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Document 62003CJ0520

Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 16 de Dezembro de 2004.
José Vicente Olaso Valero contra Fondo de Garantía Salarial (Fogasa).
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Superior de Justicia de la Comunidad Valenciana - Espanha.
Política social - Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador - Directiva 80/987/CEE - Âmbito de aplicação - Conceito de "créditos' - Conceito de "remuneração' - Indemnização devida em caso de despedimento ilícito.
Processo C-520/03.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-12065

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:826

Arrêt de la Cour

Processo C‑520/03

José Vicente Olaso Valero

contra

Fondo de Garantía Salarial (Fogasa)

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de la Comunidad Valenciana)

«Política social – Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador – Directiva 80/987/CEE – Âmbito de aplicação – Conceito de ‘créditos’ – Conceito de ‘remuneração’ – Indemnização devida em caso de despedimento ilícito»

Sumário do acórdão

1.        Política social – Aproximação das legislações – Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador – Directiva 80/987 – Âmbito de aplicação – Conceito de remuneração – Aplicação do direito nacional – Legislação nacional que inclui as indemnizações por despedimento ilícito – Admissibilidade

(Directiva 80/987 do Conselho, artigo 2.°, n.° 2)

2.        Política social – Aproximação das legislações – Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador – Directiva 80/987 – Âmbito de aplicação – Conceito de remuneração – Legislação nacional que inclui as indemnizações por despedimento ilícito reconhecidas por sentença ou decisão administrativa e que exclui os créditos estipulados num processo de conciliação – Violação do princípio da igualdade de tratamento – Obrigações e poderes do juiz nacional

(Directiva 80/987 do Conselho, artigo 2.°, n.° 2)

1.        Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 80/987, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, é ao direito nacional que compete precisar o termo «remuneração» e definir o seu conteúdo.

A esse respeito, o facto de a directiva relacionar o pagamento da remuneração com períodos de referência não exclui a sua aplicação a indemnizações por despedimento ilícito. Consequentemente, se o termo «remuneração», tal como definido pelo direito nacional, inclui essas indemnizações, estas são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 80/987, também na redacção anterior à da Directiva 2002/74, que altera a Directiva 80/987.

(cf. n.os 31‑33, disp. 1)

2.        No âmbito da aplicação da Directiva 80/987, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, quando, segundo a legislação nacional em causa, os créditos correspondentes a indemnizações por despedimento ilícito, reconhecidos por sentença ou decisão administrativa, estão incluídos no conceito de «remuneração», os créditos idênticos, estipulados num processo de conciliação, devem também ser considerados créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e são relativos à remuneração na acepção da referida directiva. Com efeito, os trabalhadores despedidos ilicitamente encontram‑se numa situação comparável desde que tenham direito a uma indemnização em caso de não reintegração.

O juiz nacional não deve, por isso, aplicar uma legislação interna que exclua, violando o princípio da igualdade, estes últimos créditos do conceito de «remuneração» na acepção da referida legislação.

(cf. n.os 35, 38, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
16 de Dezembro de 2004(1)

«Política social – Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador – Directiva 80/987/CEE – Âmbito de aplicação – Conceito de ‘créditos’ – Conceito de ‘remuneração’ – Indemnização devida em caso de despedimento ilícito»

No processo C-520/03,que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial, nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de la Comunidad Valenciana (Espanha), por decisão de 27 de Novembro de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de Dezembro de 2003, no processo

José Vicente Olaso Valero

contra

Fondo de Garantía Salarial (Fogasa),



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,



composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Lenaerts, N. Colneric (relatora), K. Schiemann e E. Juhász, juízes,

advogado-geral: A. Tizzano,
secretário: R. Grass,

vistos os autos,vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de J. Olaso Valero, por T. Alcalá Mellado, abogada,

em representação do Governo espanhol, por L. Fraguas Gadea, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Rozet e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial incide sobre a interpretação da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219).

2
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe J. Olaso Valero ao Fondo de Garantía Salarial (Fundo de Garantia Salarial, a seguir «Fogasa»), a respeito da recusa de este último lhe pagar, a título da sua responsabilidade subsidiária, uma indemnização pelo seu despedimento ilícito, tendo o pagamento desta indemnização sido acordado entre o assalariado e a sua entidade patronal num acordo de conciliação.


Enquadramento regulamentar

Regulamentação comunitária

3
O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 80/987 dispõe que «[a] presente directiva aplica‑se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação aos empregadores que se encontrem em estado de insolvência na acepção do n.° 1 do artigo 2.°».

4
O artigo 2.°, n.° 2, da referida directiva precisa que esta não prejudica o direito nacional no que se refere à definição dos termos «trabalhador assalariado», «empregador», «remuneração», «direito adquirido» e «direito em vias de aquisição».

5
O artigo 3.°, n.° 1, da mesma directiva prevê:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia, sem prejuízo do disposto no artigo 4.°, o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e tendo por objecto a remuneração referente ao período situado antes de determinada data.»

6
Nos termos do artigo 4.° da Directiva 80/987, os Estados‑Membros têm a faculdade de restringir a obrigação de pagamento das instituições de garantia, prevista no seu artigo 3.°, limitando‑a à remuneração referente a um período definido ou fixando um limite.

7
O artigo 9.° da referida directiva dispõe que esta «não prejudicará a faculdade de os Estados‑Membros aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores assalariados».

8
Nos termos do artigo 10.°, alínea a), da mesma directiva, esta «não prejudicará a faculdade de os Estados‑Membros […] tomarem as medidas necessárias para evitar abusos».

9
A Directiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, que altera a Directiva 80/987 (JO L 270, p. 10), que entrou em vigor posteriormente aos factos da lide principal, substituiu o seu artigo 3.° pelo seguinte texto:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.°, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho.

Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados‑Membros.»

Legislação nacional

Real Decreto Legislativo 1/1995

10
O artigo 26.°, n.os 1 e 2, do Real Decreto Legislativo 1/1995, de 24 de Março de 1995, que aprova o texto codificado do Estatuto de los Trabajadores (Lei do Estatuto dos Trabalhadores) (BOE n.° 75, de 29 de Março de 1995, p. 9654, a seguir «estatuto dos trabalhadores»), dispõe:

«1.     Deve entender‑se por salário todos os benefícios económicos, em dinheiro ou em espécie, que os trabalhadores assalariados aufiram como contrapartida das tarefas que desempenhem no âmbito da sua relação de trabalho por conta de outrem, quando esses benefícios sejam a contrapartida do trabalho efectivo ou de períodos de repouso equiparáveis a trabalho, qualquer que seja a forma da remuneração. […]

2.       Ficam excluídas do conceito de salário as importâncias recebidas pelo trabalhador a título de reembolso de despesas que tenha efectuado por ocasião da sua actividade profissional, as prestações e indemnizações da Segurança Social e as indemnizações correspondentes a transferências, suspensões ou despedimentos.»

11
O artigo 28.° do estatuto dos trabalhadores, na redacção dada pela Ley 33/2002, de 5 de Julho de 2002 (BOE n.° 161, de 6 de Julho de 2002, p. 24683), intitulado «Igualdade de remuneração em razão do sexo», precisa que:

«O empregador é obrigado a pagar pela realização de um trabalho de igual valor a mesma remuneração, seja directa ou indirectamente, e independentemente da natureza salarial ou não salarial da mesma, sem que possa produzir‑se discriminação alguma em razão do sexo em qualquer dos elementos ou condições daquela.»

12
O artigo 33.° n.os 1 e 2, do estatuto dos trabalhadores, na versão resultante da Ley 60/1997, de 19 de Dezembro de 1997 (BOE n.° 304, de 20 de Dezembro de 1997, p. 37453), dispõe:

«1.     O Fundo de Garantia Salarial, organismo autónomo dependente do Ministro do Trabalho e da Segurança Social, dotado de personalidade e de capacidade jurídicas com vista ao cumprimento dos seus objectivos, paga aos trabalhadores o montante dos salários que lhes são devidos em caso de insolvência, de suspensão dos pagamentos, de falência ou de recuperação judicial dos empresários.

Para efeitos do número anterior, entende‑se por salário o montante reconhecido como tal, em conciliação ou por decisão judicial, a título de todos os elementos referidos no artigo 26.°, n.° 1, bem como a indemnização complementar por ‘salarios de tramitación’ que, sendo caso disso, o órgão jurisdicional competente atribua, sem que o Fundo pague, a qualquer título, conjunta ou separadamente, um montante superior à soma resultante da multiplicação do dobro do salário mínimo interprofissional diário pelo número de dias de salário não pagos, até ao limite de cento e vinte dias.

2.       O Fundo de Garantia Salarial, nos casos referidos no número anterior, pagará indemnizações reconhecidas por sentença ou resolução administrativa a favor dos trabalhadores, devido a despedimento ou cessação dos contratos, em conformidade com os artigos 50.°, 51.° e 52.°, alínea c), desta lei, com o limite máximo de uma anuidade, sem que o salário diário que serve de base ao cálculo possa exceder o dobro do salário mínimo interprofissional.

O montante da indemnização, apenas para efeitos de pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial, nos casos de despedimento ou de extinção dos contratos nos termos do artigo 50.° da presente lei, será calculado com base em vinte e cinco dias por ano de serviço, com o limite fixado no parágrafo anterior.»

13
De acordo com o n.° 4 do artigo 33.° do estatuto dos trabalhadores, o Fogasa assume as obrigações referidas nos números anteriores desta disposição, após o exame do processo para verificar a sua justificação.

14
O artigo 50.° do estatuto dos trabalhadores, que menciona os motivos de rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador, prevê:

«1.     Os fundamentos válidos pelos quais o trabalhador pode pedir a cessação do contrato são:

[...]

c)
Qualquer outra falta grave da entidade patronal às suas obrigações, salvo caso de força maior [...].

2.       Nesses casos, o trabalhador tem direito às indemnizações previstas para o despedimento ilícito.»

15
O artigo 56.°, n.° 1, do estatuto dos trabalhadores tem a seguinte redacção:

«1.     Quando o despedimento for declarado ilícito, a entidade patronal, no prazo de cinco dias a contar da notificação da sentença, poderá optar pela reintegração do trabalhador, acompanhada do pagamento dos ‘salarios de tramitación’ previstos na alínea b) do presente número, ou pelo pagamento das seguintes somas, que deverão ser fixadas na sentença:

a)
uma indemnização equivalente a 45 dias de salário por ano de serviço, sendo os períodos inferiores a um ano contabilizados proporcionalmente, numa base mensal, até um máximo de 42 mensalidades;

b)
um montante igual à soma dos salários devidos a contar da data do despedimento até à notificação da sentença que declara a ilicitude do despedimento ou até que o trabalhador tenha encontrado um novo trabalho, se esta contratação for anterior à prolação da sentença e se a entidade patronal fizer a prova das somas pagas com vista à sua dedução dos ‘salarios de tramitación’.

A entidade patronal deverá manter a inscrição do trabalhador na segurança social durante o período correspondente aos salários previstos na alínea b), supra

Real Decreto 505/1985 relativo ao Fogasa

16
O artigo 14.° do Real Decreto 505/1985, de 6 de Março de 1985, relativo à organização e ao funcionamento do Fundo de Garantia Salarial (BOE n.° 92, de 17 de Abril de 1985, a seguir «Real Decreto 505/1985»), dispõe:

«1.     Para efeitos do presente Real Decreto, consideram‑se créditos salariais protegidos todos os proveitos económicos a que os trabalhadores têm direito, desde que sejam contrapartida:

a)
de trabalho efectivamente prestado;

b)
dos períodos de repouso equiparados a trabalho;

c)
dos proveitos económicos recebidos por força do artigo 56.°, n.° 1, alínea b), do estatuto dos trabalhadores e do artigo 211.°, último parágrafo, da lei de processo do trabalho.

[...]

2.      É considerado crédito de indemnização o montante reconhecido a favor dos trabalhadores na sentença, na decisão da autoridade do trabalho ou na decisão judicial que é seu complemento, pelo despedimento ou pela cessação do contrato de trabalho, nos termos dos artigos 50.° e 51.° do estatuto dos trabalhadores.»

17
Nos termos do artigo 28.°, n.° 3, do referido Real Decreto, constitui motivo de indeferimento dos pedidos de prestações da garantia salarial «a verificação de abuso de direito ou de fraude à lei e quando o seu pagamento não se justifica devido à existência demonstrada de um interesse comum dos trabalhadores e das entidades patronais em criar uma aparência de estado legal de insolvência com vista a obter prestações do Fundo de Garantia Salarial».

Lei de processo do trabalho

18
O artigo 63.° do Real Decreto Legislativo 2/1995, de 7 de Abril de 1995, que aprova o texto codificado da Ley de Procedimiento Laboral (lei de processo do trabalho) (BOE n.° 86, de 11 de Abril de 1995, p. 10695, a seguir «LPL»), impõe, antes do início de um processo judicial, uma tentativa de conciliação no serviço administrativo competente.

19
O artigo 84.° da LPL prevê imperativamente, no caso de insucesso da conciliação neste serviço, uma nova tentativa de conciliação no órgão jurisdicional competente.


Litígio do processo principal

20
Por acto de conciliação celebrado em 15 de Dezembro de 1999 no Juzgado de lo Social n.° 16 de Valencia (Espanha), no âmbito de um processo de impugnação de despedimento apresentado por J. Olaso Valero, foi reconhecida a ilicitude do seu despedimento pela empresa Valls y Lorente SL (a seguir «Valls»). Nestas condições, esta obrigou‑se a pagar a J. Olaso Valero os «salarios de tramitación» e uma indemnização por despedimento ilícito. Este acordo foi aceite pelo trabalhador.

21
Não tendo a Valls efectuado, no dia acordado, o pagamento dos montantes devidos nos termos do referido acordo, o Juzgado de lo Social n.° 3 de Valencia (Espanha) proferiu um despacho, em 10 de Fevereiro de 2000, que aprovava a execução deste acordo. Por despacho do mesmo juiz, de 21 de Setembro de 2001, a Valls foi declarada insolvente. Este despacho foi notificado às partes e ao Fogasa.

22
Então, J. Olaso Valero solicitou ao Fogasa o pagamento das prestações de garantia, o que lhe foi recusado por decisão deste organismo de 30 de Outubro de 2001. Em relação à indemnização por despedimento ilícito, o Fogasa alegou que os montantes pedidos a este título tinham sido acordados em sede de conciliação e que, portanto, não eram reconhecidos por sentença, por decisão da autoridade do trabalho nem por decisão judicial sua complementar, nos termos do artigo 14.°, n.° 2, do Real Decreto 505/1985.

23
O Juzgado de lo Social n.° 16 de Valencia, para o qual J. Olaso Valero recorreu da referida decisão do Fogasa, negou provimento ao recurso por acórdão de 20 de Março de 2003.


Questões prejudiciais

24
Na sua decisão de reenvio, o Tribunal Superior de Justicia de la Comunidad Valenciana, para o qual foi interposto recurso do referido acórdão de negação de provimento, considerou que a questão dos «salarios de tramitación» já tinha sido decidida no acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2002, Rodríguez Caballero (C‑442/00, Colect., p. I‑11915).

25
Em relação à indemnização por despedimento ilícito, o referido Tribunal indica que, à luz do artigo 28.° do estatuto dos trabalhadores, parece que o conceito de «remuneração», no direito espanhol, não está necessariamente circunscrito só ao salário, na medida em que pode ser «salarial» ou «extra‑salarial».

26
O órgão jurisdicional de reenvio tem uma primeira dúvida quanto à aplicação geral da Directiva 80/987 à indemnização paga ao assalariado que foi objecto de despedimento ilícito, tendo em conta, em especial, os n.os 26 e 27 do acórdão Rodríguez Caballero, já referido. Indica, designadamente, que foi a Directiva 2002/74 que introduziu no artigo 3.° da Directiva 80/987 a referência «às indemnizações pela cessação da relação de trabalho, sempre que o direito nacional o estabeleça». Além disso, o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 80/987 relaciona o pagamento da remuneração com períodos que se harmonizam mal com a ideia de indemnização. A menos que se interprete de forma inédita, por força do artigo 28.° do estatuto dos trabalhadores, o conceito jurídico de remuneração, no sentido de que inclui as indemnizações por despedimento ilícito, resulta do direito espanhol que a Directiva 80/987 não se lhes aplica, uma vez que as disposições nacionais são, a esse respeito, mais favoráveis aos trabalhadores do que a regulamentação comunitária.

27
O órgão jurisdicional de reenvio também tem dúvidas quanto ao respeito do princípio geral da igualdade e da não discriminação a que se referem os n.os 30, 31, 32 e 33 do acórdão Rodríguez Caballero, já referido. Na sua opinião, se as disposições do artigo 33.° do estatuto dos trabalhadores e as do Real Decreto 505/1985 se consideram incluídas no âmbito de aplicação do direito comunitário, pode‑se daí concluir, do mesmo modo que no caso dos «salarios de tramitación», que se todos os trabalhadores ilicitamente despedidos – tanto aqueles cujo carácter ilícito do despedimento foi reconhecido por sentença como aqueles que celebraram um acordo de conciliação baseado no reconhecimento prévio do carácter ilícito do despedimento – têm direito a uma indemnização no caso de não serem reintegrados, não pode ser objectivamente justificada a restrição estabelecida a respeito das indemnizações reconhecidas por decisão judicial ou administrativa pelo artigo 33.°, n.° 2, do estatuto dos trabalhadores.

28
O Tribunal Superior de Justicia de la Comunidad Valenciana alega que, nos termos do artigo 28.°, n.° 3, do Real Decreto 505/1985, o Fogasa dispõe de garantias suficientes para evitar qualquer tipo de fraude. A conciliação efectuada nos termos do artigo 84.° da LPL é estreitamente fiscalizada pela autoridade jurisdicional que a deve aprovar. Isto é ainda mais verdadeiro nos casos como o do presente litígio, em que a própria instituição de garantia reconheceu, na audiência no órgão jurisdicional, que o montante reclamado é exacto e conforme aos limites e créditos previstos pelo direito espanhol.

29
Foi com base nestas considerações que o Tribunal Superior de Justicia de la Comunidad Valenciana decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as duas questões prejudiciais seguintes:

«1)
O pedido de indemnização por despedimento ilícito é abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva 80/987 [...], na redacção anterior à da Directiva 2002/74/CE?

2)
Tendo em conta o respeito dos princípios da igualdade e da não discriminação, pode considerar‑se que o disposto no n.° 2 do artigo 33.° [do estatuto dos trabalhadores], na medida em que exige sentença ou decisão administrativa para que o Fogasa pague as indemnizações correspondentes, não é objectivamente justificado e não se deve aplicar?»


Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

30
O âmbito de aplicação da Directiva 80/987 é definido no seu artigo 1.° Uma leitura conjugada dos artigos 1.°, n.° 1, e 3.°, n.° 1, desta directiva revela que esta tem apenas por objecto os créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, quando esses créditos têm por objecto a remuneração na acepção do referido artigo 3.°, n.° 1 (v. acórdão Rodríguez Caballero, já referido, n.° 26).

31
Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 80/987, é ao direito nacional que compete precisar o termo «remuneração» e definir o seu conteúdo (acórdão Rodríguez Caballero, já referido, n.° 27). Por conseguinte, no caso vertente, a directiva remete para o direito espanhol.

32
O facto de a Directiva 80/987 relacionar o pagamento da remuneração com períodos de referência não exclui a sua aplicação a indemnizações por despedimento ilícito. Isto é corroborado pelo artigo 3.° desta directiva, na redacção dada pela Directiva 2002/74, que, ao mesmo tempo que mantinha a ligação a esses períodos, se refere expressamente às indemnizações pela cessação da relação de trabalho.

33
Por conseguinte, há que responder à primeira questão que compete ao juiz nacional determinar se o termo «remuneração», tal como definido pelo direito nacional, inclui as indemnizações por despedimento ilícito. Se tal for o caso, as referidas indemnizações estão abrangidas pela Directiva 80/987, na redacção anterior à da Directiva 2002/74.

Quanto à segunda questão

34
A faculdade reconhecida ao direito nacional de precisar as prestações a cargo da instituição de garantia está dependente do respeito dos direitos fundamentais, entre os quais se inclui, designadamente, o princípio geral da igualdade e da não discriminação. Este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente, a menos que a diferenciação seja objectivamente justificada (acórdão Rodríguez Caballero, já referido, n.os 29 a 32).

35
Os trabalhadores despedidos ilicitamente encontram‑se numa situação comparável desde que tenham direito a uma indemnização em caso de não reintegração.

36
O diferente tratamento que a legislação espanhola reserva a esses trabalhadores, na medida em que os créditos relativos às indemnizações por despedimento ilícito só são tomados em consideração pelo Fogasa quando são reconhecidos por sentença ou decisão administrativa, só pode, assim, ser admitido no caso de existir justificação objectiva para tal diferença de tratamento (v., neste sentido, acórdão Rodríguez Caballero, já referido, n.° 34).

37
A este respeito, há que referir que o processo não apresenta elementos suplementares relativamente aos que o Tribunal de Justiça já teve ocasião de analisar nos n.os 36 a 38 do acórdão Rodríguez Caballero, já referido. Daí resulta que não foi apresentado nenhum argumento convincente para justificar a diferença de tratamento entre os créditos correspondentes a indemnizações por despedimento ilícito reconhecidos por sentença ou decisão administrativa e os relativos a indemnizações por despedimento ilícito reconhecidos no processo de conciliação.

38
Vistas as considerações expostas, há que responder à segunda questão que, quando, segundo a legislação nacional em causa, os créditos correspondentes a indemnizações por despedimento ilícito, reconhecidos por sentença ou decisão administrativa, estão incluídos no conceito de «remuneração», os créditos idênticos, estipulados num processo de conciliação tal como o processo objecto do caso vertente, devem ser considerados créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e são relativos à remuneração na acepção da Directiva 80/987. O juiz nacional não deve aplicar uma legislação interna que exclua, violando o princípio da igualdade, estes últimos créditos do conceito de «remuneração» na acepção da referida legislação.


Quanto às despesas

39
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas para apresentar observações ao Tribunal de Justiça, com excepção das despesas das referidas partes, não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)
Compete ao juiz nacional determinar se o termo «remuneração», tal como definido pelo direito nacional, inclui as indemnizações por despedimento ilícito. Se tal for o caso, as referidas indemnizações estão abrangidas pela Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, na redacção anterior à da Directiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, que altera a Directiva 80/987.

2)
Quando, segundo a legislação nacional em causa, os créditos correspondentes a indemnizações por despedimento ilícito, reconhecidos por sentença ou decisão administrativa, estão incluídos no conceito de «remuneração», os créditos idênticos, estipulados num processo de conciliação tal como o processo objecto do caso vertente, devem ser considerados créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e são relativos à remuneração na acepção da Directiva 80/987. O juiz nacional não deve aplicar uma legislação interna que exclua, violando o princípio da igualdade, estes últimos créditos do conceito de «remuneração» na acepção da referida legislação.

Assinaturas.


1
Língua do processo: espanhol.

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