Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      A questão prévia de inadmissibilidade arguida pela Comissão é rejeitada.

2)      Será fixado um prazo à Comissão para apresentar a sua contestação.

3)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 4 de Maio de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      J. Pirrung


* Língua do processo: francês.

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