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Document 62003TJ0271

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção Alargada) de 10 de Abril de 2008.
Deutsche Telekom AG contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência -Artigo 82.º CE- Preços de acesso à rede fixa de telecomunicações na Alemanha - Compressão tarifária das margens - Preços aprovados pela autoridade nacional de regulação das telecomunicações - Margem de manobra da empresa em posição dominante.
Processo T-271/03.

Colectânea de Jurisprudência 2008 II-00477

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2008:101

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)

10 de Abril de 2008 ( *1 )

«Concorrência — Artigo 82.o CE — Preços de acesso à rede fixa de telecomunicações na Alemanha — Compressão tarifária das margens — Preços aprovados pela autoridade nacional de regulação das telecomunicações — Margem de manobra da empresa em posição dominante»

No processo T-271/03,

Deutsche Telekom AG, com sede em Bona (Alemanha), representada inicialmente por K. Quack, U. Quack e S. Ohlhoff, e em seguida por U. Quack e S. Ohlhoff, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por K. Mojzesowicz e S. Rating, em seguida por K. Mojzesowicz e A. Whelan e, por último, por K. Mojzesowicz, W. Mölls e O. Weber, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Arcor AG & Co. KG, com sede em Eschborn (Alemanha), representada inicialmente por M. Klusmann, F. Wiemer e M. Rosenthal, em seguida por M. Klusmann e F. Wiemer e, por último, por M. Klusmann, advogados,

e por

Versatel NRW GmbH, anteriormente Tropolys NRW GmbH, anteriormente CityKom Münster GmbH Telekommunikationsservice e TeleBeL Gesellschaft für Telekommunikation Bergisches Land mbH, com sede em Essen (Alemanha),

EWE TEL GmbH, com sede em Oldenbourg (Alemanha),

HanseNet Telekommunikation GmbH, com sede em Hamburgo (Alemanha),

Versatel Nord-Deutschland GmbH, anteriormente KomTel Gesellschaft für Kommunikations- und Informationsdienste mbH, com sede em Flensburg (Alemanha),

NetCologne Gesellschaft für Telekommunikation mbH, com sede em Colónia (Alemanha),

Versatel Süd-Deutschland GmbH, anteriormente tesion Telekommunikation GmbH, com sede em Estugarda (Alemanha),

Versatel West-Deutschland GmbH, anteriormente Versatel Deutschland GmbH & Co. KG, com sede em Dortmund (Alemanha),

representadas por N. Nolte, T. Wessely e J. Tiedemann, advogados

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2003/707/CE da Comissão, de 21 de Maio de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o [CE] (Processo[s] COMP/C-1/37.451, 37.578, 37.579 — Deutsche Telekom AG) (JO L 263, p. 9), e, a título subsidiário, um pedido de redução da coima aplicada à recorrente no artigo 3.o da referida decisão,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção alargada),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. E. Martins Ribeiro, D. Šváby, K. Jürimäe e N. Wahl, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de Maio de 2007,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

1

A recorrente, Deutsche Telekom AG, é a empresa de telecomunicações histórica na Alemanha. O Estado alemão detém uma participação directa de 30,92% e indirecta (através da Kreditanstalt für Wiederaufbau) de 12,13% no capital da recorrente, sendo os restantes 56,95% detidos por investidores institucionais e privados.

2

A recorrente opera a rede telefónica alemã. Antes da liberalização total dos mercados das telecomunicações, dispunha de um monopólio legal no domínio da prestação de serviços de telecomunicações a utilizadores finais através da rede fixa. A entrada em vigor da Telekommunikationsgesetz (lei alemã das telecomunicações, a seguir «TKG»), de 25 de Julho de 1996 (BGBl. 1996 I, p. 1120), em 1 de Agosto de 1996, levou à liberalização dos mercados alemães do fornecimento de infra-estruturas e da prestação de serviços de telecomunicações. Desde então, a recorrente está em ambos os mercados em concorrência com outros operadores, concorrência que pode assumir vários graus de intensidade.

3

As redes locais da recorrente compõem-se, cada uma, de vários lacetes locais para os utilizadores finais. A expressão «lacete local» designa o circuito físico que liga o ponto terminal da rede nas instalações do assinante ao repartidor principal ou ao recurso equivalente na rede telefónica pública fixa.

4

A recorrente faculta o acesso aos seus lacetes locais tanto aos demais operadores de telecomunicações como aos utilizadores finais. Relativamente aos serviços de acesso e às tarifas da recorrente, há assim que distinguir entre os serviços de acesso à rede local relativos à prestação de serviços efectuada pela recorrente aos seus concorrentes (a seguir «serviços de acesso grossista») e os serviços de acesso à rede local relativos à prestação de serviços efectuada pela recorrente aos seus utilizadores finais (a seguir «serviços de acesso a utilizadores finais»).

I — Serviços de acesso grossista

5

Com a Decisão n.o 223 a do Ministério Federal dos Correios e Telecomunicações (a seguir «BMPT»), de 28 de Maio de 1997, a recorrente foi obrigada a facultar aos operadores da concorrência um acesso completamente desagregado ao lacete local a partir de Junho de 1997.

6

Relativamente às tarifas para os serviços de acesso grossista da recorrente, estas dividem-se em dois elementos, a saber, uma tarifa mensal, por um lado, e uma tarifa única, por outro. Quando uma linha de assinante é desactivada por um concorrente, a recorrente factura a este os custos de desactivação.

7

As tarifas para os serviços de acesso grossista da recorrente devem, nos termos do § 25, n.o 1, da TKG, ser previamente aprovadas pela Regulierungsbehörde für Telekommunikation und Post (Autoridade Reguladora das Telecomunicações e dos Correios, a seguir «RegTP»).

8

Neste contexto, a RegTP verifica se as tarifas propostas pela recorrente para os serviços de acesso grossista cumprem os requisitos previstos no § 24 da TKG. Deste modo, nos termos do § 24, n.o 1, da TKG, as «[t]arifas devem ser determinadas em função dos custos correspondentes a uma prestação eficiente dos serviços». Além disso, nos termos do § 24, n.o 2, da TKG, as tarifas não podem:

«1.

conter suplementos que só são impostos devido à posição dominante […] de um fornecedor no mercado de telecomunicações em causa;

2.

conter reduções que prejudiquem as possibilidades concorrenciais de outras empresas num mercado de telecomunicações, e

3.

atribuir a determinados requerentes benefícios relativamente a outros requerentes de prestações de serviços de telecomunicações semelhantes ou similares no mercado de telecomunicações em causa,

excepto se tal se justificar por um motivo objectivo que seja demonstrado».

9

Por força do § 29, n.o 1, da TKG, a recorrente é obrigada a praticar as tarifas previamente fixadas pela RegTP durante o período de vigência da decisão desta última.

II — Serviços de acesso a utilizadores finais

10

Relativamente aos serviços de acesso a utilizadores finais, a recorrente oferece duas opções de base, a saber, a ligação analógica clássica (nome do serviço: T-Net) e a ligação digital de banda estreita (rede digital integrada de serviços — RDIS, nome do serviço: T-ISDN). Estas duas opções de base que permitem a ligação dos utilizadores finais podem ser oferecidas na rede histórica da recorrente, num circuito sob a forma de pares de fios de cobre (ligações de banda estreita). Esta última oferece também aos seus utilizadores finais ligações de banda larga (linhas de utilizadores finais digitais assimétricas: nome do serviço T-DSL ou ADSL), para as quais a recorrente teve de modernizar as redes T-Net e T-ISDN existentes a fim de poder oferecer serviços de banda larga, por exemplo, o acesso rápido à Internet.

11

As tarifas da recorrente para os serviços de acesso a utilizadores finais (a seguir também denominadas «tarifas cobradas aos utilizadores finais» ou «preços cobrados aos utilizadores finais») são, no que se refere às linhas analógicas e às linhas RDIS, reguladas por um sistema de limitação máxima dos preços. Pelo contrário, a recorrente fixa livremente os preços cobrados aos utilizadores finais para a ADSL. Estes podem, no entanto, ser sujeitos a uma regulação a posteriori.

12

Os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente envolvem duas componentes: uma assinatura mensal, que depende da qualidade das ligações e dos serviços disponibilizados, e uma tarifa única pelo estabelecimento ou pela transferência de uma linha, em função das intervenções técnicas necessárias nos extremos da ligação. A recorrente não cobra aos seus utilizadores finais quaisquer tarifas para a desactivação de uma linha de rede.

A — Tarifas para as linhas analógicas de utilizadores finais (T-Net) e digitais de banda estreita — RDIS (T-ISDN)

13

Os preços de acesso às linhas analógicas de utilizadores finais e RDIS são fixados dentro de um sistema de limitação máxima dos preços. Nos termos do § 27, n.o 1, segundo período, do § 25, n.o 1, da TKG e dos §§ 4 e 5 do Regulamento relativo à regulação das tarifas aplicáveis no sector das telecomunicações de 1 de Outubro de 1996 (BGBl. 1996 I, p. 1492, a seguir «regulamento relativo à regulação das tarifas»), os preços cobrados aos utilizadores finais pela ligação à rede da recorrente e pelas comunicações não são fixados de forma separada para cada serviço prestado em função dos custos suportados, sendo determinados em conjunto para várias prestações, estando as diferentes prestações reunidas em pacotes.

14

O sistema de limitação máxima dos preços de acesso à rede a cobrar pela recorrente foi introduzido por decisão do BMPT de 17 de Dezembro de 1997 [comunicação 202/1997, Jornal Oficial (BMPT) 34/97, p. 1891]. O sistema em causa foi adoptado pela RegTP a partir de 1 de Janeiro de 1998. Para o efeito, a RegTP criou dois pacotes, incluindo, o primeiro, serviços para utilizadores particulares e, o segundo, serviços para profissionais. Os dois pacotes incluíam simultaneamente os serviços de acesso a utilizadores finais (linhas-padrão analógica e RDIS) e a gama completa da recorrente no sector das chamadas telefónicas como as comunicações locais, regionais, interurbanas e internacionais.

15

Nos termos do § 4, n.os 1 e 2, do regulamento relativo à regulação das tarifas, a RegTP fixa um nível tarifário de partida para todos os serviços incluídos num pacote, bem como os objectivos para a evolução dos preços ao longo de um determinado período de tempo.

16

O sistema tarifário em causa fixa assim um preço máximo para cada pacote. No entanto, não contém preços mínimos obrigatórios.

17

Por força da decisão do BMPT de 17 de Dezembro de 1997, a recorrente teve de reduzir em 4,3% o preço global de cada um dos dois pacotes durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 1999 (primeiro período de limitação máxima dos preços). No final deste primeiro período, em 31 de Dezembro de 1999, a RegTP, por decisão de 23 de Dezembro de 1999, manteve basicamente a composição dos pacotes e baixou os preços em 5,6% para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2001 (segundo período de limitação máxima dos preços).

18

Dentro deste quadro vinculativo de redução dos preços, a recorrente tinha possibilidade de alterar as tarifas dos diferentes elementos de cada pacote depois de obter autorização prévia da RegTP. Nos termos do § 27, n.o 2, da TKG e do § 5, n.o 3, do regulamento relativo à regulação das tarifas, as alterações das tarifas eram autorizadas desde que o valor médio de um pacote não excedesse o índice de preços máximo imposto. O sistema permitia assim um aumento das tarifas de um ou de vários elementos de um pacote, desde que não excedesse os preços máximos do pacote em causa. No entanto, nos termos do § 27, n.o 3, da TKG, a autorização era recusada se as tarifas «[fossem] manifestamente desconformes com as imposições do § 24, n.o 2, pontos 2) ou 3), [da TKG], ou […] quando [não] fossem conformes com a [TKG] ou com outras disposições jurídicas».

19

Nos dois primeiros períodos de aplicação do sistema de limitação máxima, a recorrente reduziu os preços cobrados aos utilizadores finais em ambos os pacotes, excedendo as taxas de redução estipuladas. Estas reduções tarifárias referiram-se essencialmente aos custos das comunicações. Pelo contrário, os preços cobrados aos utilizadores finais para as linhas analógicas (a assinatura mensal e as tarifas únicas) não foram alterados durante os dois períodos de limitação máxima, ou seja, entre 1998 e o final de 2001. Relativamente aos preços cobrados aos utilizadores finais pelas linhas RDIS, a recorrente reduziu durante este mesmo período as tarifas da assinatura mensal, mas não alterou as tarifas únicas cobradas aos seus utilizadores finais.

20

Desde 1 de Janeiro de 2002, está em vigor um novo sistema de limitação máxima dos preços introduzido pela decisão da RegTP de 21 de Dezembro de 2001 (boletim RegTP 2/2002, de 6 de Fevereiro de 2002, p. 75). No novo sistema, os dois anteriores pacotes para utilizadores particulares e profissionais foram substituídos por quatro pacotes, que contêm os seguintes serviços: linhas telefónicas (pacote A), comunicações locais (pacote B), comunicações interurbanas nacionais (pacote C) e comunicações internacionais (pacote D).

21

Em 15 de Janeiro de 2002, a recorrente participou à RegTP a sua intenção aumentar em 0,56 euros as assinaturas mensais das linhas analógicas e RDIS. A RegTP autorizou este aumento por decisão de 13 de Março de 2002.

22

Em 31 de Outubro de 2002, a recorrente apresentou um novo pedido de aumento das tarifas cobradas aos utilizadores finais. A RegTP rejeitou parcialmente este pedido por decisão de 19 de Dezembro de 2002. A RegTP autorizou um aumento de 0,33 euros para a assinatura mensal de uma linha analógica T-Net em vez do aumento de 0,99 euros solicitado pela recorrente, e recusou o aumento solicitado de 13,40 euros para a tarifa única de transferência de linhas das redes T-Net e T-ISDN.

B — Tarifas para as linhas ADSL (T-DSL)

23

As tarifas ADSL (T-DSL) não são reguladas no âmbito de um sistema de limitação máxima dos preços. Nos termos do § 30 da TKG, estas tarifas podem ser objecto de uma regulação a posteriori.

24

Em 2 de Fevereiro de 2001, depois de ter recebido diversas denúncias de concorrentes da recorrente, a RegTP efectuou uma investigação a posteriori relativamente aos preços ADSL da recorrente, para apurar, se fosse caso disso, a existência de dumping de preços, contrário às regras de concorrência alemãs. A RegTP encerrou o processo em 25 de Janeiro de 2002, depois de ter constatado que o aumento das tarifas que tinha sido anunciado pela recorrente, em 15 de Janeiro de 2002, deixara de apresentar indícios de dumping de preços.

Procedimento administrativo

25

Entre 18 de Março e 20 de Julho de 1999, quinze empresas concorrentes da recorrente apresentaram denúncias à Comissão. Estas denúncias punham em causa as práticas tarifárias da recorrente.

26

Em 15 de Julho de 1999, a Comissão enviou à recorrente um pedido de informações, nos termos do artigo 11.o do Regulamento n.o 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.o CE] e [82.o CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22). A recorrente respondeu a esse pedido de informações por cartas de 13 e 25 de Agosto de 1999.

27

Em 19 de Janeiro de 2000, a Comissão enviou um pedido de informações aos concorrentes da recorrente.

28

Em 22 de Junho de 2001, a Comissão enviou à recorrente um novo pedido de informações.

29

Em 2 de Maio de 2002, a Comissão enviou à recorrente uma comunicação de acusações com base no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 17.

30

Em 29 de Julho de 2002, a recorrente apresentou as suas observações sobre a comunicação de acusações.

31

Em 25 de Outubro de 2002, a recorrente apresentou observações sobre as respostas das denunciantes à comunicação de acusações.

32

Em 21 de Fevereiro de 2003, a Comissão enviou à recorrente uma adenda à comunicação de acusações.

33

Em 14 de Março de 2003, a recorrente apresentou observações sobre a adenda à comunicação de acusações.

Decisão recorrida

34

Em 21 de Maio de 2003, a Comissão adoptou a Decisão 2003/707/CE, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o [CE] (Processo[s] COMP/C-1/37.451, 37.578, 37.579 — Deutsche Telekom AG) (JO L 263, p. 9, a seguir «decisão recorrida»). Esta decisão foi notificada à recorrente em 30 de Maio de 2003.

35

Segundo a Comissão, os mercados dos produtos e serviços em causa são, por um lado, o mercado a montante de serviços de acesso grossista ao lacete local para os concorrentes da recorrente e, por outro, o mercado a jusante de acesso à ligação de banda estreita (linhas analógicas e RDIS) e de acesso à ligação de banda larga (linhas ADSL) para os utilizadores finais (decisão recorrida, considerando 91). Geograficamente, estes mercados abrangem o território da Alemanha (decisão recorrida, considerando 92).

36

A Comissão constata que a recorrente detém uma posição dominante em todos os mercados dos produtos e serviços em causa (decisão recorrida, considerando 96).

37

Segundo a Comissão, a recorrente violou o artigo 82.o CE ao introduzir uma tarifação com carácter abusivo, sob a forma de «compressão das margens», ao facturar aos seus concorrentes preços para os seus serviços de acesso grossista superiores aos preços dos serviços de acesso a retalho que factura aos seus utilizadores finais (decisão recorrida, considerandos 1, 57, 102 e 103).

38

Relativamente à compressão das margens, os considerandos 102 a 105 da decisão recorrida enunciam:

«102

Verifica-se uma compressão das margens, sempre que o total das tarifas mensais e das tarifas pagas uma única vez à [recorrente] pelo acesso grossista ao lacete local obriga os operadores da concorrência a cobrarem aos seus clientes tarifas mais elevadas do que as facturadas pela [recorrente] aos seus próprios clientes finais por serviços idênticos. Se as tarifas cobradas pelos serviços de acesso grossista ao lacete local aos operadores forem superiores às tarifas cobradas pelos serviços de acesso a retalho aos utilizadores finais, os operadores da concorrência jamais conseguirão realizar lucros, mesmo que a sua eficiência iguale a da [recorrente], já que, além das tarifas de acesso grossista ao lacete local, têm ainda de suportar custo adicionais associados nomeadamente aos serviços de marketing, facturação, cobranças, etc.

103

Ao cobrar aos outros operadores tarifas pelo acesso grossista ao lacete local mais elevadas dos que as que cobra aos seus próprios clientes pelo acesso a retalho à sua rede, a [recorrente] impede que esses operadores ofereçam, a par de simples chamadas telefónicas, serviços de acesso a retalho aos seus próprios clientes através das linhas de assinante. Dessa forma, a [recorrente] obriga os operadores da concorrência, interessados em dispor de um acesso separado às linhas de assinante, por forma a oferecerem igualmente serviços de acesso aos seus clientes, a compensar os serviços de acesso que geram prejuízos através de receitas mais elevadas a nível das chamadas telefónicas. Nos últimos anos, as tarifas das chamadas telefónicas diminuíram consideravelmente, de forma que, na maioria dos casos, os operadores da concorrência não dispõem de capacidade financeira para praticar um regime de tarifação mista idêntico ao da [recorrente].

104

[A recorrente] considera que, no caso em apreço, é de excluir a existência de práticas de tarifação com carácter abusivo conducentes a uma compressão das margens, uma vez que as tarifas cobradas pela prestação aos operadores da concorrência de serviços de acesso grossista ao lacete local são fixadas de modo vinculativo pela RegTP. Segundo a [recorrente], só se verificaria uma compressão das margens se esta resultasse efectivamente de tarifas de acesso grossista ao lacete local demasiado elevadas, de tarifas demasiado reduzidas a nível dos utilizadores finais ou de ambas, e se fosse possível reequilibrar legalmente as tarifas a ambos os níveis. Contudo, o facto de as tarifas cobradas pelos serviços de acesso grossista ao lacete local serem fixadas pela autoridade reguladora faz com que a [recorrente] apenas possa exercer influência a nível das tarifas cobradas aos utilizadores finais, pelo que só estas tarifas deverão ser alvo de uma apreciação à luz dos critérios que se aplicam às práticas abusivas de oferta de produtos e/ou serviços a preços abaixo do custo real (concorrência predatória).

105

Contrariamente à interpretação da [recorrente], a prática abusiva de compressão das margens é, contudo, pertinente para o caso em apreço. Em mercados relacionados, em que os operadores da concorrência adquirem serviços a montante junto do operador histórico imprescindíveis para competir no mercado de produtos ou serviços a jusante, poderá efectivamente ocorrer uma compressão das margens, ou seja, um desajuste dos preços face aos custos entre as tarifas cobradas pelos serviços de acesso grossista e as tarifas facturadas pelo acesso a retalho aos utilizadores finais, ambas sujeitas a regulação. Para comprovar a existência de uma compressão das margens é necessário estabelecer primeiramente que existe uma relação não equitativa entre ambos os níveis de tarifação susceptível de levar a uma restrição da concorrência. Além disso, importa referir que as empresas sujeitas a uma regulação tarifária dispõem sempre de suficiente margem de manobra para evitar ou mesmo eliminar essa compressão das margens por sua própria iniciativa. Sempre que essa situação se verifica, como acontece no presente caso […], a identificação das tarifas que a empresa pode corrigir sem intervenção estatal apenas é relevante em termos da selecção dos meios que permitam eliminar a compressão das margens.»

39

Relativamente ao método de determinação da compressão das margens, a Comissão constata que, através do acesso ao lacete local da recorrente, os concorrentes desta podem oferecer aos seus utilizadores finais uma gama de serviços de acesso, a saber, o acesso à banda estreita analógica, o acesso à banda estreita digital (RDIS) ou o acesso à banda larga sob a forma de serviços ADSL. Na medida em que a RegTP fixa tarifas uniformes para os serviços de acesso grossista da recorrente, independentemente da natureza dos serviços a montante propostos com o acesso ao lacete local, há assim que comparar as tarifas de assinatura mensais da recorrente e as suas tarifas únicas, proporcionais à duração média de assinatura, para os seus serviços de acesso grossista, com as suas tarifas de assinatura mensais e as suas tarifas únicas, proporcionais à duração média de assinatura, para os serviços de acesso a utilizadores finais. Para calcular a média das tarifas da recorrente para os serviços de acesso a utilizadores finais, a Comissão efectua uma ponderação quantitativa das diferentes tarifas cobradas aos utilizadores finais praticadas pela recorrente para as linhas analógica, RDIS e ADSL assim como para as diferentes formas de ligações relativamente a linhas RDIS e ADSL (decisão recorrida, considerandos 113, 115, 116, 142 a 151).

40

Para efeitos do cálculo da compressão das margens, a Comissão toma apenas em consideração as tarifas para o acesso ao lacete local. Os preços das comunicações não são considerados neste cálculo (decisão recorrida, considerando 119).

41

Segundo a Comissão, «considera-se que existe um desajuste abusivo dos preços face aos custos, ou seja, uma compressão das margens, se a diferença entre as tarifas cobradas aos utilizadores finais e as tarifas cobradas aos operadores da concorrência pela prestação de serviços equivalentes for negativa ou insuficiente para cobrir os custos específicos dos produtos do operador que detém uma posição dominante no mercado para prestar serviços aos seus próprios clientes finais no mercado a jusante» (decisão recorrida, considerando 107).

42

Nos seus cálculos relativos à compressão das margens, a Comissão conclui que, entre 1998 e 2001, houve uma margem negativa entre os preços dos serviços de acesso grossista e os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente (decisão recorrida, considerando 153). No ano de 2002, esta margem foi positiva (decisão recorrida, considerando 154). No entanto, na medida em que a margem positiva foi insuficiente para cobrir os custos específicos da recorrente relativos à prestação de serviços aos assinantes, a compressão das margens subsistiu em 2002 (decisão recorrida, considerandos 154 e 160). Este efeito ainda existia quando a decisão recorrida foi adoptada (decisão recorrida, considerando 161).

43

A Comissão constata em seguida que as tarifas dos serviços de acesso grossista (prestações intermédias) e os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente são na verdade objecto de regulação sectorial. No entanto, a recorrente dispõe de uma margem de manobra suficiente para reduzir, ou mesmo anular, a compressão das margens através de reestruturações tarifárias (decisão recorrida, considerandos 57, 105, e 163 a 175). A Comissão admite que, a partir de 1 de Janeiro de 2002, a recorrente deixou de dispor de margem de manobra para aumentar os preços cobrados aos utilizadores finais relativamente às linhas analógicas e RDIS. No entanto, podia ter reduzido a compressão das margens aumentando os seus preços para as linhas ADSL (decisão recorrida, considerandos 171 a 175 e 206).

44

A Comissão conclui no considerando 199 da decisão recorrida:

«[A recorrente] explora de modo abusivo a posição dominante que detém nos mercados relevantes para o acesso directo à sua rede telefónica fixa. Esta prática abusiva consiste na fixação de preços não equitativos para os serviços de acesso grossista ao lacete local prestados aos operadores da concorrência bem como para os serviços de acesso a retalho prestados a utilizadores finais na rede local, estando assim abrangida pela alínea a) do artigo 82.o do Tratado CE. No período de inícios de 1998 a finais de 2001, a [recorrente] esteve em condições de eliminar na íntegra a compressão das margens através de alterações tarifárias. Desde inícios de 2002, a [recorrente] está ainda em condições de reduzir a compressão das margens, nomeadamente através das tarifas relativas ao acesso dos utilizadores finais à rede mediante linhas ADSL que não estão sujeitas ao sistema [de limitação máxima dos preços].»

45

Depois de ter constatado que a infracção, entre o início de 1998 e o final de 2001, era grave e, a partir do início de 2002, pouco grave, a Comissão aplicou uma coima de 12,6 milhões de euros (decisão recorrida, considerandos 207 e 212).

46

O dispositivo da decisão recorrida tem a seguinte redacção:

«Artigo 1.o

A [recorrente] cometeu, desde 1998, uma infracção contra a alínea a) do artigo 82.o do Tratado CE, ao cobrar tarifas mensais e tarifas de pagamento único não equitativas aos operadores da concorrência e aos seus utilizadores finais pelo acesso à rede local, o que restringiu, em ampla medida, a concorrência no mercado dos serviços de acesso à rede local.

Artigo 2.o

A [recorrente] deverá pôr imediatamente termo à infracção referida no artigo 1.o e abster-se-á de repetir, de futuro, qualquer dos actos ou comportamentos descritos no artigo 1.o

Artigo 3.o

Relativamente à infracção referida no artigo 1.o, é aplicada [à recorrente] uma coima no valor de 12,6 milhões de euros.

[…]»

Tramitação processual

47

Através de petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 30 de Julho de 2003, a recorrente interpôs o presente recurso.

48

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Dezembro de 2003, a Arcor AG & Co. KG (a seguir «interveniente I»), por um lado, e a CityKom Münster GmbH Telekommunikationsservice, que passou a denominar-se Tropolys NRW GmbH, e em seguida Versatel NRW GmbH, a EWE TEL GmbH, a HanseNet Telekommunikation GmbH, a ISIS Multimedia Net GmbH & Co. KG, actual Arcor AG & Co. KG, a KomTel Gesellschaft für Kommunikations- und Informationsdienste mbH, actual Versatel Nord-Deutschland GmbH, a NetCologne Gesellschaft für Telekommunikation mbH, a TeleBeL Gesellschaft für Telekommunikation Bergisches Land mbH, que passou a denominar-se Tropolys NRW GmbH, e em seguida Versatel NRW GmbH, a tesion Telekommunikation GmbH, actual Versatel Süd-Deutschland GmbH, a Versatel Deutschland GmbH & Co. KG, actual Versatel West-Deutschland GmbH (a seguir denominadas conjuntamente «interveniente II»), por outro, requereram que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da Comissão.

49

Por carta de 30 de Janeiro de 2004, a recorrente apresentou ao Tribunal um pedido de tratamento confidencial de determinadas passagens da petição inicial, da contestação, da réplica e de determinados anexos relativos a estas peças processuais.

50

Por carta de 22 de Março de 2004, a recorrente apresentou ao Tribunal um pedido de tratamento confidencial de uma passagem da tréplica.

51

Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Maio de 2004, foi admitida a intervenção, em apoio dos pedidos da Comissão, das sociedades acima identificadas no n.o 48. Foi reservada para final a decisão sobre a procedência do pedido de tratamento confidencial.

52

Foram enviadas às intervenientes I e II versões não confidenciais, preparadas pela recorrente, das diferentes peças processuais.

53

Por cartas de 24 de Junho de 2004, as intervenientes I e II contestaram a confidencialidade de diferentes passagens que foram ocultadas nas versões não confidenciais das peças processuais.

54

Em 14 de Julho de 2004, a interveniente II apresentou as suas alegações. A interveniente I fez o mesmo em 2 de Agosto de 2004. As partes principais apresentaram as suas observações relativas às alegações de intervenção.

55

Por carta de 20 de Dezembro de 2004, a recorrente apresentou observações quanto às objecções das intervenientes I e II relativas ao pedido de confidencialidade.

56

Por despacho de 15 de Junho de 2006, o presidente da Quinta Secção deferiu parcialmente o pedido de confidencialidade da recorrente.

57

Por carta de 14 de Setembro de 2006, a interveniente II informou o Tribunal de que a interveniente I sucedeu na posição da ISIS Multimedia Net GmbH & Co. KG. Na mesma carta, informou o Tribunal, nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, de que, a fim de evitar a dupla qualidade de interveniente, desistia da intervenção da ISIS Multimedia Net GmbH & Co. KG, actual Arcor AG & Co. KG.

58

Por despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Novembro de 2006, foi cancelada a intervenção da Arcor AG & Co. KG, anteriormente ISIS Multimedia Net GmbH & Co. KG, na qualidade de interveniente II.

59

Em 11 de Dezembro de 2006, o Tribunal, ouvidas as partes, decidiu remeter o presente processo à Quinta Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância.

60

Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) decidiu iniciar a fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do Regulamento de Processo, colocou questões por escrito à recorrente e à Comissão e convidou-as a apresentar determinados documentos. As partes principais satisfizeram estes pedidos dentro dos prazos fixados.

61

Por carta de 21 de Março de 2007, a recorrente apresentou ao Tribunal um pedido de tratamento confidencial de diversos elementos do articulado da Comissão de 5 de Março de 2007 que contém as respostas às questões escritas do Tribunal. As intervenientes I e II não suscitaram objecções relativamente a este pedido de confidencialidade, pelo que lhes foi enviada uma versão não confidencial do articulado da Comissão, preparada pela recorrente.

62

Tendo o juiz F. Dehousse ficado impedido de participar no presente processo, o presidente do Tribunal de Primeira Instância, em 29 de Março de 2007, designou o juiz N. Wahl para integrar a Secção, nos termos do artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

63

Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 3 de Maio de 2007.

Pedidos das partes

64

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão recorrida e, a título subsidiário, reduzir, no âmbito do seu poder de apreciação soberano, a coima aplicada pela Comissão no artigo 3.o da decisão recorrida;

condenar a Comissão nas despesas, incluindo as despesas não reembolsáveis.

65

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas da instância.

66

A interveniente I conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas, incluindo as suas próprias despesas.

67

A interveniente II conclui pedindo que o Tribunal se digne:

indeferir o pedido da recorrente;

condenar a recorrente nas despesas e no pagamento das suas despesas não reembolsáveis.

Questão de direito

I — Quanto aos pedidos principais relativos à anulação da decisão recorrida

68

A recorrente suscita três fundamentos relativos, respectivamente, o primeiro, à violação do artigo 82.o CE, o segundo, ao carácter imperfeito do dispositivo da decisão recorrida e, o terceiro, a desvio de poder e à violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima.

A — Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 82.o CE

69

O primeiro fundamento contém quatro partes. A primeira é relativa à inexistência de comportamento abusivo devido à margem de manobra insuficiente de que a recorrente dispunha para evitar a compressão tarifária das margens. A segunda refere-se à ilegalidade do método utilizado pela Comissão para concluir pela compressão tarifária das margens. A terceira tem por objecto um erro cometido pela Comissão no cálculo da compressão tarifária das margens e a quarta é relativa à inexistência no mercado de efeitos da compressão tarifária das margens constatada.

1. Quanto à primeira parte, relativa à inexistência de comportamento abusivo devido à margem de manobra insuficiente de que a recorrente dispunha para evitar a compressão tarifária das margens

a) Argumentos das partes

70

A recorrente alega que não dispunha de margem de manobra suficiente para evitar a alegada compressão tarifária das margens constatada na decisão recorrida. Por um lado, lembra que a própria Comissão concluiu que a recorrente não tinha margem de manobra para fixar as tarifas dos serviços de acesso grossista. As tarifas dos serviços de acesso grossista, fixadas pela RegTP, deviam corresponder aos custos de uma prestação de serviços eficaz. Não correspondem, portanto, necessariamente aos custos da recorrente.

71

Por outro lado, a recorrente também não dispõe de margem de manobra para fixar as suas tarifas para os serviços de acesso a utilizadores finais. Relativamente ao período compreendido entre 1998 e 2001, está excluída a existência de um abuso cometido pela recorrente na medida em que apenas a RegTP — e, anteriormente, o BMPT — era responsável pelas tarifas da recorrente para as ligações de banda estreita (v. n.os 73 a 79 infra).

72

Relativamente ao período posterior a Janeiro de 2002, só o comportamento da recorrente na fixação das tarifas para as ligações de banda larga poderia ser abusivo, na medida em que a própria Comissão reconheceu na decisão recorrida que, a partir de 2002, a recorrente deixou de dispor de qualquer margem de manobra na fixação das tarifas para as ligações de banda estreita. No entanto, em relação ao período posterior a Janeiro de 2002, a eventual margem de manobra da recorrente na fixação das tarifas para as ligações de banda larga, admitindo que essa margem existia, não teria, em qualquer caso, influência na alegada compressão tarifária das margens (v. n.os 80 a 83 infra).

73

Em primeiro lugar, no que se refere às ligações de banda estreita (linhas analógicas e RDIS), a recorrente explica que, nos termos do direito alemão, os preços por si cobrados aos utilizadores finais tinham todos de ser previamente analisados e aprovados pela RegTP ou, antes de 1998, pelo BMPT. Não se pode deste modo considerar que a recorrente, que, nos termos do § 29, n.o 1, da TKG, não se podia afastar das tarifas assim autorizadas sob pena de lhe ser aplicada uma coima, violou o artigo 82.o CE ao praticar as referidas tarifas.

74

Quanto à fixação das tarifas, a recorrente recorda que, no âmbito do sistema de limitação máxima dos preços, a RegTP definiu, num primeiro momento, pacotes de serviços e objectivos para a evolução dos preços que limitam as alterações tarifárias dentro dos pacotes («índices de preços» ou «preços máximos»). Num segundo momento, a RegTP examinaria as alterações de tarifas individuais propostas pela recorrente. Para este efeito, em conformidade com os §§ 24 e 27 da TKG, a RegTP tinha de verificar, independentemente da observância do máximo fixado para o pacote em causa, se as tarifas solicitadas não tinham sido fixadas, de forma injustificada, abaixo dos custos de uma prestação de serviços eficaz ou se não violavam outras normas jurídicas, designadamente o artigo 82.o CE. A RegTP devia consequentemente recusar uma alteração dos preços cobrados aos utilizadores finais solicitada pela recorrente se esses preços violassem o artigo 82.o CE, designadamente devido a uma compressão das margens anticoncorrencial.

75

A recorrente sublinha, por um lado, que até 1 de Maio de 2002, estava vinculada pelas tarifas obrigatórias relativas às linhas analógicas que se baseavam numa autorização sem limite de tempo concedida pelo BMPT, ao abrigo do § 97, n.o 3, da TKG, nos termos do qual as autorizações relativas às tarifas da recorrente concedidas «antes de 1 de Janeiro de 1998 […] continu[avam] em vigor o mais tardar até 31 de Dezembro de 2002».

76

A recorrente salienta, por outro lado, que, relativamente ao seu pedido de 31 de Outubro de 2002 referente ao aumento das tarifas por si cobradas para os serviços de acesso a utilizadores finais, a RegTP, por decisão de 19 de Dezembro de 2002, só o aceitou parcialmente, no limite do preço máximo. Observa ainda que, a partir de 1 de Janeiro de 2002, as tarifas para o acesso fazem parte de um pacote diferente para o qual foi fixado um valor de referência específico. As tarifas das comunicações não têm qualquer incidência no cumprimento destes valores impostos. A própria Comissão reconhece que a recorrente não tinha qualquer possibilidade de aumentar as suas tarifas para o acesso à banda estreita a partir de 2002. O facto de, entre 1998 e 2001, não ter apresentado pedidos suplementares de aumento das tarifas autorizadas não implica que a responsabilidade do montante das tarifas fixadas pela RegTP e, consequentemente, uma alegada compressão tarifária das margens lhe sejam imputáveis. Com efeito, a simples faculdade de apresentar pedidos de alteração tarifária não pode ser equiparada a um poder autónomo de fixação dos preços. O processo de análise e de autorização caso a caso das tarifas adoptado pela RegTP foi implementado precisamente para garantir, através de uma regulamentação ex ante, que o operador histórico não pratique tarifas abusivas, nos termos da obrigação imposta aos Estados-Membros pelo artigo 17.o da Directiva 98/10/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 1998, relativa à aplicação da oferta de rede aberta (ORA) à telefonia vocal e ao serviço universal de telecomunicações num ambiente concorrencial (JO L 101, p. 24). Se um pedido for objecto de análise e de uma decisão nos termos deste procedimento, sendo respeitados os requisitos processuais do ordenamento jurídico comunitário relativo ao direito das telecomunicações, nenhum abuso poderá ser imputado à empresa que pratica as tarifas fixadas no final dessa análise. Tarifas controladas e autorizadas não podem constituir um abuso por parte da empresa que as pratica.

77

Por outro lado, a recorrente precisa que a regulamentação ex ante pela RegTP serve para modelar a estrutura do mercado através de intervenções administrativas e substitui, nos domínios que regula, a responsabilidade de preservar a estrutura do mercado que incumbe à empresa regulada por uma responsabilidade de preservar a estrutura do mercado que incumbe à autoridade reguladora. Por este motivo, a recorrente só é obrigada a solicitar alterações tarifárias à RegTP em caso de alteração da situação de facto subjacente.

78

Seja como for, ainda que se admita que a faculdade, da recorrente, de solicitar uma alteração tarifária possa justificar que a mesma seja responsabilizada por um determinado nível tarifário, não se verificou qualquer alteração das circunstâncias susceptível de obrigar a recorrente a apresentar pedidos suplementares de aumento dos preços por si cobrados aos utilizadores finais. Pelo contrário, desde 1998, os custos com a disponibilização das ligações quase não sofreram alterações e inclusivamente os preços dos serviços de acesso grossista diminuíram consideravelmente. Por outro lado, a RegTP concluiu durante esse mesmo período, nas suas decisões de 8 de Fevereiro de 1999, 23 de Dezembro de 1999, 30 de Março de 2001, 21 de Dezembro de 2001, 11 de Abril de 2002 e 29 de Abril de 2003, pela inexistência de uma compressão tarifária das margens em detrimento dos concorrentes. Além disso, por acórdão de 16 de Janeiro de 2002, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf, Alemanha) considerou que as tarifas aprovadas da recorrente não violavam o artigo 82.o CE.

79

Quanto ao acórdão do Bundesgerichtshof (Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), de 10 de Fevereiro de 2004, que anulou o acórdão do Oberlandesgericht Düsseldorf de 16 de Janeiro de 2002, a recorrente alega que este acórdão confirma, por um lado, que a RegTP verifica a compatibilidade de uma tarifa que é objecto de um pedido de autorização com o artigo 82.o CE e, por outro, que a responsabilidade decorrente de uma eventual violação do artigo 82.o CE só excepcionalmente poderá ser imputada à empresa que apresentou o pedido de autorização da tarifa. A recorrente recorda que a própria RegTP concluiu, por diversas vezes desde 1998, pela inexistência de uma compressão tarifária das margens em detrimento dos concorrentes da recorrente. O Bundesgerichtshof deixou, além disso, expressamente em aberto a questão da responsabilidade em que incorre a recorrente à luz do direito da concorrência devido às tarifas reguladas.

80

Em segundo lugar, a recorrente sustenta que eventuais abusos, relativos ao período que se iniciou em 2002, que se baseiam apenas na sua alegada margem de manobra existente para os aumentos das tarifas T-DSL (ADSL), não lhe podem ser imputados. Por um lado, a Comissão não pode considerar esta margem de manobra isoladamente, na medida em que o cálculo da compressão das margens é efectuado não com base nas tarifas T-DSL (ADSL), mas com base na totalidade dos preços cobrados aos utilizadores finais. Por outro lado, contrariamente ao que a Comissão entende, a recorrente não podia aumentar as suas tarifas de forma ilimitada. Deste modo, a recorrente alega que o elemento de base da tarifa, a saber, o preço da ligação de base (ligação analógica ou RDIS), exige uma autorização prévia da RegTP. Além disso, o suplemento de preço para a passagem de uma ligação analógica ou RDIS para uma ligação ADSL está sujeito a uma fiscalização a posteriori por parte da RegTP. A recorrente remete, a este respeito, para as decisões da RegTP de 30 de Março de 2001 e de 25 de Janeiro de 2002. Nestas condições, a recorrente, cujas tarifas deviam ser fixadas, nos termos do § 24 da TKG, em função dos custos de uma prestação eficaz, não dispunha de forma alguma de uma margem de manobra ilimitada para aumentar as suas tarifas ADSL. Na sua decisão de 25 de Janeiro de 2002, a RegTP encerrou o processo instaurado contra a recorrente que tinha por objecto preços predadores relativamente à ADSL. A recorrente observa ainda que a Comissão remete apenas para números retirados da decisão da RegTP de 30 de Março de 2001, para demonstrar que a recorrente dispôs, desde 2002, de uma margem de manobra para aumentar as suas tarifas ADSL.

81

Além disso, a recorrente sustenta que, com base nos cálculos da Comissão, excepção feita à fase inicial, os seus preços cobrados aos utilizadores finais para os serviços ADSL (linhas analógicas desde 2001 e linhas RDIS desde 2002) eram superiores aos preços dos seus serviços de acesso grossista, acrescidos dos custos específicos relativos à prestação de serviços aos utilizadores finais. Não existe assim qualquer compressão das margens neste mercado. Por outro lado, a verdadeira causa da alegada compressão das margens reside na fixação, por parte da RegTP, de tarifas reduzidas para as linhas analógicas. Deste modo, na medida em que, segundo a própria Comissão, existiam mercados distintos para as ligações de banda larga (ADSL) e para as ligações de banda estreita (linhas analógicas e RDIS), a recorrente sustenta que, ainda que dispusesse de uma margem de manobra no mercado das ligações de banda larga — margem de manobra que lhe permitiria aumentar as suas tarifas para as linhas ADSL —, nem um aumento nem uma redução das tarifas ADSL teriam qualquer repercussão na persistência de uma compressão das margens anticoncorrencial no mercado das ligações de banda estreita. Uma rectificação das tarifas ADSL não poderia eliminar o alegado mau funcionamento do mercado das ligações de banda estreita, da mesma forma que a fixação das tarifas ADSL não provocou esse mau funcionamento. A recorrente acrescenta ainda, na réplica, que, se uma prestação grossista única dá acesso a vários mercados a jusante, haveria que averiguar em relação a cada um desses mercados a jusante se existe uma compressão tarifária das margens.

82

A recorrente contesta, ainda, o argumento da Comissão segundo o qual o mercado de acesso ao lacete local enquanto prestação grossista é uniforme. Por um lado, sublinha que um acesso completo ao lacete local pode servir de base a uma oferta destinada aos utilizadores finais que se limita às ligações de banda larga ou às ligações de banda estreita. Por outro, insiste no facto de que as ligações de banda larga podem ser comercializadas separadamente das ligações de banda estreita com base na partilha de linhas. O acesso completo ao lacete local não é portanto necessário para os serviços ADSL. Se a Comissão tivesse tomado em consideração as taxas de partilha de linhas, claramente inferiores às tarifas dos serviços de acesso grossista, para apreciar a compressão das margens, o resultado teria sido mais favorável para a recorrente.

83

Por último, alega que a Comissão não provou, na decisão recorrida, de que modo podia ter reduzido a alegada compressão das margens aumentando as tarifas ADSL. Atendendo à elasticidade cruzada dos preços entre a ADSL e as ligações tradicionais e entre as diferentes variantes ADSL (a partir de ligações analógicas e RDIS) aceite pela Comissão, exigia-se uma análise mais exaustiva para determinar se um aumento das tarifas ADSL teria efectivamente conduzido a um aumento dos preços cobrados aos utilizadores finais ponderados. Por um lado, a recorrente salienta para este efeito que existe uma elasticidade-preço cruzada entre a ADSL e as ligações de banda estreita. Se no passado tivesse exigido tarifas ADSL mais elevadas do que aquelas que pratica, o número de clientes da ADSL teria sido mais reduzido. Por outro, existe, além disso, uma forte elasticidade-preço cruzada no próprio domínio da ADSL. A recorrente explica para este efeito que as ligações ADSL são oferecidas tanto a partir de ligações analógicas como a partir de ligações RDIS. Um aumento das tarifas ADSL com base em ligações RDIS deslocaria a procura para a variante analógica.

84

A Comissão e as intervenientes I e II concluem pela improcedência da primeira parte do primeiro fundamento.

b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

i) Observações preliminares

85

Resulta da jurisprudência que os artigos 81.o CE e 82.o CE se referem apenas a comportamentos anticoncorrenciais adoptados pelas empresas por sua própria iniciativa. Se às empresas é imposto por uma legislação nacional um comportamento anticoncorrencial, ou se esta legislação cria um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, os artigos 81.o CE e 82.o CE não são aplicáveis. Numa situação deste tipo, como resulta das referidas disposições, a limitação da concorrência não é causada por comportamentos autónomos das empresas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing, C-359/95 P e C-379/95 P, Colect., p. I-6265, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

86

A este respeito, cumpre no entanto recordar que a possibilidade de excluir um determinado comportamento anticoncorrencial do âmbito de aplicação dos artigos 81.o CE e 82.o CE, por ter sido imposto às empresas em causa pela legislação nacional existente ou por esta ter eliminado qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, só foi admitida de forma restritiva pelo Tribunal de Justiça (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão,209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.os 130 a 134; de 20 de Março de 1985, Itália/Comissão, 41/83, Recueil, p. 873, n.o 19; de 10 de Dezembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão, 240/82 a 242/82, 261/82, 262/82, 268/82 e 269/82, Recueil, p. 3831, n.os 27 a 29; e de 9 de Setembro de 2003, CIF, C-198/01, Colect., p. I-8055, n.o 67).

87

Para que o quadro jurídico nacional tenha por consequência afastar a aplicação dos artigos 81.o CE e 82.o CE a comportamentos anticoncorrenciais de empresas, é necessário que os efeitos restritivos da concorrência encontrem a sua origem unicamente na lei nacional (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Consiglio nazionale degli spedizionieri doganali/Comissão, T-513/93, Colect., p. II-1807, n.o 61).

88

Pelo contrário, os artigos 81.o CE e 82.o CE podem ser aplicados se se revelar que a legislação nacional deixa subsistir a possibilidade de que a concorrência é susceptível de ser entravada, limitada ou falseada por comportamentos autónomos das empresas (acórdãos do Tribunal de Justiça, van Landewyck e o./Comissão, referido no n.o 86 supra, n.os 126 e 130 a 134; Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão, referido no n.o 86 supra, n.os 12 a 37; de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C-219/95 P, Colect., p. I-4411, n.os 23 a 25; e Comissão e França/Ladbroke Racing, referido no n.o 85 supra, n.o 34).

89

Deste modo, se uma lei nacional se limitar a encorajar ou a facilitar a adopção, pelas empresas, de comportamentos anticoncorrenciais autónomos, estas continuam sujeitas aos artigos 81.o CE e 82.o CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.os 36 a 73, e CIF, referido no n.o 86 supra, n.o 56; v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1996, Asia Motor France e o./Comissão, T-387/94, Colect., p. II-961, n.o 60).

90

É à luz dos princípios acima enunciados que importa examinar se o quadro jurídico alemão, designadamente a TKG, o regulamento relativo à regulação das tarifas e as decisões adoptadas pela RegTP durante o período visado pela decisão recorrida, eliminava qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da recorrente ou se deixava uma margem de manobra suficiente para que esta fixasse as suas tarifas a um nível tal que lhe teria sido possível eliminar ou reduzir a compressão das margens constatada na decisão recorrida.

ii) Decisão recorrida

91

Na decisão recorrida, a Comissão, depois de ter examinado as tarifas dos serviços de acesso grossista e as tarifas finais, constatou a existência de uma «prática abusiva da [recorrente] sob a forma de um desajuste dos preços face aos custos reais (compressão das margens) ou seja, uma relação desajustada entre [estas duas tarifas]» (considerando 57).

92

A Comissão indica, por outro lado, na decisão recorrida que se «[considera] que existe um desajuste abusivo dos preços face aos custos, ou seja, uma compressão das margens, se a diferença entre as tarifas cobradas aos utilizadores finais e as tarifas cobradas aos operadores da concorrência pela prestação de serviços equivalentes for negativa ou insuficiente para cobrir os custos específicos dos produtos do operador que detém uma posição dominante no mercado para prestar serviços aos seus próprios clientes finais no mercado a jusante» (considerando 107).

93

Ainda que, na decisão recorrida, a Comissão não exclua a possibilidade de a recorrente reduzir as suas tarifas para os serviços de acesso grossista (considerandos 17, 163 e 206), analisa, na referida decisão, apenas a questão de saber se a recorrente dispunha de uma efectiva margem de manobra para aumentar os preços por si cobrados aos utilizadores finais (considerandos 164 a 175). Distingue, para este efeito, dois períodos.

94

A Comissão considera, em primeiro lugar, que, «[n]o período de inícios de 1998 a finais de 2001, a [recorrente] esteve em condições de eliminar na íntegra a compressão das margens através de alterações tarifárias», ou, por outras palavras, os seus preços cobrados aos utilizadores finais (considerando 199). A Comissão explica que, para tal, a recorrente tinha uma «margem [suficiente] que permitiria evitar uma compressão das margens através do aumento das tarifas cobradas aos assinantes pelas linhas analógicas e RDIS» (considerando 164).

95

Em seguida, para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2002 e a adopção da decisão recorrida, a Comissão constata igualmente a existência de uma margem de manobra para a recorrente aumentar os seus preços cobrados aos utilizadores finais. No entanto, esta margem de manobra refere-se apenas aos preços cobrados aos utilizadores finais pelos serviços de acesso ADSL. Com efeito, na decisão recorrida, a Comissão observa que, «[d]esde inícios de 2002, a [recorrente] está ainda em condições de reduzir a compressão das margens, nomeadamente através das tarifas relativas ao acesso dos utilizadores finais à rede mediante linhas ADSL» (considerando 199). Precisa que, «desde 1 de Janeiro de 2002, a [recorrente] só pode por lei eliminar pelo menos parcialmente a compressão das margens mediante um aumento das tarifas cobradas pelos serviços T-DSL» (considerando 206).

96

Nestas condições, há que analisar se a Comissão podia, com razão, concluir na decisão recorrida que a recorrente dispunha durante os dois períodos distintos acima referidos nos n.os 94 e 95 de uma margem de manobra suficiente para aumentar os preços por si cobrados aos utilizadores finais, de forma a eliminar ou reduzir a compressão das margens constatada na decisão recorrida.

iii) Quanto à inexistência de comportamento abusivo devido à margem de manobra insuficiente da recorrente para evitar a compressão das margens aumentando os preços por si cobrados aos utilizadores finais durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001

97

Importa recordar que, nos termos da decisão recorrida (considerandos 164 e 199), a recorrente dispunha de uma margem de manobra suficiente para eliminar a compressão tarifária das margens durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, aumentando as suas tarifas finais para o acesso às linhas analógicas e RDIS.

98

Para apreciar a justeza desta observação, há que examinar, em primeiro lugar, a normativa jurídica alemã aplicável.

99

A este respeito, recorde-se que, nos termos do § 27, n.o 1, segundo período, e do § 25, n.o 1, da TKG assim como dos §§ 4 e 5 do regulamento relativo à regulação das tarifas, os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente para o acesso às linhas analógica e RDIS deviam ser aprovados pela RegTP no âmbito de um sistema de limitação máxima dos preços. A limitação máxima referia-se a dois pacotes (serviços para utilizadores particulares e serviços para profissionais), que incluíam, para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, simultaneamente os serviços de acesso e as comunicações, designadamente as comunicações locais, regionais, interurbanas e internacionais. Atendendo ao limite máximo fixado na decisão do BMPT de 17 de Dezembro de 1997, a recorrente teve de reduzir em 4,3% o preço total de cada um dos pacotes durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 1999 e, na sequência da decisão da RegTP de 23 de Dezembro de 1999, em 5,6% durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2001.

100

No entanto, é de notar que, ao abrigo desta normativa, a recorrente podia alterar os seus preços depois de ter obtido autorização prévia da RegTP. A recorrente não contesta a observação feita nos considerandos 37 e 166 da decisão recorrida segundo a qual, durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, baixou os seus preços para as comunicações, ultrapassando largamente os níveis, respectivamente, de 4,3% e 5,6% impostos pela RegTP para os pacotes integrais. A resposta da RegTP de 3 de Abril de 2002 ao pedido de informações de 23 de Março de 2002 à qual se refere o considerando 37 da decisão recorrida confirma assim que «as tarifas dos serviços telefónicos regulados no processo de limitação máxima dos preços foram reduzidas num montante de [confidencial] ( 1 ) marcos alemães (ou cerca de [confidencial] euros) para além do que era exigido pelas imposições de limitação máxima dos preços».

101

Esta redução das tarifas criou uma margem de manobra para a recorrente aumentar os preços por si cobrados aos utilizadores finais para o acesso às suas linhas analógicas e RDIS.

102

Como foi salientado no considerando 167 da decisão recorrida, a recorrente reconheceu aliás, na sua resposta à comunicação de acusações, a existência de uma margem de manobra que lhe teria permitido aumentar a assinatura mensal por linha para particulares em [confidencial] euros durante o período de limitação máxima dos preços 1998/1999.

103

A existência de uma margem de manobra da recorrente para aumentar as suas tarifas finais resulta também das observações formuladas pelo Governo alemão na sua comunicação de 8 de Junho de 2000 enviada à Comissão. O Governo alemão afirmou nessa comunicação o seguinte:

«[A] acusação […] de que a RegTP, através da limitação máxima das suas tarifas finais, restringiu a margem de manobra da [recorrente] ao ponto de já não lhe ser possível aumentar a assinatura de base é infundada. […] [A recorrente] dispunha [na realidade] de uma margem que lhe permitia aumentar a assinatura de base para as linhas analógicas (21,39 DEM) a fim de melhor alinhar a assinatura de base com a tarifa autorizada em 8 de Fevereiro de 1999 para o acesso ao lacete local, num montante de 25,40 DEM.»

104

Além disso, a decisão da RegTP de 8 de Fevereiro de 1999, a que a recorrente se refere na petição inicial e na réplica em apoio da sua argumentação segundo a qual não pode ser responsabilizada por uma violação do artigo 82.o CE, confirma que «a recorrente conserva uma margem de manobra, no que se refere à determinação das diferentes tarifas finais, dentro dos limites do pacote fixado no processo de limitação máxima dos preços».

105

Foi, portanto, com razão que a Comissão concluiu, nos considerandos 166 e 167 da decisão recorrida, que, atendendo aos seis pedidos de redução dos preços das comunicações que tiveram lugar durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, a recorrente dispôs durante o referido período de uma margem de manobra para formular pedidos de aumento de preços para os seus serviços de acesso às linhas analógicas e RDIS, podendo respeitar simultaneamente o limite máximo dos pacotes dos serviços para utilizadores particulares e profissionais. A recorrente reconheceu, aliás, na audiência a existência de tal margem de manobra em seu benefício.

106

Em segundo lugar, importa analisar se, não obstante a margem de manobra acima constatada no n.o 105, a intervenção da RegTP na fixação das tarifas da recorrente teve por consequência que esta última tenha deixado de estar abrangida pelo artigo 82.o CE.

107

Quanto a este ponto, há que recordar desde logo que o facto de as tarifas da recorrente terem de ser aprovadas pela RegTP não elimina a sua responsabilidade nos termos do artigo 82.o CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1985, BNIC, 123/83, Recueil, p. 391, n.os 21 a 23). Com efeito, na medida em que a recorrente, como aliás ela própria admite na réplica, influencia o montante das suas tarifas finais através de pedidos de autorização apresentados à RegTP nos termos do § 28, n.o 1, da TKG, os efeitos restritivos da concorrência ligados à compressão das margens constatada na decisão recorrida não encontram a sua origem unicamente no quadro jurídico nacional aplicável (acórdão Consiglio nazionale degli spedizionieri doganali/Comissão, referido no n.o 87 supra, n.o 61).

108

A recorrente insiste, no entanto, no facto de não ser de forma alguma responsável nos termos do artigo 82.o CE, na medida em que a RegTP efectua uma fiscalização ex ante da compatibilidade das suas tarifas com o artigo 82.o CE.

109

A este respeito, em primeiro lugar, é de notar que as tarifas finais para o acesso às linhas analógicas que estiveram em vigor durante todo o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001 não foram autorizadas pela RegTP, antes se baseando em decisões adoptadas ao abrigo da legislação em vigor antes da adopção da TKG. Em resposta a uma questão escrita do Tribunal, a recorrente afirmou deste modo que as suas tarifas finais para as linhas analógicas relativas ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001 se baseavam numa autorização sem limite temporal concedida pelo Ministro Federal dos Correios e Telecomunicações em 1990 com base num decreto sobre as telecomunicações (Telekommunikationsordnung).

110

Ora, a recorrente não sustentou, nem na petição inicial nem na réplica, que as tarifas fixadas ao abrigo da legislação em vigor em 1990 foram autorizadas após a análise, pela autoridade competente, da sua conformidade com o artigo 82.o CE.

111

Em segundo lugar, há que salientar que das disposições da TKG, em vigor desde 1 de Agosto de 1996, não resulta que a RegTP examine a compatibilidade com o artigo 82.o CE dos pedidos de alteração das tarifas finais para o acesso às linhas analógicas e RDIS.

112

Em apoio do seu argumento, a recorrente remete no entanto, por um lado, para o § 27, n.o 3, da TKG, nos termos do qual a RegTP examina a conformidade da alteração das tarifas solicitada «com outras disposições jurídicas», que incluem o artigo 82.o CE, e, por outro, para as diferentes decisões da RegTP acima referidas no n.o 78 que constataram a existência de uma compressão das margens.

113

A este respeito, importa sublinhar, em primeiro lugar, que ainda que a RegTP, à semelhança de qualquer órgão do Estado, seja obrigada a respeitar as disposições do Tratado CE (v., neste sentido, acórdão CIF, referido no n.o 86 supra, n.o 49), esta autoridade constituía, à época dos factos do litígio, a autoridade alemã responsável pela aplicação da regulamentação sectorial no domínio das telecomunicações, e não a autoridade de concorrência do Estado-Membro em causa. Ora, as autoridades reguladoras nacionais actuam em conformidade com o direito nacional, o qual pode ter objectivos que, inscrevendo-se nas políticas das telecomunicações, são diferentes dos da política comunitária de concorrência [v. comunicação da Comissão, de 22 de Agosto de 1998, sobre a aplicação das regras da concorrência aos acordos de acesso no sector das telecomunicações — Enquadramento, mercados relevantes e princípios (JO C 265, p. 2), n.o 13].

114

Em seguida, há que observar que as diferentes decisões da RegTP a que a recorrente se refere em apoio da sua argumentação não contêm qualquer referência ao artigo 82.o CE.

115

É verdade que, em diversas decisões da RegTP, designadamente nas de 8 de Fevereiro de 1999, 30 de Março de 2001, 21 de Dezembro de 2001, 11 de Abril de 2002 e 29 de Abril de 2003, a RegTP examinou a questão da compressão tarifária das margens.

116

No entanto, nestas decisões, a RegTP, depois de ter constatado a margem negativa entre os preços dos serviços de acesso grossista e os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente, considerou, de todas as vezes, que o recurso à subvenção cruzada entre as tarifas para os serviços de acesso e as tarifas para as comunicações devia permitir aos outros operadores oferecerem aos seus utilizadores finais preços concorrenciais.

117

Deste modo, a RegTP concluiu na sua decisão de 29 de Abril de 2003:

«[A] reduzida diferença entre os preços cobrados aos utilizadores finais e os preços dos serviços de acesso grossista não prejudica os concorrentes nas suas possibilidades de concorrência na rede local ao ponto de tornar economicamente impossível uma boa entrada no mercado, ou mesmo a sua sobrevivência no mercado […] [Esta diferença] não era relevante ao ponto de privar os concorrentes de qualquer possibilidade de realizarem por sua vez a subvenção cruzada dos preços por si cobrados aos utilizadores finais a fim de poderem propor aos seus clientes finais ligações a um preço tão interessante como o da recorrente, ou mesmo a um preço inferior. Isto é especialmente válido para as ligações com maior valor e mais caras, como sejam as linhas RDIS e ADSL, cujo número aumentou sensivelmente devido à forte penetração da Internet e à comercialização de acessos à Internet mais rápidos e com melhor performance

118

A RegTP segue um raciocínio semelhante nas suas decisões de 8 de Fevereiro de 1999, 30 de Março de 2001, 21 de Dezembro de 2001 e 11 de Abril de 2002.

119

Ora, o facto de a RegTP não se opor às tarifas solicitadas pela recorrente depois de ter constatado a necessidade de os seus concorrentes recorrerem a uma subvenção cruzada para poderem oferecer aos seus utilizadores finais preços competitivos para os serviços de acesso demonstra que a RegTP não examinou a compatibilidade das tarifas em causa com o artigo 82.o CE ou que, pelo menos, aplicou este artigo de forma errada (v. n.os 198 a 202 e 238 infra).

120

Seja como for, ainda que se admita que a RegTP é obrigada a analisar a compatibilidade das tarifas finais propostas pela recorrente com o artigo 82.o CE, essa circunstância não impede que uma infracção imputada à recorrente possa ser declarada pela Comissão. Com efeito, a Comissão não pode ficar vinculada a uma decisão proferida por um órgão jurisdicional nacional em aplicação do artigo 82.o CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2000, Masterfoods e HB, C-344/98, Colect., p. I-11369, n.o 48).

121

Em terceiro lugar, saliente-se que o importante no presente caso para que uma eventual infracção possa ser imputada à recorrente é a questão de saber se esta dispunha, à época dos factos do litígio, de uma margem de manobra suficiente para fixar as suas tarifas num nível tal que lhe teria permitido eliminar ou reduzir a compressão das margens denunciada.

122

Ora, já se concluiu que a recorrente podia influenciar o montante das suas tarifas finais através de pedidos de autorização apresentados à RegTP (v. n.os 98 a 105 supra). No âmbito da responsabilidade especial que incumbe à recorrente enquanto empresa que ocupa uma posição dominante (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, NBIM/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.o 57; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão, T-228/97, Colect., p. II-2969, n.o 112, e de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, T-203/01, Colect., p. II-4071, n.o 97), esta estava consequentemente obrigada a apresentar pedidos de alteração das suas tarifas quando estas tivessem como efeito lesar a concorrência efectiva e não falseada no mercado comum.

123

No seu acórdão de 10 de Fevereiro de 2004 (referido no n.o 79 supra), o Bundesgerichtshof confirmou, aliás, expressamente a responsabilidade que incumbia à recorrente de formular pedidos de alteração das suas tarifas. Salientou, além disso, que o quadro jurídico alemão não exclui que a RegTP autorize tarifas propostas que violem o artigo 82.o CE. Com efeito, este órgão jurisdicional declarou que, «[a]o contrário das situações em que o comportamento da empresa que se encontre em posição dominante é directamente determinado por disposições jurídicas nacionais, a autorização das tarifas exigida pelo direito das telecomunicações baseia-se, no entanto, no pedido de autorização do prestador» e que, «[a]inda que o procedimento administrativo de análise não se destine a autorizar tarifas que se revelem constituir um abuso de posição dominante, esse facto não exclui a possibilidade prática de uma empresa apresentar uma tarifa através da qual abusa da sua posição dominante e de obter a sua autorização porque o abuso não foi descoberto durante o processo de análise».

124

Resulta do que precede que, não obstante a intervenção da RegTP na fixação das tarifas da recorrente, esta última dispôs, durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, de uma margem de manobra suficiente para que sua política tarifária possa ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 82.o CE.

125

Em terceiro lugar, importa analisar se a recorrente utilizou a margem de manobra de que dispunha para intervir nos preços por si cobrados aos utilizadores finais para evitar a compressão das margens constatada na decisão recorrida relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001.

126

No presente caso, em primeiro lugar, relativamente aos preços cobrados aos utilizadores finais para as linhas analógicas, a recorrente não contesta que não enviou qualquer pedido à RegTP no sentido de obter autorização para um aumento das tarifas iniciais e/ou das assinaturas mensais. Deste modo, é facto assente que «não se [verificaram] [quaisquer alterações] a nível das assinaturas, ou seja, das tarifas mensais de aluguer de linha, bem como das tarifas pagas uma única vez pela ligação normal à rede de linhas analógicas de assinante durante todo o período entre 1998 e finais de 2001» (decisão recorrida, considerando 38).

127

A recorrente sublinha, no entanto, que, antes de 1 de Maio de 2002, estava vinculada, nos termos do § 97, n.o 3, da TKG, às tarifas obrigatórias relativas às linhas analógicas tal como tinham sido fixadas em 1990 pelo Ministro Federal dos Correios e Telecomunicações.

128

Ora, o § 97, n.o 3, da TKG, que continha uma norma transitória, previa unicamente que as tarifas da recorrente que foram aprovadas antes da entrada em vigor da TKG ficariam em vigor, o mais tardar, até 31 de Dezembro de 2002. Esta disposição não impedia portanto de forma alguma que a recorrente interviesse nos preços cobrados aos utilizadores finais apresentando pedidos de alterações tarifárias junto da RegTP antes desta data, designadamente durante todo o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001.

129

Em segundo lugar, relativamente aos preços cobrados aos utilizadores finais para as linhas RDIS, é pacífico que, na sequência do pedido da recorrente, a RegTP autorizou, por decisão de 16 de Fevereiro de 2000, uma redução das tarifas para a assinatura mensal (decisão recorrida, considerando 40).

130

Além disso, durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, a recorrente não apresentou qualquer pedido de alteração de preços relativo às suas tarifas iniciais para a instalação das linhas RDIS. Estas tarifas, que, segundo a recorrente, se baseiam numa decisão do BMPT de 1996 e que, nos termos do § 97, n.o 3, da TKG, continuaram a ser válidas depois da entrada em vigor da TKG, não sofreram assim qualquer alteração durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001 (decisão recorrida, considerando 41).

131

Daqui resulta que a recorrente não utilizou a margem de manobra de que dispunha para obter um aumento dos preços por si cobrados aos utilizadores finais, que teria contribuído para reduzir a compressão das margens durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001. Pelo contrário, a própria recorrente utilizou essa margem de manobra para baixar os preços por si cobrados aos utilizadores finais, relativamente a linhas RDIS, durante esse mesmo período.

132

Em quarto e último lugar, há que analisar se a Comissão demonstrou de forma juridicamente suficiente, na decisão recorrida, que a recorrente dispôs de uma margem de manobra suficiente durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001 para «evitar uma compressão das margens» (considerando 164). A este respeito, a Comissão enuncia, na decisão recorrida, que a recorrente «esteve em condições [durante o referido período] de eliminar na íntegra a compressão das margens através de alterações tarifárias» (considerando 199).

133

Importa salientar a este respeito que a compressão das margens tal como foi constatada na decisão recorrida para esse período ascendia a [confidencial] euros em 31 de Dezembro de 1998, a [confidencial] euros em 31 de Dezembro de 1999, a [confidencial] euros em 31 de Dezembro de 2000 e a [confidencial] euros em 31 de Dezembro de 2001 (decisão recorrida, considerandos 152, 153 e quadro 10).

134

Ora, como sublinha, aliás, a Comissão na sua resposta a uma questão escrita do Tribunal, resulta das constatações efectuadas no considerando 167 da decisão recorrida, que não foram contestadas pela recorrente, que esta baixou efectivamente as suas tarifas de comunicações num total de [confidencial] euros durante o período 1998/1999. Ora, este montante — repartido sobre [confidencial] linhas (decisão recorrida, quadro 7) e 24 meses — terá permitido à recorrente aumentar o preço médio dos preços por si cobrados aos utilizadores finais até ao montante de [confidencial] euros por mês.

135

Daqui resulta que a margem de manobra criada pela redução dos preços das comunicações teria sido suficiente para eliminar totalmente a compressão das margens que foi constatada na decisão recorrida. Com efeito, se, utilizando a sua margem de manobra, a recorrente tivesse eliminado a compressão das margens logo a partir de 1998, ter-lhe-ia bastado manter a relação entre as suas tarifas relativas aos serviços de acesso grossista e as suas tarifas para os utilizadores finais para evitar, durante todo o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, a compressão das margens que foi constatada na decisão recorrida. Além disso, é facto assente que, como aliás salienta a Comissão na decisão recorrida (considerando 167), a recorrente procedeu a outra redução das suas tarifas de comunicações no montante de [confidencial] euros durante o período 2000/2001, redução essa que teve por efeito aumentar ainda mais a sua margem de manobra para aumentar os preços por si cobrados aos utilizadores finais.

136

Na audiência, a recorrente recordou que, durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, a RegTP tinha de verificar o cumprimento das limitações máximas dos preços de forma separada para os clientes profissionais e particulares. Sublinha que a sua margem de manobra para aumentar os preços por si cobrados para acesso a particulares utilizadores finais era fraca e que não podia utilizar a margem de manobra mais elevada de que dispunha para aumentar os preços de acesso por si cobrados a clientes profissionais utilizadores finais, na medida em que isso teria constituído uma discriminação dessa clientela contrária ao § 24, n.o  2, ponto 3, da TKG.

137

No entanto, na sua petição, a recorrente não contestou a conclusão que figura no considerando 167 da decisão recorrida segundo a qual o montante conseguido com as reduções das tarifas de comunicações podia ter sido transferido para o sector de linhas «de clientes particulares e de empresas» e ser utilizado integralmente para aumentar as tarifas dos serviços de acesso a utilizadores finais. Além disso, na sua petição, a recorrente também não contestou a afirmação da Comissão, constante do considerando 132 da decisão recorrida, segundo a qual «[n]ão é feita neste contexto qualquer diferenciação entre clientes privados e empresas […], dado que não existe um limite claro entre ambos».

138

A argumentação recordada no n.o 136, invocada pela primeira vez na audiência, deve assim ser julgada inadmissível, nos termos do artigo 48.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

139

Por último, verifica-se que a recorrente não contesta a observação, constante do considerando 168 da decisão recorrida, segundo a qual poderia ter procedido durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001«a mais reduções das tarifas das chamadas telefónicas […] dispondo assim de uma margem ainda maior para aumentar as tarifas mensais e as tarifas únicas para as linhas analógicas e RDIS».

140

Resulta do que precede que a Comissão pôde correctamente concluir na decisão recorrida (considerandos 164 e 199) que a recorrente dispunha de uma margem de manobra suficiente durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001 para eliminar totalmente a compressão das margens denunciada na referida decisão.

iv) Quanto à inexistência de comportamento abusivo devido a uma margem de manobra insuficiente da recorrente para reduzir a compressão das margens através do aumento das suas tarifas finais de acesso ADSL a partir de 1 de Janeiro de 2002

141

Há que recordar que, desde 1 de Janeiro de 2002, existe, na Alemanha, um novo sistema de limitação máxima dos preços adoptado por decisão da RegTP de 21 de Dezembro de 2001. Nos termos desta decisão, as «linhas telefónicas» são objecto de um pacote distinto. No âmbito deste pacote, o aumento dos preços cobrados aos utilizadores finais para as linhas analógicas e RDIS foi limitado a um máximo de 4,1% por ano.

142

É pacífico que a recorrente, após um pedido apresentado à RegTP, em 15 de Janeiro de 2002, foi autorizada a aumentar as suas assinaturas mensais para linhas analógicas e RDIS em 0,56 EUR, o que representa um aumento do nível médio das tarifas para os serviços abrangidos pelo pacote em causa de 4,04% (decisão recorrida, considerando 44). É facto assente, além disso, que o pedido de aumento dos preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente de 31 de Outubro de 2002, relativo à assinatura mensal para a ligação analógica T-Net e às tarifas iniciais para as ligações T-Net e T-ISDN, foi em grande parte rejeitado pela RegTP, na medida em que o aumento já não estava em conformidade com os valores previstos no âmbito do sistema de limitação máxima dos preços (decisão recorrida, considerando 45).

143

É deste modo que a Comissão constata, na decisão recorrida (considerando 206), que, «desde 1 de Janeiro de 2002, a [recorrente] só pode por lei eliminar pelo menos parcialmente a compressão das margens mediante um aumento das tarifas cobradas pelos serviços T-DSL». Segundo a Comissão, a partir desta data, a margem de manobra da recorrente só abrange as tarifas finais para acesso ADSL (v., igualmente, decisão recorrida, considerandos 174 e 199).

144

Em primeiro lugar, há que salientar a este respeito que a recorrente não contesta que poderia ter aumentado as suas tarifas ADSL a partir de 1 de Janeiro de 2002. Sublinha, no entanto, que a sua margem de manobra não era ilimitada, na medida em que, por um lado, as suas tarifas deviam ser fixadas em função dos custos de uma prestação de serviços eficaz e que, por outro, essas tarifas podiam ser objecto de uma análise ex post por parte da RegTP.

145

No entanto, uma vez que a recorrente fixa livremente as suas tarifas ADSL dentro dos limites previstos na legislação alemã, as suas práticas tarifárias neste domínio são susceptíveis de ser abrangidas pelo artigo 82.o CE (v. n.os 87 e 88 supra).

146

O facto de a Comissão se ter referido, na decisão recorrida, apenas às tarifas constantes de uma decisão da RegTP de 30 de Março de 2001 (anexo A.11 da petição inicial) para apreciar a margem de manobra da recorrente a partir de 1 de Janeiro de 2002 nada altera quanto a este ponto. Com efeito, a recorrente não contesta de modo algum a existência de uma margem de manobra limitada para si para aumentar os preços dos seus serviços de acesso ADSL, a partir de 1 de Janeiro de 2002.

147

Em segundo lugar, importa examinar se, como constata a Comissão na decisão recorrida (considerando 199), a recorrente podia ter «reduzi[do] a compressão das margens» aumentando, a partir de 1 de Janeiro de 2002, as suas tarifas dos serviços de acesso ADSL. A recorrente sublinha para este efeito que, para os utilizadores finais, os mercados dos serviços de acesso à banda estreita e ADSL constituem mercados distintos. Nestas circunstâncias, um aumento das tarifas finais ADSL da recorrente não teria tido impacto na alegada compressão das margens constatada nos mercados dos serviços de acesso para linhas analógicas e RDIS.

148

A este respeito, impõe-se salientar que, uma vez que os serviços de acesso, ao nível dos serviços de acesso grossista, permitem fornecer, ao nível dos utilizadores finais, todos os serviços de acesso analógicos, RDIS e ADSL, a margem de manobra de que a recorrente dispõe para aumentar as suas tarifas ADSL é susceptível de reduzir a compressão das margens entre os preços dos serviços de acesso grossista, por um lado, e os preços cobrados aos utilizadores finais para todos os serviços de acesso analógicos, RDIS e ADSL, por outro. Uma análise conjunta, ao nível dos utilizadores finais, dos serviços de acesso analógicos, RDIS e ADSL impõe-se não somente porque correspondem a uma única prestação de serviços a nível do acesso grossista mas também porque, como a Comissão explicou na decisão recorrida (considerando 26) sem que a recorrente a tenha contraditado neste ponto, a ADSL não pode ser oferecida aos utilizadores finais de forma isolada, na medida em que implica sempre, por razões técnicas, uma reorganização das linhas de banda estreita analógicas ou RDIS.

149

As observações da recorrente relativas a uma alegada elasticidade cruzada dos preços entre a ADSL e as ligações de banda estreita assim como entre as diferentes variantes ADSL devem ser rejeitadas. Com efeito, por um lado, estas observações não contradizem a existência de uma margem de manobra da recorrente para aumentar as suas tarifas ADSL. Por outro lado, um aumento limitado das tarifas ADSL teria conduzido a uma tarifa final média mais elevada para os serviços de acesso à banda estreita e à banda larga consideradas no seu conjunto e teria assim reduzido a compressão das margens verificada. Com efeito, há que considerar que, à luz das vantagens da banda larga ao nível da transferência dos dados, os utilizadores finais dos serviços de acesso à banda larga não optariam automaticamente por um regresso à ligação à banda estreita em caso de aumento dos preços cobrados aos utilizadores finais de acesso ADSL.

150

O argumento da recorrente relativo ao facto de as ligações à banda larga poderem ser comercializadas em separado das ligações à banda estreita, com base na partilha das linhas ao nível dos serviços de acesso grossista, também não procede. Se é através deste argumento que a recorrente visa distinguir dois mercados separados ao nível dos serviços de acesso grossista relativos, respectivamente, aos serviços de banda estreita e aos serviços de banda larga, o mesmo deve ser julgado inadmissível, nos termos do artigo 48, n.o 2, do Regulamento de Processo, na medida em que, na sua petição inicial, a recorrente não contestou a definição dos mercados em causa constante da decisão recorrida, que identifica, ao nível dos serviços de acesso grossista, um único mercado, a saber, o mercado do acesso totalmente desagregado ao lacete local (decisão recorrida, considerandos 64 a 67). Se é através deste argumento que a recorrente sustenta que a Comissão devia ter tomado em consideração as tarifas aplicáveis à partilha de linhas para calcular as tarifas dos serviços de acesso grossista, esse argumento também não procede. Com efeito, a recorrente não logrou demonstrar de forma alguma que essa tomada em consideração das tarifas aplicáveis à partilha de linhas afectaria as conclusões da Comissão relativas à existência de uma compressão tarifária das margens ou as relativas à existência de uma margem de manobra da recorrente para reduzir a compressão das margens constatada aumentando as suas tarifas finais de acesso ADSL.

151

Resulta do que precede que a Comissão constatou com razão na decisão recorrida que a recorrente dispôs de uma margem de manobra suficiente a partir de 1 de Janeiro de 2002 para reduzir a compressão das margens denunciada na referida decisão aumentando as suas tarifas para os serviços de acesso ADSL.

152

Em face do exposto, há que julgar improcedente a primeira parte do fundamento.

2. Quanto à segunda parte, relativa à ilegalidade do método utilizado pela Comissão para concluir pela compressão tarifária das margens

a) Argumentos das partes

153

A recorrente sustenta que o eventual carácter abusivo de uma compressão das margens apenas pode resultar do carácter abusivo dos preços cobrados aos utilizadores finais, na medida em que a Comissão não contesta que os preços dos serviços de acesso grossista são impostos, de maneira vinculativa, pelas autoridades públicas. Ora, a Comissão não demonstra que os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente conduziram a uma situação de dumping e que são, enquanto tal, abusivos. A recorrente remete, relativamente a esta situação, para a peritagem Lexecon. A decisão recorrida está assim viciada por a Comissão ter utilizado um critério que não se refere ao carácter abusivo dos preços cobrados aos utilizadores finais, considerados enquanto tais, mas à relação entre esses preços e os preços dos serviços de acesso grossista.

154

A recorrente alega, além disso, que a constatação de uma compressão tarifária das margens se baseia em diversos erros relativos ao método utilizado.

155

Em primeiro lugar, a recorrente observa que, no que se refere aos preços cobrados aos utilizadores finais, a Comissão apenas teve em consideração receitas provenientes da disponibilização de linhas telefónicas a utilizadores finais. A fim de poder constatar uma compressão das margens e à luz da delimitação estreita do mercado adoptada na decisão recorrida, a Comissão devia ter tomado em consideração receitas adicionais dos concorrentes da recorrente provenientes de serviços de ligação e de serviços de valor acrescentado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Junho de 2002, Airtours/Comissão, T-342/99, Colect., p. II-2585, n.o 276). Trata-se de receitas geradas pelas chamadas locais ou interurbanas, pela entrega e pela realização de chamadas assim como por outros serviços de valor acrescentado. Não obstante a Comissão ter considerado que «[a]s linhas da rede fixa constituem […] a condição prévia para a prestação de um grande número de serviços de telecomunicações a utilizadores finais» e que esses serviços permitem obter receitas suplementares consideráveis (decisão recorrida, considerando 205), recusou no entanto, de forma contraditória, tomar em consideração as tarifas dos referidos serviços de telecomunicações na sua análise da compressão tarifária das margens. No entanto, do ponto de vista económico, impunha-se essa tomada em consideração para apreciar as possibilidades efectivas de entrada no mercado de um concorrente da recorrente.

156

Deste modo, em primeiro lugar, a recorrente sublinha que, tanto para as comunicações locais como para as comunicações interurbanas e internacionais, os seus concorrentes não são obrigados a oferecer aos seus clientes os serviços de «pré-selecção» (selecção do operador de forma permanente) e de «call-by-call» (selecção do operador em cada situação). Os seus concorrentes podiam assim prever o montante das suas receitas, em matéria de comunicações telefónicas, de forma muito mais segura do que ela podia fazer. Na réplica, a recorrente insiste no facto de que, relativamente às chamadas interurbanas, já estava obrigada, desde 1998, a permitir a «pré-selecção» e o «call-by-call» [a seguir denominados conjuntamente «(pré-)selecção»].

157

A recorrente sublinha, além disso, na réplica, que a (pré-)selecção do operador não está excluída de pleno direito para os clientes dos seus concorrentes. No entanto, quase todos os concorrentes da recorrente utilizaram a possibilidade, de que a recorrente não dispunha, de excluir a (pré-)selecção nos casos em que essa exclusão lhes era benéfica. Os concorrentes da recorrente garantiam assim receitas certas relativas às comunicações telefónicas, em resultado da exclusão voluntária da (pré-)selecção do operador. Nenhum dos denunciantes no procedimento administrativo considerou, aliás, que a sua oferta era menos atraente devido à exclusão da (pré-)selecção e que devia ser oferecida uma tarifa de acesso mais reduzida a título de compensação. Além disso, as suas tarifas de comunicações eram quase todas superiores aos custos de realização da comunicação.

158

Em segundo lugar, a recorrente sustenta que os seus concorrentes podiam oferecer, com base no acesso desagregado ao lacete local, produtos inovadores, que a própria recorrente não oferece. A Comissão devia assim ter tomado em consideração as receitas suplementares originadas por esses produtos no cálculo da compressão das margens.

159

Em terceiro lugar, a recorrente salienta que as suas tarifas para os serviços de acesso a utilizadores finais (tarifas iniciais e assinaturas mensais) não podem ser isoladas das tarifas das comunicações. Com efeito, a concorrência nos serviços de telecomunicações é feita através de pacotes de serviços. A recorrente remete quanto a esta questão para um estudo de mercado. Deste modo, as empresas de telecomunicações oferecem um leque de opções de ligações e de opções de comunicações que são comercializadas enquanto produto global. São as ofertas tarifárias mistas nas quais assinaturas mensais crescentes correspondem a tarifas de comunicações decrescentes. A RegTP, ao examinar, na sua decisão de 29 de Abril de 2003, a questão de saber se as tarifas da recorrente conduziam a uma compressão das margens que falseava a concorrência, considerou também decisivo o facto de os concorrentes da recorrente poderem obter receitas suplementares dos serviços de comunicações. Existem também explicações idênticas ou semelhantes nas outras decisões proferidas pela RegTP entre 1999 e 2003 e acima referidas no n.o 78. A recorrente remete além disso para a prática seguida pela Federal Communications Comission (FCC) dos Estados Unidos e pelo Office of Telecommunications (Oftel) britânico assim como para o ponto de vista expresso pelo Governo alemão nas suas observações de 8 de Junho de 2000 no âmbito do processo por incumprimento, que confirmam a posição segundo a qual, na análise da compressão das margens, há que tomar em consideração as outras receitas de que os concorrentes podem dispor.

160

Na réplica, a recorrente acrescenta que a análise da compressão das margens deve ser efectuada a partir de diferentes níveis de agregação, quando um serviço de acesso grossista serve de base a diferentes serviços prestados aos utilizadores finais. Deste modo, em cada nível, só deviam ser tomados em consideração os custos dos serviços de acesso grossista que estão exclusivamente relacionados com o produto final correspondente ou com o grupo de produtos finais em causa. Por conseguinte, se a elaboração do produto final PF1 precisa dos produtos intermédios PI1 e PI2, mas se, ao mesmo tempo, o referido PI2 constitui, juntamente com o PI3, a base para a elaboração do produto final PF2, haverá compressão tarifária das margens quando o preço respectivo do PF1 ou do PF2 seja inferior ao preço do PI1 ou ao preço do PI3, ou quando a soma do preço do PFl e do PF2 seja inferior à soma do preço do PI1, do PI2 e do PI3. Contudo, o preço do PI2 não deve ser tomado em consideração para verificar a existência de uma compressão tarifária das margens no primeiro nível de agregação. A análise deve ser efectuada a um nível de agregação superior quando os produtos PFI e PF2 constituírem um todo do ponto de vista do cliente ou quando os produtos PF1 e PF2 estejam reagrupados por razões técnicas ou jurídicas (pelo produto intermediário PI2), pelo que a empresa em posição dominante perde necessariamente as receitas dos dois produtos finais PF1 e PF2 aquando da transferência do produto intermédio PI2. O acesso desagregado ao lacete local constitui um produto intermédio para, pelo menos, dois produtos finais, a saber, as comunicações e as ligações, que constituem um «cluster» para os clientes. Os custos do produto intermédio não podem ser imputados apenas a um dos dois produtos finais, mas aos dois. Daqui resulta que as tarifas para o aluguer de linhas a utilizadores finais, tal como as comunicações e os serviços de valor acrescentado, devem ser comparados com os custos relativos a esta oferta global de serviços no âmbito da análise da compressão das margens.

161

A recorrente contesta, além disso, os argumentos da Comissão relativos ao princípio da reestruturação dos regimes de tarifação (decisão recorrida, considerandos 120 a 123). Deste modo, segundo a recorrente, a reestruturação dos regimes de tarifação, que tem por objecto a redução das deficiências de ligação que existem tradicionalmente na maioria dos Estados-Membros através de um aumento das tarifas de ligação e de uma diminuição paralela das tarifas de comunicações, abrange apenas os operadores históricos. Pelo contrário, a análise da compressão das margens diz respeito à entrada no mercado de concorrentes da recorrente. No âmbito do artigo 82.o CE, importa apenas saber se é possível que os concorrentes, atendendo à situação real do mercado, prestem sem entraves serviços aos utilizadores finais, com base nas tarifas praticadas pela recorrente para os serviços de acesso grossista. Para este efeito, a recorrente recorda que os seus concorrentes não são obrigados a oferecer a (pré-)selecção. O quadro jurídico permitia assim que os concorrentes da recorrente beneficiassem de receitas juridicamente garantidas, devido aos serviços de comunicações, de forma totalmente independente da reestruturação dos regimes de tarifação. A recorrente insiste ainda no facto de que está sujeita à regulação da RegTP que pretende atingir uma reestruturação dos regimes de tarifação progressiva.

162

Em segundo lugar, a recorrente alega que o método utilizado pela Comissão para constatar uma compressão das margens é errado, na medida em que se baseia na hipótese segundo a qual devia ser possível que os seus concorrentes reproduzissem inteiramente a estrutura da sua clientela (decisão recorrida, considerandos 120 a 127). No entanto, nenhum concorrente tem interesse em reproduzir esta estrutura de clientela que se caracteriza, devido à obrigação de prestar serviços universais, por uma percentagem demasiado elevada e pouco rentável de utilizadores finais com fracos rendimentos que utilizam linhas analógicas, que apenas dão origem a volumes de negócios pouco elevados e que não estão preparados para passarem para ligações com um valor mais elevado. O facto de, entre os concorrentes da recorrente, a percentagem de linhas analógicas ter caído de 21% para 10% entre 1999 e 2002 (decisão recorrida, considerando 182) explica-se pela circunstância de os clientes dos concorrentes da recorrente terem passado cada vez mais para ligações com maior valor acrescentado.

163

A recorrente afirma que, contrariamente ao que a Comissão alega (decisão recorrida, considerando 133), nos sectores do mercado com desempenho mais elevado que revestem interesse para os concorrentes da recorrente (ligações RDIS e ligações ADSL a partir de linhas analógicas ou linhas RDIS), não existe qualquer compressão das margens. Tanto as suas próprias tarifas como as dos seus concorrentes, para as linhas dos segmentos com maior valor acrescentado, são suficientes para cobrir os custos.

164

Em terceiro lugar, a recorrente critica o facto de a Comissão tomar em consideração as tarifas de desactivação no cálculo dos preços dos serviços de acesso grossista. A desactivação de uma linha de um utilizador final por um concorrente da recorrente implica simultaneamente que sejam efectuadas operações de ligação para a restituição à recorrente da linha de assinante locada e tarefas administrativas, que não são necessárias em caso de desactivação relativamente a um utilizador final quando a própria recorrente utiliza uma linha de utilizador final. Trata-se de custos de ineficácia específicos, originados pela entrada no mercado, que, por hipótese, o operador histórico em posição dominante desconhece. Tais custos gerados unicamente por acções técnicas ou administrativas relacionadas com a entrada num mercado devem ser ignorados na análise da compressão das margens. Na realidade, o artigo 82.o CE não obriga uma empresa em posição dominante a eliminar todas as barreiras à entrada, mas proíbe a criação de barreiras artificiais à entrada.

165

A Comissão e as intervenientes I e II concluem pela improcedência da segunda parte do primeiro fundamento.

b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

i) Quanto à questão de saber se a Comissão devia ter demonstrado na decisão recorrida que as tarifas cobradas aos utilizadores finais da recorrente eram abusivas enquanto tais

166

No presente caso, deve considerar-se que, nos termos da decisão recorrida (considerando 201), «[a] prática abusiva da [recorrente] consiste na imposição de preços não equitativos sob a forma de uma compressão das margens em detrimento dos operadores da concorrência». A Comissão considera, com efeito, que existe «uma compressão das margens, se a diferença entre as tarifas cobradas aos utilizadores finais e as tarifas cobradas aos operadores da concorrência pela prestação de serviços equivalentes for negativa ou insuficiente para cobrir os custos específicos dos produtos do operador que detém uma posição dominante no mercado para prestar serviços aos seus próprios clientes finais no mercado a jusante» (decisão recorrida, considerando 107).

167

É verdade que, na decisão recorrida, a Comissão apenas refere a existência da margem de manobra que a recorrente dispunha para alterar os preços por ela cobrados aos utilizadores finais. No entanto, o carácter abusivo do comportamento da recorrente está relacionado com o carácter não equitativo da diferença entre os seus preços de retalho e os preços por ela cobrados aos utilizadores finais, que reveste a forma de uma compressão tarifária das margens. Deste modo, atendendo ao abuso constatado na decisão recorrida, a Comissão não era obrigada a demonstrar na decisão recorrida que os seus preços de retalho eram abusivos enquanto tais.

168

Improcede assim o argumento da recorrente segundo o qual o carácter abusivo da compressão das margens só podia resultar do carácter abusivo dos preços por si cobrados aos utilizadores finais.

ii) Quanto ao método utilizado pela Comissão para o cálculo da compressão das margens

Decisão recorrida

169

Nos considerandos 106 a 139 da decisão recorrida, a Comissão expõe o método que adoptou para calcular a compressão das margens.

170

Sublinha, em primeiro lugar, que a determinação da compressão das margens abusiva se baseia na comparação entre «as tarifas cobradas [por uma empresa que detém uma posição dominante no mercado] aos utilizadores finais e as tarifas cobradas aos operadores da concorrência pela prestação de serviços equivalentes» (decisão recorrida, considerando 107).

171

A Comissão acrescenta que «a comparabilidade entre os serviços prestados a montante e a jusante é decisiva para comprovar a existência de compressão das margens» (decisão recorrida, considerando 109). Segundo a Comissão, como, «[r]egra geral, os operadores da concorrência prestam, tal como o operador histórico, todo um conjunto de serviços destinados a utilizadores finais», é «necessário averiguar até que ponto é possível comparar os serviços prestados aos utilizadores finais com os serviços de acesso grossista ao lacete local prestados pelo operador histórico, ou seja, até que ponto as características técnicas destes dois tipos de serviços são idênticas ou equiparáveis e em que medida permitem a prestação dos mesmos serviços ou de serviços semelhantes» (decisão recorrida, considerando 109).

172

A Comissão constata que as tarifas dos serviços de acesso grossista para o acesso desagregado ao lacete local são absolutamente comparáveis às tarifas de acesso a retalho cobradas aos utilizadores finais, permitindo o acesso grossista ao lacete local dos operadores da concorrência oferecer aos seus clientes finais uma gama variada de serviços de acesso, a saber, o acesso em banda estreita analógica, o acesso em banda estreita digital (RDIS) e o acesso em banda larga sob a forma de serviços ADSL (decisão recorrida, considerandos 110 e 112).

173

Segundo a Comissão, existe uma compressão das margens abusiva se a diferença entre as tarifas cobradas aos utilizadores finais e as tarifas cobradas aos operadores da concorrência pela prestação de serviços equivalentes for «negativa ou insuficiente para cobrir os custos específicos dos produtos do operador que detém uma posição dominante no mercado para prestar serviços aos seus próprios clientes finais no mercado a jusante» (decisão recorrida, considerando 107). A Comissão baseia-se assim nas tarifas e nos custos da recorrente para apreciar se as práticas tarifárias desta última são abusivas.

174

Para determinar se a diferença entre as tarifas cobradas aos utilizadores finais da recorrente e os preços dos seus serviços de acesso grossista conduz a uma compressão das margens abusiva, a Comissão compara o preço de um único serviço grossista (acesso ao lacete local) com o preço de uma pluralidade de serviços retalhistas destinados a assinantes (acessos nas variantes analógica, RDIS e ASDL) (decisão recorrida, considerando 113).

175

Ao nível dos preços cobrados aos utilizadores finais, a Comissão não toma em consideração as receitas das comunicações telefónicas. Limita-se a efectuar uma análise das tarifas para os serviços de acesso à rede que compara com as tarifas dos serviços de acesso grossista (decisão recorrida, considerando 119).

176

Na medida em que RegTP definiu tarifas uniformes para os serviços de acesso grossista, independentemente da natureza dos serviços a jusante que os operadores ofereçam através do seu acesso ao lacete local proporcionado pela recorrente (decisão recorrida, considerando 113), há, segundo a Comissão, que comparar as tarifas para os serviços de acesso grossista com as tarifas médias para a totalidade das linhas de utilizadores finais, tendo em conta as variantes dos serviços de acesso que a recorrente comercializa efectivamente e os preços cobrados por cada uma dessas linhas (decisão recorrida, considerando 116).

177

Há ainda que recordar que os preços cobrados aos utilizadores finais (para cada variante oferecida pela recorrente) e os preços para os serviços de acesso grossista comportam dois elementos, a saber, uma tarifa única e uma assinatura mensal (decisão recorrida, considerandos 142 e 149).

178

Para calcular o «preço mensal» das tarifas iniciais, estas foram divididas por [confidencial], número que corresponde à duração média (expressa em meses) de conservação de uma linha telefónica pelos utilizadores finais (decisão recorrida, considerandos 148 e 151).

179

Deste modo, o preço mensal médio total cobrado aos utilizadores finais é constituído pela soma do preço da assinatura mensal médio (tendo em conta todos os serviços de acesso a utilizadores finais) e as tarifas iniciais médias (tendo em conta todos os serviços de acesso a utilizadores finais e a duração média de uma assinatura) (decisão recorrida, considerando 148).

180

O preço mensal médio total dos serviços de acesso grossista é constituído pela soma do preço da assinatura mensal e pelo preço das tarifas iniciais médias (tendo em conta a duração média de uma assinatura) (decisão recorrida, considerando 151). As tarifas iniciais para os serviços de acesso grossista comportam, segundo a Comissão, também as tarifas de desactivação. A Comissão recorda que «[a] tarifa de desactivação da linha aplica-se ao restabelecimento da conexão de uma linha desagregada à rede da [recorrente] e apenas é facturada aos operadores da concorrência no quadro da prestação de serviços de acesso grossista» e acrescenta que «[a] tarifa de disponibilização do acesso e a tarifa de desactivação de linha constituem, no seu conjunto, o montante global cobrado uma única vez pela [recorrente] aos outros operadores pela prestação de serviços de acesso grossista» (decisão recorrida, considerando 151).

181

Com base nesse cálculo dos preços mensais, a Comissão constata que a margem entre os preços dos serviços de acesso grossista e os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente foi negativa de 1998 a 2001 (decisão recorrida, considerando 153). Atendendo a esta constatação, não era necessário, segundo a Comissão, «verificar se as referidas margens permitiam cobrir os custos [específicos] a jusante suportados pela [recorrente] com os serviços prestados aos seus clientes» (decisão recorrida, considerando 153). Em contrapartida, sendo o afastamento positivo a partir de 2002, a Comissão calculou «os custos específicos dos produtos utilizados pela [recorrente] para prestação de serviços aos clientes finais, por forma a determinar se a referida margem positiva permit[ia] que a [recorrente] cobri[sse] esses mesmos custos [específicos]» (decisão recorrida, considerando 154).

182

A Comissão conclui que, no momento da adopção da decisão recorrida, a compressão das margens para o acesso ao lacete local ainda existia (decisão recorrida, considerando 161), uma vez que os custos específicos da recorrente para a prestação dos serviços aos utilizadores finais continuavam a ser superiores à margem positiva entre os preços cobrados aos utilizadores finais e os preços dos serviços de acesso grossista (decisão recorrida, considerando 160).

Legalidade do método utilizado pela Comissão

— Observações preliminares

183

Importa recordar que a recorrente formula três acusações contra o método utilizado para calcular a compressão das margens. Em primeiro lugar, a recorrente alega que, no que se refere aos preços cobrados aos utilizadores finais, a Comissão não devia ter tomado exclusivamente em consideração as receitas provenientes da disponibilização de linhas telefónicas aos utilizadores finais, mas devia também ter tido em consideração receitas de outros serviços, como os serviços de comunicações. Em segundo lugar, critica o método utilizado pela Comissão para demonstrar a existência de compressão das margens a partir da hipótese segundo a qual os concorrentes da recorrente tinham interesse em reproduzir inteiramente a estrutura da sua clientela. Em terceiro lugar, o método utilizado é errado na medida em que a Comissão inflaciona os preços dos serviços de acesso grossista ao tomar em consideração a tarifa de desactivação no cálculo dos mesmos.

184

Os diferentes argumentos formulados no âmbito das duas primeiras acusações referem-se todos a uma ou a outra das duas características essenciais do método utilizado pela Comissão. A primeira refere-se ao cálculo da compressão das margens com base nas tarifas e nos custos da empresa verticalmente integrada que ocupa uma posição dominante, abstraindo da posição específica dos concorrentes no mercado. A segunda refere-se à tomada em consideração das receitas de todos os serviços de acesso, excluindo as receitas provenientes de outros serviços que podem ser prestados através do acesso à rede fixa.

185

Antes de analisar estes diferentes argumentos e acusações, há que recordar que, embora a jurisdição comunitária exerça, de forma geral, uma fiscalização completa quanto à questão de saber se estão ou não reunidas as condições de aplicação das disposições do Tratado CE relativas à concorrência, a fiscalização que exerce sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão limita-se necessariamente à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n.o 34; de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.o 62; e de 2 de Outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C-194/99 P, Colect., p. I-10821, n.o 78).

— Quanto à pretensa ilegalidade do método de cálculo da compressão das margens com base nas tarifas e nos custos da empresa verticalmente integrada que ocupa uma posição dominante, abstraindo da posição específica dos concorrentes no mercado

186

Importa recordar, em primeiro lugar, que, na decisão recorrida, a Comissão analisou se as práticas tarifárias da empresa dominante podiam excluir do mercado um operador económico com um desempenho semelhante ao da empresa dominante. A Comissão baseou-se, portanto, apenas nas tarifas e nos custos da recorrente, e não na situação específica dos concorrentes, actuais ou potenciais, da recorrente, para apreciar se as práticas tarifárias da recorrente eram abusivas.

187

Com efeito, segundo a Comissão, «considera-se que existe um desajuste abusivo dos preços face aos custos, ou seja, uma compressão das margens, se a diferença entre as tarifas cobradas aos utilizadores finais e as tarifas cobradas aos operadores da concorrência pela prestação de serviços equivalentes for negativa ou insuficiente para cobrir os custos específicos dos produtos do operador que detém uma posição dominante no mercado para prestar serviços aos seus próprios clientes finais no mercado a jusante» (decisão recorrida, considerando 107). No presente caso, a compressão das margens é abusiva dado que a própria recorrente «não estava […] em condições de oferecer serviços aos seus assinantes sem realizar prejuízos caso tivesse que suportar os custos dos serviços de acesso ao lacete local enquanto preço de transferência interno a pagar pelos serviços prestados aos seus próprios assinantes» (decisão recorrida, considerando 140). Nestas condições, «operadores da concorrência, mesmo que o respectivo grau de eficiência se equipare» ao da recorrente, só podem «oferecer serviços destinados a utilizadores finais a preços competitivos se conseguirem ganhos de eficiência adicionais» (decisão recorrida, considerando 141; v., também, decisão recorrida, considerando 108).

188

Em seguida, há que observar que, mesmo que, até este momento, o juiz comunitário ainda não se tenha pronunciado expressamente sobre o método a aplicar para efeitos de determinar a existência de uma compressão tarifária das margens, resulta, no entanto, claramente da jurisprudência que o carácter abusivo das práticas tarifárias de uma empresa dominante é em princípio determinado com referência à sua própria situação e, consequentemente, em função das suas próprias tarifas e custos, e não em função da situação dos concorrentes actuais ou potenciais.

189

Deste modo, no acórdão de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão (C-62/86, Colect., p. I-3359, n.o 74), o Tribunal de Justiça só tomou em consideração as tarifas e os custos da empresa dominante para avaliar se as práticas tarifárias da AKZO eram abusivas. A abordagem proposta pelo advogado-geral C. O. Lenz, segundo a qual era «necessário analisar a estrutura [dos custos] dos três oligopólios (a saber, a AKZO e os seus dois concorrentes), para poder ter uma imagem fiável de que o nível de preços se justificava efectivamente do ponto de vista económico» (n.o 34 das conclusões), não foi consequentemente adoptada pelo Tribunal.

190

Adoptando uma abordagem similar, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no seu acórdão de 30 de Novembro de 2000, Industrie des poudres sphériques/Comissão (T-5/97, Colect., p. II-3755), que o facto de a recorrente, que tinha denunciado uma alegada prática de compressão tarifária das margens, «não poder, ao que tudo leva a crer devido aos seus custos de transformação mais elevados, continuar a ser competitiva no respeitante à venda do produto derivado não pode justificar a qualificação dos preços da [sociedade dominante] como abusivos» (n.o 179).

191

Em último lugar, a Comissão, na sua Decisão 88/518/CEE, de 18 de Julho de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.o CE] (Processo n.o IV/30.178 Napier Brown — British Sugar) (JO L 284, p. 41, a seguir «decisão Napier Brown/British Sugar»), considerou igualmente que a compressão das margens deve ser calculada a partir das tarifas e dos custos do operador verticalmente integrado que ocupa uma posição dominante (considerando 66). Observa nessa decisão que «[a] manutenção, por uma empresa em posição dominante simultaneamente no mercado das matérias-primas e no do correspondente produto derivado, de uma margem entre o preço cobrado pela matéria-prima às empresas que com ela competem no fabrico do produto derivado, [por um lado,] e o preço cobrado pelo produto derivado, [por outro,] insuficiente para reflectir os próprios custos de transformação da empresa dominante (no caso presente, a margem mantida pela British Sugar entre os seus preços para o açúcar para fins industriais e o açúcar para venda a retalho comparada com os seus custos de reempacotamento) e que produz o resultado de restringir a concorrência relativamente ao produto derivado, constitui um abuso de posição dominante» (considerando 66).

192

Cumpre acrescentar que qualquer outra abordagem poderia violar o princípio geral de segurança jurídica. Com efeito, se a legalidade das práticas tarifárias de uma empresa dominante dependesse da situação específica das empresas concorrentes, designadamente da estrutura dos custos das mesmas, que são dados que não são normalmente do conhecimento da empresa dominante, esta última não poderia apreciar a legalidade dos seus próprios comportamentos.

193

Foi, portanto, com razão que a Comissão baseou a sua análise relativa ao carácter abusivo das práticas tarifárias da recorrente apenas na situação específica da recorrente e, consequentemente, nas tarifas e nos custos desta.

194

Na medida em que há que analisar se a própria recorrente, ou uma empresa tão eficiente como ela, poderia ter proposto os seus serviços destinados a utilizadores finais de outro modo que não com prejuízo, se tivesse sido previamente obrigada a pagar, sob a forma de transferência entre sociedades, essas tarifas relativas a serviços de acesso grossista internos, improcede o argumento da recorrente segundo o qual os seus concorrentes não procuram reproduzir a sua própria estrutura de clientela e podem ir buscar receitas suplementares provenientes de produtos inovadores que só eles oferecem no mercado, em relação aos quais a recorrente não fornece aliás qualquer esclarecimento. Pelos mesmos motivos, não é de aceitar o argumento segundo o qual os concorrentes podem excluir a possibilidade de (pré-)selecção.

— Quanto à acusação de que a Comissão só teve em consideração as receitas de todos os serviços de acesso com exclusão das receitas de outros serviços, designadamente das que provêm das comunicações

195

Em primeiro lugar, há que analisar se a Comissão, para efeitos do cálculo da compressão tarifária das margens, podia ter apenas em consideração as receitas dos serviços de acesso da recorrente, excluindo as receitas de outros serviços, como os serviços de comunicações.

196

Recorde-se antes de mais que o quadro jurídico comunitário adoptado desde 1990 visa criar condições para permitir uma concorrência efectiva no mercado das telecomunicações. Deste modo, a Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996, que altera a Directiva 90/388/CEE no que diz respeito à introdução da plena concorrência nos mercados das telecomunicações (JO L 74, p. 13), que distingue, no que se refere à estrutura tarifária dos operadores históricos, a conexão inicial, a taxa mensal e as chamadas locais, interurbanas e internacionais, visa realizar um reequilíbrio tarifário entre estes diferentes elementos em função dos custos reais, a fim de permitir uma concorrência efectiva no mercado das telecomunicações. Em concreto, esta operação devia traduzir-se numa redução das tarifas das comunicações nacionais e internacionais e num aumento da conexão inicial, da taxa mensal e do preço das comunicações locais (conclusões do advogado-geral P. Léger no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Comissão/Espanha, C-500/01, Colect., pp. I-604, I-583, n.o 7). Os Estados-Membros estavam obrigados a suprimir os obstáculos ao reequilíbrio tarifário o mais rapidamente possível a partir da entrada em vigor da Directiva 96/19 e, o mais tardar, até 1 de Janeiro de 1998 (acórdão Comissão/Espanha, já referido, n.o 32).

197

Como sublinha correctamente a Comissão no considerando 120 da decisão recorrida, «[a] necessidade de separar as tarifas cobradas pelo acesso à rede das tarifas das chamadas telefónicas já se encontra [portanto] prevista nas disposições comunitárias que servem de base à reestruturação dos regimes de tarifação».

198

Em seguida, há que recordar que, através da Decisão n.o 223 a do BMPT, a recorrente foi obrigada, a partir de Junho de 1997, a conceder aos seus concorrentes um acesso desagregado total ao lacete local. Ora, um sistema de concorrência não falseada entre a recorrente e os seus concorrentes só pode ser garantido se estiver assegurada a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores económicos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2003, Connect Austria, C-462/99, Colect., p. I-5197, n.o 83, e de 20 de Outubro de 2005, ISIS Multimedia e Firma O2, C-327/03 e C-328/03, Colect., p. I-8877, n.o 39).

199

Ainda que se admita que, do ponto de vista do utilizador final, os serviços de acesso e de comunicações constituem um todo, não deixa de ser verdade que, para os concorrentes da recorrente, a prestação de serviços de comunicações ao assinante através da rede fixa da recorrente pressupõe o acesso ao lacete local. A igualdade de oportunidades entre o operador histórico proprietário da rede fixa, como a recorrente, por um lado, e os seus concorrentes, por outro, implica assim que os preços para os serviços de acesso sejam fixados a um nível tal que coloquem os concorrentes em pé de igualdade com o operador histórico para a prestação dos serviços de comunicações. Esta igualdade de oportunidades só é verdadeiramente assegurada se o operador histórico fixar os seus preços de retalho a um nível que permita aos concorrentes — que se supõe terem um desempenho igual ao do operador histórico — repercutir todos os custos relacionados com a prestação intermédia nos preços de retalho. No entanto, se o operador histórico não respeitar este princípio, os novos operadores só podem oferecer serviços de acesso aos seus utilizadores finais suportando um prejuízo. Seriam assim obrigados a compensar os prejuízos sofridos ao nível do acesso ao lacete local com tarifas elevadas ao nível das comunicações, o que também falsearia as condições de concorrência no mercado das comunicações.

200

Daqui resulta portanto que, ainda que seja correcto, como alega a recorrente, que, do ponto de vista do utilizador final, os serviços de acesso e de comunicações constituem um «cluster», a Comissão considerou com razão no considerando 119 da decisão recorrida que, para apreciar a questão de saber se as práticas tarifárias da recorrente falseiam o jogo da concorrência, era preciso examinar a existência de compressão das margens apenas ao nível dos serviços de acesso e, portanto, sem incluir as tarifas das comunicações no seu cálculo.

201

Por outro lado, o cálculo compensatório entre as tarifas de acesso e as tarifas de comunicações, a que a recorrente se refere, confirma já que a recorrente e os seus concorrentes não se encontram em pé de igualdade ao nível do acesso ao lacete local, que, no entanto, constitui a condição necessária para que a concorrência no mercado das comunicações não seja falseada.

202

Seja como for, uma vez que a recorrente desceu fortemente os seus preços para as comunicações durante o período visado pela decisão recorrida (v. n.o 19 supra), não se pode excluir que os concorrentes nem sequer tenham tido possibilidades económicas de proceder à compensação sugerida pela recorrente. Com efeito, os concorrentes, que já sofrem uma desvantagem concorrencial em relação à recorrente ao nível do acesso ao lacete local, teriam de praticar tarifas de comunicações ainda mais baixas do que a recorrente para incentivar os potenciais clientes a desactivar a sua assinatura junto da recorrente em troca de uma assinatura subscrita junto daqueles.

203

Resulta do que precede que foi com razão que a Comissão, para efeitos do cálculo da compressão tarifária das margens, teve apenas em consideração as receitas dos serviços de acesso excluindo as receitas de outros serviços, como sejam os serviços de comunicações.

204

Em segundo lugar, relativamente ao argumento da recorrente segundo o qual os seus concorrentes apenas estavam interessados nos mercados mais remuneratórios, a saber, no presente caso, no da banda larga no qual não existia qualquer compressão das margens, pelo que não haveria que tomar em consideração serviços de acesso analógico aos utilizadores finais para efeitos do cálculo da compressão das margens, por um lado, há que recordar que, para os concorrentes da recorrente, o acesso à banda larga implica necessariamente o acesso às linhas analógicas ou RDIS (v. n.o 148 supra). Por outro lado, a interveniente I, concorrente da recorrente, alega que a sua ausência do mercado dos serviços de acesso analógico é uma consequência do abuso de posição dominante da recorrente e não resulta de uma escolha autónoma sua. Seja como for, como foi acima salientado nos n.os 186 a 193, o carácter abusivo das práticas tarifárias da recorrente deve ser apreciado em função da sua situação específica e, consequentemente, em função das suas tarifas e dos seus custos. A apreciação do carácter abusivo das práticas tarifárias da recorrente não é assim influenciada por eventuais preferências que os concorrentes da recorrente possam ter tido por um ou outro mercado.

205

Ora, a recorrente oferece, ao nível das prestações aos utilizadores finais, serviços de acesso analógico, RDIS e ADSL, que correspondem todos a um serviço único ao nível dos serviços de acesso grossista.

206

Nestas condições, a Comissão considerou correctamente na decisão recorrida (considerando 111) que, para calcular a compressão das margens, era necessário comparar o preço dos serviços de acesso grossista com a média ponderada dos preços cobrados aos assinantes para todos os serviços de acesso, a saber, o acesso à banda estreita analógica, o acesso à banda estreita digital (RDIS) e o acesso à banda larga sob a forma de ADSL.

207

A presente acusação não pode assim ser julgada procedente.

— Quanto à acusação relativa ao facto de as tarifas de desactivação para os serviços de acesso grossista terem sido incluídas no cálculo da compressão das margens

208

Como resulta da decisão recorrida (considerandos 18, 149 e 151), a tarifa de desactivação de uma linha foi tomada em consideração pela Comissão para efeitos do cálculo do preço total dos serviços de acesso grossista da recorrente. A Comissão explica para este efeito na decisão recorrida (considerando 151) que «[a] tarifa de desactivação da linha aplica-se ao restabelecimento da conexão de uma linha desagregada à rede da [recorrente] e apenas é facturada aos operadores da concorrência no quadro da prestação de serviços de acesso grossista» e que constitui, com «[a] tarifa de disponibilização do acesso […] no seu conjunto, o montante global cobrado uma única vez pela [recorrente] aos outros operadores pela prestação de serviços de acesso grossista».

209

Relativamente ao argumento da recorrente segundo o qual as tarifas de desactivação não podem ser consideradas parte da tarifa única para os serviços de acesso grossista, importa sublinhar que, até 10 de Fevereiro de 1999, a própria recorrente incorporava tarifas de desactivação na tarifa de disponibilização de acesso de uma linha que facturava aos seus concorrentes. Resulta, com efeito, dos considerandos 18, 22 e do quadro 9 da decisão recorrida, que não foram contestados pela recorrente, que só a partir de 10 de Fevereiro de 1999 é que foi prevista uma tarifa separada para a desactivação de uma linha, que deu origem a uma redução concomitante da tarifa de disponibilização do acesso.

210

Cumpre igualmente salientar que não foi contestado que o utilizador final médio conserva a sua linha telefónica durante um período de [confidencial] meses (decisão recorrida, considerando 148). Ora, na medida em que o concorrente beneficiário dos serviços de acesso grossista tem de pagar à recorrente tarifas de desactivação quando um utilizador final deste último resolve o seu contrato relativamente aos serviços de acesso, há que considerar que, para os concorrentes da recorrente, os custos de desactivação fazem parte do custo total ligado à prestação intermédia que deverá ser repercutido nos seus preços de retalho.

211

Nestas condições, foi com razão que a Comissão incluiu as tarifas de desactivação no cálculo do preço total dos serviços de acesso grossista para calcular a compressão das margens.

212

De igual modo, esta acusação não é, portanto, procedente.

213

Resulta do que precede que há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

3. Quanto à terceira parte, relativa a um alegado erro de cálculo na constatação de uma compressão tarifária das margens

a) Argumentos das partes

214

A recorrente alega que a Comissão se enganou no cálculo da compressão das margens no quadro 11 da decisão recorrida. O quadro, relativo aos custos específicos dos produtos da recorrente para o ano de 2001, comporta, relativamente a ligações de banda estreita RDIS (T-ISDN) — com excepção dos dados relativos aos terminais multifunções T-ISDN «Standard» e «Komfort» — dados extraídos do quadro 3 da decisão recorrida relativos ao ano de 2002. Além disso, os dados relativos aos terminais multifunções T-ISDN «Standard» e «Komfort» constantes do quadro 11 da decisão recorrida não correspondem a nenhum dos dados constantes dos quadros 3 a 7 da decisão recorrida. Para ser correcta, a ponderação dos custos específicos dos produtos do ano de 2001 deveria ter-se baseado exclusivamente nos números de ligações mencionadas no quadro 4 da decisão recorrida relativas ao ano de 2001. Os custos ponderados específicos dos produtos ascenderiam, com base nesses dados, apenas a [confidencial] euros, ou seja, menos [confidencial] euros que o valor calculado pela Comissão. A compressão das margens constatada pela Comissão deve ser reduzida no mesmo montante.

215

A Comissão reconhece o erro de cálculo identificado pela recorrente, que no entanto não afecta a legalidade da decisão recorrida.

b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

216

Há que observar que o erro de cálculo, admitido pela Comissão na sua contestação, respeita ao cálculo dos custos específicos da recorrente para o ano de 2001.

217

Este erro não é no entanto susceptível de afectar a legalidade da decisão recorrida.

218

Com efeito, relativamente aos anos de 1998 a 2001, a Comissão não tomou em consideração os custos específicos da recorrente para qualificar de abusiva a sua política tarifária. Com efeito, na decisão recorrida (considerando 153), a Comissão considerou que o carácter de infracção da política tarifária da recorrente decorre da existência de uma margem negativa entre os preços dos seus serviços de acesso grossista e os preços por si cobrados aos utilizadores finais. A constatação do carácter de infracção do comportamento da recorrente durante aquele período não é assim de forma alguma afectada pelo erro de cálculo relativo aos custos específicos da recorrente para o ano de 2001.

219

Em contrapartida, a partir de 2002, a Comissão qualificou as práticas tarifárias da recorrente de infractoras, na medida em que os custos específicos da recorrente relativos aos serviços de acesso a utilizadores finais ultrapassavam a margem positiva entre os preços dos serviços de acesso grossista e os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente. Para efectuar este último cálculo, a Comissão baseou-se na decisão recorrida (considerandos 159 e 160) nos custos específicos da recorrente para 2001.

220

Deste modo, a Comissão chega às seguintes conclusões relativamente ao cálculo da compressão das margens no quadro 12 da decisão recorrida:

Quadro 12

[em euros]

 

Maio de 2002

Julho de 2002

Janeiro de 2003

Fevereiro de 2003

Maio de 2003

Margem entre os preços pagos pelos assinantes e os preços serviços de acesso grossista

[confidencial]

[confidencial]

[confidencial]

[confidencial]

[confidencial]

Valor médio dos custos específicos dos produtos por linha de rede

[confidencial]

[confidencial]

[confidencial]

[confidencial]

[confidencial]

Compressão das margens

[confidencial]

[confidencial]

[confidencial]

[confidencial]

[confidencial]

221

Importa sublinhar que, no âmbito desta parte do fundamento, a recorrente não contesta a referência aos seus custos específicos para o ano de 2001 (decisão recorrida, considerando 159) para efeitos do cálculo da compressão das margens, a partir de 1 de Janeiro de 2002. Alega apenas que os seus custos específicos para 2001 foram calculados de forma errada.

222

Se a Comissão não tivesse cometido o erro de cálculo denunciado, os custos específicos para 2001 deveriam ter sido fixados, como salienta a recorrente, em [confidencial] euros (v. n.o 214 supra). No entanto, ainda que se tivesse em consideração tais custos específicos, não viciados por um erro de cálculo, existiria sempre uma compressão das margens durante toda a duração da infracção visada pela decisão recorrida.

223

Na medida em que, na decisão recorrida (considerandos 163 e 201), o carácter não equitativo, na acepção do artigo 82.o CE, das práticas tarifárias da recorrente está relacionado com a própria existência da compressão das margens, e não com a sua margem precisa, o erro de cálculo cometido pela Comissão não é susceptível de afectar a legalidade da decisão recorrida.

224

Daqui resulta, consequentemente, que improcede a terceira parte do presente fundamento.

4. Quanto à quarta parte, relativa à inexistência no mercado de efeitos da compressão tarifária das margens constatada

a) Argumentos das partes

225

Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a constatação de uma compressão tarifária das margens resultante da prática tarifária de uma empresa dominante não constitui um abuso per se. A Comissão devia assim ter examinado os efeitos reais do comportamento imputado, o que, no entanto, não foi feito na decisão recorrida. Uma vez que a RegTP fixa as tarifas dos serviços de acesso grossista em função dos custos da recorrente, a prova de um impedimento efectivo à concorrência devia ser circunstanciada.

226

A recorrente recorda a dupla componente do conceito de abuso, a saber, que os comportamentos censurados se caracterizem pelo recurso a meios diferentes dos que regem uma concorrência normal dos produtos e dos serviços com base nas prestações dos operadores económicos e que constituam um impedimento efectivo à concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.o 91). O juiz comunitário exige deste modo a prova de que o comportamento censurado constitui um entrave à entrada de outros concorrentes ou serve para afastar concorrentes já presentes no mercado. Em apoio da sua argumentação, a recorrente remete para a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão AKZO/Comissão, referido no n.o 189 supra, n.o 72; acórdãos de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C-333/94 P, Colect., p. I-5951, n.o 41; e de 16 de Março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C-395/96 P e C-396/96 P, Colect., p. I-1365, n.os 111 e 119), bem como para a prática decisória da Comissão (decisão Napier Brown/British Sugar, considerando 66), da RegTP e da FCC. Só na situação excepcional de uma venda a um preço inferior à média dos custos variáveis é que o juiz comunitário considerou uma prática tarifária intrinsecamente abusiva.

227

Na réplica, a recorrente precisa que os princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça em matéria de preços predatórios devem ser aplicados em casos de compressão tarifária das margens, quando o preço dos serviços de acesso grossista for fixado por uma autoridade reguladora. A Comissão teria assim de provar que a compressão das margens imputada conduz a um prejuízo efectivo da concorrência. Na medida em que as tarifas dos serviços de acesso grossista são fixadas pela RegTP em função dos custos, esta prova só é feita quando a empresa que domina o mercado, depois da fase de afastamento dos concorrentes, possa compensar as perdas que sofreu durante essa fase de eliminação, devido à sua política de preços baixos, através do aumento dos preços por si cobrados aos utilizadores finais. No entanto, no presente caso, qualquer tentativa da recorrente nesse sentido conduziria imediatamente ao regresso dos seus concorrentes ao mercado.

228

Em segundo lugar, a recorrente contesta que as suas tarifas tenham constituído um entrave à entrada no mercado ou tenham afastado os seus concorrentes do mercado.

229

Por um lado, existiam possibilidades reais de entrada no mercado para os concorrentes da recorrente. Esta última lembra para este efeito que os seus concorrentes podem efectuar subvenções cruzadas entre tarifas de comunicação e tarifas de ligação ou entre tarifas variáveis e tarifas fixas a fim de colmatar um eventual défice em matéria de ligações. A faculdade de os concorrentes da recorrente, de que a própria recorrente não dispõe, de excluir a (pré-)selecção para todas as ligações (v. n.o 156 supra) permitia que os concorrentes calculassem de modo muito mais preciso do que a recorrente as suas receitas provenientes das tarifas de comunicação. Os concorrentes da recorrente realizariam deste modo um volume de negócios nas tarifas de comunicação por ligação claramente superior ao da recorrente, ao que acrescia uma grande previsibilidade. As respostas dos concorrentes da recorrente ao pedido de informações de 19 de Janeiro de 2000 e a decisão da RegTP de 29 de Abril de 2003 confirmam que é possível aos referidos concorrentes realizar uma subvenção cruzada entre tarifas de ligação e tarifas de comunicações. A recorrente remete ainda para as suas observações de 29 de Julho de 2002 sobre a comunicação de acusações e para os documentos citados nessas observações. Por último, resulta de estudos efectuados pela recorrente que todos os seus concorrentes puderam realizar margens positivas sobre os custos directos devido à subvenção cruzada entre as tarifas fixas e as tarifas variáveis para cada tipo de ligação e, portanto, também para as linhas analógicas.

230

Por outro lado, a partir da liberalização do mercado alemão das telecomunicações, numerosos concorrentes conseguiram obter quotas de mercado consideráveis em zonas de concentração urbana. A recorrente refere-se a este respeito à sociedade KomTel que, segundo as suas próprias declarações num comunicado de imprensa de 31 de Maio de 2002, atingiu uma quota de mercado de 43% das ligações em Flensburg. Noutras zonas de serviço local, segundo os cálculos da recorrente a partir de linhas locadas pela recorrente aos seus concorrentes, as quotas de mercado dos outros fornecedores situam-se, por exemplo, em [confidencial]. Deste modo, desde 1998, a recorrente perdeu [confidencial] de assinantes a favor dos seus concorrentes. Depois de realizada uma entrada no mercado local, a criação de uma infra-estrutura própria pelo concorrente torna-se economicamente rentável. A entrada no mercado deve naturalmente começar por clientes lucrativos para conquistar em seguida novos grupos de clientes com os lucros assim realizados (carta da Colt, concorrente da recorrente, a esta última, de 15 de Outubro de 2002). O mesmo é válido para as regiões com grande concentração urbana, consideradas trampolins para uma concorrência a nível regional. Seja como for, a concorrência na Alemanha evoluiu de forma mais favorável do que nos outros Estados-Membros. Deste modo, considerando a Comunidade no seu todo, mais de 81% das locações de acesso desagregado ao lacete local cabem à recorrente.

231

Na réplica, a recorrente precisa que a Colt e a Arcor passaram a estar presentes a nível nacional e que a EWE TEL está presente em largas zonas do Norte da Alemanha, enquanto fornecedores de linhas telefónicas. A Comissão não fez de forma alguma prova do nexo de causalidade entre a alegada compressão tarifária das margens e a alegada lentidão da evolução da concorrência. A compressão das margens não pode estar na origem do lugar que a recorrente ocupa no segmento do mercado das ligações de banda larga, na medida em que não houve qualquer compressão tarifária das margens neste segmento do mercado.

232

A Comissão e as intervenientes I e II concluem pela improcedência da presente parte do fundamento.

b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

233

Importa recordar que o conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado, no qual, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido e que têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (acórdãos Hoffmann-La Roche/Comissão, referido no n.o 226 supra, n.o 91, e AKZO/Comissão, referido no n.o 189 supra, n.o 69; despacho do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2006, Piau/Comissão, C-171/05 P, não publicado na Colectânea, n.o 37; acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.o 122 supra, n.o 111).

234

Segundo a Comissão, as práticas tarifárias da recorrente restringiram a concorrência no mercado dos serviços de acesso a utilizadores finais. A Comissão extrai esta conclusão na decisão recorrida (considerandos 179 e 180) da própria existência da compressão das margens. Não é necessária qualquer demonstração de um efeito anticoncorrencial, ainda que, a título subsidiário, tenha efectuado esse exame nos considerandos 181 a 183 da decisão recorrida.

235

Na medida em que, até à entrada de um primeiro concorrente no mercado dos serviços de acesso a utilizadores finais, em 1998, a recorrente detinha um monopólio de facto nesse mercado, o efeito anticoncorrencial que a Comissão está obrigada a demonstrar refere-se aos eventuais impedimentos que as práticas tarifárias da recorrente possam ter causado ao desenvolvimento da concorrência nesse mercado.

236

A este respeito, há que recordar, por um lado, que a recorrente é proprietária da rede telefónica fixa na Alemanha e, por outro, que é pacífico que, como salienta a Comissão nos considerandos 83 a 91 da decisão recorrida, não existia na Alemanha, no momento da adopção da referida decisão, qualquer outra infra-estrutura que tivesse permitido aos concorrentes da recorrente entrar de forma viável no mercado dos serviços de acesso a utilizadores finais.

237

Na medida em que os serviços de acesso grossista da recorrente são assim indispensáveis para permitir a um dos seus concorrentes entrar em concorrência consigo no mercado a jusante dos serviços de acesso a assinantes, a compressão das margens entre as tarifas intermédias e as tarifas de retalho da recorrente entravará, em princípio, o desenvolvimento da concorrência nos mercados a jusante. Com efeito, se os preços de retalho praticados pela recorrente forem inferiores às tarifas das suas prestações intermédias ou se a margem entre as tarifas das prestações intermédias e as tarifas de retalho da recorrente for insuficiente para permitir a um operador tão eficaz como a recorrente cobrir os seus custos específicos para a prestação de serviços de acesso aos assinantes, um concorrente potencial tão eficaz como a recorrente só poderia entrar no mercado dos serviços de acesso a assinantes se suportasse prejuízos.

238

É verdade que, como sublinha a recorrente, os seus concorrentes recorrerão normalmente a uma subvenção cruzada, no sentido de que compensarão as perdas sofridas no mercado dos serviços de acesso a assinantes com os lucros decorrentes de outros mercados, como os mercados das comunicações. No entanto, uma vez que a recorrente, enquanto proprietária da rede fixa, não necessita de recorrer a prestações intermédias para poder oferecer serviços aos assinantes e que, contrariamente aos seus concorrentes, não tem consequentemente, devido às práticas tarifárias de uma empresa dominante, de procurar compensar as perdas sofridas no mercado dos serviços de acesso a utilizadores finais, a compressão das margens constatada na decisão recorrida falseia o jogo da concorrência não apenas no mercado de acesso a utilizadores finais mas também no mercado das comunicações (v. n.os 197 a 202 supra).

239

Por outro lado, as reduzidas quotas de mercado obtidas pelos concorrentes da recorrente no mercado dos serviços de acesso a utilizadores finais, desde a liberalização do mercado através da entrada em vigor da TKG, em 1 de Agosto de 1996, são prova da existência dos entraves que as práticas tarifárias da recorrente trouxeram ao desenvolvimento da concorrência nesses mercados. Deste modo, a recorrente precisou na audiência que não contesta as constatações efectuadas na decisão recorrida (considerando 181) segundo as quais, no momento da adopção da decisão recorrida, os seus concorrentes na Alemanha, considerados no seu conjunto, detinham apenas «4,4% das quotas do mercado das ligações em banda estreita e 10% das quotas do mercado das ligações em banda larga» e que, em «finais de 2002, dos 53,72 milhões de canais telefónicos existentes [na Alemanha], o conjunto dos 64 concorrentes só dispunha de 2,35 milhões».

240

Além disso, é pacífico que, se se tomarem em consideração apenas as linhas analógicas, que representavam na Alemanha, no momento da adopção da decisão recorrida, 75% de todas as linhas, a quota dos concorrentes da recorrente passou de 21%, em 1999, para 10%, em 2002 (decisão recorrida, considerando 182).

241

A recorrente salientou, no entanto, que numerosos concorrentes conseguiram obter quotas de mercado consideráveis em zonas de concentração urbana.

242

A este respeito, impõe-se notar que a recorrente não contesta a definição do mercado adoptada na decisão recorrida (considerandos 92 a 95) segundo a qual o mercado geográfico em causa é o mercado alemão. A progressão de determinados concorrentes da recorrente em determinadas zonas de concentração urbana não prejudica, portanto, a conclusão de que os concorrentes da recorrente só adquiriram globalmente reduzidas quotas de mercado no mercado geográfico em causa dos serviços de acesso a utilizadores finais.

243

O facto de a concorrência se ter desenvolvido de forma menos favorável nos outros Estados-Membros nem por isso demonstra que as práticas tarifárias da recorrente tenham sido desprovidas de efeito anticoncorrencial na Alemanha, que constitui o mercado geográfico relevante. A situação alegadamente menos favorável nos outros Estados-Membros pode estar relacionada com uma liberalização mais tardia dos mercados dos serviços em causa, ou seja, posterior a 1 de Junho de 1997, data em que a recorrente foi obrigada, nos termos do direito alemão aplicável, a conceder aos seus concorrentes o acesso desagregado ao lacete local (v. n.o 198 supra). Importa salientar, para este efeito, que o artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 2887/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro de 2000, relativo à oferta de acesso desagregado ao lacete local (JO L 336, p. 4), só impõe essa obrigação aos operadores históricos a partir de 31 de Dezembro de 2000. A situação alegadamente menos favorável nos outros Estados-Membros pode também estar relacionada com a existência de outras infracções ao direito comunitário da concorrência. Seja como for, mesmo admitindo que a Comissão não respeitou algumas das suas obrigações decorrentes do artigo 211.o CE ao não zelar pela aplicação do direito comunitário da concorrência no sector das telecomunicações noutros Estados-Membros, esta circunstância não justifica a infracção ao artigo 82.o CE cometida, no presente caso, pela recorrente no mesmo sector (acórdão van Landewyck e o./Comissão, referido no n.o 86 supra, n.o 84; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão, T-148/89, Colect., p. II-1063, n.o 127, e de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T-25/95, T-26/95, T-30/95 a T-32/95, T-34/95 a T-39/95, T-42/95 a T-46/95, T-48/95, T-50/95 a T-65/95, T-68/95 a T-71/95, T-87/95, T-88/95, T-103/95 e T-104/95, Colect., p. II-491, n.o 2559).

244

Finalmente, quanto ao argumento, suscitado na réplica, segundo o qual dois concorrentes da recorrente estão «entretanto» presentes a nível nacional, importa recordar que, no quadro de um recurso de anulação nos termos do artigo 230.o CE, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data em que o acto foi adoptado (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.o 7, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Fevereiro de 2002, Atlantic Container Line e o./Comissão, T-395/94, Colect., p. II-875, n.o 252). Seja como for, a recorrente, que não quantifica a presença dos concorrentes a nível nacional, não apresenta qualquer elemento susceptível de invalidar as constatações efectuadas nos considerandos 180 a 183 da decisão recorrida segundo as quais as suas práticas tarifárias entravam efectivamente a concorrência no mercado alemão dos serviços de acesso a utilizadores finais.

245

Daqui resulta que há que julgar improcedente a última parte do primeiro fundamento.

B — Quanto ao segundo fundamento, relativo ao carácter imperfeito do dispositivo da decisão recorrida

1. Argumentos das partes

246

A recorrente recorda, em primeiro lugar, que o artigo 1.o da decisão recorrida declara que violou o artigo 82.o, alínea a), CE «ao cobrar tarifas mensais e tarifas de pagamento único não equitativas aos operadores da concorrência e aos seus utilizadores finais pelo acesso à rede local». De acordo com a parte decisória, as tarifas dos serviços de acesso grossista e os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente são, por isso, não equitativos. No entanto, na fundamentação da decisão recorrida, as tarifas da recorrente enquanto tal não foram qualificadas de não equitativas. Só a relação entre as tarifas dos serviços de acesso grossista e os preços cobrados aos utilizadores finais foi considerada abusiva devido a uma alegada compressão tarifária das margens. O dispositivo da decisão recorrida não tem assim apoio nos fundamentos da decisão.

247

Em seguida, a recorrente recorda que o artigo 2.o do dispositivo da decisão recorrida lhe ordena que ponha termo à infracção referida no artigo 1.o e que se abstenha de reiterar as actuações ou os comportamentos constantes do referido artigo. Ora, para além do facto de a injunção do artigo 2.o estar em contradição com os fundamentos da decisão recorrida, não pode ser executada, na medida em que a recorrente não pode influenciar o preço dos serviços de acesso grossista.

248

Finalmente, na réplica, a recorrente acrescenta que o artigo 1.o da parte decisória está igualmente viciado, na medida em que a Comissão aí constatou que, ao cobrar tarifas não equitativas, a recorrente violou o artigo 82.o CE. Ora, a recorrente não dispunha de qualquer margem de manobra na cobrança dessas tarifas (v. n.o 73 supra).

249

A Comissão conclui pela improcedência do presente fundamento

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

250

Há que recordar que o artigo 1.o da decisão recorrida declara que a recorrente «cometeu […] uma infracção contra a alínea a) do artigo 82.o do Tratado CE, ao cobrar tarifas mensais e tarifas de pagamento único não equitativas aos operadores da concorrência e aos seus utilizadores finais pelo acesso à rede local, o que restringiu, em ampla medida, a concorrência no mercado dos serviços de acesso à rede local».

251

Contrariamente ao que a recorrente alega, o artigo 1.o da decisão recorrida não enuncia que tanto as tarifas dos serviços de acesso grossista como os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente devem ser considerados não equitativos.

252

Com efeito, o dispositivo da decisão recorrida deve ser interpretado à luz dos fundamentos da referida decisão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Dezembro de 2003, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied e Technische Unie/Comissão, T-5/00 e T-6/00, Colect., p. II-5761, n.o 374). Resulta assim claramente que «[a] prática abusiva da [recorrente] consiste na imposição de preços não equitativos sob a forma de uma compressão das margens em detrimento dos operadores da concorrência» (decisão recorrida, considerando 201). O abuso cometido reveste a «forma de um desajuste dos preços face aos custos reais (compressão das margens), ou seja, uma relação desajustada entre as tarifas grossistas dos serviços de acesso à rede local […] e as tarifas a retalho dos serviços que presta aos utilizadores finais» (decisão recorrida, considerando 57) e traduz-se na «prática de preços não equitativos» (decisão recorrida, considerando 163).

253

Resulta do que precede que o artigo 1.o da decisão recorrida, interpretado à luz dos fundamentos desta decisão, deve ser entendido no sentido de que, quando a Comissão qualifica de não equitativas as tarifas relativas à instalação e à assinatura mensal para o acesso ao lacete local, se refere à relação existente entre os preços dos serviços de acesso grossista e os preços cobrados aos utilizadores finais da recorrente. Não existe, consequentemente, qualquer contradição entre os fundamentos e o dispositivo da decisão recorrida.

254

Atendendo ao que precede, a injunção do artigo 2.o da decisão recorrida também não está afectada de ilegalidade. Com efeito, ainda que a recorrente não pudesse influenciar os preços dos serviços de acesso grossista, dispunha, de qualquer modo, de uma margem de manobra para aumentar os preços por si cobrados aos utilizadores finais para os serviços de acesso ADSL (v. n.os 141 a 151 supra).

255

Por último, a distinção efectuada pela recorrente, pela primeira vez na réplica, entre cobrança e fixação das tarifas deve ser julgada inadmissível, nos termos do artigo 48.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

256

Resulta do que precede que há que julgar inadmissível o segundo fundamento.

C — Quanto ao terceiro fundamento, relativo a desvio de poder e à violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima

1. Argumentos das partes

257

A recorrente alega que a Comissão, ao invadir as competências da RegTP, cometeu um desvio de poder e violou os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima.

258

Recorda que, nos termos do direito comunitário, a responsabilidade principal pela fiscalização das tarifas cabe às autoridades nacionais, como a RegTP. Remete, a este respeito, para os considerandos da Directiva 90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações (JO L 192, p. 10), o artigo 17.o da Directiva 98/10, o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2887/2000, o artigo 13.o, n.o 1, da Directiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações electrónicas e recursos conexos (JO L 108, p. 7), os n.os 19 e 22 da comunicação da Comissão, de 22 de Agosto de 1998, sobre a aplicação das regras da concorrência aos acordos de acesso no sector das telecomunicações, intitulada «Enquadramento, mercados relevantes e princípios», e as páginas 61 e seguintes da comunicação da Comissão intitulada «Oferta separada de acesso à linha de assinante: permitir o fornecimento concorrencial de uma ampla gama de serviços de comunicações electrónicas, incluindo serviços multimédia de banda larga e internet de elevado débito» (JO 2000, C 272, p. 55). Neste contexto, as autoridades reguladoras nacionais estão obrigadas a tomar em consideração os objectivos do direito comunitário, entre os quais o subjacente ao artigo 82.o CE. Daqui resulta, segundo a recorrente, que, se a Comissão considerava que as decisões tarifárias da RegTP violavam o direito comunitário, devia ter iniciado um processo por incumprimento contra a Alemanha.

259

A recorrente sustenta, além disso, que, tanto na regulação dos índices dos preços máximos para os preços cobrados aos utilizadores finais como na fixação dos preços dos serviços de acesso grossista, a RegTP analisou a questão de saber se existia uma compressão tarifária das margens entre os preços dos serviços de acesso grossista e o preços cobrados aos utilizadores finais susceptíveis de entravar efectivamente a concorrência. Concluiu que tal compressão das margens não existia. A recorrente remete, para este efeito, para as decisões da RegTP de 8 de Fevereiro de 1999, 23 de Dezembro de 1999, 30 de Março de 2001, 21 de Dezembro de 2001, 11 de Abril de 2002 e, em especial, 29 de Abril de 2003. As decisões da RegTP criaram na recorrente uma confiança legítima que é digna de protecção (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e o., 205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, n.os 30 e 31).

260

Na sua política tarifária, a RegTP optou por um reequilíbrio gradual entre tarifas de ligações e tarifas de comunicações (decisões da RegTP de 21 de Dezembro de 2001 e 11 de Abril de 2002). A recorrente explica que a Deutsche Bundespost praticou, por razões de política social, tarifas de ligações baixas, consequentemente vantajosas para os utilizadores finais, e compensou as perdas daí resultantes através de uma subvenção cruzada com as receitas provenientes de tarifas de comunicações, fixadas, por sua vez, a um nível elevado. Deste modo, o BMPT e, em seguida, a RegTP reuniram num pacote, num primeiro momento, por decisões de 9 de Dezembro de 1997 e 23 de Dezembro de 1999 no âmbito do processo de limitação máxima dos preços, as tarifas de ligações e de comunicações, respectivamente, para as empresas e para os particulares. Os índices de preços assim fixados eram válidos até ao final de 2001. Num segundo momento, através da sua decisão de limitação máxima dos preços de 21 de Dezembro de 2001, a própria RegTP organizou directamente a reestruturação tarifária progressiva pretendida. Separou os pacotes para as ligações e as comunicações e fixou índices de preços para quatro pacotes de serviços distintos (v. n.o 20 supra). No entanto, resulta da mesma decisão da RegTP de 21 de Dezembro de 2001 que a RegTP se recusou deliberadamente a implementar uma regulação na qual as tarifas das ligações fossem fixadas isoladamente em função dos custos.

261

Deste modo, a RegTP é a única responsável pela compressão das margens alegada pela Comissão. Com efeito, a alegada compressão das margens é consequência directa das decisões de regulação da RegTP e, anteriormente, do BMPT, bem como da abordagem regulamentar que lhes subjaz. A Comissão não pode concluir que existe uma violação do artigo 82.o CE cometida pela recorrente, na medida em que esta apenas se limitou a respeitar as decisões juridicamente vinculativas da RegTP, as quais criaram na recorrente uma confiança legítima. Através da decisão recorrida, a Comissão submete as tarifas praticadas pela recorrente a uma dupla regulação, violando desta forma o princípio da proporcionalidade e o da segurança jurídica, garantida pela repartição das competências operada pelo direito comunitário em matéria de tarifas no sector das telecomunicações. Por outro lado, ao adoptar a decisão recorrida, a Comissão tenta corrigir o exercício das competências em matéria de regulação pelas próprias autoridades alemãs, quando, para chegar a esse fim, devia ter intentado um processo por incumprimento. Ao actuar deste modo, a Comissão cometeu um desvio de poder.

262

A Comissão e as intervenientes I e II concluem pela improcedência do presente fundamento.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

263

Em primeiro lugar, relativamente à acusação da recorrente segundo a qual a Comissão submeteu as tarifas praticadas pela recorrente a uma dupla regulação e violou deste modo os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica, impõe-se notar que o quadro jurídico comunitário a que a recorrente acima se refere no n.o 258 não afecta de modo algum a competência da Comissão que resulta directamente do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 17 e, a partir de 1 de Maio de 2004, do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [81.o CE] e [82.o CE] (JO 2003, L 1, p. 1), para constatar as infracções aos artigos 81.o CE e 82.o CE.

264

Ora, já se concluiu que a recorrente dispunha, entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, de uma margem de manobra suficiente para eliminar a compressão das margens que foi constatada na decisão recorrida, por um lado, e, a partir de 1 de Janeiro de 2002, de uma margem de manobra suficiente para reduzir a referida compressão das margens, por outro (v. n.os 97 a 151 supra). O seu comportamento é consequentemente abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 82.o CE.

265

Mesmo que não se possa excluir que as autoridades alemãs também violaram o direito comunitário — designadamente as disposições da Directiva 90/388, conforme alterada pela Directiva 96/19 — ao optarem por um reequilíbrio progressivo entre tarifas de ligações e de comunicações, esse incumprimento, se viesse a ser constatado, não eliminaria a margem de manobra de que a recorrente efectivamente dispunha para reduzir a compressão das margens.

266

A primeira acusação não é, assim, procedente.

267

Em segundo lugar, no que se refere à acusação relativa à protecção da confiança legítima, há que recordar que, em diversas decisões adoptadas durante o período visado pela decisão recorrida, a RegTP examinou, de facto, a questão relativa à existência de uma compressão tarifária das margens resultante das tarifas da recorrente. No entanto, nas suas decisões, a RegTP, depois de ter declarado a margem negativa entre os preços das prestações intermédias e os preços a retalho cobrados pela recorrente, considerou, de todas as vezes, que o recurso à subvenção cruzada entre serviços de acesso e serviços de comunicações devia permitir aos outros operadores oferecerem aos seus utilizadores finais preços concorrenciais (v. n.os 115 a 119 supra).

268

Não se pode deixar de observar que as decisões da RegTP não comportam qualquer referência ao artigo 82.o CE (v. n.o 114 supra). Além disso, as afirmações da RegTP segundo as quais «a reduzida diferença entre os preços cobrados aos utilizadores finais e os preços dos serviços de acesso grossista não prejudica os concorrentes nas suas possibilidades de concorrência na rede local ao ponto de tornar economicamente impossível uma boa entrada no mercado, ou mesmo a sua sobrevivência no mercado» (decisão da RegTP de 29 de Abril de 2003), não implicam que as práticas tarifárias da recorrente não falseiam a concorrência, na acepção do artigo 82.o CE. Pelo contrário, resulta implícita mas necessariamente das decisões da RegTP que as práticas tarifárias da recorrente produziram um efeito anticoncorrencial, na medida em que os concorrentes da recorrente tiveram de recorrer a uma subvenção cruzada para poderem continuar a ser competitivos no mercado dos serviços de acesso (v. n.os 119 e 238 supra).

269

Nestas condições, as decisões da RegTP não puderam criar na recorrente uma confiança legítima de que as suas práticas eram conformes com o artigo 82.o CE. Importa sublinhar, por outro lado, que o Bundesgerichtshof, no seu acórdão de 10 de Fevereiro de 2004, que anulou o acordão do Oberlandesgericht Düsseldorf de 16 de Janeiro de 2002, confirmou que «o procedimento administrativo de análise [pela RegTP] não exclui a possibilidade prática de uma empresa apresentar uma tarifa através da qual abusa da sua posição dominante e de obter a sua autorização porque o abuso não foi descoberto durante o processo de análise».

270

Em terceiro lugar, relativamente à acusação da recorrente segundo a qual a Comissão cometeu um desvio de poder, há que recordar que um acto só enferma de desvio de poder caso se revele, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 2004, Ramondín e o./Comissão, C-186/02 P e C-188/02 P, Colect., p. I-10653, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

271

Na decisão recorrida, a Comissão visa apenas as práticas tarifárias da recorrente e não as decisões das autoridades alemãs. Mesmo que a RegTp tivesse violado uma norma comunitária e mesmo que a Comissão tivesse podido, com esse fundamento, iniciar um processo por incumprimento contra a República Federal da Alemanha, essas eventualidades não seriam de forma alguma susceptíveis de afectar a legalidade da decisão recorrida. Com efeito, nessa decisão, a Comissão limitou-se a declarar que a recorrente cometeu uma infracção ao artigo 82.o CE, disposição que se aplica não aos Estados-Membros, mas apenas aos operadores económicos. A Comissão não cometeu, consequentemente, qualquer desvio de poder ao proceder a essa constatação com base no artigo 82.o CE.

272

Assim, o último fundamento é, do mesmo modo, improcedente.

II — Quanto aos pedidos subsidiários relativos à redução da coima aplicada

273

A recorrente invoca seis fundamentos em apoio dos seus pedidos subsidiários. O primeiro refere-se à violação dos direitos de defesa e o segundo à violação do artigo 253.o CE. O terceiro fundamento baseia-se na inexistência de negligência e de falta intencional da recorrente e o quarto na insuficiente tomada em consideração da regulação tarifária no cálculo do montante da coima. O quinto fundamento refere-se ao cálculo da duração da infracção e o sexto à não tomada em consideração de circunstâncias atenuantes.

A — Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

1. Argumentos das partes

274

A recorrente alega que a Comissão violou o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 17, relativo aos direitos de defesa, ao não ter procedido, na sua comunicação de acusações de 2 de Maio de 2002 e na sua carta complementar de 21 de Fevereiro de 2003, a uma análise de facto e de direito da questão de saber se a infracção alegadamente cometida o tinha sido «de forma deliberada ou por negligência» (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.o 21; despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C-137/95 P, Colect., p. I-1611, n.o 53; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão, T-9/99, Colect., p. II-1487, n.o 311). Com efeito, para se poder defender utilmente, a recorrente devia ter sido informada, durante o procedimento administrativo, dos factos com base nos quais a Comissão lhe imputava esse erro ou essa negligência.

275

A Comissão conclui pela improcedência do presente fundamento.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

276

Importa recordar, em primeiro lugar, que o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 17 precisa, no seu primeiro parágrafo, as condições que devem estar preenchidas para que a Comissão possa aplicar coimas (condições de aplicação). Entre essas condições, figura a relativa ao carácter deliberado ou negligente da infracção constatada (despacho SPO e o./Comissão, referido no n.o 274 supra, n.o 53).

277

Cumpre, em seguida, recordar que a Comissão está obrigada a expor, na comunicação de acusações, uma breve apreciação provisória quanto à duração da infracção alegada, à sua gravidade e à questão de saber se a infracção foi cometida dolosamente ou por negligência nas circunstâncias do caso concreto. Porém, a adequação dessa apreciação provisória tendo em vista dar aos destinatários da comunicação de acusações a oportunidade de se defenderem deve ser apreciada à luz não somente do teor literal do acto em causa mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Corus UK/Comissão, T-48/00, Colect., p. II-2325, n.o 146).

278

Há que notar que, na comunicação de acusações (n.os 95 a 140), a Comissão informou a recorrente de que considerava que as práticas tarifárias desta última, designadamente a compressão das margens resultante da diferença negativa, ou insuficiente, entre os preços dos seus serviços de acesso grossista e os preços por si cobrados aos utilizadores finais, violavam o artigo 82.o CE. Além disso, a Comissão examinou, na comunicação de acusações (n.os 141 a 152), a margem de manobra de que a recorrente dispunha para fixar as suas tarifas e abordou deste modo a questão da culpabilidade da recorrente relativamente aos comportamentos criticados.

279

Nestas condições, impõe-se concluir que as informações fornecidas na comunicação de acusações sobre as condições de aplicação previstas no artigo 15.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 17 eram suficientemente precisas. Por outro lado, uma vez que as infracções cometidas por negligência não são, do ponto de vista da concorrência, menos graves do que as cometidas deliberadamente (despacho SPO e o./Comissão, referido n.o 274 supra, n.o 55), a recorrente não necessitava de receber indicações mais precisas sobre a sua culpabilidade para poder exercer utilmente os seus direitos de defesa.

280

Em qualquer caso, não se pode deixar de concluir que a recorrente exerceu efectivamente os seus direitos de defesa quanto a este ponto, na medida em que, na sua resposta à comunicação de acusações, contestou a sua culpabilidade remetendo para a regulação nacional das suas tarifas.

281

Há, assim, que julgar improcedente o primeiro fundamento.

B — Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 253.o CE

1. Argumentos das partes

282

A recorrente recorda que a decisão recorrida deve expor os fundamentos pelos quais a Comissão considera que estão reunidas as condições necessárias à aplicação de uma coima (acórdão Remia e o./Comissão, referido no n.o 185 supra, n.o 26; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1992, La Cinq/Comissão, T-44/90, Colect., p. II-1, n.o 43, e de 29 de Junho de 1993, Asia Motor France e o./Comissão, T-7/92, Colect., p. II-669, n.o 30). A decisão recorrida, que não contém qualquer fundamento relativo à negligência da recorrente ou ao carácter intencional da infracção, viola o artigo 253.o CE, pelo que a coima deve ser anulada.

283

A Comissão conclui pela improcedência do presente fundamento.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

284

Recorde-se, a título liminar, que o dever de fundamentação previsto no artigo 253.o CE constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, resultando essa procedência da legalidade quanto ao mérito do acto em litígio. Nesta perspectiva, a fundamentação exigida pelo artigo 253.o CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C-17/99, Colect., p. I-2481, n.o 35).

285

Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.o CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2001, França/Comissão, referido no n.o 284 supra, n.o 36, e de 19 de Setembro de 2002, Espanha/Comissão, C-113/00, Colect., p. I-7601, n.o 48).

286

Por um lado, há que observar que a decisão recorrida (segundo parágrafo do preâmbulo) contém uma referência ao artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 17. Esta disposição precisa, no seu primeiro parágrafo, as condições que devem estar preenchidas para que a Comissão possa aplicar coimas (condições de aplicação). Entre estas condições figura a relativa à natureza deliberada ou negligente da infracção (despacho SPO e o./Comissão, referido no n.o 274 supra, n.o 53).

287

Por outro lado, na decisão recorrida, a Comissão expôs detalhadamente, nos considerandos 102 a 162 e 176 a 183, os motivos pelos quais considera que as práticas tarifárias da recorrente são abusivas, na acepção do artigo 82.o CE, e, nos considerandos 163 a 175, os motivos pelos quais a recorrente deve ser considerada responsável pela infracção constatada, não obstante as autoridades alemãs terem de aprovar as suas tarifas.

288

Nestas condições, há que considerar que a decisão recorrida está suficientemente fundamentada no que se refere à aplicação ao presente caso das condições de aplicação previstas no artigo 15.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 17.

289

Este fundamento deve, também, ser julgado improcedente.

C — Quanto ao terceiro fundamento, relativo à inexistência de negligência ou de falta intencional da recorrente

1. Argumentos das partes

290

A recorrente sustenta que não foi negligente nem cometeu intencionalmente qualquer falta.

291

Em primeiro lugar, recorda que as suas tarifas para serviços de acesso grossista e as suas tarifas de retalho foram todas objecto de decisões de autorização do BMPT e, em seguida, da RegTP. A recorrente podia deste modo presumir legitimamente que as suas tarifas eram legais. Sublinha que a RegTP é uma instância do Estado neutra e independente. Cabia à RegTP, e não à recorrente, verificar se os preços dos serviços de acesso grossista e os preços cobrados aos utilizadores finais eram conformes com o artigo 82.o CE. Além disso, o Oberlandesgericht Düsseldorf, no seu acórdão de 16 de Janeiro de 2002, considerou que a responsabilidade pelas tarifas fixadas pela RegTP não era imputável à recorrente.

292

Em segundo lugar, a recorrente foi informada por agentes da Comissão, durante uma reunião de 17 de Abril de 2000, que o procedimento que lhe dizia respeito não teria continuação, uma vez que a Comissão tinha instaurado um processo por incumprimento contra a República Federal da Alemanha. Acrescenta que a Comissão não procedeu a qualquer medida de instrução entre Janeiro de 2000 e Junho de 2001, ou seja, durante cerca de um ano e meio. A recorrente deduziu deste comportamento da Comissão que esta não tinha bases suficientes para a acusar de um abuso de posição dominante, pelo menos, durante o período compreendido entre Janeiro de 2000 e Junho de 2001. Na réplica, a recorrente acrescenta que deduziu da abertura do processo por incumprimento, da suspensão do processo por abuso de posição dominante e das explicações dadas pela Comissão por ocasião da reunião de 17 de Abril de 2000 que esta tinha desistido da acusação relativa à violação do artigo 82.o CE.

293

Em terceiro lugar, a recorrente observa que, não existindo jurisprudência comunitária nem prática decisória da Comissão relativamente a uma compressão tarifária das margens no domínio das telecomunicações, nunca duvidou da justeza da apreciação efectuada pela RegTP. Acresce que, atenta a prática administrativa da RegTP, a qual examinou diversas vezes a problemática da compressão das margens, a recorrente podia presumir que a Comissão chegaria, por fim, à mesma conclusão que a RegTP.

294

A Comissão e a interveniente II concluem pela improcedência do presente fundamento.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

295

Quanto à questão de saber se as infracções foram cometidas intencionalmente ou por negligência e se são, por esse facto, susceptíveis de serem sancionadas por uma coima, nos termos do artigo 15.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 17, já foi decidido que este requisito está preenchido quando a empresa em causa não pode ignorar o carácter anticoncorrencial do seu comportamento, quer tivesse consciência ou não de que estava a infringir as regras de concorrência do Tratado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T-65/89, Colect., p. II-389, n.o 165, e de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T-83/91, Colect., p. II-755, n.o 238).

296

No presente caso, a recorrente não podia ignorar que, não obstante as decisões de autorização da RegTP, dispunha de uma real margem de manobra para fixar os preços por si cobrados aos utilizadores finais e, consequentemente, para reduzir a compressão tarifária das margens através do aumento destes últimos preços. Além disso, a recorrente não podia ignorar que essa compressão das margens implicava restrições sérias à concorrência, devido, em especial, à sua posição monopolista no mercado dos serviços de acesso grossista e à sua posição quase monopolista no mercado dos serviços de acesso a utilizadores finais (decisão recorrida, considerandos 97 a 100).

297

Daqui resulta que estão reunidas as condições para que a Comissão possa aplicar coimas (despacho SPO e o./Comissão, referido no n.o 274 supra, n.o 53).

298

Por outro lado, impõe-se constatar que a abertura de um procedimento pré-contencioso contra a República Federal da Alemanha de modo algum afecta os requisitos de aplicação do artigo 15.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 17. Com efeito, a recorrente não podia ignorar, por um lado, que dispunha de uma real margem de manobra para aumentar os preços por si cobrados aos utilizadores finais e, por outro, que as suas práticas tarifárias impediam o desenvolvimento da concorrência no mercado dos serviços de acesso ao lacete local, no qual o grau de concorrência já era reduzido, devido designadamente à sua presença (v., neste sentido, acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, referido no n.o 226 supra, n.o 91).

299

Por último, o argumento relativo à análise da compressão tarifária das margens por parte da RegTP é improcedente pelos motivos acima expostos nos n.os 267 a 269.

300

O terceiro fundamento deve, assim, ser também julgado improcedente.

D — Quanto ao quarto e sexto fundamentos, relativos, respectivamente, à insuficiente tomada em consideração da regulação tarifária no cálculo do montante da coima e à insuficiente tomada em consideração das circunstâncias atenuantes

1. Argumentos das partes

301

A recorrente alega que a Comissão não podia qualificar a alegada infracção de grave. A contribuição da recorrente para a infracção foi diminuta na medida em que as tarifas controvertidas foram fixadas pela RegTP. A infracção podia assim, nos termos das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2 do artigo 15.o do Regulamento n.o 17 e do n.o 5 do artigo 65.o do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»), na melhor das hipóteses, ser qualificada de pouco grave. A recorrente sublinha que, por decisão de 19 de Dezembro de 2002, a RegTP rejeitou inclusivamente um pedido da recorrente para aumentar as suas tarifas para os utilizadores finais para além do limite máximo fixado, não obstante a recorrente ter invocado, em apoio deste pedido, de forma a justificar a ultrapassagem do limite máximo previsto, o procedimento iniciado pela Comissão.

302

A redução em 10% do montante de base da coima, concedida por forma a tomar em consideração a regulação das tarifas efectuada pela RegTP, é assim insuficiente. As decisões da RegTP permitiram basear a «existência de dúvidas razoáveis sobre o carácter de infracção» do comportamento da recorrente, na acepção das orientações acima referidas. A recorrente remete, além disso, para a Decisão 2001/892/CE da Comissão, de 25 de Julho de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o do Tratado CE (COMP/C-1/36.915 — Deutsche Post AG — Intercepção de correio transfronteiriço) (JO L 331, p. 40, a seguir «decisão Deutsche Post»), na qual a Comissão aplicou uma coima meramente simbólica, por a sociedade em causa se ter comportado em conformidade com a jurisprudência dos tribunais alemães e não existir jurisprudência comunitária relativa aos serviços de correio transfronteiriço.

303

Ao fixar a coima, a Comissão devia também ter tomado em consideração outras circunstâncias atenuantes, a saber, por um lado, a inexistência de restrições graves à concorrência e, por outro, o facto de que as tarifas dos utilizadores finais pouco elevadas da recorrente desempenham uma função social.

304

Na réplica, a recorrente chama a atenção para o acórdão do Oberlandesgericht Düsseldorf de 16 de Janeiro de 2002. Observa que este órgão jurisdicional considerou que a cobrança de tarifas fixadas pela RegTP não constitui um abuso de posição dominante da recorrente e que a simples apresentação de um pedido tarifário por parte da recorrente não é suficiente para lhe imputar uma infracção ao direito da concorrência. Segundo este mesmo órgão jurisdicional, a recorrente não tem, nos termos do direito da concorrência, qualquer obrigação de apresentar outros pedidos. Quando muito, poderia ter-lhe sido aplicada uma coima simbólica, na medida em que as tarifas são não apenas parcialmente conformes com a jurisprudência dos tribunais alemães (decisão Deutsche Post, considerando 193) mas foram inclusivamente fixadas de forma vinculativa pela RegTP.

305

A Comissão e a interveniente II concluem pela improcedência do presente fundamento.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

306

Nos considerandos 206 e 207 da decisão recorrida, a Comissão qualificou a infracção de grave, e não de muito grave, no que se refere ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, por um lado, por o método de cálculo da compressão das margens sobre a abordagem ponderada ser novo e não ter ainda sido objecto de uma decisão formal e, por outro, por a recorrente ter vindo a reduzir a compressão das margens, pelo menos, desde 1999.

307

Para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2002 e Maio de 2003, a Comissão considerou uma infracção pouco grave (decisão recorrida, considerando 207), na medida em que «a [recorrente] só [podia] por lei eliminar pelo menos parcialmente a compressão das margens mediante um aumento das tarifas cobradas pelos serviços T-DSL» (decisão recorrida, considerando 206). Além disso, renunciou, para esse mesmo período, a qualquer aumento da coima a título da duração da infracção, «devido às limitações impostas à [recorrente] pelas autoridades reguladoras em termos de alterações tarifárias» (decisão recorrida, considerando 211).

308

No considerando 212 da decisão recorrida, a Comissão teve em conta como circunstância atenuante o facto de «as tarifas cobradas pela [recorrente] pelos serviços de acesso grossista aos outros operadores e pelos serviços a retalho aos utilizadores finais, se terem regido e continuarem a reger, desde 1998, por disposições reguladoras sectoriais à escala nacional».

309

Com base nas anteriores considerações, a Comissão aplicou, no artigo 3.o da decisão recorrida, uma coima de 12,6 milhões de euros à recorrente. Determinou o montante da coima através da aplicação do método de cálculo constante das orientações. Deste modo, nos termos do ponto 1 A, segundo parágrafo, das orientações, tendo em conta o grau de gravidade da infracção, o montante da coima foi fixado em 10 milhões de euros (decisão recorrida, considerando 207). Nos termos do ponto 1 B, primeiro parágrafo, das orientações, este montante foi acrescido de 40% tendo em consideração a duração da infracção para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, o que dá um montante de base de 14 milhões de euros (decisão recorrida, considerando 211). Este montante foi em seguida reduzido em 10% por forma a ter em consideração as circunstâncias atenuantes, nos termos do ponto 3 das orientações.

310

Importa notar que, contrariamente ao que a recorrente alega, a Comissão pôde qualificar de grave a infracção para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001 (decisão recorrida, considerando 207). Com efeito, as práticas tarifárias criticadas reforçam as barreiras à entrada nos mercados recentemente liberalizados e põem assim em perigo o bom funcionamento do mercado comum. Para este efeito, cumpre recordar que as orientações (ponto 1 A, segundo parágrafo) qualificam os comportamentos de uma empresa em posição dominante destinados a excluir os seus concorrentes de graves, ou mesmo muito graves, quando são cometidos por uma empresa numa situação de quase monopólio.

311

Quanto à intervenção da RegTP na fixação das tarifas da recorrente, há que recordar que, na determinação do nível da sanção, o comportamento da empresa em causa pode ser apreciado à luz da circunstância atenuante que o quadro jurídico nacional constitui (v., neste sentido, acórdãos Suiker Unie e o./Comissão, referido no n.o 89 supra, n.o 620, e CIF, referido no n.o 86 supra, n.o 57).

312

Na audiência, a Comissão explicou que a redução da coima em 10% que foi concedida tendo em consideração o facto de «as tarifas cobradas pela [recorrente] pelos serviços de acesso grossista aos outros operadores e pelos serviços a retalho aos utilizadores finais [serem reguladas] por disposições reguladoras sectoriais à escala nacional» (decisão recorrida, n.o 212) se refere à intervenção da RegTP na fixação dos preços da recorrente e ao facto de esta autoridade nacional ter examinado sucessivas vezes, durante o período visado pela decisão recorrida, a questão relativa à existência de uma compressão das margens resultante das práticas tarifárias da recorrente.

313

Atendendo à margem de que a Comissão dispõe na determinação do montante da coima (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T-150/89, Colect., p. II-1165, n.o 59, e de 26 de Abril de 2007, Bolloré e o./Comissão, T-109/02, T-118/02, T-122/02, T-125/02, T-126/02, T-128/02, T-129/02, T-132/02 e T-136/02, Colect., p. II-947, n.o 580), há que considerar que a Comissão tomou correctamente em consideração os elementos mencionados no número anterior ao reduzir o montante de base da coima em 10%.

314

Relativamente à alegada função social desempenhada pela recorrente, importa recordar que, segundo o artigo 86.o, n.o 2, CE, as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ficam submetidas ao disposto no Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. Ainda que se admita que foi confiada à recorrente uma missão de gestão de serviços de interesse económico geral, na acepção da referida disposição, a recorrente não demonstra de forma alguma por que motivo as práticas tarifárias que foram denunciadas na decisão recorrida eram necessárias para desempenhar essa missão. Este argumento não pode, assim, proceder.

315

A recorrente remete ainda para a decisão Deutsche Post e considera que, à semelhança da empresa em posição dominante nessa decisão, a Comissão lhe devia ter aplicado uma coima simbólica.

316

A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência assente, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infracções, não pode privá-la da possibilidade de elevar esse nível, dentro dos limites fixados pelo Regulamento n.o 17, se tal for necessário para assegurar a execução da política comunitária de concorrência. A aplicação eficaz das regras comunitárias de concorrência exige, com efeito, que a Comissão possa em qualquer momento adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (v. acórdão Bolloré e o./Comissão, referido no n.o 313 supra, n.o 376 e jurisprudência aí referida).

317

Em seguida, há que assinalar que a situação da recorrente é substancialmente diferente da situação da empresa visada pela decisão Deutsche Post.

318

Com efeito, resulta dos considerandos 192 e 193 da decisão Deutsche Post, que tinha por objecto um abuso relativo ao tratamento do correio transfronteiriço, que a Comissão considerou adequado aplicar apenas uma coima simbólica à empresa visada por essa decisão por três motivos: em primeiro lugar, o comportamento da empresa em causa estava em conformidade com a jurisprudência dos tribunais alemães; em segundo lugar, não existia jurisprudência comunitária relativamente ao contexto específico dos serviços de correio transfronteiriço visados; e, em terceiro lugar, a empresa em causa comprometeu-se a adoptar um procedimento para o tratamento da correspondência transfronteiriça de entrada susceptível de evitar dificuldades práticas e, eventualmente, de facilitar a detecção de futuras infracções à livre concorrência.

319

No presente caso, em primeiro lugar, cumpre observar que o único acórdão dos órgãos jurisdicionais alemães a que a recorrente se refere é o acórdão do Oberlandesgericht Düsseldorf, proferido em 16 de Janeiro de 2002, ou seja, no período durante o qual a decisão recorrida qualificou a infracção de pouco grave (considerando 207). De qualquer modo, este acórdão foi anulado pelo acórdão do Bundesgerichtshof de 10 de Fevereiro de 2004. Em segundo lugar, resulta da decisão recorrida (considerandos 106 e 206) que a Comissão aplicou os mesmos princípios que estiveram na base da decisão Napier Brown/British Sugar de 1988. Ora, na sua comunicação de 22 de Agosto de 1998, sobre a aplicação das regras da concorrência aos acordos de acesso no sector das telecomunicações, intitulada «Enquadramento, mercados relevantes e princípios» (n.os 117 a 119), a Comissão já tinha anunciado que pretendia aplicar os princípios da decisão Napier Brown/British Sugar ao sector das telecomunicações. O único elemento novo da decisão recorrida é constituído pela «abordagem ponderada [que] houve que utilizar [uma vez que] na Alemanha se tinha fixado uma tarifa única pelos serviços de acesso desagregado ao lacete local, enquanto o montante das tarifas para os serviços correspondentes prestados aos utilizadores finais a nível das linhas analógicas, RDIS e ADSL é variável» (decisão recorrida, considerando 206). No entanto, a Comissão tomou em consideração a novidade desta abordagem para efeitos de qualificar a infracção de grave, e não de muito grave, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001 (decisão recorrida, considerando 206). Por último, em terceiro lugar, a recorrente, no presente processo, não adoptou qualquer compromisso para evitar qualquer outra infracção futura.

320

Não estando preenchidos os três critérios enunciados na decisão Deutsche Post, o argumento relativo à solução adoptada na referida decisão não é procedente.

321

Resulta do que precede que há que julgar improcedente o presente argumento.

E — Quanto ao quinto fundamento, relativo à incorrecta apreciação da duração da infracção

1. Argumentos das partes

322

A recorrente recorda que a Comissão elevou o montante da coima devido à alegada gravidade da infracção durante o período compreendido entre 1998 e 2001. No entanto, na decisão recorrida (considerando 208), a própria Comissão reconhece que a recorrente só teve conhecimento da estrutura abusiva das suas tarifas a partir de 1999.

323

A recorrente alega que foi informada, na reunião de 17 de Abril de 2000, por agentes da Comissão, que esta pretendia iniciar um processo por incumprimento contra a República Federal da Alemanha. Devido a esta informação e à morosidade do procedimento administrativo, a própria Comissão reforçou a convicção da recorrente de que as suas tarifas não contrariavam o artigo 82.o CE e contribuiu deste modo para o prolongamento da duração da infracção. Esta duração não deve assim ser tomada em consideração na sua totalidade na fixação do montante da coima (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1974, Istituto chemioterapico italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, n.o 51).

324

A Comissão conclui pela improcedência do presente fundamento.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

325

Na medida em que, no âmbito do presente fundamento, a recorrente põe em causa o cálculo da duração da infracção, há que concluir que, no âmbito dos pedidos subsidiários da petição inicial, a recorrente pede não apenas a redução da coima mas também a anulação parcial do artigo 1.o da decisão recorrida (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T-38/02, Colect., p. II-4407, n.os 210 a 214).

326

No que se refere à apreciação da procedência do fundamento, importa recordar que, na decisão recorrida, a Comissão se refere às denúncias apresentadas pelos concorrentes da recorrente em 1999. Segundo a Comissão, a recorrente estava a par, desde esse momento, «da denúncia relativa à estrutura tarifária alegadamente abusiva no domínio dos serviços de acesso à rede local» (decisão recorrida, considerando 208).

327

O facto de a recorrente só ter tido conhecimento da acusação que lhe é feita, de abusar da sua posição dominante, a partir de 1999 não é relevante para a realidade do carácter de infracção do seu comportamento a partir de 1998. Com efeito, o conceito de exploração abusiva, na acepção do artigo 82.o CE, é um conceito objectivo (acórdãos Hoffmann-La Roche/Comissão, referido no n.o 226 supra, n.o 91; AKZO/Comissão, referido no n.o 189 supra, n.o 69; e despacho Piau/Comissão, referido no n.o 233 supra, n.o 37; acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.o 122 supra, n.o 111). O conhecimento subjectivo do carácter abusivo do seu comportamento por uma empresa em posição dominante não constitui, assim, um requisito de aplicação do artigo 82.o CE.

328

Há, pois, que julgar improcedente o primeiro argumento.

329

O argumento da recorrente segundo o qual a coima teria sido inferior se a decisão tivesse sido adoptada mais cedo também não procede. Trata-se, com efeito, de um argumento meramente hipotético. Por outro lado, importa sublinhar que resulta da decisão recorrida (considerando 211) que a Comissão renunciou a qualquer aumento da coima relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2002 e Maio de 2003.

330

O segundo argumento não pode assim proceder e, por conseguinte, há que julgar o último argumento improcedente na íntegra. Consequentemente, há que negar provimento ao recurso.

Quanto às despesas

331

Por força do disposto no artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la, para além das suas próprias despesas, nas despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta.

332

Nos termos do artigo 87.o, n.o 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, as intervenientes suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Deutsche Telekom AG suportará as suas próprias despesas e as efectuadas pela Comissão.

 

3)

A Arcor AG & Co. KG, por um lado, e a Versatel NRW GmbH, a EWE TEL GmbH, a HanseNet Telekommunikation GmbH, a Versatel Nord-Deutschland GmbH, a NetCologne Gesellschaft für Telekommunikation mbH, a Versatel Süd-Deutschland GmbH e a Versatel West-Deutschland GmbH, por outro, suportarão as respectivas despesas.

 

Vilaras

Martins Ribeiro

Šváby

Jürimäe

Wahl

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Abril de 2008.

O secretário

E. Coulon

O presidente

M. Vilaras

Índice

 

Factos na origem do litígio

 

I — Serviços de acesso grossista

 

II — Serviços de acesso a utilizadores finais

 

A — Tarifas para as linhas analógicas de utilizadores finais (T-Net) e digitais de banda estreita — RDIS (T-ISDN)

 

B — Tarifas para as linhas ADSL (T-DSL)

 

Procedimento administrativo

 

Decisão recorrida

 

Tramitação processual

 

Pedidos das partes

 

Questão de direito

 

I — Quanto aos pedidos principais relativos à anulação da decisão recorrida

 

A — Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 82.o CE

 

1. Quanto à primeira parte, relativa à inexistência de comportamento abusivo devido à margem de manobra insuficiente de que a recorrente dispunha para evitar a compressão tarifária das margens

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

i) Observações preliminares

 

ii) Decisão recorrida

 

iii) Quanto à inexistência de comportamento abusivo devido à margem de manobra insuficiente da recorrente para evitar a compressão das margens aumentando os preços por si cobrados aos utilizadores finais durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001

 

iv) Quanto à inexistência de comportamento abusivo devido a uma margem de manobra insuficiente da recorrente para reduzir a compressão das margens através do aumento das suas tarifas finais de acesso ADSL a partir de 1 de Janeiro de 2002

 

2. Quanto à segunda parte, relativa à ilegalidade do método utilizado pela Comissão para concluir pela compressão tarifária das margens

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

i) Quanto à questão de saber se a Comissão devia ter demonstrado na decisão recorrida que as tarifas cobradas aos utilizadores finais da recorrente eram abusivas enquanto tais

 

ii) Quanto ao método utilizado pela Comissão para o cálculo da compressão das margens

 

Decisão recorrida

 

Legalidade do método utilizado pela Comissão

 

— Observações preliminares

 

— Quanto à pretensa ilegalidade do método de cálculo da compressão das margens com base nas tarifas e nos custos da empresa verticalmente integrada que ocupa uma posição dominante, abstraindo da posição específica dos concorrentes no mercado

 

— Quanto à acusação de que a Comissão só teve em consideração as receitas de todos os serviços de acesso com exclusão das receitas de outros serviços, designadamente das que provêm das comunicações

 

— Quanto à acusação relativa ao facto de as tarifas de desactivação para os serviços de acesso grossista terem sido incluídas no cálculo da compressão das margens

 

3. Quanto à terceira parte, relativa a um alegado erro de cálculo na constatação de uma compressão tarifária das margens

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

4. Quanto à quarta parte, relativa à inexistência no mercado de efeitos da compressão tarifária das margens constatada

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

B — Quanto ao segundo fundamento, relativo ao carácter imperfeito do dispositivo da decisão recorrida

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

C — Quanto ao terceiro fundamento, relativo a desvio de poder e à violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

II — Quanto aos pedidos subsidiários relativos à redução da coima aplicada

 

A — Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

B — Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 253.o CE

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

C — Quanto ao terceiro fundamento, relativo à inexistência de negligência ou de falta intencional da recorrente

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

D — Quanto ao quarto e sexto fundamentos, relativos, respectivamente, à insuficiente tomada em consideração da regulação tarifária no cálculo do montante da coima e à insuficiente tomada em consideração das circunstâncias atenuantes

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

E — Quanto ao quinto fundamento, relativo à incorrecta apreciação da duração da infracção

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

Quanto às despesas


( *1 )  Língua do processo: alemão.

( 1 ) Dados confidenciais omitidos.

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